Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/03.7JACBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
INÍCIO
PRAZO
TRÂNSITO EM JULGADO
SENTENÇA
CONDENAÇÃO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (1.ª SECÇÃO DA VARA DE COMPETÊNCIA MISTA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50.º, 51.º E 52.º DO CP; ARTIGO 371.º-A, DO CPP
Sumário: I - O início do período da suspensão da execução da pena de prisão conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença - ainda que condicional, sob condição resolutiva ou rebus sic stantibus -, não sendo «imputável» à condenada uma menor diligência das entidades que operam no seio do sistema de justiça, designadamente no que concerne à omissão dos procedimentos necessários a assegurar e acompanhar a execução da referida pena de substituição.

II - Não tendo a condenada feito uso da previsão normativa do artigo 371.º-A, do CPP [redacção conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08], o período de suspensão da execução da pena de prisão é o fixado na sentença.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 158/03.7JACBR, da Vara de Competência Mista de Coimbra – 1.ª Secção, em que, entre outros, arguida é A..., melhor identificada nos autos, por despacho de 20.03.2014, considerando não ser de revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que a mesma foi condenada, decidiu o tribunal julgá-la extinta.

2. Inconformada com a decisão da mesma interpôs recurso a Digna Procuradora da República, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1 – O presente recurso é interposto do douto despacho proferido pela M. ma Juiz a quo que, por considerar verificar-se nos autos uma situação de caso julgado sob condição resolutiva, sustentou ser a data de 22 de Julho de 2005, a do ínicio do cômputo do prazo de quatro anos da suspensão de execução da pena de prisão imposta à arguida A..., cujo termo ocorreria em 22 de Julho de 2009.

2 – Razão pela qual, os factos (praticados entre 23 de Novembro de 2009 e Fevereiro de 2010) determinantes da condenação da arguida, no PCC n.º 8/09.0GMMV, do Tribunal Judicial de Montemor – O – Velho, pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão, que está a cumprir, deviam ter-se por praticados fora do prazo de suspensão da execução da pena.

3 – Entendendo-se, como no douto despacho recorrido, que as três condenações sofridas pela arguida, no decurso do período de suspensão da execução, o foram em penas não detentivas, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, formulou-se um juízo de que esses praticados crimes não eram de molde a infirmar a consecução das finalidades da punição, face à rejeição legal da automaticidade da revogação e declarou-se extinta a pena de prisão imposta, pelo decurso do prazo da suspensão.

4. Não se desconhece que «vem sendo jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar», «Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do art. 403.º».

5. No entanto para que tal desiderato do legislador atinja o seu objectivo pleno é necessário que decorrido o prazo para que o co-arguido recorra, sem que tal aconteça, seja determinado pelo Tribunal, ainda que implicitamente pela prática de actos donde tal conclusão se infira, que, relativamente a esse co-arguido, a decisão condenatória transitou em julgado, ordenando-se o cumprimento das diligências necessárias ao acompanhamento da execução da pena.

6. Doutro modo e nos casos de suspensão da execução da pena com obrigação de acompanhamento pela D.G.R.S. ou com imposição de regime de prova, estar-se-ia a contrariar o disposto no douto acórdão condenatório respeitante a essa parte, decorrendo o período de execução da suspensão da pena sem que tivessem sido cumpridas as condições estipuladas na decisão.

7. No caso dos autos, apenas em 26.01.2006, após a verificação do trânsito em julgado relativamente a todos os arguidos, foi determinado se enviasse cópia do acórdão ao, então I.R.S., para se processar o ordenado acompanhamento da arguida.

8. Fácil é, pois, constatar que o trânsito em julgado do acórdão ocorreu em 24 de Janeiro de 2006, conforme declarado no boletim enviado ao C.R.C. e consta do próprio certificado de registo criminal da arguida.

9. No decurso da suspensão da execução da pena, a recorrente voltou a preencher, para além de outro, um dos tipos legais de crime para que é manifestamente propensa – tráfico de estupefacientes – evidenciando a desvalorização que atribui a essa sua conduta típica e penalmente ilícita, sendo condenada, em pena de prisão em efectividade.

10. Na verdade, se essas condenações, já dizem muito da personalidade da arguida e da sua dificuldade em passar a adoptar uma postura socialmente adequada, mais revelam, quando, conforme resulta do relatório final, elaborado pela D.G.R.S., reconhecendo essa «deficiente interiorização de alguns valores jurídicos e sociais», aliada à convivência com familiares «que já tinham sofrido condenações em penas de prisão ou medidas de comunidade», os técnicos de reinserção social, no decurso do período de acompanhamento, alertaram, por diversas vezes a arguida «para a necessidade de se afastar de determinadas pessoas e lugares (…) que constituíam factores de risco da reincidência (…) o que aquela não fez».

11. E mesmo que se entenda, o que só por mera hipótese académica se equaciona, que o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos ocorreu, como é pugnado no douto despacho sob recurso, em 21 de Junho de 2005, é inegável que a arguida praticou e foi condenada, por três vezes mais, por factos ilícitos típicos.

12. E se é certo que, em todas essas condenações, o Tribunal se bastou pela aplicação de uma nova suspensão da execução da pena de prisão ou pela sua substituição da pena de prisão por pena de multa, essas reacções penais não detentivas não deverão irremediavelmente, condicionar a possibilidade de revogação da suspensão da pena, pois deste modo estar-se-ia a cair, também, nos efeitos automáticos das penas, rejeitado pela M.ma Juíz a quo, mas agora no sentido contrário à revogação.

13. A prática dos referenciados crimes, no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, para além daquele que já anteriormente praticara, é bem demonstrativo de que a arguida não apenas desprezou as oportunidades que lhe foram concedidas para adequar o seu comportamento ao dever ser jurídico – penal, como cavou ainda mais o fosso que lhe competia transpor para se reinserir socialmente, revelando uma personalidade com apetência para a prática de crimes e a sua dificuldade em adequar-se aos padrões e normalidades sociais.

