Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
881/18.1T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL
CONTRATO VERBAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
REDUÇÃO A ESCRITO
FORMALIDADE AD PROBATIONEM
NULIDADE ATÍPICA
Data do Acordão: 05/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – JUÍZO CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 2114 DE 15/6/1962, DL Nº 201/75 DE 15/4, DL Nº 76/77 DE 29/9, DL Nº 385/88 DE 25/10, DL Nº 294/2009 DE 13/10, ART.1074 CC
Sumário: 1 - A redução a escrito dum contrato de Arrendamento Rural celebrado verbalmente, numa época (1966) em que a lei não obrigava à sua redução a escrito, não é um novo contrato de arrendamento, pelo que o contraente que toma a iniciativa da sua redução a escrito não pode nele incluir, sem o acordo da parte contrária, cláusulas e conteúdos que não haviam sido combinados.

2 - Assim, nada tendo sido acordado, na data da celebração de tal contrato de Arrendamento Rural, sobre a possibilidade de realização de obras, não pode o senhorio incluir uma cláusula segundo a qual o arrendatário “não poderá realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito”; e uma outra segundo a qual, findo o contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pelo inquilino, ainda que autorizadas pelo senhorio, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo o inquilino alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”.

3 - Procedendo assim o senhorio, é legítima e justificada a recusa do inquilino em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada, o que não permite dizer que a não redução a escrito do contrato não é imputável ao senhorio e, em função disto, o impede de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de Arrendamento Rural.

4 - Efetivamente, a exigência da redução a escrito de todos os contratos (novos e vigentes) de Arrendamento Rural, constitui uma «formalidade ad probationem», não acarretando a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se está perante uma nulidade atípica, que, para além de não poder ser de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pela parte contratante a quem não seja imputável a sua não redução a escrito, o que – não imputabilidade – só acontece quando tal parte contratante haja tomado a iniciativa de sanar o vício da não redução a escrito e a outra parte, injustificadamente, se haja recusado a reduzi-lo a escrito.

5 – Não “cessando”, pelos efeitos da nulidade, tal contrato de Arrendamento Rural, fica prejudicado o conhecimento da reconvenção em que o inquilino haja pedido o pagamento de benfeitorias, uma vez que o direito de indemnização/restituição por benfeitorias só nasce com a cessação do contrato de arrendamento rural.

Decisão Texto Integral:

Arrendamento Rural

1 - A redução a escrito dum contrato de A. Rural celebrado verbalmente, numa época (1966) em que a lei não obrigava à sua redução a escrito, não é um novo contrato de arrendamento, pelo que o contraente que toma a iniciativa da sua redução a escrito não pode nele incluir, sem o acordo da parte contrária, cláusulas e conteúdos que não haviam sido combinados.

2 - Assim, nada tendo sido acordado, na data da celebração de tal contrato de A. Rural, sobre a possibilidade de realização de obras, não pode o senhorio incluir uma cláusula segundo a qual o arrendatário “não poderá realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito”; e uma outra segundo a qual, findo o contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pelo inquilino, ainda que autorizadas pelo senhorio, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo o inquilino alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”.

3 - Procedendo assim o senhorio, é legítima e justificada a recusa do inquilino em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada, o que não permite dizer que a não redução a escrito do contrato não é imputável ao senhorio e, em função disto, o impede de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de A. Rural.

4 - Efetivamente, a exigência da redução a escrito de todos os contratos (novos e vigentes) de A. Rural, constitui uma «formalidade ad probationem», não acarretando a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se está perante uma nulidade atípica, que, para além de não poder ser de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pela parte contratante a quem não seja imputável a sua não redução a escrito, o que – não imputabilidade – só acontece quando tal parte contratante haja tomado a iniciativa de sanar o vício da não redução a escrito e a outra parte, injustificadamente, se haja recusado a reduzi-lo a escrito.

5 – Não “cessando”, pelos efeitos da nulidade, tal contrato de A. Rural, fica prejudicado o conhecimento da reconvenção em que o inquilino haja pedido o pagamento de benfeitorias, uma vez que o direito de indemnização/restituição por benfeitorias só nasce com a cessação do contrato de arrendamento rural.

Apelação n.º 881/18.1T8GRD.C1

Comarca da Guarda – Juízo Central

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

M (…), residente (…) em Lisboa, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M (…) viúva, residente “(…) na (...), pedindo que se:

a) reconheça o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial (prédio rústico designado “Quinta de P (...)”, descrito da Conservatória do Registo Predial da (...) sob o nº 3110 da freguesia da S (...), inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artº 3472º da freguesia e concelho da (...), com a área de 24,509400 ha, composto por terra de cultura com fruteiras, pinhal e pastagem, confrontando a norte com (…) e outros, a sul com (…) e caminho, a nascente com herdeiros de (…) e outros e a poente com (…));

b) declare que a posse da ré sobre aquele prédio é uma posse ilícita, não titulada e ilegítima;

c) condene a ré a abster-se de utilizar o referido prédio rústico e a restituí-lo de imediato à autora, totalmente livre e desocupado de pessoas e bens;

Subsidiariamente, e apenas em caso de improcedência do supra peticionado,

d) condene a ré a celebrar com a autora um contrato de arrendamento rural sobre o referido prédio rústico propriedade desta última, o qual deverá obedecer aos termos e condições constantes da minuta junta à petição inicial como doc. n.º 7.

Alegou para tal ser proprietária do prédio rústico que identificou, prédio que lhe foi transmitido por herança de seu pai, A (…) falecido em 29/10/1993, o qual, por sua vez, em finais de 1966 ou início de 1967, verbalmente, o deu de arrendamento (rural) ao cônjuge da ré, para exploração agrícola (ficando vedada a possibilidade de exercício de qualquer outra atividade para além da exploração agrícola), com a possibilidade de utilizar as edificações existentes no prédio apenas e só a título complementar, acessório ou de apoio à atividade agrícola ali desenvolvida, nomeadamente para armazenamento de produtos e/ou alfaias agrícolas; arrendamento em que ficou acordado que o arrendatário “não poderia realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito[1], sendo a renda, sempre paga, atualmente de 600,00€; arrendamento cujas “posições contratuais (tendo entretanto falecido o progenitor da A. e o cônjuge da R.) foram transmitidas para a ora A. e para a ora R., (…) mantendo-se o contrato nos precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas[2].

Mais alegou que, passando a legislação posterior (ao momento da celebração do contrato) a exigir a forma escrita, sob pena de nulidade, enviou uma carta à ré, datada de 28 de abril de 2016, a interpelá-la “para reduzirem a escrito o acordo de arrendamento rural celebrado verbalmente entre o cônjuge da R. e o progenitor da A em 1966/1967 e que fora transmitida para ambas[3], remetendo-lhe, para o efeito, a minuta do contrato escrito; tendo a R., em resposta, através de carta do seu mandatário de 17 de maio de 2016, exigido à A., “como condição para a aceitação da redução a escrito do acordo verbal de arrendamento rural vigente entre ambas (…) o apuramento e pagamento do valor que lhe é devido pelas benfeitorias que, ao longo dos anos, realizou no prédio arrendado[4], recusando-se, enquanto tal “condição” não se verificar, “a celebrar por escrito qualquer contrato de arrendamento rural”; ao que a A. replicou – mantendo que sempre esteve vedada a possibilidade de realização de qualquer obra, alteração ou melhoramento no prédio arrendado, salvo obtida a prévia autorização para o efeito junto do senhorio, consentimento que nunca foi dado para a realização de qualquer obra, tanto mais que nem a R., nem o seu falecido marido, alguma vez interpelaram o pai da A. ou a A. para obtenção do consentimento para realização de qualquer obra – insistindo pela redução a escrito do contrato e concedendo à R. o prazo de 15 dias para que assinasse a minuta do contrato e lha devolvesse.

Finalmente, alegou que, decorrido tal prazo, a R. não assinou a minuta do contrato que lhe foi remetido, pelo que lhe é imputável a não redução a escrito do contrato, o que acarreta a nulidade do contrato de arrendamento rural e determina a restituição do prédio à A., livre e desocupado de pessoas e bens.

A R. contestou; por impugnação e por reconvenção, em que pediu que a A. seja condenada “a pagar à R/reconvinte, a título de enriquecimento sem causa, uma indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis efetuadas pela ré/reconvinte nos prédios arrendados, no valor de 169.500,00€.”

