Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46369/17.9YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
COMINAÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, LOUSÃ, JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 446/85, DE 25/10, DL 220/95, DE 31/1 E 249/99, DE 7/7.
Sumário: 1. Sendo o contrato de seguro dos autos um contrato de adesão, está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovadas pelo DL 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/1 e 249/99, de 7/7.

2. O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais, tem o dever de informação e comunicação sobre o conteúdo de tais cláusulas, pois que só podem ser corretamente aceites pela outra parte se desta forem conhecidas, sob pena de ocorrerem vícios na formação da vontade, nomeadamente os aludidos nos artigos 246.º, 247.º e 251.º do Código Civil.

3. Pelo que não basta a simples disposição, por parte do aderente (consumidor), do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, para que tal dever se considere como correta e legalmente cumprido. Não basta dar à outra parte um exemplar do contrato, mesmo que esta o assine. Quem as utiliza, deve, além de comunicar o respetivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poder ter por cumprido tal dever, cabendo, o ónus da prova de que assim aconteceu ao proponente.

4. A cominação com que a lei sanciona tal ilegalidade é a de que tais cláusulas se consideram excluídas dos contratos celebrados, nos termos do disposto no artigo 8.º, al. a), do mesmo DL 446/85.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... (Sucursal da S.A. Francesa A... ), com domicílio na (...) , apresentou requerimento de injunção contra B... , com domicílio na (...) , o qual, atenta a remessa à distribuição, foi convolado para acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do D.L. n.º 269/98, de 01.09, peticionando a autora o pagamento da quantia de € 7.118,80, correspondente ao capital de € 5.817,50, a juros de mora no valor de € 948,30, a outras quantias no montante de € 200,00 e a € 153,00 relativos a taxa de justiça paga.

A autora alegou, em síntese, ter concedido, no exercício da sua actividade, um financiamento ao réu, mediante o reembolso em prestações mensais e sucessivas, que o réu, desde 07.03.2016, não efectuou mais nenhum pagamento, o que lhe conferiu o direito de resolver o contrato e exigir as prestações vencidas acrescidas de juros moratórios e das prestações vincendas, e que o valor de € 200,00 se refere a despesas administrativas com a recuperação da dívida.

O réu deduziu oposição, invocando a ineptidão do requerimento de injunção e admitindo ter contratado com a autora uma concessão de crédito, nunca tendo possuído um contrato legível, contrato esse que consubstancia um contrato de adesão, com cláusulas previamente redigidas pela autora que nunca foram explicadas pela autora ao réu, pelo que se devem ter por excluídas do contrato, contrato esse nulo, nada devendo o réu à autora.

Notificada para o efeito, a autora aperfeiçoou a petição inicial, alegando dedicar-se ao financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços, tendo celebrado, no exercício da sua actividade, com o réu, no dia 17.12.2007, um contrato de concessão de crédito em conta corrente, no valor de € 10.000,00, depositado na conta (...) indicada pelo réu, o qual assinou, sem prévia negociação do clausulado, o original do contrato que junta como Doc. n.º 1, remetido à autora preenchido e a que foi atribuído o número interno (...) e onde constam os encargos em caso de incumprimento, as consequências da falta de pagamento, procedimento e prazo de livre revogação do contrato, condições de reembolso e respectivas condições, seguros, tendo todas as cláusulas, custos, condições e termos sido devidamente explicados ao réu, o qual recebeu mensalmente os extractos de conta remetidos pela autora, caso contrário teria o réu posto o contrato em crise em fase muito anterior.

Mais alegou que o valor financiado deveria ser reembolsado pelo réu em 94 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 170,00 cada, caso o réu não aderisse ao seguro facultativo, que iria acrescer às restantes quantias na prestação a liquidar, sendo a TAEG aplicável a este crédito de 15,20%, tendo o réu efectuado pagamentos apenas até 07.03.2016, na sequência do que, além de vários contactos telefónicos estabelecidos, a autora procedeu ao envio de quatro missivas para a morada do réu, uma datada de 31.05.2016 com a integração em Y (...) , outra datada de 16.06.2016 referente à extinção do Y (...) , outra a 01.11.2016 a interpelar este ao pagamento e outra datada de 01.12.2016 referente à resolução contratual por incumprimento definitivo.

*

Foi proferido despacho saneador, no qual se indeferiu a arguida excepção de ineptidão da petição inicial.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, no decurso da qual se ordenou a rectificação do artigo 16.º da petição inicial, passando a constar da mesma a quantia de 10.000,00 € e finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 47 a 54 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se julgou a presente acção improcedente, com a consequente absolvição do réu do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 83), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Tal como resulta da prova gravada em audiência de discussão e julgamento (cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento de 18/01/2018, CD: minutos 12:42:21), o R., ora apelado, esteve presente na sala onde ocorreu a audiência de discussão e julgamento, “ab initio”, tendo assistido ao depoimento da testemunha C... , pelo que, quando foram requeridas as declarações de parte do R., por parte da sua Ilustre mandatária, logo a mandatária da A. Se opôs, dado que o R. tinha assistido ao depoimento da testemunha por si indicada, sendo que, mesmo assim, o Tribunal admitiu que a parte prestasse declarações.

2. O R., que assistiu à audiência de discussão e julgamento “ab initio”, pôde preparar e compor o guião que presidiu às suas declarações, fazendo-o de forma preordenada e em condições que permitiram uma “manipulação” do acervo probatório recolhido em audiência.

3. Ora, as concretas virtualidades probatórias das declarações de parte são radicalmente diversas consoante a parte tenha, ou não, assistido à produção de prova que precedeu as suas declarações no final da audiência, poi caso a parte tenha assistido à restante produção de prova – como sucedeu “in casu”, serão menores – em termos objetivos - as possibilidades da parte prestar declarações com atributos propiciadores do seu convencimento e atendibilidade.

