Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
194/11.0T6AVR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
PROCESSO TUTELAR COMUM
DIREITO DE VISITA
AVÓS
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV - AVEIRO - JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 210.º DA OTM E ART.º 1887.º-A DO CC
Sumário: I – Para a acção tutelar comum (art.º 210.º da OTM) com vista ao exercício do direito de visita (convívio) dos avós para com a neta (art.º 1887.º-A do CC), competente em razão do território, é o tribunal da residência da menor;

II – Porque a residência da menor pressupõe estabilidade, como tal não pode ser considerada a permanência durante cerca de 4 meses em casa dos avós maternos, para onde a mãe da menor e esta se deslocaram, aí dormindo e aí tomando refeições e aí a criança brincando, com vista a confortar a mãe da progenitora e os tios-avós pela detenção de seu pai.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:    

           

1. Relatório

A... , requerida nos autos de acção tutelar comum intentada pelos avós paternos de sua filha menor, B... e mulher C.... , não se conformando com o despacho proferido nos autos principais em 7.3.13 (fls. 1757) que, após pedido de rectificação manteve a decisão de desentranhamento de um requerimento seu (“resposta à resposta”) determinada no despacho de 28.11.12 (fls. 1696), assim a impedindo do exercício do contraditório relativamente a documentos juntos à resposta dos requerentes no incidente de incompetência territorial do Juízo de Família e Menores de Aveiro (JFMA), que indeferiu a inquirição das testemunhas aí arroladas pelas requerida e que julgou improcedente essa excepção, veio interpor recurso, em separado, de tais decisões, rematando as respectivas alegações com as seguintes úteis e resumidas conclusões:

a) – O despacho que indeferiu a inquirição das testemunhas enferma de nulidade por falta de fundamentação;

b) – Também os despachos que condenaram em custas são nulos por falta, igualmente, de fundamentação;

c) – A decisão de incompetência territorial é nula por constituir uma decisão-surpresa, já que foi proferida logo no mesmo despacho em que foi indeferida a produção de prova, nula ainda por omissão de pronúncia, por não ter considerado provada ou não provada a vivência permanente da menor na localidade de M (...), área de competência do Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, por não indicar os factos provados e não provados e respectiva motivação e por ter valorado prova documental sobre que não foi admitido o contraditório e ainda ter indeferido a produção de prova testemunhal;

d) – Nos meses de Março a Junho de 2011 a menor e a mãe viveram em exclusividade na M (...) por motivos de ordem pessoal, decorrentes da detenção do pai desta, com fito de dar apoio à família;

e) – Os documentos em que se funda a decisão não provam a residência da menor em Aveiro.

Em resposta, os recorridos pronunciaram-se pela extemporaneidade do recurso do despacho de 28.11.12, que ordenou o desentranhamento do requerimento da recorrente, porque dele não recorreu tempestivamente (optando pela via do pedido de aclaração) e não é legalmente admissível recurso do despacho que indeferiu aquele pedido e quanto ao despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal o mesmo é irrecorrível, nos termos do art.º 147.º-E, n.º 2, da OTM e, quanto ao mais, pugnou pela confirmação do decidido.

Também o M.º P.º respondeu no sentido da confirmação dos despachos recorridos.

O tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades arguidas no sentido do seu indeferimento.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) – Previamente, o não conhecimento do recurso do despacho que indeferiu a inquirição das testemunhas no incidente de incompetência territorial (que não foi admitido), bem como do despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento de resposta à resposta dos recorridos à excepção de incompetência;

b) – A reapreciação da decisão sobre a incompetência propriamente dirá do JFMA;

c) – A condenação em custas.

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2. Fundamentação

2.1. De facto

Dos autos e para lá do constante do antecedente relatório, podem elencar-se como provados os seguintes factos:

a) – Os presentes autos de acção tutelar comum tiveram o seu início com a distribuição no Juízo de Família e Menores de Aveiro (JFMA) em 17.5.11;

b) – Por requerimento de 15.10.12 veio a aí requerida e ora recorrente arguir a excepção de incompetência territorial desse tribunal a favor do congénere Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, para onde requereu a remessa dos autos, arrolando 3 testemunhas, fundamentalmente alegando o seguinte:

1. “De acordo com o preceituado no art.º 155.º da OTM “o tribunal competente para decretar as providências será o da residência do menor, no momento em que o processo é instaurado”;