Começou por admitir a celebração do contrato de arrendamento rural referido pela A. (assim como o direito de propriedade da A. sobre o prédio em causa), a que introduziu pequenas divergências que neste momento não relevam (como o arrendamento ter sido dado, conjuntamente, a si e ao seu marido, como a data da sua celebração, que situou no dia 11/11/1966, como a identificação do arrendado, que englobaria os prédios rústicos denominados P (...), B (...) e outros prédios rústicos anexos a estes), dizendo, de relevante, que, nem aquando da celebração do contrato, nem posteriormente, os contraentes previram o que quer que fosse relativamente à realização das obras, alterações ou edificações[5]; sucedendo que, no decurso do contrato, foram realizadas inúmeras benfeitorias no arrendado (descritas no relatório que juntou), que ascendem, atualmente, ao valor de € 169.500,00, obras que “sempre agradaram ao pai da autora[6], que “não só concordou e consentiu os arrendatários a realizarem tais benfeitorias, como ainda, antes da sua realização, sugeriu os locais onde deviam ser executadas[7], tendo todas as obras sido executadas em vida do pai da A. (falecido em 29/10/1993) e sempre com prévia autorização do pai da A..

Assim, segundo a R., constando da minuta do contrato que lhe foi enviada pela A. que, “findo este contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pela segunda contratante, ainda que autorizadas pela primeira contratante, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo a segunda contratante alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”, é/foi legitima, por ter direito ao valor das benfeitorias realizadas (impossíveis de levantar e que valorizaram o prédio), a recusa em assinar a minuta do contrato que lhe foi enviada pela A., o que acarreta a improcedência da ação e a procedência da reconvenção.

A A. replicou, mantendo a posição processual vertida na petição inicial (de que havia sido acordado que qualquer obra carecia do consentimento/autorização do senhorio e de o senhorio não ter consentido/autorizado a realização de qualquer obra), impugnando a realização das benfeitorias alegadas pela R. e o seu valor; e concluindo pela procedência da ação e pela improcedência da reconvenção.

Admitida a reconvenção (e remetidos os autos, face ao aumento de valor processual, ao Juízo Central), foi a R. convidada a aperfeiçoá-la (a especificar as benfeitorias efetuadas, as datas e circunstâncias em que foram executadas e os valores), convite por esta aceite; tendo a A. exercido o respetivo contraditório.

Realizou-se a audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador – que declarou a instância regular, estado em que se mantém – e identificado o objeto do litígio e enunciado os temas da prova.

Designada e realizada a audiência final, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que concluiu do seguinte modo:

“ (…) Pelo exposto, reconhece-se o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial (…), mas julga a ação improcedente relativamente ao demais peticionado e a reconvenção totalmente improcedente, em consequência do que absolve, respetivamente, a ré e a reconvinda dos pedidos contra elas deduzidos. (…)

Inconformadas com tal decisão, interpõem recurso quer a A. quer a R.

A A., visando a revogação do decidido quanto à ação e a sua substituição por outra que “declare a nulidade do contrato de arrendamento, condenando a Ré a entregar o prédio à Autora totalmente livre de pessoas e bens ou que caso assim não se entenda condene a Ré a assinar o contrato de arrendamento nos termos e condições sugeridos pela Autora dado ser contrária à vontade presumível das partes e à ordem pública, uma vinculação perpétua ou de duração indefinida.”

Terminou a sua alegação com conclusões que se estendem por 6 páginas, razão pela qual aqui não se procede à sua transcrição.

A R., visando a revogação do decidido quanto à reconvenção e a sua substituição por outra que a julgue procedente e que condene a A. a pagar-lhe a pagar, de indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis efetuadas, a quantia de 169.500,00€.”

Terminou a sua alegação com conclusões que se espraiam por 15 páginas, razão pela qual aqui não se procede à sua transcrição.

A A. respondeu à apelação da R., sustendo que o decidido quanto à reconvenção se deve manter nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Fundamentação de Facto[8]

II – A Factos provados.

1. A autora e dona e possuidora do prédio rústico denominado “Quinta de P (...)”, sito na Quinta de P (...), freguesia da S (...), concelho da (...), descrito da Conservatória do Registo Predial da (...) sob o nº 3110/20020422, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo 3472º, que teve origem na velha matriz predial rústica sob o artigo 1595, que incluía os antigos artigos matriciais rústicos entretanto eliminados correspondentes aos prédios rústicos designados por “P (...)”, “L (...)” e “B (...)”, prédio esse cuja aquisição do direito de propriedade, pela ap. 19 de 22/04/2002, se encontra registada em nome da autora;

2. O aludido prédio tem a área de 24,509400 ha, é composto por terra de cultura com fruteiras, pinhal e pastagem e confronta a norte com (…) e outros, a sul com (…) e caminho, a nascente com herdeiros de (…) e outros e a poente com (…);

3. O direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico supra identificado foi-lhe transmitido por herança de seu pai, (…), falecido em 29/10/1993;

4. Em data que não foi possível apurar, mas situada nos últimos meses do ano de 1966, o progenitor da autora (então proprietário do prédio rústico supra identificado) acordou verbalmente com o cônjuge da ora ré o arrendamento do mencionado prédio rústico;

5. Nos termos do referido acordo, era permitido ao cônjuge da ré, enquanto arrendatário do identificado prédio, a utilização do mesmo para fins de exploração agrícola e pecuária (galinhas, coelhos e criação e pastoreio de ovelhas);

6. No acordo verbal então celebrado entre o cônjuge da ré e o progenitor da autora, foi igualmente acordado entre ambos que quaisquer edificações existentes no prédio rústico dado de arrendamento poderiam ser utilizadas pelo arrendatário, nomeadamente, para armazenamento de produtos e/ou alfaias agrícolas;

7. A título de contrapartida pela utilização decorrente do acordo verbal celebrado, foi fixado entre senhorio e arrendatário o pagamento de uma renda anual, renda essa que sempre foi paga pelo arrendatário ao respetivo senhorio e que atualmente é no valor de 600,00€ anuais;

8. Na sequência do falecimento do progenitor da autora e do cônjuge da ré, as posições contratuais por aqueles ocupadas no contrato celebrado verbalmente entre ambos em 1966 foram transmitidas, respetivamente, para a autora e para a ré;

9. Tendo a autora passado a assumir a qualidade de senhoria e a ré passado a assumir a qualidade de arrendatária no supra identificado acordo de arrendamento rural celebrado verbalmente em 1966, que se manteve nos precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas;

10. Por carta datada de 28/04/2016, a autora interpelou a ré para reduzirem a escrito o acordo de arrendamento rural celebrado verbalmente entre o cônjuge da ré e o progenitor da autora em 1966 e fora transmitido para ambas, remetendo-lhe, para o efeito, uma minuta do contrato escrito de arrendamento a formalizar por escrito entre ambas as partes, onde constava, além do mais, a “cláusula sétima” com o seguinte teor:

 “1. A segunda contratante não poderá edificar no prédio arrendado qualquer construção, salvo autorização prévia e por escrito, da primeira outorgante.

2. Findo este contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pela segunda contratante, ainda que autorizadas pela primeira contratante, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo a segunda contratante alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”;

11. Em resposta à interpelação da autora, a ré remeteu-lhe, através do respetivo mandatário, uma carta datada de 17/05/2016, onde, a determinada altura, depois de reclamar da identificação dos prédios do arrendamento (sustentando que o mesmo também integra o prédio da “B (...)” e propondo que o contrato englobe a Quinta de P (...) e a Quinta da B (...)), refere:

 “2. A minha constituinte não concorda com o estabelecido no ponto dois da cláusula sétima da minuta do contrato, na medida em que, durante este longo período de tempo em que vigorou o contrato de arrendamento, a minha constituinte, após ter obtido a necessária autorização, efetuou diversas obras na casa de habitação, construiu três cabanais, abriu dois poços para captação de água, desbravou terrenos, construiu muros e terraplanou terrenos que deram origem à formação de cômoros. Concomitantemente, plantou árvores de fruto, nomeadamente, castanheiros, macieiras, pereiras e ginjeiras. E também semeou e plantou pinheiros para produção de madeira.