4. Assim é que, in casu”, o relato do R. foi visivelmente programado (cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento de 18/01/2018, CD: minutos 12:43:26 a 13:01:51), rígido e excessivamente coerente, eivado de declarações oportunistas. Diversamente, se o R. não tivesse assistido à restante produção de prova, o guião já não seria tão trabalhado e rígido, tratando-se de um cenário em que a espontaneidade e autenticidade das declarações ainda teriam campo útil para emergirem.

5. Estando a atuação do juiz colimada ao dever de gestão processual (Artigo 6), ao princípio da cooperação (Artigo 7.1.), ao dever de boa-fé processual (Artigo 8) e ao princípio da adequação formal (Artigo 547), não deveria ter deferido que o R. tivesse prestados declarações naquelas circunstâncias, sendo que, ao tê-lo feito, fere a prova que foi produzida em audiência de julgamento de nulidade, que aqui se argui, para os devidos e legais efeitos, com a necessária anulabilidade da audiência de discussão e julgamento.

6. O presente recurso de apelação tem por objecto a reapreciação da matéria de facto, nomeadamente da prova documental e testemunhal apresentada nos autos e bem assim da matéria de direito.

7. Face à prova, tanto documental, como a testemunhal, efectivamente produzida, a sentença de que ora se recorre, consubstancia uma solução que viola, claramente, os princípios jurídicos e bem assim os preceitos legais e inclusive o senso comum que, ao caso, necessariamente, terão que ser aplicados, razão pela qual nos parece ser a mesma além de injusta, irrazoável e não rigorosa na apreciação da prova.

8. A. instaurou procedimento de injunção, agora transmutado numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos nos termos do Decreto-Lei no 269/98, de 01/09, contra o R., alegando, em síntese que, no exercício da sua actividade celebrou com o R. um contrato de concessão de crédito, cuja quantia mutuada acrescida dos juros remuneratórios e encargos devidos, seria reembolsada em prestações mensais e sucessivas, com vencimento no dia 1 de cada mês. Sucede que o R., desde o dia 07/03/2016, não efectuou qualquer pagamento relativo às prestações que tinham que liquidar relativamente ao contrato referido.

9. Peticionou, assim, a A., a condenação do R. no pagamento da quantia de € 5.817,50, acrescida de € 948,30 de juros vencidos e de € 200,00, a título de despesas administrativas.

10. O aqui apelado, sem razões válidas para se opor àquele requerimento injuntivo, devidamente citado, deduziu oposição, arguindo, em síntese e no que releva “in casu”, a nulidade do contrato de crédito por violação dos deveres impostos pelo art.º 6.º do DL 359/91, de 21/09, defendendo a exclusão de todas as cláusulas do contrato, por violação dos deveres de comunicação e informação consagrados nos art.ºs 5.º e 6.º da LCCG e pugnando pela declaração de nulidade do mesmo contrato, com a restituição de tudo o que por ela foi prestado, ao abrigo do disposto no art.º 8.º, alínea d), da LCCG, em conjugação com o art.º 289.º do Código Civil.

11. Produzida e devidamente escortinada a prova, quer documental, quer testemunhal, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal “a quo”, lavrando em manifesto erro da apreciação daquela prova, julgou a acção totalmente improcedente, pelo facto de, de acordo com o seu entendimento, ter concluído pela nulidade do contrato porquanto considerou que as condições gerais do contrato não foram comunicadas ao R. e, em consequência, considerou-as excluídas do contrato, nomeadamente a indicação da TAEG, das condições em que pode ser alterada a TAEG e das condições de reembolso do crédito, o que, com o devido respeito, que é muito, não corresponde à verdade, pois que, bastará analisar, devidamente, a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento “vide” depoimento escrito junto aos autos pela A.), para se concluir que a A., não só alegou, como demonstrou, à saciedade, que tais cláusulas, que constam da página 1 do contrato, foram devidamente comunicadas, a quem se identificou como sendo o R., sendo certo que a assinatura deste consta da página 2 do aludido documento.

12. Salvo o devido respeito, a apelante entende que o Tribunal “a quo” fez incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, quer a documental, quer a testemunhal, bem como uma inadequada interpretação e aplicação do direito aos factos, que constituem a causa de pedir nos autos.

Donde, como acima já se aflorou, o presente recurso, ter, por objecto, por um lado, a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação da mesma, mais concretamente sobre os factos provados e não provados constantes da douta sentença proferida que, adiante, indicaremos.

13. É que, não foi feita, pelo Tribunal “a quo”, uma correcta interpretação dos factos narrados no decorrer da audiência de julgamento, levando a que se considerasse como não provados factos que, de acordo com a prova efectivamente produzida, devem ser dados como provados, nomeadamente, e no que ao presente recurso concerne, que as condições gerais do contrato foram devidamente explicadas ao R. (cfr. depoimento escrito junto aos autos, a fls. …), em consequência, não deverão as mesmas considerar-se excluídas do contrato, nomeadamente a indicação da TAEG, das condições em que pode ser alterada a TAEG e das condições de reembolso do crédito.

14. De facto, o Tribunal “a quo” dá, erradamente em N/entender, como não provado que “Todas as cláusulas, custos, condições e termos do contrato foram explicados ao réu”. Ora, caso o Tribunal “a quo” tivesse analisado o contrato de crédito, teria constatado o que consta no mesmo, antes mesmo da assinatura do R., o que não foi de todo em todo considerado pelo Douto Tribunal a quo, a saber:

“O(s) abaixo assinado(s) Mutuário(s) declara(m) aceitar todas as Condições Gerais deste contrato de crédito, das quais igualmente declara(m) ter tido integral conhecimento antes de assinar e das quais confirma(m) ter recebido um exemplar, juntamente com uma informação Pré-Contratual relativa ao crédito e a Informação Pré-Contratual e Nota Informativa sobre o Seguro Facultativo anexo (caso tenha(m) escolhido esta opção). Mais declara(m)por sua honra que todas as informações prestadas acima estão correctas e não comportam nenhuma omissão, que um dos Mutuários / Titulares satisfaz, pelo menos, a Condição de elegibilidade número 1 para o seguro (caso tenha optado aderir ao seguro) tendo consciência que estas declarações e informações são essenciais para a A... decidir aceitar a proposta de crédito.”