14. As declarações prestadas pela arguida, na sequência da audição a que alude o n.º 2, do artigo 475.º do CPP são, aliás, a demonstração cabal da sua falta de interiorização dos valores jurídico-penais.

15. A estas intensas exigências de prevenção especial, acrescem fortes necessidades cautelares de prevenção geral, pelo que a manutenção do despacho que determinou a extinção da pena de prisão, no caso, colocaria em crise as expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas.

16. Em conformidade, deve ser revogada a suspensão da execução e determinado o cumprimento em efectividade da pena de três anos de prisão, imposta à arguida A..., nos presentes autos.

17. A decisão recorrida ofendeu o disposto pelos artigos 40.º, n.º 1, 56.º e 57º, n.º 1, do Código Penal, e 475º, do Código de Processo Penal.

Nestes termos e pelo mais que, V.as Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, julgando-se procedente o recurso interposto e, consequentemente determinando-se a substituição da decisão que declarou extinta a pena, pelo decurso do prazo, a pena de prisão imposta, por outra que determine a revogação dessa suspensão da execução e o cumprimento em efectividade da pena de prisão de três anos, imposta à arguida, far-se-á justiça.

3. Por despacho de 08.04.2014 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

4. Ao recurso respondeu a arguida, concluindo:

I. O Trânsito em julgado da sentença em relação à arguida ocorreu em 21-06-2005;

II. O prazo de suspensão da execução da pena de 4 anos aplicado à arguida situou-se entre 21-06-2005 e 21-06-2009.

III. A partir de 15 de Setembro de 2007, o legislador penal, através da Lei 59/2007 de 4 de Setembro, veio alterar o dispositivo do n.º 5 do art.º 50º, impondo que a suspensão da execução terá duração igual à pena de prisão determinada na sentença.

IV. A arguida não requereu a aplicação de tal regime através do mecanismo previsto no art.º 371 – A do CPP e 2º nº 4 do CP, a fim de lhe ser aplicado o regime mais favorável e ver reduzido o período de suspensão de 4 para 3 anos.

V. Contudo, a ratio de tal alteração legislativa, e as respectivas consequências práticas não poderão deixar de ser levadas em conta pelo julgador que tenha que avaliar pressupostos relevantes, em especial condicionantes do período de tempo de suspensão que não existiria caso fosse aplicada a lei mais favorável.

VI. Os crimes referidos na decisão ora recorrida de condução sem habilitação legal, cometidos e julgados no decurso do período de suspensão foram sancionados, com penas de prisão suspensa na sua execução ou pena de multa.

VII. Os julgadores destes crimes, tendo acesso ao CRC da arguida tiveram conhecimento da prática do crime cuja pena suspensa se pretende agora ver revogada.

VIII. Mesmo assim, fizeram um juízo de prognose favorável sobre as probabilidades de ressocialização da arguida mantendo a confiança nesta ao não aplicarem uma pena de prisão efetiva.

IX. Acresce que para além do acabado de referir, não foi sustentada e fundamentada qualquer tese de que a prática de tais crimes revelava, e em que medida, uma frustração das finalidades que a suspensão da execução da pena visava alcançar.

X. Os crimes são de natureza diversa e gravidade distinta, pelo que por si só não são suscetíveis de fundamentar tal frustração de finalidades.

XI. O crime de tráfico de estupefacientes foi praticado já fora do período de suspensão.

XII. Se considerado o segundo prazo referido de trânsito, por mera hipótese académica, este crime poderá ser considerado para efeitos de revogação nos termos do n.º 2 do art.º 57º do CPP. No entanto, valerá aqui o que referimos na conclusão V. e IX.

XIII. A arguida não violou grosseiramente, como seria necessário para fundamentar a revogação, das condições impostas no acórdão condenatório, nomeadamente a de conseguir um trabalho estável.

XIV. O relatório da DGRS, não só, é apenas “sugestivo” de que houve uma diminuta sensibilização da arguida para as orientações dadas pela equipa, como não consegue na nossa perspetiva fundamentar qualquer violação de forma intolerável e indesculpável por parte da arguida.

XV. Inversamente chega a sustentar que ela teria alguma causa de justificação para não conseguir alcançar o objectivo de conseguir um trabalho estável, referindo

XVI. que ela trabalhava pontualmente, embora sem entusiasmo, e que chegou a conseguir aquando da sua detenção, já depois de decorrido o prazo de suspensão um trabalho estável e satisfatório.

XVII. Refere também no mesmo sentido que a gravidez e a existência de 3 filhos menores ao seu cuidado acabava por ser uma justificação para tal situação.

XVIII. A arguida foi ouvida na presença da técnica da DGRS.

XIX. Por tudo o exposto e até pelo decurso de tempo que passou entre o términus da suspensão e a decisão de revogação (dava quase para outra suspensão igual) que esvazia de força e sentido a finalidade que tal revogação pretende conseguir, não deve a decisão de extinção da pena, ora recorrida, ser revogada, sob pena de passarem a ser violados os art.s 50º nº 5, art.º 4º, nº 2, 55.º e 56.º do CP.

Termos em que deve ser levada em consideração a presente motivação e em consequência:

- Ser mantida a decisão de extinção da pena de prisão aplicada à arguida.


ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.

5. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 119, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, reagiu a arguida/recorrida, retomando, no essencial a argumentação expendida na sua resposta, pugnando, assim, pela manutenção da decisão recorrida.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No presente caso a única questão a apreciar traduz-se em saber se ao não revogar a suspensão da execução da pena de prisão e, bem assim, ao declarar extinta a dita pena revogou a decisão recorrida os preceitos legais invocados pela Ilustre recorrente.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da decisão recorrida:

«(Re)apreciação da suspensão de execução de pena da arguida A...:

A arguida A... foi nos presentes autos, por acórdão de 1 de Junho de 2005 condenada pela prática em co-autoria de um crime de tráfio de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, na pena de três (3) anos de prisão, suspensa na execução pelo período de quatro (4) anos, com a obrigação de se sujeitar ao acompanhamento da D.G.R.S., designadamente com vista à obtenção de trabalho estável.