3. Assim, a minha constituinte não prescinde do valor das benfeitorias úteis e necessárias que realizou no arrendado e propõe que as mesmas sejam avaliadas, cuja avaliação tanto pode ser efetuada antes da celebração do contrato de arrendamento como em momento posterior, designadamente quanto o contrato foi denunciado por qualquer das contraentes, isto é, no período que medeia entre a data da comunicação da denúncia e o termo do prazo do arrendamento ou sua renovação, que é de um ano, conforme consta no ponto dois da cláusula terceira da minuta do contrato. Deste modo, sendo reformulada a minuta do contrato, nos termos propostos, a minha constituinte aceita celebrar o contrato de arrendamento”;

12. Em resposta ao teor da supra identificada carta do mandatário da ré, a autora, agora também através da respetiva mandatária, no dia 11/10/2016, remeteu ao mandatário da ré um email onde manifestou a discordância relativamente à pretensão da ré relativamente ao referido nos pontos 2. e 3. da carta mencionada em 11., sustentando que a arrendatária não teve a autorização do senhorio para a realização de qualquer obras e que, não tendo o senhorio autorizado a realização de quaisquer obras, não pode a ré exigir qualquer indemnização ou compensação pela realização das obras, terminando mantendo a sua pretensão e informando que aguardaria até ao dia 31/10/2016 pelo envio dos 3 exemplares do contrato de arrendamento que remetia em anexo devidamente preenchidos e assinados pela ré (cfr. doc. 7);

13. Decorrido o prazo concedido, a ré não preencheu/assinou a minuta do contrato de arrendamento remetido e que constitui o doc. n.º 7 junto com a petição inicial, escusando-se a formalizar por escrito com a autora o contrato de arrendamento sem a alteração contratual proposta;

14. Desde a data da celebração do contrato, no final do ano de 1966, que o marido da ré (até ao seu falecimento) e a ré (desde o início da relação contratual até ao momento) vêm utilizando o prédio referido em 1 e 2 dos factos provados;

15. Este prédio situa-se perto da povoação de A (...), que dista do centro da cidade da G (...) cerca de 2 quilómetros;

16. A renda inicial acordada compreendia uma quantia em dinheiro, em valor não apurado, e quantidades também não apuradas de batatas e castanhas;

17. O contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre o pai da autora e o marido da ré previu e estabeleceu que as instalações agrícolas e pecuárias existentes, estavam, como sempre estiveram, compreendidas no arrendado, e foram sempre utilizadas pela ré e pelo seu marido para as atividades agrícolas e pecuária (galinhas, coelhos e ovelhas), cujas atividades se completaram uma em relação à outra;

18. A ré e o seu marido podiam, nos termos acordados, abrigar os seus animais (galinhas, coelhos e ovelhas) nas construções existentes, como efetivamente abrigaram;

19. Na data da celebração do contrato de arrendamento, os contraentes nada previram relativamente à possibilidade de realização de obras, alterações ou edificações no arrendado pelo arrendatário;

20. E posteriormente também nada previram no sentido de introduzir alterações ao contrato em vigor relativamente à possibilidade de realização de obras, alterações ou edificações no arrendado pelo arrendatário;

21. A ré e o seu marido executaram obras no prédio arrendado até ao ano de 1976, tendo procedido à abertura de 2 poços, tendo surribado terras e levantado muros, fazendo socalcos, obras estas que valorizaram e aumentaram o valor do prédio dado de arrendamento;

22. Este facto sempre agradou ao pai da autora, que era engenheiro Agrónomo, o qual não só autorizou a realização de algumas obras, como concordou ou consentiu que a ré e o seu marido executassem as demais obras;

23. O pai da autora enquanto foi vivo e a saúde lhe permitiu (até ao ano de 1976), vinha, com frequência, à cidade da G (...) ver dos seus bens, que eram muitos e valiosos, como é o caso da Quinta do P (...);

24. Nessas visitas à cidade da G (...), que o pai da autora fazia, nunca se esquecia dos seus arrendatários, entre eles o marido da ré, o qual, além do pagamento da renda, o prendava com os melhores queijos e as melhores hortaliças que produziam na quinta;

25. Os poços abertos permitiram a captação de água, que passou a ser utilizada nas culturas de regadio, nomeadamente de batata, milho, feijão e outros produtos hortícolas;

26. As obras realizadas permitirão à autora/reconvinda obter, no futuro próximo, proveitos económicos, quer no valor da renda, no caso de arrendamento, quer no seu valor venal, no caso de venda;

27. As obras executadas (pela ré/reconvinte e pelo seu falecido marido) não podem ser levantadas do prédio sem a sua destruição, acarretando o seu levantamento a depreciação do valor do prédio, quer em caso de arrendamento, quer em termos de valor venal;

28. O progenitor da autora faleceu em 29/10/1993;

29. Em consequência da doença grave de que padecia há vários anos (doença essa que o obrigou a ser operado de urgência, em Paris, no ano de 1976), há muito que o progenitor da autora deixara de poder deslocar-se à G (...);

30. O filho da ré, de nome A (...), no mês de julho do ano 2016, solicitou ao Exm.º Engenheiro (…), inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos sob o n.º (…), e também inscrito na Associação Nacional dos Avaliadores Imobiliários sob o n.º (…), para avaliar os custos dos trabalhos realizados pela ré e pelo seu falecido marido, no arrendado, o qual procedeu à avaliação solicitada, de acordo com as indicações dadas pelo filho da ré, nomeadamente no que concerne localização e identificação das obras executadas, quantidades de terras movimentadas e muros construídos;

31. No seu relatório de avaliação, o Exm.º Eng.º (…) considerou os seguintes aspetos: “1. Âmbito e Objeto da Avaliação, 2. Localização e Enquadramento, 3. Considerações Gerais. 4. Descrição das mais valias executadas. 5. Avaliação”;

32. Sobre o primeiro aspeto “Âmbito e Objeto da Avaliação”, o Exm.º Eng.º (…) afirmou o seguinte: “Conforme solicitação de V. Exas, arrendatários da Quinta de P (...), procedemos ao estudo de avaliação das mais valias realizadas na Quinta do P (...), localizada na G (...) (entre o Bairro do T (...) e A (...)), freguesia da G (...), cujo relatório descritivo e justificativo apresentamos. A quinta na qual se localizam as mais valias a analisar (Qta do P (...)) foi “cortada pela V (...) e ainda tem uma pequena porção de terreno do lado poente da EN16 e Norte da V (...), tal como indicado por um dos filhos da arrendatária (sr. (…)). O trabalho consiste na determinação do valor do custo dos trabalhos realizados, à data de Agosto de 2016, das mais valias realizadas na Quinta, tal como identificado pelo sr. A (...). As mais valias a considerar são as seguintes: - poços de captação de água para rega; - movimento de terras para realização de courelas e - muros de contenção de terras, em granito”;

33. Sobre o segundo aspeto “Localização e Enquadramento”, o Exm.º Eng.º (…) escreveu o seguinte: “A Quinta do P (...) localiza-se na encosta nascente entre a EN16 e A (...). Esta quinta deu origem a parte do Bairro do T (...), onde se encontram edificadas algumas moradias. A sua localização, com boa exposição solar e junto “às portas” da cidade da G (...), tem os terrenos classificados em PDM como área rural, sendo que uma pequena parte da quinta se encontra em Reserva Agrícola Nacional”;

34. Sobre o terceiro aspeto “Considerações Gerais”, o Exm.º Eng.º (…) afirmou o seguinte: “O trabalho que se pretende apresentar neste relatório é estimar o valor dos custos das mais valias que se realizaram na quinta. Pela descrição feita pelo filho do caseiro, a quinta, em tempos era destinada a mato e pastagem. Para se obter solo para se realizar a exploração de zona de regadio e cultura arvense, houve a necessidade de surribar terras e proceder à abertura de poços para se obter a água necessária ao regadio. Foram feitos movimentos de terras com vista à criação de socalcos de terreno para a exploração agrícola. Na criação destas plataformas, para suporte das terras, foram construídos muros de alvenaria de granito. Foram abertos três poços para captação de água para rega e uma pequena charca de recolha de água superficial”;

35. Sobre o quarto aspeto “Descrição das mais valias executadas”, o Exm.º Eng.º (…)afirmou o seguinte: “4.1 – Movimento de terras - Criação dos socalcos. Foram criados 4 socalcos numa área total estimada de 45.000 m2. Nestas plataformas são produzidos produtos hortícolas e cultura arvense. 4.2 – Muros de suporte das terras. Na criação das plataformas foram edificados muros de suporte das terras, com uma altura média de 2,0m e numa extensão aproximada de 600ml, da qual resulta uma área aproximada de 1.200m2 de muro de alvenaria de granito. 4.3 – Abertura de poços e charca. Foram abertos poços com as dimensões aproximadas de: 2 poço com 7 m de profundidade e uma capacidade na ordem dos 200 m3; 1 poço com 8 metros de profundidade e uma capacidade na ordem de 350 m3; 1 pequena charca para recolha de águas superficiais correntes”;

