Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2452/12.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
REQUISITOS
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 4º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 291/2007, DE 21/08
Sumário: Em face da actual legislação – o Dec. Lei nº 291/2007, de 21/08 – o direito de regresso da seguradora não depende da alegação e prova do nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia em que o condutor circulava e a eclosão do acidente; a seguradora apenas terá o ónus de provar que o condutor deu causa ao acidente e que conduzia com taxa de alcoolemia superior à permitida, ou seja, que o acidente ocorreu por culpa do condutor que conduzia com essa taxa de alcoolemia, sem que seja necessário indagar se a conduta culposa do condutor decorreu ou não da influência do álcool.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... Seguros, S.A., com sede na Av. (...), Lisboa, intentou acção, com processo ordinário, contra B..., residente na Rua (...), Colmeias, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 59.196,01€, acrescida de juros desde a citação até pagamento.

Alega, para fundamentar a sua pretensão, que: no dia 19/04/2010, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo de matrícula RP (...), conduzido pelo Réu, bem como o motociclo de matrícula (...) GZ, conduzido por C... ; tal acidente ocorreu por culpa exclusiva do Réu, sendo que este conduzia o veículo sob a influência do álcool, tendo acusado uma TAS de 1,22 g/l; em consequência do acidente, o condutor do motociclo sofreu diversos danos, para cuja indemnização a Autora liquidou a quantia de 59.196,01€, já que, por contrato de seguro, celebrado com o Réu, havia assumido a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo RP; porque o condutor deste veículo conduzia sob a influência do álcool, a Autora tem direito de regresso, em conformidade com o disposto no art. 27º, nº 1, alínea c) do Dec. Lei 291/2007, de 21/08, contra o Réu e relativamente a todas as quantias que despendeu com o acidente.

O Réu contestou, sustentando que o acidente não ocorreu por sua culpa e impugnando o facto de conduzir sob a influência do álcool, mais alegando que, de qualquer forma, não existiria qualquer nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de alcoolemia, razão pela qual não assiste à Autora qualquer direito de regresso.

Assim e impugnando a extensão dos danos que foram alegados, conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador e foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o Réu do pedido contra ele formulado.

Inconformada com essa decisão, a Autora veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007 deixou de ser necessária a prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

2. O direito de regresso da seguradora não depende da prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

3. Decorre da redacção do art. 27º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 291/2007 que basta a seguradora demonstrar que o condutor deu causa ao acidente e que acusou uma TAS superior à legalmente permitida para poder exercer direito de regresso contra o mesmo, o que a Apelada logrou fazer nos presentes autos.

4. Não obstante, nos presentes autos, tal nexo de causalidade ficou provado.

5. Mesmo que se defenda que continua a ser necessária a prova desse nexo de causalidade, importa salientar que o julgador, através de presunção judicial, pode concluir por esse nexo de causalidade atendendo aos factos dados como provados.

6. Face às regras de experiência comum e científica, a influência de uma TAS de 1,22 g/l no ora Apelado, em abstracto, era idónea para levar à diminuição dos seus reflexos, e das suas capacidades de atenção, percepção e reacção.

7. Atenta a forma como ocorreu o acidente, torna-se evidente que face a uma TAS tão elevada, que esta foi efectivamente causal para ocorrência do acidente.

Assim, conclui, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se o Réu no pedido.

O Réu apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

I.

O pressuposto da procedência de direito de regresso da Apelante não é a mera condução com TAS superior à legalmente permitida, mas o facto de ser a condução sob influência do álcool que determina a ocorrência do acidente que deu causa à obrigação da Seguradora de indemnizar.

II.

Considerar que o artigo 27.º c) do DL 291/2007 afasta a posição postulada pelo AUJ 6/2002, é quebrar a harmonia do sistema jurídico português, fazendo introduzir uma causa objectiva de procedência do direito de regresso da Seguradora, permitindo injustiças que concedam à Seguradora sem motivo, porque a taxa de alcoolemia superior à legalmente admissível, afastar a sua obrigação de suportar a indemnização pelos danos decorrentes de acidente de viação.

III.

E é, outrossim, consagrar decisões injustas. Que permitam à seguradora alijar-se da sua principal obrigação.

IV.

Injustiça que permitirá que em situações idênticas, ainda que o álcool não tenha qualquer influência num acidente, a Seguradora exerça o seu direito de regresso sobre condutor que apresentasse TAS superior ao limite legalmente permitido, quando não o pode fazer em acidente exactamente com as mesmas causas e efeitos, em que não existe aquela TAS.

V.

A interpretação da lei não é vinculada ao seu elemento histórico. A hermenêutica axiológica determina que o intérprete e aplicador do direito encare a norma na harmonia do sistema jurídico e na sua emancipação, na sua generalidade e abstracção. Não ficando vinculado a um único elemento que pretenda funcionar como cânone interpretativo, sobretudo se injusto. Porque seria, tão somente, uma cedência ao Império Segurador.