Tal acórdão apenas veio a transitar em julgado em 24 de Janeiro de 2006, na sequência de interposição de recurso pelos co-arguidos B... e C..., e relativamente a estes. A arguida A..., no entanto, conformou-se com a decisão, razão pela qual o trânsito (condicional) – ocorreu – relativamente a si – a 21 de Junho de de 2005.

A arguida A... começou a ser acompanhada pela Equipa da DGRS apenas em finais do mês de Maio de 2006, após o envio da sentença.

Em 23 de Maio de 2008, a DGRS informou que no início do acompanhamento a arguida residia no X... por se haver separado do seu companheiro, integrando o agregado o agregado dos seus pais, juntamente com os filhos – então com 4 e 5 anos, referindo que “a nível laboral a arguida ia efectuando alguns trabalhos esporádicos como empregada de mesa e de limpezas; volvido cerca de meio ano a mesma passara a viver com o companheiro e os seus dois filhos, necessitando a arguida de tomar conta de um dos menores; era-lhe então atribuído rendimento de inserção e abono dos menores; em Março de 2007, estava grávida e ainda sem emprego estável, necessitando cuidar dos filhos; em Janeiro de 2008 faleceu o seu pai, com quem mantinha uma relação de proximidade e tal deixou-a em grande sofrimento e depressão; entretanto inscrevera-se em curso de rendimento social …; quanto à assiduidade, registou-se a sua comparência e atitude de colaboração; mantendo actividade laboral irregular, tal tinha efectiva justificação pelo facto de cuidar de três menores …

Chegou aos autos, a 3 de Fevereiro de 2010, informação de que a arguida havia sido presa preventivamente ao abrigo do processo comum comum colectivo n.º 8/09.0GBMMV. No âmbito destes autos, a mesma foi condenada em pena de prisão de 6 anos e 6 (seis) meses, pelo crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-1, praticado entre 23-11-2009 e Fevereiro de 2010.

A DGRS enviou relatório de acompanhamento datado de 16 de Maio de 2011, no qual regista que ao longo do acompanhamento – iniciado em final de Maio de 2006 – a arguida fazia parte de um agregado familiar extenso -, - inicialmente ainda em casa dos pais, no X..., em Coimbra e após a morte do pai, durante este período, por algumas localidades próximas de Coimbra, alegando para estas deslocações, dificuldades em pagar o montante da renda de casa; do seu agregado familiar faziam parte um companheiro e dois filhos menores da arguida, fruto de um outro relacionamento (durante o período de acompanhamento a arguida teve um outro filho deste companheiro) assim como a mãe da arguida; incluía ainda, e por períodos indeterminados, duas irmãs da arguida, os seus companheiros e filhos menores destes, um irmão deficiente mental e por vezes um irmão do seu companheito, entre outras pessoas que por vezes a arguida referenciava; alguns destes elementos recebiam rendimento social de inserção, e o companheiro da arguida, segundo ela, trabalhava como servente de pedreito, parecendo ser o único elemento que ia trabalhando com alguma regularidade; a arguida ao longo deste período devido à sua gravidez no ano de 2007, assim como ao facto de ter outros dois filhos menores, regra geral ou não exercia qualquer actividade ou laboral, ou efectuava serviços indiferenciados de limpezas ou outros, de um modo muito irregular e sem grande motivação; aquando da sua prisão, a arguida parecia ter conseguido pela primeira vez ao longo deste período, um emprego um pouco mais estável, a trabalhar como ajudante de cozinha num restaurante, falando com agrado dessa actividade; regista-se ainda que no ano de 2010 a arguida foi presa preventivamente à ordem do processo 8/09.OGBMNV do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, passando posteriormente a ser acompanhada pela Equipa da DGRS da vigilância electrónica, por ter sido sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, sob vigilância electrónica; sempre que solicitada a comparecer às entrevistas, no âmbito do seu plano de acompanhamento, fê-lo, justificando regra geral, as faltas que registou; já tinha sido acompanhada, no âmbito de uma liberdade condicional, pelo que tinha consciência que este factor era importante; o acompanhamento contemplou desde logo a tentativa de sensibilização para os malefícios da conduta e treino de competências pessoais com consciencialização dos danos para terceiros e eventuais vítimas; a nível laboral insistiu-se em inscrição no centro de emprego e cumprimento do plano de reinserção contemplado no programa do rendimento social de que era beneficiária; quanto à interiorização da arguida para os aspectos abordados e reforçados ao longo do acompanhamento, a mesma foi diminuta; e alertada para a necessidade de se afastar de certas pessoas e locais que pudessem por em causa este seu período de acompanhamento, não o fez; a nível laboral, (sic) “refugiava-se sempre em desculpas para não manter de forma regular uma actividade laboral” embora o facto de ter três filhos menores fosse de algum modo justificativo para essa sua atitude; assim, “a imaturidade da arguida assim como a deficiente interiorização de alguns valores jurídicos e sociais, aliado ao ambiente familiar em que se encontrava inserida – em que a maior parte dos seus elementos já tinham sofrido ou penas de prisão, ou medidas na comunidade, constituíam factores de risco de reincidência, para os quais a arguida foi várias vezes alertada.

Decorre do CRC e decisões juntas aos autos, que a arguida veio a praticar, se compulsarmos o período de suspensão desde o trânsito definitivo, nos termos acima expostos:

- em 19.11.2008, um crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenada, por decisão proferida em 21.11.2008, transitada em julgado em 23.11.2008, na pena de seis meses de prisão, substituída por multa – proc. sum. 2970/08.1 PCCBR;

- em 23.11.2009, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por decisão proferida em 7.12.2010, transitada em julgado  (cfr. certidão de fls. 1978 a a 2018), a pena de seis anos de prisão – pcc n.º 8/09.0GBMMV.