36. Sobre o quinto aspeto “Avaliação”, o Exm.º Eng.º (…) afirmou o seguinte: “O valor das mais valias será calculado a partir do custo estimado das respetivas obras. Assim sendo, temos: 5.1 – Surribar solo da classe “D” em encosta para criação das plataformas com uma profundidade que varia entre 2,5m e 0,5. Assumimos uma profundidade média de 1,0m. Assim o custo estimado para este movimento de terras será de: 45000 m2 x 1,0 m x 2 €/m3 = 90.000€; 5.2 – Execução de muros de contenção em granito – 1.200 m2 x 50€/m2 = 60.000€; 5.3 – Abertura de poços: 5.3.1 - um poço com a capacidade média de 200 m3, em rocha dura = 9.000 euros; 5.3.2 – um poço com a capacidade média de 350 m3, em rocha dura = 10.000 euros; 5.3.2 – charca de captação de águas superficiais = 500€. 5.4 – Valor total: 169.500 euros”;

37. A ré pagou ao Exm.º Eng.º (…)s, pela avaliação efetuada, a quantia de 184,50€.


*

II – B Factos não provados

Não se provou que:

1. O arrendamento foi acordado em inícios de 1967;

2. Ficou vedada a possibilidade de exercício e/ou prática por parte do arrendatário de qualquer outra atividade para além da referida exploração agrícola acordada entre as partes;

3. No acordo verbal então celebrado entre o cônjuge da ré e o progenitor da autora, foi igualmente acordado entre ambos que quaisquer edificações existentes no prédio rústico arrendado poderiam ser utilizadas pelo arrendatário apenas e só a título complementar, acessório e/ou de apoio à atividade agrícola ali desenvolvida;

4. Mais ficou acordado que o arrendatário não poderia realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio rústico arrendado, salvo prévia autorização do respetivo proprietário e senhorio para o efeito;

5. Sempre esteve (e continua a estar) vedada ao arrendatário do imóvel a realização de quaisquer obras, alterações e/ou melhoramentos no prédio arrendado, salvo obtida prévia autorização para o efeito junto do respetivo senhorio;

6. Nem a ora A. (nem o seu progenitor) alguma vez consentiram que a R. (ou o seu falecido cônjuge) realizassem quaisquer obras, alterações ou melhoramentos no prédio rústico em causa;

7. Nem a ora R. nem o seu falecido cônjuge, alguma vez interpelaram a ora A. ou o seu progenitor para obtenção do seu (deles) consentimento ou autorização para realizar quaisquer obras, alterações ou melhoramentos no imóvel arrendado;

8. Nunca foi dado conhecimento à autora da realização de algumas benfeitorias no prédio arrendado;

9. Sem qualquer motivo ou fundamento justificável para o comportamento assumido;

10. A ré outorgou o contrato verbal inicialmente celebrado conjuntamente com o seu marido e que a ré pagou a renda acordada até à data do falecimento do seu marido;

11. Para além da Quinta P (...) (que engloba, nos termos provados, o prédio da B (...)), que o acordo englobasse, ainda, os prédios rústicos anexos a estes;

12. O arrendamento teve início em 11/11/1966;

13. O valor da renda anual então acordada foi de 11.000$00, que sempre foi paga pela data da celebração das festas de “São Martinho”, após o decurso do primeiro ano de vigência do contrato e assim sucedeu nos anos subsequentes até à atualidade;

14. Como complemento da renda, os arrendatários (a ora ré e o seu falecido Marido) entregavam ainda ao proprietário (Exm.º Eng.º (…)) cinquenta arrobas de batatas e quinze quilos de castanhas;

15. A renda, por acordo meramente verbal, alcançado entre a autora e os arrendatários, passou a ser só em dinheiro, após o falecimento do proprietário;

16. Os arrendatários também podiam, como na verdade puderam, abrigar os seus animais noutras construções que eles próprios construíram;

17. Os arrendatários, com as benfeitorias supra referidas, que realizaram no arrendado, transformaram parte do sáfaro terreno da Quinta, que foi objeto do arrendamento, em solo fértil e produtivo;

18. O pai da autora, antes da sua realização, sugeriu os locais onde deviam ser executadas as obras;

19. Sendo que os lugares concretos da Quinta onde foram abertos os poços para captação de água para rega foi o próprio Pai da autora que os indicou aos arrendatários, bem como aos homens manobradores das máquinas que realizaram as respetivas obras;

20. As benfeitorias a que se aludiu supra, a sua execução prolongou-se até meados da década de 80 do século passado;

21. As obras realizadas pelos arrendatários transformaram terrenos incultos em terrenos férteis e produtivos;

22. Antes das obras, havia terrenos que eram de sequeiro e passaram a ser de regadio;

23. Antes das obras levadas a efeito pelos arrendatários, os prédios que foram objeto de arrendamento não dispunham de aptidão para exploração de tais culturas;

24. Aquando da celebração entre o progenitor da A. e o cônjuge da R. em 1966 do acordo verbal de arrendamento rural do prédio rústico identificado nos art.ºs 1º e 2º da p. i., foi expressamente acordado entre ambos que o arrendatário ficaria impedido de realizar quaisquer obras, alterações e/ou melhoramentos no prédio arrendado, salvo obtida prévia e expressa autorização para o efeito por parte do respetivo senhorio;

25. O progenitor da A. (e/ou a própria A.) nunca foram sequer interpelados pela R. e/ou pelo seu falecido cônjuge para consentir na realização de quaisquer obras, alterações e/ou melhoramentos na “Quinta de P (...)”;

26. Nem algum deles alguma vez consentiu na sua realização;

27. As obras tiveram lugar sem o conhecimento e consentimento dos respetivos proprietários e senhorios do prédio;

28. (…) a sua última deslocação à G (...) e à “Quinta de P (...)” ocorrera em 1975;

29. Decorrido esse período, e nomeadamente após a morte do primitivo arrendatário (cônjuge da R.), a R., sua sucessora, deixou pura e simplesmente de utilizar o prédio arrendado verbalmente ao seu marido;

30. Tendo deixado de o usar para quaisquer dos fins para que o mesmo fora verbalmente arrendado ao seu cônjuge;

31. Pelo menos há mais de 10 anos que a R. não faz qualquer uso agrícola ou de pastoreio do prédio, não o cultiva, nem dele retira dele qualquer rendimento agrícola;

32. Sendo manifesto o estado de degradação, abandono e falta de limpeza a que deixou chegar a referida “Quinta de P (...)” de há largos anos a esta data;

33. Situação essa que tem como consequência direta e necessária uma profunda desvalorização da Quinta;

34. Não sendo do prédio em causa que a R. retira o rendimento essencial e necessário ao sustento do respetivo agregado familiar;

35. A fonte principal do seu rendimento não está no arrendado;

36. Decorridos mais de 40 anos da alegada execução das referidas obras, as aludidas obras apresentam à data atual um estado de degradação tal que deixaram de valorizar a Quinta;

37. Qualquer valor (residual) que lhes pudesse vir a ser atribuído à data atual, esse valor sempre seria absorvido e eliminado pelo valor dos gastos com limpeza de mato, desbaste de árvores e todos os inerentes trabalhos de manutenção e reabilitação do prédio que a ora autora será obrigada a suportar em consequência da falta de manutenção por parte da ora ré;

Relativamente às obras executadas pela ré e seu marido e para além da factualidade julgada provada:

38. Foi surribado solo da classe “D” em encosta para criação das plataformas com uma profundidade que varia entre 2,5 m e 0,5 m;

39. Foram executados muros de contenção em granito;

40. Foram abertos dois poços com 7 metros de profundidade e uma capacidade na ordem dos 200 m3, em rocha dura;

41. Foi aberto um poço com 8 metros de profundidade e uma capacidade na ordem de 350 m3, em rocha dura;

42. Foi aberta uma charca de captação de águas superficiais;

43. Tivessem sido realizadas no período compreendido entre o início da década de 70 (1970) e até meados da década de 80 (1980);

44. A “Quinta do P (...)”, inicialmente, apenas tinha aptidão para pastagem;

45. Os arrendatários, para obterem solo para a exploração de zona de regadio e de cultura arvense, tiveram a necessidade de surribar terras e proceder à abertura de poços e de uma charca para obterem a água necessária ao regadio;

46. O valor das benfeitorias realizadas no arrendado, é o que se passa a discriminar: para a benfeitoria consistente em surribar solo da classe “D” em encosta para criação das plataformas, com uma profundidade que varia entre 2,5m e 0,5m, o custo estimado foi de 90.000€; para a benfeitoria consistente na execução de muros de contenção em granito, o custo foi de 60.000€; para a benfeitoria consistente na abertura do poço, com a profundidade de 7 metros e com a capacidade média de 200 m3, em rocha dura, o custo foi de 9.000€; para a benfeitoria consistente na abertura do poço, com a profundidade de 8 metros, com a capacidade média de 350 m3, em rocha dura, o custo foi de 10.000€; para a benfeitoria consistente na abertura da charca de captação de águas superficiais, o custo foi de 500€.