VI.

No domínio do DL 291/2007 continua a ser necessário o nexo causal entre a ocorrência o acidente e a taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, tendo a Seguradora o ónus de alegar e provar factos que permitam estabelecer aquele nexo causal.

VII.

A Apelante não alegou quaisquer factos que permitam estabelecer aquele nexo causal.

VIII.

Ainda que se entendesse que aquele nexo causal podia ser considerado, partindo de um facto base e de presunções judiciais, não houve na dinâmica do julgamento, nos factos ali relatados, e nos juízos que o mesmo foi permitindo, qualquer fundamento para que, do que se apurou, pudesse inferir-se que o acidente ocorreu, de facto, pela existência daquela TAS.

IX.

Mesmo que se entendesse que à Seguradora bastaria alegar e provar a taxa de alcoolemia, sempre teria de admitir-se que ao Apelado seria permitido ilidir a presunção legal assim estabelecida a favor da Apelante.

X.

Resulta dos factos provados pelo Apelado, da perigosidade do cruzamento, da falta de visibilidade do mesmo, da dinâmica do acidente, que o mesmo sempre poderia ter ocorrido tivesse ou não o Apelado consumido bebidas alcoólicas. Pelo que sempre estaria ilidida qualquer presunção favorável à Apelante.

XI.

Realizar a Justiça, de modo criativo, colocando a consciência e o direito, temperado pelo saber jurisdicional, será sempre confirmar a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Termos em que, e nos melhores de Direito, deve a Apelação ser julgada improcedente, confirmando-se integralmente a douta Sentença Recorrida.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se, face ao disposto no Dec. Lei nº 291/2007 de 21/08, o direito de regresso da seguradora exige ou não a alegação e prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente ou se tal nexo de causalidade se deve ter por demonstrado, ainda que por recurso a presunções judiciais, com vista a determinar se estão ou não verificados todos os pressupostos de que depende o direito de regresso da Autora (seguradora) sobre o Réu, no que toca às quantias que aquela pagou ao lesado por força de acidente de viação em que foi interveniente um veículo que era conduzido pelo Réu e relativamente ao qual a Autora havia assumido a responsabilidade civil emergente da sua circulação.


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A A. exerce a indústria de seguros em vários ramos – alínea A) dos factos assentes.

2. No exercício da sua actividade, a A. celebrou com B... um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela Apólice n.º 34/1034505 – alínea B) dos factos assentes.

3. Através do contrato de seguro referido em B), a A. assumiu a responsabilidade civil emergente de embates decorrentes da circulação do veículo de matrícula RP (...) – alínea C) dos factos assentes.

4. No dia 19 de Abril de 2010, pelas 18h05m, ocorreu um embate na Rua do Branco, na localidade de Serra do Branco, concelho e distrito de Leiria – alínea D) dos factos assentes.

5. Em que foram intervenientes o veículo RP, conduzido pelo R., e o motociclo com a matrícula (...) GZ, conduzido por C... – alínea E) dos factos assentes.

6. O local do embate caracteriza-se por ser um entroncamento, (…) – alínea F) dos factos assentes.

7. (…) formado pela Rua do Branco e pela Rua do Cabeço – alínea G) dos factos assentes.

8. O veículo RP circulava na Rua do Cabeço em direcção ao entroncamento referido em F) e G) – alínea H) dos factos assentes.

9. O veículo GZ circulava na Rua do Branco em direcção ao entroncamento referido em F) e G) – alínea I) dos factos assentes.

10. Os condutores que circulem na Rua do Cabeço são confrontados, imediatamente antes da intersecção com a Rua do Branco, com a sinalização vertical STOP – alínea J) dos factos assentes.

11. No lugar do entroncamento referido em F) e G), quer a Rua do Branco quer a Rua do Cabeço comportam dois sentidos de trânsito, (…) – resposta ao ponto nº 1 da base instrutória.

12. (…) com uma via de circulação para cada sentido – resposta ao ponto nº 2 da base instrutória.

13. No momento do embate referido em D) estava bom tempo (…) – resposta ao ponto nº 3 da base instrutória.

14. (…) e o piso estava seco – resposta ao ponto nº 4 da base instrutória.

15. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em D), o motociclo GZ circulava na Rua do Branco, no sentido Leiria/ Memória – resposta ao ponto nº 5 da base instrutória.

16. Circulava a velocidade não superior a 50 Km/hora – resposta ao ponto nº 6 da base instrutória.

17 Quando se encontrava já na área do entroncamento, o condutor do motociclo GZ foi surpreendido pelo súbito e inesperado aparecimento do veículo RP, (…) – resposta ao ponto nº 7 da base instrutória.

18. (…) proveniente do seu lado direito – resposta ao ponto nº 8 da base instrutória.

19. O condutor do veículo RP acedeu à área do entroncamento em desrespeito pelo sinal STOP existente na Rua do Cabeço – resposta ao ponto nº 9 da base instrutória.