Mas se atentarmos à data do trânsito condicional, terá sofrido no dito período de suspensão além da primeira das referidas condenações,

- em 29.3.2006, pela prática a 4-10-2005, um crime de condução sem habilitação legal, transitada em julgado em 12.05.2006, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução – Abreviado n.º 156/05.6PTCBR,

- em 29.3.2006, pela prática a 4-10-2005, um crime de condução sem habilitação legal, transitada em julgado em 12.05.2006, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução – Sum. N.º 135/05.3PTCBR;

Refere a Sr.ª Procuradora da República, a suspensão da execução da pena decidida nestes autos foi condicionada ao cumprimento de deveres específicos que não foram satisfeitos, na íntegra, formulando a D.G.R.S. um prognóstico pouco favorável a reinserção da arguida; ademais, a questão do cumprimento do plano fixado ficou prejudicada pela prática dos aludidos crimes, no decurso do prazo da suspensão da execução da pena, atento o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, b), do mesmo Código.

Ouvida a arguida, a mesma pronunciou-se, justificando os aspectos apontados no referido relatório final, e nos seguintes termos:

- encontra-se privada de liberdade desde Janeiro de 2010, estando presa desde Maio de 2011, ao abrigo do processo nº 8/09.0GBMMV, gozando as saídas precárias – e aí está tirando um curso de costura, e sublinha que tem apresentado bom comportamento prisional;

- tem três filhos, - actualmente de 11, 10 e 6 anos – a viverem com a sua mãe e irmãs;

- quanto à violação das suas obrigações impostas pela DGRS, a mesma alega ter cumprido o plano estabelecido na sua generalidade, no aspecto laboral; chegou a trabalhar nesse período, em vários restaurantes como empregada de mesa e em limpezas com empregada doméstica; chegou a estar durante um ano como ajudante de cozinha no restaurante Serra da Estrela em Coimbra – e ao ser detida em Janeiro de 2010 veio a cessar essa actividade; chegou a trabalhar na Pizza Hut como empregada de balcão; esteve ainda no restaurante Chimarrão a trabalhar por alguns meses; trabalhos, esses, pelos quais recebia salário mínimo nacional;

- o seu agregado familiar era composto pelos filhos e seu companheiro – actualmente em liberdade – desde Dezembro de 2012 – mas também referenciado por tráfico;

- por necessidade voltou a traficar – factos pelos quais foi posteriormente – por ser então a única a trabalhar e a receber ordenado, para sustentar os filhos; então o companheiro apenas trabalhava esporadicamente; pagava de renda de casa – 300 €, a que acresciam despesas de água e luz, vestuário …, sendo que não era consumidora de estupefacientes;

- a DGRS nunca lhe propôs ou sugeriu qualquer entidade patronal, ou apoiado no sentido de arranjar emprego fixo;

- já com a pulseria electrónica – em V.E. – passou a receber rendimento mínimo – durante três meses – a partir de Janeiro de 2011;

- quanto às conduções sem carta, referiu que ocorreram por descontrole conjugal – devido a mau relacionamento com o seu ex-marido – período em que do mesmo modo deixou de comparecer a entrevistas e foi para o estrangeiro (cerca de três meses em França).

A Sr.ª técnica de reinserção social – ouvida presencialmente – referiu a irregularidade dos seus trabalhos – à excepção do trabalho no restaurante Serra da Estrela; que a mesma foi advertida para se afastar desta prática criminosa e nomeadamente do Bairro onde residia; que frequentava o X... – onde viviam os seus pais; sendo a sua prisão uma surpresa para os serviços, sendo que nos últimos tempos a mesma aparentava estar mais estabilizada …

A arguida juntou aos autos certidão da Segurança Social atinente a descontos por trabalho regular desempenhado – comprovando que assim aconteceu desde Maio de 2009 – e até à privação de liberdade (Janeiro de 2010).

Cumpre decidir, suprida que foi a falta de audição presencial da arguida e Sr.ª técnica – anteriormente apontada.

Apreciando:

Nos termos do art.º 56.º, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Quanto ao cumprimento dos deveres e regras de conduta diremos que o balanço do acompanhamento propriamente dito – no que concerne à questão laboral – não será de molde a determinar aquela revogação: extrai-se dos referidos parcos relatórios que, iniciado o acompanhamento em Maio de 2006, a arguida achava-se, num período inicial, limitada pelas suas circunstâncias familiares – a mesma integrava o agregado dos seus pais juntamente com os filhos – então com 4 e 5 anos, efectuando alguns trabalhos esporádicos como empregada de mesa e de limpezas; e na sequência de nova gravidez, em 2007, vem a ser mãe de um terceiro filho; no entanto, durante cerca de um ano – e imediatamente antes de ser detida trabalhou com regularidade …

No respeitante à sua ligação a pessoas, meios e locais pouco recomendáveis, deve atentar-se que os seus progenitores residiam no X... – donde, do mesmo modo, deve ser apreciado cum grano salis o facto de a mesma se deslocar aquele bairro – onde se situa a morada dos seus progenitores, aos quais estava naturalmente vinculada por laços familiares: a mesma aí terá inclusivamente residido, por se haver separado, integrando durante algum tempo o agregado dos seus pais, juntamente com os filhos; ademais, se alguns dos seus familiares estavam conotados com esta actividade delituosa, naturalmente é por força desse laços pessoas que com eles convivia …

E o timbre mais negativo do último relatório – ainda assim genérico – mencionado – como resulta do próprio depoimento da Sr.ª Técnica – decorre do conhecimento da prisão preventiva da arguida ao abrigo do pcc nº 8/09.0GBMMV – circunstância que até foi uma “surpresa” para aqueles serviços.