*

III – Fundamentação de Direito

Na origem do presente litígio está o contrato de arrendamento rural celebrado verbalmente, nos finais de 1966, entre o pai da A. e o marido da R..

Vigorava à época a Lei 2114, de 15/06/1962, que não obrigava à redução a escrito dum tal contrato[9], razão pela qual tal contrato, por ter sido celebrado verbalmente, não padecia do vício da inobservância da forma, sendo pois, do ponto de vista formal, perfeitamente válido.

Sucede que daí para cá – e já passaram mais de 50 anos – o Arrendamento Rural conheceu várias e diversas alterações legislativas e todas elas passaram (desde 1975) a impor a redução a escrito do contrato de arrendamento rural e, mais do que isso, acompanharam tal obrigatoriedade (da redução escrito) com normas de aplicação da lei do tempo que, no fundo e em termos simples, sujeitaram a validade formal dos contratos antigos e ainda vigentes, celebrados numa época em que a redução a escrito não era como se referiu obrigatória, à obrigatoriedade da sua redução a escrito[10].

E é justamente aqui – por causa de tais normas de aplicação da lei no tempo, que passaram a impor a obrigatoriedade da redução a escrito dos contratos antigos, celebrados numa época em que a consensualidade era a regra legal – que está o motivo do litígio.

Efetivamente, a A., ao fim de 50 anos de vigência do contrato de arrendamento rural celebrado verbalmente entre o seu pai e o marido da R. (e cujas posições contratuais foram transmitidas, não se discute, à A. e à R.), “decidiu” dar cumprimento a tais normas de aplicação da lei no tempo e, como se referiu no relatório inicial, enviou uma carta à R., datada de 28 de abril de 2016, a interpelá-la “para reduzirem a escrito o acordo de arrendamento rural celebrado verbalmente entre o cônjuge da R. e o progenitor da A em 1966/1967 e que fora transmitida para ambas”, remetendo-lhe, para o efeito, a minuta do contrato escrito.

Sucede que a R. se recusou a assinar tal minuta, contrapondo a A. que tal recusa é/foi infundada, pelo que, não obedecendo o contrato à forma legal (que supervenientemente lhe foi imposta) por razão que não lhe é imputável e cominando a lei a nulidade para tal falta de forma, pode pedir e pede que a nulidade de tal contrato de arrendamento rural seja declarada, tendo em vista – perante a consequente falta de título válido (face à nulidade do arrendamento rural) para a ocupação do prédio por parte da R. – obter a restituição do prédio (cuja propriedade, como é evidente, a R. não discute, invocando sim que tem um título válido – o referido contrato de arrendamento rural – para continuar a ocupá-lo).

O que significa, encurtando razões, que, em termos essenciais, o fulcro de todo o litígio está na questão de saber se a recusa da R. (em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada) é/foi ilegítima e infundada, o que, sendo-o, permite ao A. invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato e abre caminho ao referido raciocínio jurídico conducente à restituição do prédio (e que, ao invés, sendo a recusa legítima e fundada, impede a A. de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato, o que faz soçobrar todo o raciocínio jurídico da A. conducente à restituição do prédio).

Vejamos:

Começando por mencionar as diversas alterações legislativas que, ao longo do tempo (nos últimos 45 anos), foram sendo aplicáveis ao presente contrato de arrendamento, celebrado verbalmente.


Decreto-Lei n.º 201/75, de 15/4

Art. 2.º


1. O contrato de arrendamento rural é obrigatoriamente reduzido a escrito.

(…)

4. No caso de não cumprimento do disposto no n.º 1, os contraentes não poderão requerer qualquer procedimento judicial relativo ao contrato, a menos que aleguem, e venham provar, que a falta é imputável ao outro contraente.

Presume-se que a falta é imputável ao contraente que, tendo sido notificado para assinar o contrato dentro de prazo razoável, injustificadamente se tenha recusado a isso.

(…)


Art. 39.º

1 O presente diploma aplica-se aos arrendamentos em vigor à data do início da sua vigência, incluindo os automaticamente renovados nos termos do DL 573/74, de 31 de outubro, devendo os senhorios dar cumprimento ao disposto nos n.º 1 e 2 do art. 2.º do presente diploma até 31 de dezembro de 1975.

2 Nos contratos reduzidos a escrito, por força do disposto no número anterior, mencionar-se-á expressamente a data do início do contrato.


DL 76/77, de 29/09

Art. 3.º


1. Os arrendamentos rurais serão obrigatoriamente reduzidos a escrito quando a superfície agrícola útil seja igual ou superior a 2 ha.

2. A obrigatoriedade a que alude o número anterior não se aplica aos arrendamentos ao agricultor autónomo.

3. Decorridos 3 anos após a vigência desta lei, serão obrigatoriamente reduzidos a escrito todos os contratos de arrendamento rural quando a superfície agrícola útil seja superior a 1 ha.

4. Decorridos 6 anos após a vigência desta lei, todos os contratos de arrendamento rural serão obrigatoriamente reduzidos a escrito.

(…)


Art. 42.º

(…)

3. Nos contratos de redução obrigatória a escrito de contratos, nenhuma ação judicial a eles respeitante pode ser recebida ou prosseguir se não for acompanhada de um exemplar do contrato, a menos que se prove que a falta é imputável à parte contrária.”[11]


DL 385/88, de 25/10

Art. 3.º (forma de contrato)


1. Os arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são arrendamentos obrigatoriamente reduzidos a escrito.

(…)

3. Qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato.

4. A nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após a notificação, tenha recusado a sua redução a escrito.

(…)


Art. 36.º (âmbito de aplicação da presente lei)

1. Aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime nela prescrito.

(…)

3. O novo regime previsto no art. 3.º da presente lei apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 01 de julho de 1989.

(…)


DL 294/2009, de 13-10

Artigo 6.º Forma do contrato


1 - Os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objeto do arrendamento.

2 - A não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade.

(…)


Artigo 35º Formas de processo

(…)

5 - Nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária».


Artigo 39.º Aplicação no tempo

1 - Aos contratos de arrendamento rural, celebrados a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se, obrigatoriamente e na íntegra, o regime nele previsto.

2 - Aos contratos de arrendamento, existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se o regime nele prescrito, de acordo com os seguintes princípios:

a) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso;

 (…)

E perante tal quadro legal, em que é recorrente a exigência da redução a escrito de todos os contratos (novos e vigentes) de arrendamento rural, mas em que tal exigência é temperada/substituível pela alegação de que a falta de redução a escrito é imputável à parte contrária, a doutrina e jurisprudência dominantes passaram a sustentar que se está perante uma «formalidade ad probationem» (perante uma exigência destinada apenas à demonstração da existência do acordo/contrato) e não perante uma «formalidade ad substantiam» (condição de validade do contrato), não acarretando assim a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se estará perante uma nulidade atípica, que, para além de não poder ser de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pela parte contratante a quem não seja imputável a sua não redução a escrito, o que – não imputabilidade – só acontece, naturalmente (face à obrigatoriedade legal da redução a escrito de todos os contratos de arrendamento rural), quando tal parte contratante haja tomado a iniciativa, sem êxito, de sanar o vício da não redução a escrito, ou seja, quando haja previamente notificada a outra parte contratante para a redução a escrito do contrato e esta não se haja disposto a reduzi-lo a escrito.