20. O Réu, ao aproximar-se do entroncamento referido em F) e G), prosseguiu a sua marcha, sem diminuir a velocidade a que circulava, (…) – resposta ao ponto nº 10 da base instrutória.

21. (…) com intenção de mudar de direcção à esquerda, atento o seu sentido de marcha (…) – resposta ao ponto nº 11 da base instrutória.

22. (…) e passar a circular na Rua do Branco, no sentido Memória/ Leiria, (…) – resposta ao ponto nº 12 da base instrutória.

23. (…) sem se assegurar que não se aproximava nenhum veículo pela Rua do Branco, (…) – resposta ao ponto nº 13 da base instrutória.

24. (…) acabando por embater com a parte frontal do veículo RP na parte lateral direita do motociclo GZ, (…) – resposta ao ponto nº 14 da base instrutória.

25. (…) o qual se encontrava, nesse momento, a atravessar o entroncamento – resposta ao ponto nº 15 da base instrutória.

26. O condutor do motociclo GZ tentou evitar a colisão com o veículo RP quando foi surpreendido pelo súbito aparecimento do veículo RP, (…) – resposta ao ponto nº 16 da base instrutória.

27. (…) Inflectindo a sua marcha para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, (…) – resposta ao ponto nº 17 da base instrutória.

28. (…) transpondo a linha longitudinal, delimitadora dos sentidos de trânsito, (…) – resposta ao ponto nº 18 da base instrutória.

29. (…) passando a circular na via reservada ao trânsito em sentido oposto ao seu – resposta ao ponto nº 19 da base instrutória.

30. A manobra de recurso utilizada pelo condutor do motociclo GZ não logrou evitar o embate entre os veículos – resposta ao ponto nº 20 da base instrutória.

31. Após o embate, o R. foi submetido pela entidade policial ao teste quantitativo de alcoolemia, (…) – resposta ao ponto nº 21 da base instrutória.

32. (…) tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,22 g/l – resposta ao ponto nº 22 da base instrutória.

33. Na sequência do embate referido no facto nº 1 da base instrutória, o condutor do motociclo GZ, C... sofreu fractura bimaleolar com fragmento ósseo maléolo tibial e fractura longitudinal maléolo peroneal, (…) – resposta ao ponto nº 23 da base instrutória.

34. (…) tendo sido transportado para o Hospital G...., EPE onde permaneceu até ao dia 20 de Abril de 2010, (…) – resposta ao ponto nº 24 da base instrutória.

35. (…) no qual foi sujeito a tratamento ortopédico conservador, redução de fractura tibiotársica com aplicação de imobilização gessada, (…) – resposta ao ponto nº 25 da base instrutória.

36. (…) e, posteriormente, foi sujeito a catorze sessões de fisioterapia – resposta ao ponto nº 26 da base instrutória.

37. Em face das lesões sofridas por C..., este esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do embate e durante um período temporal não concretamente apurado – resposta ao ponto nº 27 da base instrutória.

38. A A. pagou o custo da assistência clínica prestada ao condutor do motociclo GZ, (…) – resposta ao  ponto nº 28 da base instrutória.

39. (…) tendo pago a quantia de €35,13 à empresa “D..., Lda” – resposta ao ponto nº 29 da base instrutória.

40 (…) tendo pago a quantia de €51,00 à empresa “E..., Lda” – resposta ao ponto nº 30 da base instrutória.

41. (…) tendo pago a quantia de €140,00 à empresa “F...” – resposta ao ponto nº 31 da base instrutória.

42. (…) tendo pago a quantia de €846,65 ao Hospital G..., EPE – resposta ao ponto nº 32 da base instrutória.

43. (…) tendo pago a quantia €102,00 à empresa “H..., Lda” – resposta ao ponto nº 33 da base instrutória.

44. (…) tendo pago a quantia de €50,00 à Clínica I..... – resposta ao ponto nº 34 da base instrutória.

45. (…) tendo pago a quantia de €15,18 à Farmácia J.... – resposta ao ponto nº 35 da base instrutória.

46. Após a alta, os serviços clínicos da A. efectuaram a avaliação clínica do condutor do motociclo GZ, (…) – resposta ao ponto nº 36 da base instrutória.

47. (…) tendo resultado dessa avaliação que o condutor do GZ se encontrava afectado de uma incapacidade permanente parcial de cinco pontos (…) – resposta ao ponto nº 37 da base instrutória.

48. (…) e atribuíram-lhe, em face das lesões sofridas, um Quantum Doloris de Grau IV numa escala de 1 a 7 – resposta ao ponto nº 38 da base instrutória.

49. A A. pagou ao condutor do GZ uma indemnização no valor de €54.000,00 para ressarcimento do dano biológico e dos danos não patrimoniais sofridos – resposta ao ponto nº 39 da base instrutória.

50. A A. pagou ao condutor do motociclo GZ as despesas médicas e medicamentosas que este suportou, no valor de €324,62 – resposta ao ponto nº 40 da base instrutória.