É certo que a arguida A... foi condenada nos autos de pcc n.º 8/09.0GBMMV, da 1.ª secção, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, 1, do Dec-Lei 15/93, de 22/01, numa pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; e resulta do nosso conhecimento funcional que foi detida em 30/01/10, tendo-lhe sido aplicada medida de prisão preventiva que, por despacho de 11/02/10 foi substituída pela medida de coacção de permanência na habitação assegurada por vigilância electrónica; para cumprimento da pena de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada, foi a arguida detida em 03.05.2011.

Mas não tendo a arguida interposto recurso do acórdão proferido nos presentes autos, conformando-se com o mesmo, o período de suspensão a atender será – a nosso ver – o que se inicia com o trânsito condicional – os quatro anos devem compulsar-se desde 22 de Junho de 2005. E de acordo com o computo já acima referido, os novos factos criminosos praticados e objecto daquele referenciado processo – e pelos quais cumpre pena devem ter-se por praticados fora/para além do prazo de suspensão de execução da pena (período de quatro anos, aliás alargado relativamente à própria medida da pena, porquanto aplicado em quadro legal diverso).

Na verdade, o STJ tem entendido que, no caso de comparticipação criminosa, tendo uns arguidos recorrido da decisão condenatória e outros não, tal decisão transita em julgado em relação aos não recorrentes, embora o trânsito seja condicional, pois, da eventual procedência dos recursos interpostos pelos outros comparticipantes, podem os não recorrentes vir a beneficiar, mas nunca serem prejudicados (cf. art.º 403º, nº 2 – e, do CPP). Por isso, os condenados não recorrentes devem iniciar o cumprimento das penas aplicadas, sem prejuízo de eventual modificação a seu favor.

E a execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciam-se sempre com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do art. 50.º n.º 5 CPenal.

Assim, cremos que tal condenação por crime homólogo do que nos presentes autos foi aplicada ser considerada como detendo força revogativa da suspensão: o que revela para efeitos do art. 56.º, n.º 1, al. b), do CP, é a data do cometimento do crime que ocorreu no decurso do período de suspensão da pena de prisão imposta no processo onde se suscita o incidente da sua revogação.

Mas se atentarmos à data de trânsito condicional, é inegável que terá perpetrado em 19.11.2008 um crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenada, por decisão proferida em 21.11.2008, transitada em julgado em 23.11.2008, na pena de seis meses de prisão, substituída por multa – proc. sum. 2970/08.1 PCCBR; em 29.3.2006, pela prática a 4.10.2005, um crime de condução sem habilitação legal, transitada em julgado em 12.5.2006, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução – Abreviado n.º 156/05.6PTCBR e nesta mesma data, em 29.3.2006, pela prática a 4.10.2005, um crime de condução sem habilitação legal, transitada em julgado em 12.05.2006, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução – sum. n.º 135/05.3PTCBR.

Consequentemente, o primeiro pressuposto do artigo 56.º n.º 1 alínea b) do Código Penal está preenchido.

Cumpre, pois, verificar agora o segundo pressuposto do preceito mencionado, isto é, se as finalidades que estiveram na base da suspensão ainda podem ser alcançadas.

As várias condenações da arguida por crimes praticados no período de suspensão de execução da pena circunscrevem-se a delito menor de condução sem habilitação legal (três crimes).

É patente que a condenada não cumpriu e em pleno a totalidade das exigências decorrentes da suspensão da execução da pena aplicada. Na situação em apreço, é evidente que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada não surtiu integralmente o efeito útil no seu comportamento, no entanto, não deve olvidar-se o tempo decorrido – sendo que mais de três anos passaram desde a data da condenação quando tais crimes foram praticados. E o tribunal considerou nestas condenações que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão se mostravam suficientes e adequadas a realizar as finalidades da punição, quer no plano de prevenção geral, quer no plano de prevenção especial, tendo determinado pena de prisão suspensa e pena de prisão substituída por multa.

Ponderando ainda a situação pessoal e familiar da arguida, assim bem como a sua idade, a circunstância de a mesma apenas ter sofrido condenações por tal tipo de ilícito bagatelar diverso, e não sendo a revogação automática, decido não revogar a suspensão da execução da pena de prisão, não determinando assim o seu cumprimento.

Destarte, e tendo decorrido o prazo de suspensão da execução da pena, por se entender não ser de revogar tal suspensão, nos termos dos artigos 57.º n.º 1 do Código Penal e 475.º do Código de Processo Penal, revogando o nosso anterior despacho – face aos elementos carreados por via de tal audição – declaro extinta a pena de prisão aplicada nos presentes autos à arguida em referência.

Notifique (incluindo condenada e defensor), cf. art. 113.º, n.º 1, alínea b) do C.P.Penal.

Remeta boletins ao registo criminal.

Após trânsito, comunique ao TEP e estabelecimento prisional.

D.N., com boletim ao registo e conhecimento à DGRSP».

3. Apreciação

Sinteticamente diremos que a discordância da recorrente reside no facto de a pena de prisão em que foi condenada a arguida/recorrida A... ter vindo a ser declarada extinta, em consequência da não revogação da respectiva suspensão, decorrido o período, para tanto fixado, na sentença condenatória.

Na prossecução do seu desiderato começa por divergir da data considerada no despacho recorrido como sendo a do trânsito em julgado da dita condenação, pois que não ignorando, embora, o instituto do caso julgado sob condição resolutiva entende que o momento, para o efeito relevante se situa em 26.01.2006 e não já em 21.06.2005, como defende a decisão em crise.

Vejamos, então.

Resulta dos autos haver sido, entre outros, a arguida/recorrida julgada e condenada no âmbito do processo n.º 158/03.7jacbr da Vara de Competência Mista de Coimbra, 1.ª Secção, por acórdão de 01.06.2005 pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena, especialmente atenuada, de 3 [três] anos de prisão, pena, essa, suspensa na sua execução pelo período de 4 [quatro] anos, «com a condição de a mesma se sujeitar ao acompanhamento do Instituto de Reinserção Social, designadamente com vista à obtenção de trabalho estável».