2. Sucede que nos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2011 a requerida e a menor dormiram e tomaram as refeições e a criança brincou com as suas amiguinhas e passou a maior parte dos seu dias na moradia sita na Rua (...) M (...), Oliveira do Bairro;

3. Tudo porque a requerida se viu obrigada a ai centralizar a sua vida e da sua filha por forma a prestar apoio à sua mãe e tios-avós, na sequência da tragédia de 5.2.11;

4. Pelo exposto se conclui que a residência da menor D... à data da instauração da acção era na M (...), pelo que é competente para dirimir esta acção o Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro”.

c) - Em resposta à excepção os requerentes concluíram pela sua improcedência e juntaram 4 documentos retirados do processo principal e anterior processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (RRP) que correu termos no JFMA, fundamentalmente alegando tratar-se de expediente dilatório porque suscitado ao fim de 1 ano e 7 meses após instauração do processo e dos próprios termos do requerimento da recorrente resulta tratar-se que a ora indicada residência, na M (...), em casa dos avós, não passou de “uma estadia ocasional, isolada, efémera, não perdurável no tempo, mantendo-se o centro da sua vida organizada de forma estável e permanente em Aveiro, tal como aceite pela mãe, ora requerida, até ao momento”;

d) – A recorrente respondeu aos recorridos alegando ter-se também aí pronunciado sobre os documentos e o requerimento “encapotado” da sua má fé, o que foi indeferido por impertinência (da resposta à resposta);

e) – Por decisão de 7.3.13 o tribunal a quo indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas pela ora recorrente por não necessária, qualificando a dedução da excepção de incompetência territorial manifestamente dilatória e julgou-se improcedente com fundamento em que, mesmo a ser verdade o requerido “a estadia e permanência da menor na casa de morada de família dos avós maternos, sita à M (...), foi ocasional, acidental, temporária, mantendo-se o centro da sua vida organizado, de forma estável e permanente, em Aveiro, onde reside a requerida mãe;

f) – Mais acrescentou que “o pedido formulado pelos requerentes avós de fixação de visitas com a sua neta foi inicialmente dirigido a 14.3.11 aos autos de processo de regulação do exercício das responsabilidade parentais que com o n.º 178/10.5T6AVR (…) corriam então os seus termos neste Juízo de Família e Menores de Aveiro, sendo que, por despacho proferido a 9.5.11 nesse processo a M.ma Juíza, por entender que o pedido dos avós deveria ser deduzido em acção tutelar comum autónoma, o que deu origem aos presentes autos.

Em momento algum, naquele processo, a requerida mãe invocou a incompetência territorial desde Juízo”.

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            2. 2. De direito

            Quanto à 1.ª questão e quanto ao despacho que indeferiu a inquirição das testemunhas, por despacho de 10.7.13 (fls. 109) expressamente não foi admitido o recurso (art.º 147.º-E, n.º 2, da OTM), nem reacção houve da recorrente sobre tal denegação, pelo que, porque transitado em julgado, não cumpre apreciá-lo.

            Quanto ao despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento de resposta no que tange ao alegado exercício do contraditório relativamente à imputação de litigância de má fé e anterior junção de documentos o recurso é extemporâneo.

            Com efeito, o mesmo data de 28.11.12 e dele só foi interposto recurso em 3.4.13, ou seja, na sequência do indeferimento do pedido de rectificação/aclaração e em simultâneo com os demais.

Ora, revogado há muito o n.º 1 do art.º 686.º do CPC (pelo art.º 9.º DL n.º 303/07, de 24.8), que dispunha que o prazo para o recurso só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre requerimento de rectificação, aclaração, ou reforma de sentença, a querer recorrer daquele despacho de 28.11.12 a recorrente deveria tê-lo feito logo e formular nas alegações o pedido que autonomamente formulou de rectificação/aclaração (art.º 669.º, n.ºs 1 e 3 e 685.º, n.º 1, do CPC).

Porque não recorrível o despacho que indefere tal pedido (art.º 670.º, n.º 2), a conclusão a tirar é de que transitou também em julgado aquele despacho.

Ainda assim, cumpre referir que o requerimento de resposta mesmo nele se assinalando ser formulado ao abrigo do art.º 3.º do CPC foi anómalo.

Não podendo responder à resposta dos recorridos, por impertinência legal (art.º 109.º do CPC), impertinente era também visasse contraditar imputada má fé pela razão simples de que se não vislumbra que os recorridos, na sua resposta, tal tivessem invocado ou requerido e mesmo quanto aos documentos por aqueles juntos, mormente actos processuais, não foram impugnados, nem apodados de falsidade, como seria curial, se tal se pretendesse, tendo-se a recorrente limitado à alegação de que “não logram fazer contra-prova”(fls. 133 dos presentes autos).