15. Por outro lado, vejamos que o próprio R. admitiu que a Autora ora Recorrente lhe enviou um exemplar do contrato de crédito (cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento de 18/01/2018, CD: minutos 12:43:26 a 13:01:51).

16. Ora, atendendo à factualidade provada, mormente o R. solicitou à A. - esta concedeu-lhe – um crédito no valor de € 10.000,00, que a A. procedeu à transferência daquele montantes para a conta de que o R. é titular, que ficou estabelecido que o R. reembolsaria a A. da referida importâncias em prestações mensais sucessivas e que o R. procedeu ao pagamento das prestações apenas até ao dia 07 de Março de 2016, impõe-se concluir que A. e R. celebraram efectivamente um contrato de crédito nos termos definidos pelo referido diploma legal.

17. O referido contrato está sujeito ao regime legal constante do Dec.-Lei 446/85, de 25/10 (Cláusulas Contratuais) porque todo ele é composto por cláusulas elaboradas de antemão, constantes de um formulário que o R. preencheu e assinou, em que os proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar.

18. Tendo em conta a credibilidade da prova que foi apresentada pela A., no decorrer dos presentes autos e em sede de audiência de discussão e julgamento, aliados ao princípio da imediação e das “regras da experiência” e tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal “a quo” deveria ter valorado, com clareza, todos os factos dados como provados, designadamente os reproduzidos na prova documental junta aos autos, concretamente, as cláusulas contratuais do contrato que justificam os custos dos créditos celebrados, os valores dos financiamentos realizados e que não mereceram qualquer contestação do R., os valores contratualizados a título de juros, os extratos de conta juntos nos autos, factos esses que sequer foram postos em causa pelo Recorrido e, consequentemente, foram integralmente aceites.

19. Verifica-se, pois, que o Tribunal “a quo” não colocou em causa e, em consequência, não lhe suscitaram quaisquer dúvidas sobre os demais valores escrupulosamente discriminados nos extractos de conta corrente.

20. Verifica-se ainda que, salvo melhor entendimento, os custos dos créditos celebrados entre as partes não foram colocados em crise, sequer o foram pelo Tribunal “a quo”, sendo certo que da matéria de facto dada como provada e, perante o provado incumprimento do Recorrido, não se encontram apenas em dívida pelo Recorrido valores atinentes ao seguro contratado, outrossim, os valores devidos a título de juros, custos com o contrato, penalidade por incumprimento, capital, entre outros que facilmente se escrutinam do extracto de conta corrente junto aos autos e que não mereceu qualquer oposição do recorrido, e cujo alcance se obtém mediante simples cálculo aritmético.

21. Também a comunicação de resolução remetida ao Recorrido, onde o mesmo foi informado dos valores devidos e valor de penalização contratual aplicada por força do incumprimento do mesmo, não mereceu qualquer oposição dos Recorrido.

22. Enferma, consequentemente, a douta sentença, de erro de julgamento e errada apreciação da prova, pois interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando, ainda, erradamente, a Lei, decidindo contrariamente às orientações jurisprudenciais atinentes à matéria.

23. Em face dos fundamentos supra ilustrados, justificativos das razões pelas quais entende a Recorrente que os factos supracitados levariam a decisão diferente da ora recorrida e, face à prova produzida no presente processo, requer-se, muito respeitosamente a V/Exas. se dignem proceder à reapreciação da matéria de facto assente/provada que tem relevância para a boa decisão da causa.

24. Impõe-se pois, como expressamente aqui se requer, conceder provimento ao presente recurso de Apelação e por via dele, a revogação e substituição total da douta sentença recorrida, nomeadamente por outra que condene o Recorrido no peticionado pela Recorrente.

25. Vista a matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que a A. e o R. celebraram um contrato de mútuo.

26. Resulta também provado que o R. não cumpriu as obrigações para si decorrentes da celebração de tal contrato de mútuo, ou seja, a restituição da coisa mutuada, no caso, os montantes mutuados.

27. Assiste, assim, à A., o direito de reclamar judicialmente o pagamento das quantias não restituídas, acrescidas dos encargos, seguros, indemnizações acordadas e demais legal que for.

28. Tais obrigações foram contratualmente estabelecidas e correctamente imputadas a título de conta corrente do R., sendo certo que o mesmo não se encontrava, em momento algum, a ressarcir unicamente a Recorrente das quantias mutuadas a título de capital, desde logo porque o custo do crédito, conforme resulta da matéria dada como assente, prevê várias quantias a título de juros, encargos do crédito, entre outros, e ainda o valor devido a título de seguro facultativo e que, “in casu”, nunca fora contestado.

29. Em face dos fundamentos supra ilustrados, justificativos das razões pelas quais entende a Recorrente que os factos supracitados levariam a decisão diferente da ora recorrida e, face à prova produzida no presente processo, requer-se, muito respeitosamente a V/Exas. se dignem proceder à reapreciação da matéria de facto assente/provada que tem relevância para a boa decisão da causa e para entender o alcance da sentença recorrida, nos termos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC;

NOS TERMOS EXPOSTOS E NOS MAIS, CUJO DOUTO SUPRIMENTO SE REQUER, COM A DEVIDA VÉNIA DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA:

A) JULGAR-SE NULA A AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO, ORDENANDO-SE A SUA REPETIÇÃO, ATENDENDO À FORMA COMO FORAM PRESTADAS AS DECLARAÇÕES DE PARTE;

CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA:

B) REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA, ORA POSTA EM CRISE, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE A ACÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADA, CONDENANDO-SE O R. NO PEDIDO, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.