Não se mostra controvertido haver-se a arguida/recorrida conformado com a condenação, o mesmo não sucedendo com os demais co-arguidos [ B... e C...], os quais, por via do recurso por si interposto recurso, viram o respectivo acórdão transitar em julgado no dia 24.01.2006.

Porém, já não merece a anuência da recorrente o facto de o tribunal a quo ter situado o trânsito [condicional] do mesmo acórdão no que à arguida/recorrida concerne em 21.06.2005.

E porquê?

A resposta transparece das conclusões 4., 5., 6., 7. e 8., cujo teor vale a pena retomar. Com efeito, a propósito, diz a recorrente:

«4. Não se desconhece que «vem sendo jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar», «Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do art. 403.º».

5. No entanto para que tal desiderato do legislador atinja o seu objectivo pleno é necessário que decorrido o prazo para que o co-arguido recorra, sem que tal aconteça, seja determinado pelo Tribunal, ainda que implicitamente pela prática de actos donde tal conclusão se infira, que, relativamente a esse co-arguido, a decisão condenatória transitou em julgado, ordenando-se o cumprimento das diligências necessárias ao acompanhamento da execução da pena.

6. Doutro modo e nos casos de suspensão da execução da pena com obrigação de acompanhamento pela D.G.R.S. ou com imposição de regime de prova, estar-se-ia a contrariar o disposto no douto acórdão condenatório respeitante a essa parte, decorrendo o período de execução da suspensão da pena sem que tivessem sido cumpridas as condições estipuladas na decisão.

7. No caso dos autos, apenas em 26.01.2006, após a verificação do trânsito em julgado relativamente a todos os arguidos, foi determinado se enviasse cópia do acórdão ao, então I.R.S., para se processar o ordenado acompanhamento da arguida.

8. Fácil é, pois, constatar que o trânsito em julgado do acórdão ocorreu em 24 de Janeiro de 2006, conforme declarado no boletim enviado ao C.R.C. e consta do próprio certificado de registo criminal da arguida».

Mas, com o devido respeito, afigura-se-nos não lhe assistir razão.

Desde logo em função de, tal como o revela, não ignorar a recorrente o instituto do caso julgado sob condição resolutiva, parcial, condicional, rebus sic stantibus, perfilhado pela jurisprudência, como, a título exemplificativo, resulta:

- Do acórdão STJ de 27.01.2005, proferido no âmbito do proc. n.º 247/05 – 5.ª, no sentido de não se encontrar em prisão preventiva « … mas em cumprimento de pena o condenado que não interpôs da decisão condenatória, tendo-o, no entanto, interposto algum ou todos os restantes co-arguidos, em crime em que houve comparticipação de todos eles», pois que «a decisão transita em julgado em relação aos não recorrentes … estando esse caso julgado sujeito a uma condição resolutiva, que se traduz em estender aos não recorrentes a reforma in melior do decidido, em consequência do recurso interposto por algum dos outros ou por todos os outros arguidos», apenas nesta medida podendo a decisão ser alterada em relação aos não recorrentes …»;

- Do acórdão STJ de 07.05.2005, proferido no âmbito do proc. n.º 2546/05 – 5.ª, nos termos do qual: «Desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência do recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus …»;

- Do acórdão do STJ de 04.10.2006, prolatado no âmbito do proc. n.º 06P3667, onde se lê: «Tendo intencionalmente deixado transitar em julgado a condenação em seis anos de prisão, o arguido não se encontra em prisão preventiva, e sim, em cumprimento de pena desde a data desse evento, como resulta, nomeadamente, do disposto no artigo 467.º, n.º 1, do Código de Processo Penal … É certo que, pendendo ainda um recurso no processo da condenação, mas interposto por outro co-arguido, o requerente poderá, eventualmente, vir a beneficiar, no todo ou em parte, do êxito de tal recurso, nos termos do disposto no artigo 402.º, n.º 2, daquele diploma adjectivo, mas tal hipótese – a criar o que se tem designado por caso julgado sob condição resolutiva – em nada afecta a natureza da actual prisão do requerente que se encontra efectivamente em cumprimento de pena, não em regime de prisão preventiva» [cf., ainda, no mesmo sentido, vg. os acórdãos do STJ de 07.06.2006 (proc. n.º 06P2184), de 11.10.2006 (proc. n.º 06P3774), de 07.02.2007 (proc. n.º 07P463) e de 27.09.2007 (proc. 07P3509)].

Depois, porque o caso julgado, ainda que condicional, ocorre ou não, sem necessidade de declaração nesse sentido, não podendo ser «imputada» ao arguido não recorrente uma menor diligência por parte do tribunal no que respeita ao pôr em marcha os trâmites necessários ao acompanhamento da execução da pena, procedimento, aliás, objecto de tratamento no seio do Ministério Público, como decorre do Despacho da Procuradoria-Geral Distrital do Porto n.º 4/2008, de 23.01.2008, também, com o objectivo de sensibilizar os Senhores Magistrados do Ministério Público a promoverem os passos tendentes a tal desiderato, dos quais não se mostram, naturalmente, excluídos os concernentes ao acompanhamento da pena de substituição, sobretudo quando sujeita a deveres, regras de conduta e/ou mediante regime de prova, cuja imposição na sentença não transfere o início do período de suspensão para o momento em que se dá efectivamente início à monotorização do cumprimento das obrigações impostas.

Por fim, porque, como resulta do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, o período de suspensão conta-se do trânsito em julgado da decisão.