51. A A. solicitou aos seus serviços técnicos que realizassem uma peritagem ao motociclo GZ – resposta ao ponto nº 41 da base instrutória.

52. Da peritagem referida na resposta ao facto nº 41 apurou-se que para proceder à reparação do motociclo GZ seria necessário despender a quantia de €2.087,08 com IVA incluído – resposta ao ponto nº 42 da base instrutória.

53. A A. pagou à oficina que efectuou a reparação do motociclo GZ a quantia de €2104,47 – resposta ao ponto nº 43 da base instrutória.

54. Na sequência do embate referido em 1º da base instrutória, o condutor do GZ ficou com um blusão de motard, da marca Shoei, estragado, com um valor comercial de €350,00 – resposta ao ponto nº 44 da base instrutória.

55. (…) um telemóvel HTC Diamond P3700, estragado, com um valor comercial de €509,00 – resposta ao ponto nº 45 da base instrutória.

56. (…) umas botas Motocycle Sancho, estragadas, com um valor comercial de €240,00 – resposta ao ponto nº 46 da base instrutória.

57. (…) uns óculos de sol, da marca Ray Ban, estragados, com um valor comercial de €200,00 – resposta ao ponto nº 47 da base instrutória.

58. (…) um capacete de mota, da marca AIROH, estragado, com um valor comercial de €620,00 – resposta ao ponto nº 48 da base instrutória.

59. A A. chegou a um acordo com o condutor do GZ, tendo pago a este o montante de €1.300,00 pelos estragos causados nos bens referidos em 44.º, 45.º, 46.º, 47.º e 48.º da base instrutória – resposta ao ponto nº 49 da base instrutória.

60. A A. pagou a título de averiguação e peritagem a quantia de €171,94 – resposta ao ponto nº 50 da base instrutória.

61. O entroncamento onde ocorreu o embate é um local de pouca visibilidade, considerando o sentido de marcha em que seguia o Réu – respostas aos pontos nº 51 a 53 e 56 da base instrutória.

62. No local do embate existia um espelho convexo – resposta ao ponto nº 54 da base instrutória.

63. O espelho convexo referido em 54º da base instrutória foi reposicionado a fim de garantir melhor visibilidade – resposta ao ponto nº 55 da base instrutória.

64. Já ocorreram alguns embates nesse local – resposta ao ponto nº 57 da base instrutória.

65. Na Rua do Branco existe um café à beira da estrada, onde por vezes se encontram estacionados veículos de ambos os lados da faixa de rodagem, os quais prejudicam a visibilidade – resposta ao ponto nº 58 da base instrutória.

66. Alguns metros antes do local do embate referido em D) dos factos assentes, o veículo GZ desfez uma curva – resposta ao ponto nº 64 da base instrutória.

67. A faixa de rodagem, na Rua do Branco, tem a largura de 5,20 metros – resposta ao ponto nº 66 da base instrutória.

68. O embate ocorreu na Rua do Branco, na faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Memória-Leiria – resposta ao ponto nº 68 da base instrutória.

69. A pesquisa de álcool com recolha de amostra sanguínea foi realizada no Hospital – resposta ao ponto nº 73 da base instrutória.

70. O condutor do GZ conhecia o local do embate – resposta ao ponto nº 74 da base instrutória.


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IV.

Analisemos, então, o objecto do recurso.

Como decorre dos autos, a Autora vem exercer o direito de regresso contra o Réu, ao abrigo do disposto no art. 27º, nº 1, alínea c), do Dec. Lei nº 291/2007, de 21/08, relativamente à indemnização que pagou com base num contrato de seguro que havia celebrado e pelo qual havia assumido a responsabilidade civil emergente da circulação de um veículo que veio a ser interveniente num acidente de viação quando era conduzido pelo Réu com uma taxa de alcoolemia superior à permitida.

Considerou a sentença recorrida que, em face do disposto na norma citada, competia à Autora fazer a prova do nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a eclosão do acidente e por não ter sido feita essa prova – ali se referindo que “…desconhece-se se o Réu não parou no referido sinal de “stop” por causa do álcool que havia ingerido ou se, por hipótese, o Réu nunca parava naquele stop, sendo o episódio dos autos mais um” – julgou a acção improcedente.

A Autora/Apelante discorda desse entendimento – daí o presente recurso – com base na alegação de que, com a entrada em vigor do diploma acima citado, deixou de ser necessária a prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

A questão não é nova e a controvérsia jurisprudencial que sobre ela se desenvolveu já existia no domínio de vigência do Dec. 522/85, de 31/12 (entretanto revogado).

Dispunha o art. 19º, alínea c), deste diploma que, satisfeita a indemnização, a seguradora tinha direito de regresso “contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado”.