Mas, claro está, para haver tal “não imputabilidade”, não será toda e qualquer recusa que confere a “não imputabilidade” da falta de redução a escrito à parte que tomou a iniciativa da redução a escrito: a recusa (como o a art. 2.º do DL 201/75 o referia explicitamente) em causa tem que ser injustificada.

Daí que, como supra expusemos, o “nó górdio” de todo o litígio esteja na questão de saber se a recusa da R. (em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada) é/foi ilegítima e infundada.

Sucede, em face do que está provado (e que não está impugnado na apelação da A.), que a recusa da R. tem que ser considerada como legítima e fundada.

Pelo seguinte:

A redução a escrito do contrato de arrendamento rural verbal celebrado, nos finais de 1966, entre o pai da A. e o marido da R., não é um novo contrato de arrendamento, o que significa, muito simplesmente, que, quem, como a A., tomou a iniciativa da sua redução a escrito, não pode nele incluir, sem o acordo da parte contrária[12], cláusulas e conteúdos que não foram combinados entre o pai da A. e o marido da R.[13].

Alegou a A., como se transcreveu no relatório inicial, que as “posições contratuais (tendo entretanto falecido o progenitor da A. e o cônjuge da R.) foram transmitidas para a ora A. e para a ora R., (…) mantendo-se o contrato nos precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas[14], acrescentando que enviou uma carta à R. a interpelá-la “para reduzirem a escrito o acordo de arrendamento rural celebrado verbalmente entre o cônjuge da R. e o progenitor da A em 1966/1967 e que fora transmitida para ambas[15], porém, não é/foi este “entendimento” que refletiu na minuta do contrato escrito que enviou à R. para assinar.

Nada há no texto da minuta de tal contrato que indicie que se está, como é o caso, perante a redução a escrito dum contrato celebrado em 1966/1967, bem pelo contrário tudo no texto da minuta aponta para um contrato de arrendamento rural celebrado na data que do mesmo consta (01/11/2016).

Não é o mais relevante e não seria mesmo nada relevante se, como a A. refere na PI, tal minuta contivesse os “precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas.”

Mas não é/foi o caso, como a PI logo denunciava.

Alegou a A. que ficou acordado que o arrendatário “não poderia realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito[16], porém, não foi exatamente isto que fez constar do texto da minuta, um vez que acrescentou que tal autorização teria que ser “por escrito”.

À época (em finais de 1966), a Base XVI da Lei 2.114 exigia que tal autorização/consentimento, para ter relevo jurídico, fosse por escrito[17], porém, do que aqui se trata, como refere a A., é de reduzir a escrito os “precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas” e não de estabelecer e fazer constar o completo programa contratual a que o contrato esteve/ficou sujeito quando, em finais de 1966 (vigorando então a Lei 2.114), foi celebrado.

As flutuações/modificações legislativas que a cada passo são introduzidas – e, no caso, até pelo tempo de vigência do contrato, foram várias – não se repercutem do mesmo modo no conteúdo dos contratos existentes quer digam respeito e incidam sobre matéria que foi expressa e explicitamente previsto pelas partes contratantes quer digam respeito e incidam sobre matéria que ficou omissa e cuja disciplina resultava do que estava supletivamente previsto na lei: o arrendamento rural (a respetiva legislação) é um exemplo muito evidente do que vimos de dizer, uma vez que a maioria das alterações legislativas que foram ocorrendo foram sempre acompanhadas duma específica norma de aplicação da lei no tempo a mandar aplicar aos contratos existentes à data da entrada em vigor da nova lei o regime nela prescrito[18], o que (aplicação de tal específica norma de aplicação da lei no tempo) não suscita, naturalmente, quaisquer dúvidas interpretativas quando o confronto da nova lei é “apenas” com a anterior lei (e não também com o que expressa e explicitamente foi previsto pelas partes contratantes).

Seja como for, o que é relevante (em face do que está provado e que não está impugnado na apelação da A.) é que – em relação ao que foi combinado em finais de 1966 – não é apenas a expressão “por escrito” que está a mais na minuta do contrato.

Como já se referiu, por mais do que uma vez, a A. alegou que ficou acordado que o arrendatário “não poderia realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito”, porém, o que se provou (sem que, insiste-se, tal esteja impugnado na apelação da A.) foi que:

“Na data da celebração do contrato de arrendamento, os contraentes nada previram relativamente à possibilidade de realização de obras, alterações ou edificações no arrendado pelo arrendatário; (ponto 19 dos factos)

“E posteriormente também nada previram no sentido de introduzir alterações ao contrato em vigor relativamente à possibilidade de realização de obras, alterações ou edificações no arrendado pelo arrendatário.” (ponto 20 dos factos)

Sendo assim, de modo algum a A. poderia incluir na minuta – que, segundo a própria A., devia conter os “precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas” – uma cláusula como a 7.º/2, segundo a qual:

Findo este contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pela segunda contratante, ainda que autorizadas pela primeira contratante, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo a segunda contratante alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”.

Nunca tendo as partes contratantes acordado, quer no momento da celebração do contrato de arrendamento, quer posteriormente, o que quer que fosse sobre a realização de obras, alterações ou edificações no arrendado pelo arrendatário, não podia a A./senhoria incluir no conteúdo contratual uma cláusula como a referida 7.º/2.

Como já referimos, a redução a escrito dum contrato de arrendamento rural verbalmente celebrado não é, nem um novo contrato de arrendamento, nem sequer a redução a escrito do completo e exaustivo programa contratual a que o contrato estará/ficará sujeito (uma vez que tudo o que não foi expressamente combinada fica “ao sabor” do que resultar da aplicação e interpretação da lei, mais exatamente, de todas as leis que porventura atravessem a vida do contrato), nem, muito menos, a redução a escrito dum programa contratual que não só não foi expressamente combinado como está ao arrepio das disposições supletivas de todas as leis que, ao longo do tempo, lhe foram sendo aplicáveis.

E é justamente por tudo isto que a recusa da R. em assinar a minuta que lhe foi enviada é legítima e justificada, o que não permite dizer que a não redução a escrito do contrato não é imputável à A. e, em função disto, impede a A. de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de arrendamento rural, o que faz soçobrar o alicerce de todo o seu raciocínio jurídico conducente à restituição do prédio, implicando a improcedência da ação[19] e da reconvenção.

Efetivamente, é indiferente – para a questão da ilegitimidade da sua recusa – apurar se, nos 50 anos de vigência que o contrato leva, a R. (ou, antes dela, o seu marido) executou obras (quais, em que valor e se autorizadas ou não) no prédio arrendado, uma vez que não é a circunstância de as não haver executado – como a A. pretende que se conclua, ao impugnar o que consta como provado nos pontos 21.º, 22.º, 23.º 24.º, 25.º, 26.º e 27.º – que permite a A. incluir no conteúdo contratual uma cláusula com o teor da transcrita cláusula 7.º/2.

Quer tenham sido feitas obras, quer não tenham sido feitas obras, a R. não é obrigada a assinar um documento contratual que contém um conteúdo que não foi acordado (insiste-se, mais uma vez, que não está impugnado na apelação da A. o que se deu como provado nos pontos 19 e 20) e que, para além disso, até está ao arrepio das disposições supletivas das leis que, desde 1975, foram sendo aplicáveis ao contrato.

E não é a circunstância da R. ter dito que se recusava a subscrever o contrato até que fossem apuradas e pagas as benfeitorias que alegou ter realizado no prédio arrendado que muda as coisas de figura e que faz disto uma “condição” (terem sido realizadas benfeitorias) do ónus da prova da R..

Como se retratou no relatório inicial, a R. invocou, muito claramente, que, “nem aquando da celebração do contrato, nem posteriormente, os contraentes previram o que quer que fosse relativamente à realização das obras, alterações ou edificações”[20], pelo que, sendo assim, entendeu/entende a R. que têm que lhe ser pagas as benfeitorias que alega ter realizado no prédio arrendado, razão pela qual até aceitou, desde que a A. lhe pague as benfeitorias efetuadas, que fosse incluído no conteúdo contratual uma cláusula (nunca acordada) com o teor da transcrita cláusula 7.º/2 (e com o teor da transcrita 7.º/1).

Mas isto – que a A. qualifica de “condição” – não foi sequer aceite pela A., que em momento algum aceitou ou aceita pagar as benfeitorias que porventura hajam sido realizadas pela R. (ou pelo marido), pelo que, em face da não aceitação por parte da A. de tal “condição”, a questão da execução das obras (de quais, em que valor e se autorizadas ou não) no prédio arrendado não é sequer relevante para a questão da ilegitimidade da recusa da R. (em subscrever a minuta de contrato que lhe foi enviada).