Na verdade, como referido no acórdão do TRG de 14.11.2005, proferido no proc. n.º 1290/05 – 2, ainda no âmbito da anterior legislação, «Estando muito bem posicionados na lei os pontos de início e de fim de curso do instituto jurídico em causa (de início “a contar do trânsito em julgado da decisão” e de fim “não exceder o prazo máximo da suspensão”; os 5 anos), fica-se ciente que a homologação do plano de readaptação a vigorar durante tal período não constitui causa de suspensão dos mencionados prazos de duração da suspensão.

A lei não prevê tal hipótese e não se deverá ofender o princípio da legalidade. A dita homologação nada potencia. Dela só se extrai o conhecimento objectivo dos precisos comportamentos que o arguido deverá assumir no decurso da suspensão.

(…)

Entretanto, o prazo de duração da suspensão fixado na sentença decorre, até ao seu esgotamento. As disfunções judiciais e administrativas não podem prejudicar os direitos dos arguidos» [destaque nosso].

No mesmo sentido, já no domínio da actual lei – seguindo, aliás, o aresto vindo de citar, se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, quando escreve: «A execução da suspensão da execução da pena de prisão (incluindo a obrigação da satisfação dos deveres, regras de conduta e regime de prova) só se inicia a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória. No caso de suspensão da execução com regime de prova, o prazo de duração da suspensão da execução também se conta a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, mas a homologação posterior do plano de reinserção social não constitui causa de suspensão do prazo da suspensão …» - [cf. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Portuguesa, 2008, pág. 195].

Significa, pois, que quer a suspensão da execução da prisão seja simples ou subordinada a deveres, regras de conduta ou decretado o acompanhamento em regime de prova, em qualquer destas modalidades o período de suspensão fixado pelo tribunal tem [à luz do regime vigente] duração igual à da pena de prisão determinada na sentença [mas nunca inferior a um ano], a contar do trânsito em julgado da decisão.

Isto dito, não resultando dos autos – circunstância, ademais, reconhecida pela própria recorrida – que a arguida se tenha socorrido da faculdade prevista no artigo 371.º - A do CPP, sem escamotear a jurisprudência fixada no Ac. do STJ n.º 15/2009 [cf. DR, I Série, de 23.11.2009] no sentido de que «A aplicação do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a condenado em pena de suspensão da execução da prisão, por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor daquele diploma legal, opera-se através da reabertura da audiência, a requerimento do condenado, nos termos do artigo 371.º - A do Código de Processo Penal», podemos assentar nos seguintes factos:

a. A data a considerar como sendo a do trânsito em julgado – ainda que condicional, sob condição resolutiva ou rebus sic stantibus, conforme acima exposto, do acórdão proferido no âmbito no proc. n.º 158/03.7JACBR é a que vem referida no despacho recorrido [21.06.2005] e não já a de 24.01.2006, ocasião em que ocorreu o trânsito para os demais co-arguidos, então - ao invés da ora recorrida, que com ela se conformou – recorrentes;

b. O período de suspensão da execução da pena de prisão – não tendo a recorrida feito uso do dito preceito [artigo 371.º - A do CPP] – é o de 4 [quatro] anos tal como fixado na sentença, o qual não decorre dos autos haja sofrido alteração;

c. O início do período da suspensão conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença, não sendo «imputável» à recorrida uma menor diligência das entidades que operam no seio do sistema de justiça, designadamente no que concerne à omissão dos procedimentos necessários a assegurar e acompanhar a execução da suspensão;

d. Como tal não pode ser considerada, para efeitos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, a condenação sofrida pela arguida, ora recorrida, no âmbito do PCC n.º 8/09.0GBMMV da Vara de Competência Mista de Coimbra, 1.ª Secção, por acórdão de 07.12.2010, transitado em julgado em 18.04.2011, por factos ocorridos «desde 23.11.2009 e até Fevereiro de 2010» pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, do D.L. 15/93, de 22.01, porquanto verificados para além do período de suspensão fixado na sentença, ou seja decorrido que se mostrava o dito período de 4 anos, sendo certo que não se vislumbra ter sido este objecto de alteração, designadamente de prorrogação, falecendo, nesta parte, razão à recorrente.

Ficam-nos, pois, as demais condenações, todas por condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 3.01.

Neste domínio são de convocar as condenações sofridas pela ora recorrida:

e. No processo sumário n.º 2970/08.1PCCBR do 3.º Juízo Criminal de Coimbra, por sentença de 21.11.2008, transitada em julgado em 23.12.2008 [e não em 23.11.2008, como por lapso é referido no despacho recorrido], em pena de prisão, substituída por multa [artigo 43.º do Código Penal], por factos ocorridos no dia 19.10.2008 [e não 19.11.2008 como por lapso é mencionado no despacho recorrido] - cf. fls. 25 a 31;

f. No processo sumário n.º 135/05.3PTCBR do 1.º Juízo Criminal de Coimbra, por sentença de 16.09.2005, transitada em julgado em 03.10.2005, em pena de multa, por factos ocorridos em 09.09.2005 [constatando-se, também, nesta parte lapso material no despacho recorrido] - cf. fls. 35 a 37;

g. No processo abreviado n.º 156/05.6PTCBR do 3.º Juízo Criminal de Coimbra, por sentença de 29.03.2006, transitada em julgado em 12.05.2006, em pena de prisão suspensa na sua execução, por factos ocorridos em 04.10.2005 [cf. fls. 39 a 43].

Dispõe o artigo 56.º do Código Penal:

1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

(…)

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Não ocorre, assim, uma relação de automaticidade entre a prática de crime no decurso do período da suspensão da execução da pena e a revogação desta, devendo o tribunal ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão da suspensão ainda podem ser alcançadas ou se, pelo contrário, se mostram irremediavelmente comprometidas em consequência da conduta posterior do condenado.