Com base na expressão “agido sob a influência do álcool”, que era utilizada pelo legislador, uma boa parte da nossa jurisprudência entendia que o direito de regresso da seguradora pressupunha a alegação e prova – a efectuar pela seguradora – do nexo de causalidade entre o acidente e a condução sob a influência do álcool; não bastaria demonstrar que o acidente havia sido imputável ao referido condutor, sendo ainda necessário demonstrar que a eclosão do acidente se havia ficado a dever à taxa de alcoolemia que o condutor apresentava.

Havia, porém, quem tivesse entendimento diferente, considerando não ser necessária a alegação e prova de tal nexo de causalidade e que o direito de regresso decorria da mera condução sob o efeito do álcool.

A controvérsia jurisprudencial que assim se desenvolveu veio a culminar no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2002[1], onde se decidiu que “a alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Alguns anos depois, surgiu o Dec. Lei nº 291/2007, de 21/08, que, revogando o anterior diploma, veio a estabelecer, no art. 27º, nº 1, alínea c), que a seguradora tem direito de regresso “contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”.

A verdade é que a controvérsia que existia no domínio da anterior legislação – pelo memos até ao momento em que foi proferido o referido Acórdão 6/2002 – manteve-se no domínio da legislação actual, continuando a inexistir consenso no que toca à necessidade (ou não) de fazer a efectiva demonstração do nexo de causalidade entre a condução com taxa de alcoolemia e a eclosão do acidente.

De facto, há quem entenda que a doutrina estabelecida pelo Acórdão Uniformizador mantém actualidade e pertinência face ao estabelecido no Dec. Lei nº 291/2007, sendo, por isso, necessário fazer a prova daquele nexo de causalidade (é o caso dos Acórdãos da Relação de Porto de 19/01/2012, 15/01/2013 e 16/05/2013 e do Acórdão do STJ de 06/07/2011[2]) e há quem entenda que o direito de regresso da seguradora não depende agora da alegação e prova desse nexo de causalidade, bastando a prova de que o condutor deu causa (qualquer causa) ao acidente (é o caso do Acórdão do STJ de 08/10/2009, do Acórdão da Relação do Porto de 13/12/2011 e dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 08/05/2012, 29/05/2012 e 22/01/2013[3]).

Tomando posição sobre a questão, parece-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, ser de adoptar o entendimento de que, no domínio da actual legislação, não é necessária a alegação e prova do nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia em que o condutor circulava e a eclosão do acidente, bastando a demonstração de que o acidente ocorreu por culpa do condutor que conduzia com taxa de alcoolemia superior à permitida.

Mandam as regras legais sobre interpretação da lei – cfr. art. 9º do C.C. – que: “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”; “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Ora, parece-nos, desde logo, que a necessidade de alegação e prova do referido nexo de causalidade (álcool/acidente) não tem qualquer correspondência verbal na letra da lei, porquanto a norma supra citada apenas exige que o condutor tenha dado causa ao acidente, sem qualquer alusão ao facto de esse “dar causa” ter que estar relacionado com a taxa de alcoolemia de que o mesmo é portador.

Por outro lado, presumindo – como impõe a lei – que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, parece-nos que, se tivesse sido essa a sua intenção, o legislador não teria deixado de aludir claramente à necessidade de o acidente ter sido causado pela taxa de alcoolemia de que o portador era portador, tanto mais que estava, naturalmente, ciente das divergências que se haviam suscitado a propósito da interpretação da norma que anteriormente dispunha sobre essa matéria.

Acresce que – como se menciona nos últimos acórdãos citados – não faria muito sentido que o legislador tivesse alterado a redacção da norma, caso pretendesse, afinal, que ela valesse com o sentido que já se havia estabilizado na jurisprudência, face ao Acórdão nº 6/2002. De facto, se a jurisprudência já estava estabilizada nesse sentido, porque razão o legislador teria alterado a redacção da norma, se não fosse para contrariar a interpretação que a jurisprudência havia adoptado e que não correspondia ao seu pensamento e à sua intenção?

Importa notar que o Dec. Lei 291/2007, quando prevê as situações em que existe direito de regresso da seguradora, reproduz algumas das alíneas que já constavam da norma correspondente do diploma anterior sem introduzir qualquer alteração na respectiva redacção. E, portanto, seria normal que o legislador também tivesse adoptado esse procedimento, caso pretendesse regular a situação da condução com taxa de alcoolemia nos mesmos termos que já decorriam do entendimento jurisprudencial que se havia firmado a propósito da anterior redacção.

Parece-nos, portanto, que, ao alterar os termos em que a situação era prevista na norma anterior, o legislador terá pretendido regular a situação em termos diversos, afastando-se da posição assumida no Acórdão Uniformizador, dispensando a prova do nexo de causalidade entre o álcool e o acidente e exigindo apenas a prova de que o acidente foi causado pelo condutor que conduzia com taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.

Mais do que prescindir do aludido nexo de causalidade, o legislador terá, de algum modo, presumido a sua existência, por considerar que, se o acidente é causado por quem conduz um veículo com taxa de alcoolemia superior à permitida, será difícil de admitir que tal alcoolemia não tenha tido influência no comportamento culposo que deu causa ao acidente.