Quanto à 2.ª questão, da incompetência territorial, é certo e sabido que para a acção em causa competente era e é o tribunal da residência da menor no momento em que o processo foi instaurado (art.º 155.º, n.º 1, da OTM).

Por demais sabido está também que, por residência, se deve entender o lugar onde o menor reside habitualmente, ou seja, o local onde se encontra organizada a sua v ida em termos de maior estabilidade e permanência, onde habitualmente desenvolve a sua vida, onde está radicado.

“Tal critério assenta no facto de ser o tribunal da área onde o menor se encontra com maior frequência e estabilidade, aquele que dispõe de melhores condições para conhecer da realidade familiar e social em que se encontra inserido e tomar todas as providência adequadas”.[1]

O que ocorre aqui é que a presente acção tutelar teve início, como tal, em 17.5.11, mas resultou de desentranhamento (por erro na forma de processo) do que era e é o seu requerimento inicial reportado a 14.3.11 aos autos de RRP então pendentes no JFMA e autuação determinada mediante despacho aí lançado em 9.5.11 (v. fl. 200 dos presentes autos).

E nunca até 15.10.12 veio a recorrente suscitar tal questão.

Embora contra o disposto na lei geral (art.º 109.º, n.º 1, do CPC) o art.º 156.º da OTM lhe facultasse fazê-lo até à decisão final, a teleologia dessa norma vai no sentido de satisfazer o interesse do menor.

Daí a legitimidade da sentença para a surpresa de que só ao fim de mais de 1 ano e meio a recorrente veio suscitar tal incidente.

E, daí, também a fraca consistência da fundamentação do respectivo requerimento, a dar razão aos recorridos, à resposta do M.º P.º e depois à sentença, no sentido de que a residência na M (...) se tratou, afinal, de uma estadia temporária, ocasional, em casa dos avós maternos, motivada não por uma mudança de residência de Aveiro (onde indiscutivelmente antes dessa “estadia” residia com permanência menor e mãe) para essa localidade da área de jurisdição do JFMOB, mas porque a recorrente teve por bem ir confortar a mãe e os tios-avós pela detenção do seu progenitor.

Mas é isso que o requerimento diz! Que durante 4 meses (de Março a Junho de 2011) a menor (e mãe) dormiram e comeram e a criança brincou em casa dos avós maternos com vista à mãe prestar apoio à sua progenitora e tios-avós. Mais nada que nisso.

Ora, tal não configura a residência habitual da menor suposta na lei tutelar.

E porque o não era nos próprios termos gizados pela recorrente, o seu requerimento, por manifestamente infundado, deveria ter sido objecto de rejeição liminar, isto é, ter sido decidido sem necessidade de valoração de qualquer meio de prova.

Assim é que a apreciação das (inexistentes, aliás) nulidades processuais ou de sentença fica desde já prejudicada e se mantém, nesses termos, a decisão recorrida.

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            c) – Quanto à condenação em custas, devida nos termos do art.º 446,º, n.ºs 1 e 2, do CPC e do RCP (art.º 7.º, n.º 4 e tabela II), ainda que no máximo de 5 UC quanto ao incidente em causa de incompetência territorial está devidamente justificada no carácter dilatório da arguição da excepção e na presumida situação económica da recorrente enquanto juíza de direito.

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            3. Resumindo e concluindo

            I – Para a acção tutelar comum (art.º 210.º da OTM) com vista ao exercício do direito de visita (convívio) dos avós para com a neta (art.º 1887.º-A do CC), competente em razão do território, é o tribunal da residência da menor;

            II – Porque a residência da menor pressupõe estabilidade, como tal não pode ser considerada a permanência durante cerca de 4 meses em casa dos avós maternos, para onde a mãe da menor e esta se deslocaram, aí dormindo e aí tomando refeições e aí a criança brincando, com vista a confortar a mãe da progenitora e os tios-avós pela detenção de seu pai.

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4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, rejeitando a apreciação dos recursos de dois dos despachos assinalados, mantêm a decisão recorrida quanto à questão da incompetência territorial.

Custas pela recorrente.

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Francisco Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes


[1] Tomé Ramião, “Organização Tutelar de Menores, Anot.”, 2005, pág. 41.