Se a minuta do contrato não tivesse uma cláusula como a referida 7.º/2. (e também como a 7.º/1), seria completamente ilegítimo que a R. “condicionasse” a sua assinatura ao pagamento das benfeitorias, uma vez que o pagamento das benfeitorias – sejam elas quais forem e resulte ou não da lei aplicável o seu pagamento e em que montantes – só é exigível no momento da cessação do contrato, porém, contendo a minuta de contrato proposta uma cláusula que cortava cerce o eventual e futuro direito da R. a um qualquer pagamento, é inteiramente compreensível e legítimo que a R. só aceitasse tal “corte” (uma cláusula contratual determinando tal “corte”) a partir do momento em que já não houvesse lugar ao exercício de tal direito, ou seja, a partir do momento em que a própria A. o extinguisse (com o pagamento à R. do que esta se julgava com direito).

Enfim, o que temos é a inclusão duma cláusula contratual sobre obras e benfeitorias que, diversamente das disposições supletivas das leis (vigentes e aplicáveis desde 1975), corte cerce o direito a qualquer pagamento ou indemnização à R./arrendatária rural; pelo que, não tendo nunca tal cláusula sido acordada, é totalmente legítimo e justificado que a R. se haja recusado a assinar a minuta contratual que lhe foi enviada.

Até pode dar-se o caso, tudo devidamente visto e apreciado juridicamente, da R. não ter direito a um qualquer pagamento ou indemnização a título de benfeitorias, porém, tal conclusão terá que ser extraída à luz do que se alegar/provar e do direito aplicável e não por força duma cláusula contratual que, sem ter sido acordada, tenha sido incluída no documento contratual.

E, claro está, tal conclusão terá que ser retirada no fim da relação contratual, o que significa que toda a discussão que houve nos autos sobre benfeitorias – e que ambos os recorrentes reeditam nas suas apelações – é bastante prematura.

Como já explicámos, sendo a recusa da R. em assinar a minuta que lhe foi enviada legítima e justificada, está a A. impedida de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de arrendamento rural e, sendo assim, não “cessa”, pelos efeitos da nulidade, o contrato de arrendamento celebrado verbalmente nos finais de 1966 entre o pai da A. e o marido da R..

O que só por si faz soçobrar a reconvenção.

Ou por ficar prejudicado o seu conhecimento, entendendo-se, por interpretação, que a reconvenção foi deduzida a título subsidiário (apenas para o caso da ação proceder).

Ou por resultar das normas legais que o direito de indemnização/restituição por benfeitorias só nasce com a cessação do contrato de arrendamento rural (pressuposto que no caso ainda não se verifica).

Não obstante, a propósito da problemática das benfeitorias, não podemos deixar de chamar-se a atenção, em jeito de obter dictum, para as disposições legislativas que, ao longo do tempo, vigoraram e foram sendo aplicáveis ao presente contrato de arrendamento:


Lei 2114

BASE XVI


1. O arrendatário pode fazer as benfeitorias úteis ou voluptuárias sem consentimento do proprietário, salvo se afetarem a substância do prédio ou o seu destino económico.

2. Se houver consentimento por escrito ou se este tiver sido judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir o valor das benfeitorias úteis.

(…)

4. O valor das benfeitorias é calculado pelo seu custo, se não exceder o valor do benefício à data da cessação do arrendamento. No caso contrário, não poderá o arrendatário haver mais do que esse valor.

5. Quando o consentimento for judicialmente suprido, a importância da indemnização não ultrapassará o valor da renda de três anos.


C. Civil 1966

Artigo 1074.º (Benfeitorias feitas pelo arrendatário)
1. O arrendatário pode fazer benfeitorias úteis ou voluptuárias sem consentimento do proprietário, salvo se afetarem a substância do prédio ou o seu destino económico.

2. Não havendo, porém, consentimento por escrito do proprietário nem suprimento judicial desse consentimento, o arrendatário, findo o contrato, apenas tem, relativamente às benfeitorias úteis, o direito de as levantar, sem detrimento do prédio, e não o de exigir qualquer indemnização.


Decreto-Lei n.º 201/75, de 15/4

Art.º 9


1 – O rendeiro pode fazer benfeitorias necessárias ou úteis sem consentimento do senhorio, designadamente as que visem aumentar a fertilidade, valorizar o equilíbrio biológico, melhorar as condições de exploração agrária ou as condições sociais de vida dos trabalhadores, desde que não prejudiquem a substância ou o destino económico do prédio.

2 – Se houver consentimento por escrito do senhorio ou se este tiver sido suprido pela comissão arbitral, o rendeiro, findo o contrato, tem o direito de exigir o valor das benfeitorias.

(…)

6 - O valor das benfeitorias será o seu valor à data da extinção do arrendamento e, em caso de desacordo entre o senhorio e o rendeiro, será fixado pela comissão arbitral, a pedido de qualquer deles.

(…)

10 – O rendeiro pode levantar, até ao termo do contrato, as benfeitorias necessárias que tenha feito, se o puder fazer sem prejudicar o prédio, cessando, neste caso, em relação às benfeitorias levantadas, o direito referidos no n.º 2 a 5.


Lei 76/77, de 29 de Set.

Art. 15.º


1 – O arrendatário poderá fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com consentimento do senhorio ou, na falta deste, mediante a elaboração de um plano prévio (…) a aprovar pela comissão concelhia de arrendamento rural (…).

(…)

5 – O arrendatário poderá fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias necessárias sem observância dos requisitos referidos no n.º 1, aplicando-se o regime do C. Civil.


Art. 25.º

1. Aquando da cessação da relação contratual, o arrendatário tem direito a exigir do senhorio indemnização:

a) se tiver benfeitorias, consentidas expressa ou tacitamente pelo senhorio ou aprovadas pela comissão concelhia de arrendamento rural;

b) se, sem oposição expressa do senhorio, tiver feito plantações ou trabalhos de melhoramento ou modificação do solo que o tornam cultivável ou beneficiaram manifestamente a sua normal produtividade, ainda que não objeto da aprovação aludida na alínea anterior.

2. A indemnização será calculada tendo em conta o valor das benfeitorias ou demais melhoramentos no momento da cessação do contrato.


DL 385/88, de 25 de outubro

Art. 14.º - Benfeitorias


1 – O arrendatário pode fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com o consentimento escrito do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério (…)

(…)


Art. 15.º - Indemnização por benfeitorias

1 – Quando houver cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio.

2 – A indemnização, quando a ela houver lugar, será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias ou demais melhoramentos no momento de cessação do contrato.

3 – Se houver resolução do contrato invocada pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem o arrendatário direito a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pela úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa.


Nova Lei do Arrendamento Rural (DL 294/2009, de 13-10)

Artigo 23.º Benfeitorias feitas pelo arrendatário


2 - Salvo cláusula contratual em contrário, o arrendatário carece do consentimento do senhorio para realizar benfeitorias úteis.

4 - As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário sem consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda nem dão direito a qualquer tipo de indemnização aquando da cessação do contrato de arrendamento.

5 - As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário com o consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda, mas dão direito ao pagamento de uma indemnização quando revertam para o senhorio após cessação do contrato de arrendamento.

6 - Salvo cláusula contratual em contrário, cessando o arrendamento por qualquer causa, as benfeitorias realizadas pelo arrendatário revertem a favor do senhorio.


Artigo 24.º Cálculo das benfeitorias que dão lugar à indemnização

1 - A indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário, com consentimento do senhorio, que revertam para este no fim do arrendamento, é calculada tendo em conta o custo suportado pelo arrendatário, as vantagens das quais o mesmo haja usufruído na vigência do contrato e o proveito patrimonial e de rendimentos que delas resulte, futuramente, para o senhorio.

2 - O pagamento da indemnização referida no número anterior pode ser fracionado, de forma que as prestações se efetuem aquando da perceção pelo senhorio dos benefícios resultantes das benfeitorias.”

Disposições legislativas estas que suscitam certamente algumas dificuldades interpretativas – tanto mais que, como já se referiu, foram acompanhadas de específicas normas de aplicação da lei no tempo, como é o caso dos acima transcritos art. 36.º do DL 385/88 e art. 39.º do DL 294/2009 (Nova lei do Arrendamento Rural)[21] – mas que afastam o critério que a R. utilizou para calcular o seu pedido reconvencional por benfeitorias.