A este propósito, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 30/10/2008[4] (relatado pela aqui relatora) o seguinte:

Parece não haver dúvidas que a redacção do citado art. 27º c) veio afastar definitivamente a ideia de que o direito de regresso era um efeito automático da condução sob o efeito do álcool, exigindo-se agora, expressamente, a prova de que o condutor deu causa ao acidente.

O que parece agora resultar do citado art. 27º c) é que o legislador entendeu que, uma vez feita a prova de que o acidente foi causado pelo condutor que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida, isso bastaria para concluir que o comportamento do condutor se deveu à influência do álcool.

Ou seja, sem abdicar do nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o dano que foi indemnizado (em relação ao qual se estabelece o direito de regresso), presumiu o legislador que a prova de que o acidente se deveu ao condutor alcoolizado era suficiente para considerar que o acidente e os subsequentes danos se deveram à influência do álcool.

Assim, e face à redacção desta norma, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2002 deixará de ter inteira aplicação.

Todavia, a não aplicação do referido acórdão não decorre do facto de o legislador ter prescindido do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, decorrendo apenas do facto de, no actual regime, não recair sobre a seguradora o ónus de prova desse nexo de causalidade (ónus esse que era, aliás, muito oneroso, dadas as dificuldades de prova), entendendo o legislador que tal nexo de causalidade se presume.

Ou seja, ao contrário do que pretende a recorrente, o regime actualmente em vigor – citado art. 27º – veio afastar a possibilidade de encarar o direito de regresso como uma sanção civil que decorria automaticamente da condução sob a influência do álcool, exigindo-se agora expressamente que o condutor tenha dado causa ao acidente.

Com tal exigência, fica agora claro que o direito de regresso da seguradora pressupõe um nexo de causalidade entre o comportamento do condutor e o dano relativamente ao qual se estabelece o direito de regresso, impondo-se à seguradora o ónus de provar que o acidente ocorreu por culpa do condutor que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que os danos (relativamente aos quais exerce o direito de regresso) decorreram desse acidente, ficando apenas dispensada de provar – como exigia o referido Acórdão 6/2002 – que o acidente ocorreu em consequência da condução sob o efeito do álcool”.

Mantendo as considerações feitas no Acórdão que acabamos de citar, concluímos que, em face da actual legislação, o direito de regresso da seguradora não depende da alegação e prova do nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente; apenas será necessário provar que o condutor deu causa ao acidente e que conduzia com taxa de alcoolemia superior à permitida, ou seja, que o acidente ocorreu por culpa do condutor que conduzia com essa taxa de alcoolemia, sem que seja necessário indagar se a conduta culposa do condutor decorreu ou não da influência do álcool (importa notar que, sendo difícil ou impossível a efectiva constatação desse facto, nem sequer se admite como provável que a taxa de alcoolemia de que o condutor era portador não tivesse tido nenhuma influência na omissão dos deveres de cuidado que vieram a dar causa ao acidente; o legislador considerou que, a partir de determinada taxa de alcoolemia, não existem as condições necessárias para a condução de veículos, porquanto a atenção e os reflexos ficam afectados – embora em grau e gravidade que podem variar de pessoa para pessoa – e, por isso mesmo, determinou que tal condução não poderia ser efectuada; se, não obstante esse facto, tal condução é efectuada e se vem a ocorrer um acidente em consequência de uma conduta culposa do condutor que apresenta uma taxa de alcoolemia superior à permitida, não será fácil admitir que essa alcoolemia nenhuma influência teve no comportamento culposo que desencadeou o acidente).

Assente, portanto, que não é necessária a demonstração do aludido nexo de causalidade e estando provado – cfr. respostas aos pontos 21º e 22º da base instrutória – que, “após o embate, o R. foi submetido pela entidade policial ao teste quantitativo de alcoolemia, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,22 g/l” (taxa que é largamente superior à permitida, já que, como decorre do disposto no art. 81º do Código da Estrada, considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l, sendo que a taxa de alcoolemia apresentada pelo Réu já corresponde a crime previsto e punido pelo art. 292º do Código Penal), resta saber se foi ou não o Réu quem deu causa ao acidente.

Ora, parece-nos claro que sim.

Com efeito, está provado: que o acidente ocorreu num entroncamento; que os veículos seguiam por artérias diferentes em direcção ao referido entroncamento; que os condutores que circulem na Rua do Cabeço (como era o caso do veículo conduzido pelo Réu) são confrontados antes da intersecção com a Rua do Branco (por onde circulava o motociclo que também teve intervenção no acidente) com a sinalização vertical “STOP”; que o motociclo circulava a velocidade não superior a 50 Km/hora; que o Réu não respeitou o sinal STOP, entrando no entroncamento, para passar a circular pela Rua do Branco, sem diminuir a velocidade a que circulava e sem se assegurar que não se aproximava nenhum veículo na Rua do Branco e que, nessas circunstâncias, foi embater no motociclo que, nesse momento, estava a atravessar o entroncamento.