No caso em apreço dada a diferente natureza entre, por um lado, o crime pelo qual a arguida/recorrida sofreu condenação nos presentes autos [tráfico de estupefacientes] e, por outro lado, os crimes acima referidos [em e., f. e g.] – todos por condução de veículo sem habilitação legal -, bem como a opção, num dos casos pela pena de multa, prevista em alternativa à pena de prisão [artigo 70.º do Código Penal], e nos outros dois em penas de substituição nos termos dos artigos 43.º e 50.º do Código Penal, o que significa à luz dos preceitos aplicáveis haver o julgador considerado que através das mesmas realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas geral e especial que se suscitavam, não nos repugna a apreciação, a propósito, levada a efeito na decisão recorrida.

No fundo, encarando com alguma reserva a posição perfilhada por Eduardo Correia e Sidónio Rito e, mais tarde, por Figueiredo Dias, citados por Paulo Pinto de Albuquerque, enquanto, já no domínio da actual lei, escreve «Só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente pelo tribunal da segunda condenação …» - [cf. ob. cit., pág. 202], se interpretada no sentido de nunca uma pena que não seja de prisão efectiva poder conduzir à revogação da suspensão da execução da prisão anteriormente aplicada, acompanhamos o parecer do Ilustre Procurador-Geral Adjunto na Relação, quando realça: «No que respeita aos restantes ilícitos praticados (…) e que vêm mencionados na motivação não me parece que os mesmos sejam reveladores de que as finalidades da suspensão não puderam ser alcançadas. É que, pese embora o carácter delituoso da conduta não possa ser escamoteado, o mesmo não afecta irremediavelmente a finalidade que se pretendia alcançar com a suspensão no aludido processo, norteada que estava para o afastamento da recorrida de condutas que, por falta de suporte económico, a levassem, de novo, a delinquir, como acabou por ocorrer, não se verificando assim este requisito necessário à revogação da suspensão».

Resta-nos, assim, debruçar sobre o cumprimento da «condição» imposta aquando da aplicação da pena de substituição, a saber: a obrigação de a arguida se sujeitar ao acompanhamento do Instituto de Reinserção Social, designadamente com vista à obtenção de trabalho estável.

Também nesta parte, atentos os elementos disponíveis nos autos, transparece razoável a análise levada a efeito pelo tribunal, da qual se respiga:

«Quanto ao cumprimento dos deveres e regras de conduta diremos que o balanço do acompanhamento propriamente dito – no que concerne à questão laboral – não será de molde a determinar aquela revogação: extrai-se dos referidos parcos relatórios que, iniciado o acompanhamento em Maio de 2006, a arguida achava-se, num período inicial, limitada pelas suas circunstâncias familiares – a mesma integrava o agregado dos seus pais juntamente com os filhos – então com 4 e 5 anos, efectuando alguns trabalhos esporádicos como empregada de mesa e de limpezas; e na sequência de nova gravidez, em 2007, vem a ser mãe de um terceiro filho; no entanto, durante cerca de um ano – e imediatamente antes de ser detida trabalhou com regularidade …

No respeitante à sua ligação a pessoas, meios e locais pouco recomendáveis, deve atentar-se que os seus progenitores residiam no X... – donde, do mesmo modo, deve ser apreciado cum grano salis o facto de a mesma se deslocar aquele bairro – onde se situa a morada dos seus progenitores, aos quais estava naturalmente vinculada por laços familiares: a mesma aí terá inclusivamente residido, por se haver separado, integrando durante algum tempo o agregado dos seus pais, juntamente com os filhos; ademais, se alguns dos seus familiares estavam conotados com esta actividade delituosa, naturalmente é por força desse laços pessoas que com eles convivia …

E o timbre mais negativo do último relatório – ainda assim genérico – mencionado – como resulta do próprio depoimento da Sr.ª Técnica – decorre do conhecimento da prisão preventiva da arguida ao abrigo do pcc nº 8/09.0GBMMV – circunstância que até foi uma “surpresa” para aqueles serviços».

Neste quadro – afastada a relevância, pelos motivos já anteriormente expressos, da condenação sofrida pela arguida/recorrida no proc. n.º 8/09.0GBMMV – afigura-se-nos não ser, no contexto descrito, de concluir por haver a arguida infringido «grosseira e repetidamente os deveres ou regras de impostos ou o plano de reinserção social» - cf. artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

Concluindo, dir-se-á que o despacho recorrido, não obstante os lapsos materiais anotados – sem qualquer relevância para o caso -, não merece censura quer enquanto atendeu, designadamente para o cômputo do início e termo do período da suspensão da pena de prisão, à data do trânsito condicional do acórdão relativamente à arguida/recorrida, quer quando, em consequência, encarou como irrelevante a condenação sofrida pela mesma, por crime de idêntica natureza [tráfico de estupefacientes], no âmbito do PCC n.º 8/09.0GBMMV, porquanto praticado em datas situadas para além do termo final do período de suspensão [de quatro anos], quer, ainda, quando não teve por definitivamente comprometedoras das finalidades que estiveram na base da suspensão as demais condenações por crime de diferente natureza [condução de veículo sem habilitação legal], num dos casos em pena de multa [prevista em alternativa à pena de prisão], nos outros dois em penas de substituição da pena de prisão, quer, finalmente, enquanto, por referência aos elementos apurados, arredou a aplicação da alínea a), do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal.

Em suma, a decisão em crise, ao não revogar a suspensão da execução da pena de prisão e declarar, esgotado que se mostrava o respectivo período de suspensão, sem que as infracções no decurso deste cometidas se revelassem, para o efeito, decisivas, considerando, ainda, no quadro traçado cabalmente cumpridas as obrigações impostas ou, pelo menos, não se assistir a um caso de violação grosseira das mesmas, declarando, em consequência, a extinção da pena não viola qualquer dos preceitos invocados pela Exma. recorrente [vg. artigos 40.º, n.º 1, 56.º, 57.º do CP e 475.º do CPP], revelando-se, antes, conforme à lei, à doutrina e à jurisprudência.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em negar provimento ao recurso.

Sem tributação.

Coimbra,  24 de Setembro de 2014

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)