Efetivamente, nenhuma das disposições legislativas transcritas manda proceder à indemnização “tout court”, como pretende a R., do que seria o custo atual de todos os trabalhos que, no passado, na vigência do contrato de arrendamento rural, foram realizados.

Sem prejuízo da prévia e indispensável distinção das benfeitorias – se são necessárias, úteis ou voluptuárias – à indemnização das úteis (e serão estas que no caso, com todo o respeito, mais acabarão por estar em causa), pese embora as diferenças de redação e as especialidades que cada uma das disposições legislativas contém e introduz, preside uma ideia de indemnizar o enriquecimento sem causa do senhorio/proprietário.

Não se trata pois tão só de avaliar/computar o custo atual de trabalhos/benfeitorias realizados no passado, mas sim, por um lado, de alegar/provar o custo que o arrendatário teve com a realização de tais trabalhos/benfeitorias (custo esse porventura monetariamente corrigido) e, por outro lado, de alegar/provar o valor que tais trabalhos/benfeitorias acrescentam no momento presente (da cessação do contrato) ao prédio.

Não obstante as especialidades das várias leis transcritas, que nem sempre permitem dizer que a medida da “restituição/indemnização” é idêntica à que resulta da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa[22], não será despiciendo chamar a atenção que, quanto às benfeitorias úteis, se “custaram 20 e apenas valorizaram a coisa em 10, a obrigação de restituir não excederá o montante de 10, por ser este o valor com que o proprietário se enriquece à custa da outra parte”.[23]

E o que vimos de dizer é muito evidente na vigente Nova Lei do Arrendamento Rural (DL 294/2009, de 13-10), em que, como se transcreveu, “a indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário, com consentimento do senhorio, que revertam para este no fim do arrendamento, é calculada tendo em conta o custo suportado pelo arrendatário, as vantagens das quais o mesmo haja usufruído na vigência do contrato e o proveito patrimonial e de rendimentos que delas resulte, futuramente, para o senhorio.

Como é evidente, mesmo tratando-se de benfeitorias úteis – isto é, de despesas que aumentam o valor da coisa – pode dar-se o caso do arrendatário, no tempo em que o contrato vigorou após a realização de tais despesas, ter esgotado/consumido/exaurido as vantagens trazidas por tais benfeitorias úteis e que nenhum proveito patrimonial (enriquecimento) passe, em razão das mesmas, para o senhorio/proprietário no momento da cessação do contrato.

Admitindo que a R. (mais exatamente, o seu marido) executou, até ao ano de 1976, as obras dadas como provadas[24], o que a R. gastou, até ao ano de 1976, em tais obras é/será a medida máxima da indemnização por tais obras/benfeitorias, situando-se/concretizando-se, “grosso modo”, a exata medida de tal indemnização (que não pode ir além da referida medida máxima) no proveito patrimonial que tais obras/benfeitorias continuam a acrescentar ao prédio (nas vantagens/rendimentos que o senhorio/proprietário retirará, no futuro, das obras/benfeitorias realizadas até ao ano de 1976).

Seja como for, a ratio decidendi da improcedência da reconvenção é a acima referida – o direito de indemnização/restituição por benfeitorias só nasce com a cessação do contrato de arrendamento rural, pressuposto legal que no caso ainda não se verifica – valendo o que se acaba de dizer para não deixar sem qualquer resposta a argumentação expendida pela R. na sua apelação, ou seja, para dizer que, independentemente do que se provou ou não provou (e do que está impugnado ou não está impugnado), a questão do cálculo da indemnização por benfeitorias não se coloca nos termos simplistas em que a R. a colocou: ainda que se tivesse provado que as obras realizadas têm o custo atual de € 169.500,00[25], isso não significaria que esse seria o quantum indemnizatório a conceder à R..


*

Enfim, em conclusão final, improcede “in totum” tudo o que ambas as partes/apelantes invocaram e concluíram nas suas alegações recursivas – mostrando-se prejudicados, em face do que se expendeu, todas as questões, argumentações e raciocínios não diretamente defrontados[26] – o que determina o naufrágio da apelação de A. e da R. e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedentes ambas as apelações e, consequentemente, confirma-se totalmente a sentença recorrida.

Custas de cada uma das apelações pelo respetivo apelante.


Coimbra,04/05/2020

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Arts. 9.º e 10.º da PI.
[2] Arts. 14.º e 16.º da PI.
[3] Art. 23.º da PI.
[4] Art. 27.º da PI.
[5] Artigo 28º da contestação.
[6] Artigo 63º da contestação.
[7] Artigos 64º e 65º da contestação.
[8] Em que se incluem em itálico os pontos impugnados pela A. – 21.º a 27.º dos provados e 31.º, 34.º e 35.º dos não provados – impugnação cujo desfecho, como resultará da fundamentação de direito, não teria qualquer influência na decisão das apelações.

[9] Dizia-se explicitamente na BASE II que “o arrendamento rural não necessita de ser reduzido a escrito” e, em 01/06/1967, o novo C. Civil (nos seus arts. 1064.º a 1082.º) também não impôs a redução a escrito do arrendamento rural.

[10] Um pouco ao arrepio duma norma como a do art. 12.º/2/1.ª parte do C. Civil, segundo a qual, “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.

[11] E também se dispunha no art. 49.º que “aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime nela prescrito”, o qual, é certo, foi revogado pelo artigo 2.º da Lei n.º 76/79, de 3/12, mantendo-se, todavia, em vigor o art. 44.º que dispunha que “esta lei aplica-se aos processos pendentes em juízo”.
[12] Acordo este permitido pela liberdade contratual e pelas modificações que o “mutuo consenso” pode, nos limites da lei, introduzir nos contratos.

[13] É uma regra básica da boa fé contratual: quando, após negociações, duas partes fecham um contrato e uma delas fica de reduzir a escrito o que combinaram, não pode esta parte incluir no escrito “coisas” que não combinaram e muito menos o contrário do que combinaram (é uma regra que é, aliás, muito evidente na legislação sobre contratos de adesão, mas que vale, nos termos gerais, para quaisquer contratos).
[14] Arts. 14.º e 16.º da PI.
[15] Art. 23.º da PI.
[16] Arts. 9.º e 10.º da PI.

[17] Dispunha-se em tal Base XVI:

1. O arrendatário pode fazer as benfeitorias úteis ou voluptuárias sem consentimento do proprietário, salvo se afetarem a substância do prédio ou o seu destino económico.

2. Se houver consentimento por escrito ou se este tiver sido judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir o valor das benfeitorias úteis.

[18] E a reforçar o que, quanto ao conteúdo das relações jurídicas, já resulta do art. 12.º/2/2.ª parte do C. Civil.

[19] Aqui se incluindo, naturalmente, o designado pedido subsidiário formulado pela A.: a legitimidade da recusa (em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada pela A.) continua a valer do mesmo modo, agora (e sempre), para toda e qualquer proposta que “obedeça aos termos e condições constantes da minuta junta à PI” (como a A. diz no seu pedido subsidiário). Tendo em vista pôr termo à não redução a escrito do contrato tem, aliás, a A. uma solução bem simples e expedida: remete à R. uma minuta, para assinatura, sem toda a cláusula 7.ª.
[20] Artigo 28º da contestação.
[21] Ou seja e apenas a título de exemplo de dificuldade interpretativa: às obras realizadas aplica-se, quanto à indemnização por benfeitorias, o regime que vigorava no momento em que as mesmas foram executadas ou o regimes que a cada passo foram entrando em vigor e, no caso, o atualmente vigente.

[22] Com exceção da lei vigente após a entrada em vigor no C. Civil de 1966, que nada dizendo sobre o cálculo da indemnização por benfeitorias (quando esta era devida) dava naturalmente lugar à aplicação das regras gerais do instituto do enriquecimento sem causa.
[23] Antunes varela, Obrigações em Geral, Vol I, pág. 516
[24] Dizemos “admitindo”, uma vez que a A. impugna o que a tal propósito foi dado como provado.

[25] E não foi sequer isto que se provou (conforme ponto 46 dos factos não provados), mas apenas que o Eng. (…) produziu/subscreveu um relatório em que avaliou tal custo atual em € 169.500,00.
[26] Designada e principalmente, como já se referiu, a impugnação da decisão de facto – pontos 21.º a 27.º dos provados e 31.º, 34.º e 35.º dos não provados – suscitada pela A..