É certo, portanto, que o Réu não respeitou o sinal “STOP” que lhe impunha a obrigação de parar e a obrigação de dar prioridade aos veículos que transitassem na artéria onde pretendia entrar; além de não ter imobilizado o veículo – como se impunha em face da sinalização existente – o Réu nem sequer diminuiu a velocidade a que circulava e nem sequer se assegurou que não circulava nenhum veículo na Rua onde pretendia entrar.

É evidente, portanto, que o Réu desrespeitou as normas e a sinalização que lhe impunham um determinado comportamento e omitiu os deveres de cuidado que, independentemente de qualquer sinalização, sempre deveria ter observado antes de entrar no entroncamento e, com tal comportamento, actuou culposamente – já que podia e devia ter agido de outro modo – e deu causa ao acidente, tendo ido embater no motociclo que, nesse momento, atravessava o entroncamento e ao qual o Réu tinha a obrigação de ceder a passagem.

Alude o Apelado à perigosidade do cruzamento e à falta de visibilidade para concluir que o acidente sempre poderia ter ocorrido naquele local, naquelas circunstâncias, com ou sem álcool do condutor.

É evidente que sim. O acidente poderia ter ocorrido, nas mesmas circunstâncias, ainda que o condutor não estivesse sob a influência de álcool, já que, infelizmente, não é apenas o álcool que induz em alguns condutores a adopção de comportamentos descuidados, imprudentes e violadores das normas legais e alguns condutores existirão que desrespeitam os sinais de STOP porque querem e que tão pouco se preocupam em verificar se a sua actuação é susceptível de pôr em perigo a sua própria vida e a de outros utilizadores da via pública.

Mas essa não será a regra e a verdade é que, ao contrário do que pretende fazer crer o Apelado, a perigosidade do entroncamento e a falta de visibilidade não justificariam a eclosão do acidente, caso tivessem sido adoptados os cuidados que se impunham e caso tivesse sido respeitada a sinalização existente.

De facto, a pouca visibilidade existente no local deveria determinar a adopção de cuidados redobrados e, designadamente, a entrada na via de forma cuidadosa e a velocidade reduzida de modo a poder imobilizar o veículo de imediato, caso fosse necessário. Como parece evidente, a solução para ultrapassar essa perigosidade não corresponderá àquela que foi adoptada pelo Apelado: entrar no entroncamento e na artéria por onde pretendia passar a circular, sem parar – como lhe impunha o sinal STOP – sem diminuir a velocidade e sem se assegurar sequer que não se aproximava nenhum veículo.

É certo, portanto, que o Réu/Apelado actuou culposamente, dando origem ao acidente e tanto basta para que a seguradora possa exercer o direito de regresso que lhe é facultado pela norma supra citada, sendo irrelevante – como decorre do que dissemos supra – que o Apelado tivesse (eventualmente) adoptado o mesmo comportamento descuidado e claramente desrespeitador das normas legais e dos demais utentes da via, caso não estivesse sob a influência do álcool.  

Ora, está provado que a A. pagou o custo da assistência clínica prestada ao condutor do motociclo GZ, tendo pago: a quantia de €35,13 à empresa “ D...., Lda”; a quantia de €51,00 à empresa “ E...., Lda”; a quantia de €140,00 à empresa “ F....”; a quantia de €846,65 ao Hospital G...., EPE; a quantia €102,00 à empresa “ H...., Lda”; a quantia de €50,00 à Clínica I.... e a quantia de €15,18 à Farmácia J.....

Está, portanto, o Réu obrigado a pagar à Autora essas quantias, que perfazem o total de 1.239,96€.

 Resulta ainda provado que a Autora pagou ao condutor do motociclo as despesas médicas e medicamentosas que este suportou, no valor de €324,62, tendo pago à oficina que efectuou a reparação do motociclo GZ a quantia de €2104,47, correspondente ao valor da reparação, estando o Réu obrigado a pagar essas quantias, no total de 2.429,09€.

Ficou ainda provado que, na sequência do embate,  o condutor do GZ ficou com um blusão de motard, da marca Shoei, estragado, com um valor comercial de €350,00; um telemóvel HTC Diamond P3700, estragado, com um valor comercial de €509,00; umas botas Motocycle Sancho, estragadas, com um valor comercial de €240,00; uns óculos de sol, da marca Ray Ban, estragados, com um valor comercial de €200,00 e um capacete de mota, da marca AIROH, estragado, com um valor comercial de €620,00.

Para indemnização desses danos, no total de 1.919,00€, a Autora pagou ao referido condutor a quantia de €1.300,00, estando, portanto, o Réu obrigado a pagar esta quantia de €1.300,00.

Além destas quantias – no valor total de 4.969,05€ – que correspondem a valores pagos pela Autora para ressarcimento de danos efectivamente sofridos pelo lesado, está provado que a Autora também pagou ao lesado a quantia de €54.000,00 para indemnização do dano biológico e dos danos não patrimoniais.