Contra-alegando, o réu, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em a prova produzida ter sido bem apreciada e aplicada a lei em conformidade.

Defende, ainda, que não se aplica à tomada de declarações de parte, o disposto no artigo 512.º do CPC, convocável apenas para os depoimentos prestados por testemunhas, em nada impedindo a sua prestação, o facto de ter assistido à audiência de discussão e julgamento.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.   

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Validade/relevância das declarações de parte, prestadas pelo réu;

B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente à alínea B), dos factos não provados, cujos factos devem passar a considerar-se como provados e;

C. Se a presente acção deve ser julgada procedente, com o fundamento em a autora ter cumprido com os deveres de informação que sobre ela incumbiam perante o réu, aquando da celebração do contrato em apreço.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A autora dedica-se ao financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços.

2. No exercício da sua actividade, a autora disponibilizou ao réu, a seu pedido, a 19.12.2007, a quantia de € 10.000,00, depositada na conta (...) indicada pelo réu, que o réu teria de reembolsar à autora, em prestações mensais e sucessivas no valor de € 170,00 cada.

3. O réu apenas assinou e remeteu à autora o pedido efectuado a esta, onde constam os seus dados pessoais, que deseja aderir ao X (...) sem seguro, solicitando a reserva de € 10.000,00, durante 94 meses, com a mensalidade de € 170,00, e o número da conta (...) e elementos referentes à mesma, nada mais sendo perceptível em tal documento apresentado pela autora e constante de fls. 21.

4. A disponibilização da referida quantia de € 10.000,00 decorreu sem prévia negociação do clausulado e no âmbito de proposta de adesão, onde constam, numa página, dezassete condições gerais com várias cláusulas, incluídas num total de cerca de duzentas e quarenta linhas de texto, distribuídas por três colunas, com tamanho de letra muito pequeno e com espaçamento entre linhas inferior a um milímetro, impossibilitando a apreensão do seu conteúdo.

5. No momento da contratação, o réu apenas ficou ciente que lhe seria financiado o montante de € 10.000,00 a reembolsar em 94 meses, com a mensalidade de € 170,00

6. Posteriormente, o réu aderiu a um seguro, também mediante proposta de adesão, não lhe tendo sido explicado se isso implicava um alargamento do prazo de pagamento do financiamento que lhe havia sido concedido pela autora, ficando convencido que o prazo de pagamento do financiamento se mantinha.

7. As condições gerais do seguro constam numa página, com treze condições gerais com várias cláusulas, incluídas num total de cerca de duzentas e quarenta linhas de texto, distribuídas por três colunas, com tamanho de letra muito pequeno e com espaçamento entre linhas inferior a um milímetro, impossibilitando a apreensão do seu conteúdo.

8. O réu recebeu mensalmente extractos de conta remetidos pela autora, onde constava pelo menos o valor da mensalidade.

9. O réu entregou à autora, por conta da disponibilização da referida quantia de € 10.000,00, montantes que no total perfazem a quantia de € 18.386,28, tendo a última parcela sido entregue em Março de 2016, após o que, além de vários contactos telefónicos estabelecidos, a autora procedeu ao envio de quatro missivas para a morada do réu, uma datada de 31.05.2016 com a integração em Y (...) , outra datada de 16.06.2016 referente à extinção do Y (...) , outra a 01.11.2016 a interpelar o réu ao pagamento da quantia de € 1.527,36 e outra datada de 01.12.2016 comunicando a resolução do contrato de crédito por incumprimento e interpelando o réu para pagamento da quantia de € 5.817,50.

*

B) Factos não provados

Não se provaram com relevância para a decisão da causa os seguintes factos:

A. Do original do contrato, junto pela autora como Doc. n.º 1, a que foi atribuído o número interno (...) , constam os encargos em caso de incumprimento, as consequências da falta de pagamento, procedimento e prazo de livre revogação do contrato, condições de reembolso e respectivas condições, seguros.

B. Todas as cláusulas, custos, condições e termos do contrato foram explicados ao réu.

C. A TAEG aplicável ao crédito é de 15,20%.

D. A autora teve despesas administrativas com a recuperação da dívida no valor de € 200,00.

A. Validade/relevância das declarações de parte, prestadas pelo réu.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que em virtude de o réu ter assistido à audiência de discussão e julgamento, tendo sido requerida produzida a prestação das suas declarações de parte apenas findo o depoimento das testemunhas, não deve ser valorado o seu depoimento por se tratar de “guião trabalhado e rígido e com falta de espontaneidade e autenticidade”.

Refere, ainda, que a sua Mandatária logo se opôs a que fosse prestado tal depoimento, sem sucesso, pelo que tal constitui uma nulidade.

Começando por esta parte e compulsando a acta da audiência de discussão e julgamento, na mesma nada consta relativamente a qualquer oposição ou reserva acerca da prestação de declarações de parte pelo réu.

Assim, ainda que se tratasse de nulidade, já a mesma estaria sanada, em conformidade com o disposto nos artigos 195.º e 199.º, n.º 1, ambos do CPC.

Dispõe o artigo 466.º, n.º 1, deste Código que “As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo”.

Acrescentando-se no seu n.º 3 que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

Alega a recorrente que as declarações prestadas pelo réu, não podem ter relevância probatória porque o mesmo assistiu à audiência de discussão e julgamento e, por isso, pode “trabalhar/acomodar” o seu depoimento, pode “trabalhar o seu guião”.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa no seu blog do IPPC, em nota de 25 de Maio de 2018 “a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio.

(…)

Do exposto resulta que nada justifica a desqualificação, à partida, do valor probatório da prova por declarações de parte. Esta prova tem o valor probatório que, em função do caso, for justificado atribuir segundo a prudente convicção do juiz.”.

Ora, in casu, trata-se de matéria – circunstancialismo que rodeou a celebração do contrato – que apenas é, directamente, conhecida pelos respectivos intervenientes, pelo que pode ser útil a prova em causa.