No que toca aos danos aqui em causa – para cuja indemnização a Autora entendeu pagar ao lesado a quantia de 54.000,00€ - o Réu impugnou o seu valor, alegando desconhecer os cálculos que estiveram subjacentes à determinação daquele valor; alega que tal indemnização é excessiva face ao eventual dano sofrido, cuja extensão desconhece e impugna a incapacidade e o quantum doloris que foram atribuídos por uma avaliação feita a pedido da seguradora, avaliação que não aceita e que não o vincula.

Ora, não poderemos deixar de reconhecer que a matéria de facto provada é insuficiente para apurar os exactos danos que aquela quantia se destinou a indemnizar (dano biológico e danos não patrimoniais) e para concluir que a indemnização paga pela Autora se contém dentro dos limites razoáveis face ao dano sofrido e à sua extensão.

Sabemos apenas que o lesado sofreu fractura bimaleolar com fragmento ósseo maléolo tibial e fractura longitudinal maléolo peroneal, tendo sido transportado para o Hospital G...., EPE onde entrou no dia 19 de Abril de 2010 e onde permaneceu até ao dia seguinte, tendo sido sujeito a tratamento ortopédico conservador, redução de fractura tibiotársica com aplicação de imobilização gessada e tendo sido, posteriormente, sujeito a catorze sessões de fisioterapia. Sabemos ainda que esteve em situação de incapacidade absoluta durante período temporal não apurado e que os serviços clínicos da Autora concluíram que o mesmo havia ficado afectado de uma incapacidade permanente de cinco pontos, tendo fixado um quantum doloris de grau 4, numa escala de 1 a 7.

Ora, perante esses factos, a indemnização paga pela Autora (54.000,00€) parece ser exagerada e desproporcional ao dano sofrido. Tal indemnização excede largamente aquela que resultaria da aplicação da Portaria nº 377/2008 de 26/05 (alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25/06), que veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal. E, apesar de os valores fixados nestas portarias não serem vinculativos e corresponderem, normalmente, a valores muito inferiores àquele que resultam da aplicação dos critérios estabelecidos no Código Civil, a verdade é que, mesmo com aplicação destes critérios, e se atendermos apenas à matéria de facto provada, não encontramos justificação para o valor pago pela Autora.

Não dispomos, no entanto, de elementos suficientes para apurar o valor do dano biológico e dos danos não patrimoniais que aquela quantia se destinou a indemnizar.

Não sabemos, designadamente, qual foi o período de incapacidade temporária absoluta; não sabemos a idade do lesado; não sabemos qual a actividade que exercia à data do acidente, qual o rendimento que auferia e qual a eventual repercussão da incapacidade na sua actividade profissional. E, embora seja certa a existência de danos não patrimoniais, não sabemos, concretamente, em que se traduziram e qual a sua extensão e gravidade.

Enfim, não conhecemos – porque não se encontram provados – um conjunto de factos que eram necessários para apurar o valor do dano biológico ou eventuais danos futuros e o valor dos danos não patrimoniais.

Daí que, nessa parte, o valor da obrigação do Réu relativamente à Autora tenha que ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no art. 609º, nº 2, do C.P.C.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

Em face da actual legislação – o Dec. Lei nº 291/2007, de 21/08 – o direito de regresso da seguradora não depende da alegação e prova do nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia em que o condutor circulava e a eclosão do acidente; a seguradora apenas terá o ónus de provar que o condutor deu causa ao acidente e que conduzia com taxa de alcoolemia superior à permitida, ou seja, que o acidente ocorreu por culpa do condutor que conduzia com essa taxa de alcoolemia, sem que seja necessário indagar se a conduta culposa do condutor decorreu ou não da influência do álcool.


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V.
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso e, revogando-se a sentença recorrida, condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de 4.969,05€ (quatro mil, novecentos e sessenta e nove euros e cinco cêntimos), bem como a quantia que vier a ser determinada, em posterior liquidação (com o limite máximo de 54.000,00€), como sendo a correspondente ao valor do dano biológico e dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado.
No que toca a custas, o Apelado suportará, desde já, 8%; os restantes 92% serão suportados, provisoriamente, em partes iguais, pela Apelante e pelo Apelado, percentagem que será, oportunamente, corrigida em função do que vier a ser liquidado.
Notifique.

Maria Catarina R. Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Publicado no D.R., I Série A, de 18/07/2002.
[2] Proferidos nos processos nºs 774/10.0TBESP.P1, 995/10.6TVPRT.P1, 7382/11.7TBMAI.P1 e 129/08.7TBPTL.G1.S1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] Proferidos nos processos nºs 525/04.9TBSTR.S1, 592/10.6TJPRT.P1, 665/10.5TBVNO.C1, 273/10.0T2AVR.C1 e 1278/11.0T2AVR.C1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[4] Com o nº convencional JTRP00041922, disponível em http://www.dgsi.pt.