Sem descurar, é certo, que se trata de factos que lhe são favoráveis, em virtude do que importa analisar, com maiores cautelas, o modo como tal depoimento é prestado a fim de aquilatar da sua eficácia/relevância probatória.

E a tal não pode obstar o facto de a parte ter assistido à audiência de discussão e julgamento.

Trata-se de factos de que a parte já tem conhecimento e que se acham reflectidos nos respectivos articulados, não se encontrando na posição de uma mera testemunha. A parte já sabe o que consta dos autos, qual a versão que as partes carrearam para os autos, pelo que, como regra, não se vê que exista grande diferença entre uma situação em que a parte assistiu ou não assistiu, à audiência de julgamento, a não ser que do depoimento prestado resulte que o mesmo é influenciado pelo facto de ter estado presente na audiência de discussão e julgamento, sendo, sob este aspecto, de referir, que a única testemunha ali inquirida foi a sua esposa, sendo normal e previsível que já tivessem falado, entre eles, acerca da matéria em questão.

O pedido de produção de tal prova pode ser feito até ao início das alegações orais em 1.ª instância – cf. artigo 466.º, n.º 1, contrariamente aos demais meios de prova, que têm de ser oferecidos/indicados em momento processual anterior, sendo comum as partes assistirem às audiência de julgamento em que se trata de matérias que lhes dizem respeito e se o legislador quisesse acautelar a proibição de tal meio de prova não se poder produzir no caso de a parte ter assistido à audiência, podia dizê-lo, o que não acontece.

No sentido de que nada obsta à produção da prova por declarações de parte, mesmo no caso de a parte assistir à audiência, Rui Pinto, in Notas ao CPC, Coimbra Editora, 2014, a pág. 283 e Elizabeth Fernandez, in Um Novo Código de Processo Civil?: Em Busca das Diferenças, Porto, 2013, Vida Económica, pág.s 75 e 76.

Assim, não se vislumbra a invocada nulidade, a qual, a existir, já estaria sanada, sendo de valorar, com os cuidados acima referidos e por reporte à especificidade de cada caso, a prova em causa, como, aliás, o determina o n.º 2 do artigo 466.º do CPC.

Pelo que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente à alínea B), dos factos não provados, cujos factos devem passar a considerar-se como provados.

Alega a autora, ora recorrente, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como não provados os factos ora referidos, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como provados, estribando-se, para tal no depoimento prestado pelo réu e no teor do próprio contrato de concessão de crédito.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente à alínea B), dos factos não provados, cujos factos devem passar a considerar-se como provados.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“B. Todas as cláusulas, custos, condições e termos do contrato foram explicados ao réu.”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como não provada, conforme ora se transcreveu.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 49 a 50 v.º):

“Para responder aos factos foi considerada toda a prova produzida, no seu conjunto e em confronto, analisada criticamente e tendo em conta as regras gerais sobre o ónus da prova (art.º 342.º, do Código Civil), bem como aquelas a ter em conta nos casos de dúvida sobre a realidade dos factos, conforme dispõe o art.º 414.º, do Código de Processo Civil.

A factualidade descrita no ponto 1., a disponibilização pela autora, no exercício da sua actividade, ao réu, a pedido deste, da quantia de € 10.000,00, depositada na conta (...) indicada pelo réu, que o réu teria de reembolsar à autora, em prestações mensais e sucessivas, sem prévia negociação do clausulado e no âmbito de proposta de adesão, o recebimento mensal pelo réu de extractos de conta remetidos pela autora e a existência, após a última entrega pelo réu em Março de 2016 de quantia monetária por conta da disponibilização do financiamento, de vários contactos telefónicos e envio pelo autora de quatro missivas para a morada do réu, uma datada de 31.05.2016 com a integração em Y (...) , outra datada de 16.06.2016 referente à extinção do Y (...) , outra a 01.11.2016 a interpelar o réu ao pagamento da quantia de € 1.527,36 e outra datada de 01.12.2016 comunicando a resolução do contrato de crédito por incumprimento e interpelando o réu para pagamento da quantia de € 5.817,50 decorre do acordo das partes e está em consonância com o documento de fls. 21, com os documentos de fls. 23 a 25 verso e com o documento de fls. 29 verso, juntos pela autora.

Dos documentos de fls. 21 a 22 verso, juntos pela autora, resulta que o réu apenas assinou o pedido efectuado pelo réu à autora constante de fls. 21, onde constam os seus dados pessoais, que deseja aderir ao X (...) sem seguro, solicitando a reserva de € 10.000,00, durante 94 meses, com a mensalidade de € 170,00, e o número da conta (...) e elementos referentes à mesma, nada mais sendo perceptível em tal documento, dada a sua configuração, reduzido tamanho da letra e espaçamento ínfimo entre linhas.

Por outro lado, o clausulado na proposta de adesão que levou à disponibilização da referida quantia de € 10.000,00 consta numa página, com dezassete condições gerais com várias cláusulas, incluídas num total de cerca de duzentas e quarenta linhas de texto, distribuídas por três colunas, com tamanho de letra muito pequeno e com espaçamento entre linhas inferior a um milímetro, impossibilitando a apreensão do seu conteúdo, conforme decorre do documento de fls. 21 verso.

Assim, face à imperceptibilidade dos aludidos documentos, não se logrou apurar as taxas aplicáveis ao crédito concedido, nem os encargos em caso de incumprimento, as consequências da falta de pagamento, procedimento e prazo de livre revogação do contrato, condições de reembolso e respectivas condições e seguros, não bastando para tanto o depoimento da testemunha da autora D... desacompanhado de documento que suporte a afirmação de uma TAN de 12% e uma TAEG de 13,76%, o mesmo valendo para a afirmação de que o prémio mensal do seguro prolonga o período de reembolso do crédito, cumprindo o respectivo ónus da prova à autora.

Das declarações de parte do réu resultou a ausência de comunicação das condições gerais do contrato, no momento da contratação, apenas tendo ficado ciente que lhe seria financiado o montante de € 10.000,00 a reembolsar em 94 meses, com a mensalidade de € 170,00, e a inexistência de explicação de que a adesão posterior a um seguro implicava um alargamento do prazo de pagamento do financiamento que lhe havia sido concedido pela autora, ficando convencido que o prazo de pagamento do financiamento se mantinha, apresentando, aliás, um discurso bem impressivo, claro, simples, fluente, frontal, calmo e coerente e apresentando-se absolutamente à vontade, mais sendo certo que tais factos foram corroborados pelo depoimento da testemunha do réu C... , a qual se afigurou credível, a despeito de ser esposa do réu, dada a sua simplicidade e frontalidade, não se esquivando a responder a nenhuma pergunta e dando pormenores que revelam o vivenciar da situação e conhecimento dos factos, explicando o modo como teve acesso aos mesmos, e mais sendo certo que tais factos não foram contrariados por qualquer prova da autora, a quem cabia o ónus da prova do cumprimento da prestação dessas informações, directamente ao réu ou a quem com ela contactou para efeito da celebração do contrato por parte do réu. Na verdade, a testemunha D... nenhum conhecimento directo possuía da contratação no caso concreto, apenas tendo tido contacto com este assunto já na fase de contencioso, após resolução por incumprimento, não valendo as considerações generalistas que teceu, posto que interessava sim o caso concreto, pelo que o tribunal valorou positivamente as declarações do réu, tanto mais quando conjugadas com as regras de experiência comum em face da apresentação do clausulado como supra se descreveu – o mesmo valendo para as condições gerais do seguro, que constam numa página, com treze condições gerais com várias cláusulas, incluídas num total de cerca de duzentas e quarenta linhas de texto, distribuídas por três colunas, com tamanho de letra muito pequeno e com espaçamento entre linhas inferior a um milímetro, impossibilitando a apreensão do seu conteúdo - e revelando os estudos de análise económica que o aderente, dada a impossibilidade de participação na modelação do conteúdo, não encontra motivação para se deter no estudo das condições gerais do contrato nem para comparar as condições oferecidas pela contraparte com as das empresas concorrentes, o que provoca um nivelamento por baixo do conjunto das condições gerais, não funcionando, neste contexto, o mecanismo individual de autotutela dos interesses nem o mecanismo colectivo da concorrência, não chegando sequer os aderentes a ler as cláusulas escritas do acordo, por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos, atitude esta absolutamente generalizada.

No que concerne aos extractos de conta remetidos pela autora, não logrou esta fazer qualquer prova do que das mesmas constava, pelo que se valorou o que a testemunha C... referiu com segurança a propósito, atinente à menção do valor da mensalidade.

Relativamente às entregas de dinheiro feitas pelo réu à autora por conta do pedido de financiamento que fez, atendeu-se ao documento de fls. 28 a 29, apenas quanto a essa matéria, documento apresentado pela autora e que nesta parte serve de prova e concretização dos pagamentos a que o réu e a testemunha C... aludiram, não servindo para nada mais, desde logo em face da imperceptibilidade do clausulado a que já se fez alusão supra, além de que, o referido documento, é apenas uma forma gráfica da alegação, apresentando-se conclusiva a referência a montantes relativos a seguro, juros e outros custos, desconhecendo-se a respectiva origem, essa sim factual, e que das declarações de parte do réu e do depoimento da testemunha do réu C... resultou a convicção de que o financiamento era para ser pago em 94 meses e de que foi efectivamente pago.

Quando aos demais factos dados como não provados, não foi produzida qualquer prova.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelas partes e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvido o depoimento prestado pela testemunha C... , a mesma referiu que é esposa do réu e, por isso, acompanhou de perto a celebração do contrato de mútuo em causa.

Assim, disse que o “representante da A... deixou o contrato na caixa do correio. O marido assinou-o e entregou-o ao representante. O representante nunca explicou nada acerca do contrato. O conhecimento que ele teve foi do que ele conseguiu ler, que estava no contrato, que era ilegível”.

Disse que, posteriormente, receberam uma carta “a dizer que a prestação era aumentada para 180,00 € por mês e depois recebeu um telefonema para fazer um seguro”.

Mandaram uma carta “para ele assinar o seguro. Pensámos que os 10,00 € era para o seguro”.

Acrescentou que “nunca informaram que o prazo podia ser alterado pela subscrição do seguro. Disseram que continuava igual”.

Aceitaram o seguro e começaram a pagar mais. A certa altura, tiveram problemas de pagamento e queriam accionar o seguro mas, por telefone, disseram que não.

Mais referiu que só soube que o prazo tinha sido alargado em Setembro de 2015, quando pensavam que já tinham pago tudo e receberam uma carta a dizer que faltavam 4.000 e tal euros. “Perguntou porquê e começaram com ameaças”.

Não esteve presente aquando da celebração do contrato entre o marido e o Sr. B... (representante da autora). “Depois do marido assinar, entregaram-no ao B... , num café que ele tinha”.

Recebiam, mensalmente, os extractos da autora, com o valor em dívida e da prestação do seguro.

Considera que “o contrato tinha acabado quando pagaram as 94 prestações” e que “o marido só sabia o que estava escrito no papel, valor do pagamento mensal, estado civil, 94 prestações e, mais nada”.

B... , em declarações de parte, disse que falou com o Sr. B... e “dei-lhe os dados”, após o que este lhe disse “passo em tua casa, se estiveres estás, se não deixo na caixa do correio. Deixou na caixa, com um papel a dizer, «assina e devolve». Assinei e levei-o ao escritório” que ele tinha.

Referiu que o Sr. B... não lhe explicou os termos do contrato e que “eram 94 prestações a 170,00 € e depois aumentaram”.

Começaram a telefonar da A... a dizer que tinha que fazer um seguro e disse-lhes “que era incapacitado e disseram que não havia problemas. Depois enviaram-me uma carta, «assinei e enviei»”.

Um ano depois “tentei accionar o seguro, na altura, deram-me o nome da companhia de seguros, mas não assumiram”.

Mais tarde, quando pensava que já tinha pago tudo, disseram-lhe que “tinha pedido mais dinheiro à A... , que pedi um prolongamento do prazo”.

Acrescentou, “pensei que em 94 prestações pagava tudo mais os juros”.

Reiterou que “antes de assinar só falei com o intermediário da A... , que não me explicou nada. Pedi um exemplar à A... e mandaram um igual”, referindo-se à sua ilegibilidade.

Analisando a cópia do contrato que se encontra junta a fl.s 21 e v.º, tal como referido na fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada, constante da decisão recorrida, verifica-se que a assinatura do réu só consta na parte final de fl.s 21, antecedida dos dizeres que constam da conclusão 14.ª, mas em letra muito mais pequena, bem como se lhe seguem dizeres acerca do seguro, que só com uma lupa, ambos, podem ser lidos.

As designadas “Condições Gerais só aparecem a fl.s 21 v.º e 22 e v.º, aí não constando nenhuma assinatura do réu e tendo a configuração a que se alude nos itens 4.º e 7.º, dos factos provados.

Analisados estes depoimentos e a prova documental acima referida, aquando da transcrição da fundamentação da decisão de facto, proferida em 1.ª instância, pensamos ser de sufragar, a conclusão a que se chegou na sentença recorrida.

Está em causa, averiguar se foram explicados ao réu o teor das cláusulas, custo, condições e termos do contrato em causa.

Em face dos depoimentos prestados e acima referidos, impõe-se concluir que assim não sucedeu.

Tanto o réu, como a sua esposa, descreveram minuciosamente os passos e o modo como chegaram à celebração do contrato em causa, deles resultando que o réu o assinou, sem lhe terem sido, minimamente, explicados os termos e condições do contrato que estava a assinar.

Efectivamente, o contrato foi-lhe deixado na caixa do correio, assinou-o e entregou-o à pessoa que a seus olhos aparecia como intermediário da autora – sendo que esta não pôs em causa que não o fosse, tanto que aceitou a subscrição do contrato em causa e não o arrolou para depor – sem que lhe fossem dadas quaisquer explicações acerca das respectivas condições e termos.

Sintomático disso é o facto de que só quando pagaram a 94.ª prestação e pensando que já tinham liquidado a dívida contraída perante a autora, tomaram consciência de que assim não era, ao serem confrontados com a informação de que ainda se encontrava em dívida uma quantia superior a 4.000,00 €.

E, salvo o devido respeito, não obsta a tal conclusão o facto de o réu ter assinado o contrato, a seguir aos dizeres que constam da conclusão 14.ª.

Para se poder concluir que ao réu foi explicado o teor das cláusulas contratuais em apreço, não basta que o réu o tenha assinado, para, mais, tratando-se, como se trata, de um tamanho de letra de muito difícil leitura, que não permitia a fácil percepção do respectivo teor, mas sim que, por parte da autora ou quem a representava ou agia em seu nome, tivesse havido o cuidado de explicar, pelo menos, as cláusulas mais importantes do mesmo, sendo que estas, como referido e descrito nos itens 4.º e 7.º, também, não eram/são de fácil leitura e compreensão.

Relativamente à valoração probatória das declarações de parte proferidas pelo réu, apesar de se tratar de factos que fundamentam a sua versão trazida aos autos e de o mesmo as ter produzido depois de assistir ao depoimento que a sua esposa prestou em audiência de julgamento, não vislumbramos que de tal circunstancialismo resulte que as mesmas não possam ser valoradas.

Trata-se de matéria que apenas foi tratada entre o réu e o representante da A... , pelo que só os intervenientes directos podem dar conta do modo como contrataram, designadamente, quais as informações e comunicações que foram prestadas ao réu, a quem foi proposta a adesão ao contrato, sendo que este se encontrava redigido na forma de cláusulas contratuais gerais.

O mesmo depôs de forma coerente e respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas, em termos objectivos e lógicos.

De salientar, até, o seu carácter “naif” quando afirmou que, como tinha dificuldades em pagar pretendeu accionar o seguro, em moldes que a seguradora “adiantasse” o dinheiro e depois pagava à seguradora, o que bem se sabe não ser o objectivo de um seguro, cujo accionamento depende da superveniência do risco (doença/incapacidade/morte) que está coberto pelo mesmo.

Também, não se vislumbra em que o facto de ter assistido à audiência tenha influenciado seu depoimento.

Reitera-se que a única pessoa ouvida foi a sua mulher. Se quiseram/quisessem “concertar” os respectivos depoimentos, teriam, para isso, todas as possibilidades de o fazer que não através da sua presença na audiência.

O réu expôs a sua versão, foi interrogado pelos Ex.mos Mandatários das partes que tiveram oportunidade de o contraditar e questionar o respectivo depoimento, nos moldes que entenderam.

Como acima já referido, reputamos de objectivo, fundamentado e lógico o depoimento prestado, podendo o mesmo, ser valorado, nos moldes em que o foi em 1.ª instância e que aqui acolhemos.

Por tudo isto, é de manter como não provada a factualidade que está descrita na alínea B), dos factos não provados.

Consequentemente, nesta parte, improcede o recurso em apreço, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância.

C. Se a presente acção deve ser julgada procedente, com o fundamento em a autora ter cumprido com os deveres de informação que sobre ela incumbiam perante o réu, aquando da celebração do contrato em apreço.

Assim o defende a recorrente, com o fundamento em que se deve considerar como provado que ao réu foram, convenientemente, explicados os termos do contrato, que o assinou de seguida a dizeres em que se refere, que declara aceitar as respectivas condições e delas ter tido integral conhecimento, que as mesmas são correctas e não contêm nenhuma omissão, tal como melhor referido na conclusão 14.ª.

Como é óbvio, o sucesso do recurso em apreço, estava na dependência do respectivo provimento, no que toca ao recurso sobre a matéria de facto, sendo que, conforme acima já decidido, se manteve inalterada a matéria de facto a ter em consideração, o que, desde logo, pelos fundamentos constantes da sentença recorrida, acarreta a improcedência da acção, no que respeita ao seu mérito.

No entanto, não se deixa de referir o que se segue.

Como se menciona na sentença em recurso, as partes estão de acordo em que se trata de um contrato de adesão (e assim é, efectivamente) e por isso, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovadas pelo DL 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/1 e 249/99, de 7/7.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 5.º, deste DL:

“n.º 1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

n.º 2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

n.º 3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

Complementando-se no seu artigo 6.º, o dever do contratante que recorra a ccg (cláusulas contratuais gerais) de, de acordo com as circunstâncias, informar a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique e devendo prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 21/03/2006, in CJ, STJ, ano XIV, tomo 1, a pág.s 146 e 147, impõe-se em tais preceitos, para serem aceites no seu todo as ccg, um dever de informação e comunicação sobre o conteúdo de tais cláusulas, pois que só podem ser correctamente aceites pela outra parte se desta forem conhecidas, sob pena de ocorrerem vícios na formação da vontade, nomeadamente os aludidos nos artigos 246.º, 247.º e 251.º do Código Civil.

Pelo que não basta a simples disposição, por parte do aderente (consumidor), do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, para que tal dever se considere como correcta e legalmente cumprido.

Dito de outro modo, contrariamente ao defendido pela recorrente, não basta dar à outra parte um exemplar do contrato e este que o leia, se quiser.

E ainda que o tenha assinado, não se mostra satisfeito tal ónus, dado que o conteúdo das cláusulas contratuais gerais não comunicadas não tem eficácia para a outra parte, por não terem sido submetidas ao objecto da negociação contratual.

Como resulta da opção do legislador, exige-se que a outra parte tenha um conhecimento amplo e preciso do teor do contrato a que terá de aderir, sob pena de não se poder ter por cumprido tal dever, cabendo, como vimos, o ónus da prova de que assim aconteceu ao ora autor – cf. artigo 5.º, n.º 3, acima transcrito.

Por outras palavras, como referido no Acórdão do STJ, de 30/10/2007, acima já referido, “Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção como parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo efectivo um “dever de informação” por parte do proponente.

Mesmo que o aderente se não inteire, cabalmente, do conteúdo contratual que aceita, a lei protege-o em relação ao proponente”.

Na mesma esteira dos Arestos ora citados, os da Relação do Porto, de 15/12/05, Processo 0536250 e de 14/06/07, Processo 0732302, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jtrp.

Tendência que o STJ tem mantido, como disso é exemplo, entre muitos, o seu Acórdão de 30 de Março de 2017, Processo n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, no qual se refere que:

“a lei prescreve cautelas tendentes a assegurar o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais pela parte a quem são propostas e a defendê-la da sua irreflexão, natural em tais circunstâncias.

Cautelas que constam dos artigos 5.º e 6.º, do DL n.º 446/85, de 25/10, fazendo recair sobre o proponente: o dever de comunicação do teor das cláusulas, bem como o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e o dever de informação sobre os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”.

Também a nível doutrinário (e sem querermos ser exaustivos) assim se tem vindo a opinar.

Assim, Mário Júlio Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1986, a pág.s 24 e 25, dizem que o exercício efectivo e eficaz da autonomia privada reclama uma vontade bem formada e correctamente formulada dos aderentes, o que implica um conhecimento exacto do clausulado, obrigando a que o contraente que usa ccg desenvolva uma actividade razoável adequada a que o aderente conheça efectivamente tais cláusulas.

Quem as utiliza, deve, além de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto.

Ou, como refere Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais E Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 1999, a pág.s 22 e 190, tal dever de informação e comunicação incorpora a exigência de que as ccg sejam integralmente comunicadas à contraparte, de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo pelo contraente que actue com a diligência comum.

Acrescentado que, “…a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte”.

Em idêntico sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro, in O Problema Do Contrato As Cláusulas Contratuais Gerais E O Princípio da Liberdade Contratual, Teses, Almedina, 1999, a pág.s 371 e 372, que ali escreveu que ao utilizador (das ccg) cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das ccg, em termos tais que esta não tenha, para o efeito, de desenvolver mais do que a comum diligência.

Também Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, vol I, pág. 370 (citado no Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, acima referido) ensina que “o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais gerais residiu na condenação de situações em que, ao aderente, nem sequer haviam sido comunicadas as cláusulas a que era suposto ter aderido”.

Volvendo ao caso em apreço e inerente factualidade demonstrada, tal como se refere na sentença recorrida, provou-se que a autora não cumpriu, ainda que minimamente, o dever de comunicação e de informação sobre que nos temos vindo a debruçar.

Assim sendo, na ausência da demonstração que o tenha feito e atento que era sobre si que recaía tal ónus, tem de concluir-se, como se fez em 1.ª instância, que a recorrente violou o disposto nos artigos 5.º e 6.º do referido DL 446/85.

Ora, a cominação com que a lei sanciona tal ilegalidade é a de que tais cláusulas se consideram excluídas dos contratos celebrados, nos termos do disposto no artigo 8.º, al. a), do mesmo DL 446/85.

As cláusulas em causa são as respeitantes à celebração do contrato de seguro e inerente aumento das prestações em número ao inicialmente acordado - 94.

Em consequência do que, tal como decidido em 1.ª instância, não pode a recorrente prevalecer-se de tais cláusulas, ficando a valer o inicialmente acordado.

Consequentemente, também, com fundamento nesta questão, tem de improceder o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 26 de Junho de 2018.