Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
119/10.0TACNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: CONCURSO DE CRIME E CONTRAORDENAÇÃO
RECURSO EXCLUSIVO DA CONTRAORDENAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO
Data do Acordão: 03/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DECLARADA IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Legislação Nacional: ART. 78.º DO RGCOC
Sumário: I - Em processo onde se verifique concurso de infracções, crime e contraordenação, e apenas a parte contra-ordenacional da sentença é questionada junto de tribunal superior, verifica-se circunstancialismo em que, naturalmente, ficará absolutamente prejudicada a convocação da disciplina estabelecida sob o n.º 3 do art. 78.º do DL. n.º 433/82, aliás meramente regente para as condições de admissibilidade do recurso contra-ordenacional e para o regime de subida (imediata / nos próprios autos…) dos plurais recursos.

II - Não obstante houvesse sido produzida no âmbito de processo criminal, a sindicada vertente decisória reportou-se a infracção de natureza contra-ordenacional, cujo recurso, porque absolutamente marginal à problemática criminal com cuja solução o id.º sujeito se conformou, e assim dela apodicticamente autónomo, se haverá necessariamente que reger pela disciplina jurídico-normativa postulada pelo Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo D.L. n.º 433/82, de 27/10.

III - Concernindo exclusivamente a correspectiva fase processual a recurso de natureza contra-ordenacional, é de axiomático juízo concluir pela respeitante aplicabilidade do correspondente prazo, de 10 (dez) dias, especialmente prevenido sob o art.º 74.º, n.º 1, da LQCO [RGCOC].

Decisão Texto Integral: RECLAMAÇÃO DE DECISÃO-SUMÁRIA

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         Acordamem conferênciana 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:


I – INTRODUÇÃO

1 – Recorreu o cidadão-arguido A... – pela peça junta a fls. 337/344-352/356v.º, cujo teor nesta sede se tem por reproduzido – da específica vertente decisório-contraordenacional da sentença judicial documentada na peça de fls. 294/313por cujo conteúdo foi condenado ao pagamento do valor coimal de € 300,00 (trezentos euros), a título punitivo do imputado cometimento dum ilícito contra-ordenacional p. e p. pelos arts. 30.º, al. c), e 76.º, al. i), do D.L. n.º144/2006, de 31/07[1] – desenvolvido entre Maio de 2007 e data incerta de 2009 –, nuclearmente pugnando pela respectiva anulação em essencial razão [a)] de lobrigada omissão pronunciativa acerca da discernida prescrição do pertinente procedimento e/ou [b)] de alegada inquinação pelo vício prevenido sob a al. b) do n.º 1 do art.º 379.º do Código de Processo Penal (CPP) – discorrida condenação por factos diversos dos acusatoriamente enunciados.

2 – Realizado o pertinente exame preliminar, em conformidade com o estatuído no n.º 6, al. b), do art.º 417 do C. P. Penal, por decisão-sumária do desembargador-relator (exarada na peça de fls. 388/390) foi o recurso rejeitado, por extemporaneidade, cujo silogismo jurídico ora se reproduz:

«[…]

2 – Em função da expressa restrição do recurso a tal vertente condenatória[2], a respectiva disciplina jurídica reger-se-á necessariamente pelo Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo D.L. n.º 433/82, de 27/1, subsidiariamente aplicável por força do comando normativo ínsito sob o art.º 75.º do citado D.L. n.º 144/2006, de 31/07, como inelutavelmente resulta da dimensão normativa emergente da conjugada interpretação dos arts. 73.º, n.º 1, al. a), e 78.º, n.º 2, em sentido inverso, de tal Lei-Quadro das Contra-ordenações (LQCO).

2 – Por conseguinte, o exercício do respectivo direito (recursório) haver-se-ia de manifestar a juízo no peremptório e preclusivo prazo de 10 (dez) dias legalmente estabelecido sob o n.º 1 do art.º 74.º da referida LQCO, que, correndo desde a data da publicação e depósito da questionada sentença, de 08/04/2014 (cfr. acta e termo de fls. 314/316 e 317, respectivamente), e suspenso durante o período de férias judiciais da Páscoa do corrente ano de 2014 – de 13 a 21/04/2014 –, teve o respectivo termo no dia 28 de Abril de 2014, segunda-feira (1.º dia útil seguinte ao último dia do referido prazo, domingo, 27/04/2014), como claramente decorre da integrada conjugação dos dispositivos ínsitos sob os arts. 41.º, n.º 1, da dita LQCO; 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 1, do C. P. Penal; 138.º, n.º 1, do C. P. Civil (de 2013); e 12.º da Lei n.º 3/99, de 13/01 (aplicável).

3 – Verificando-se, porém, que o correspectivo acto só ocorreu em 20/05/2014 (cfr. fls. 335), quando já se lhe encontrava precludido o inerente direito, (cfr. art.º 139.º, n.º 3, do CPC), e considerando, outrossim, que o tribunal superior não se encontra vinculado à decisão de aceitação do referido recurso[3], (cfr. art.º 414.º, n.º 3, do CPP), impõe-se ora oficiosamente concluir pela extemporaneidade da manifestação recursória; pelo trânsito-em-julgado da afrontada sentença em 28/04/2014; e, consequentemente, pela rejeição do recurso, [vd. arts. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal].

[…]»

3 – Manifestando-se inconformado, dela reclamou o id.º recorrente para a conferência(pela peça junta a fls. 394/395), nuclearmente sustentado a aplicabilidade do prazo legal de recurso atinente ao processo criminal – de 30 (trinta) dias, estabelecido sob o art.º 411.º, n.º 1, al. b), do CPP –, em cujo âmbito tal condenação se produziu, por pretensa decorrência do dispositivo ínsito sob o n.º 3 do art.º 78.º da LQCO:

«[…]

O artº 78º da LQCO não permite a cisão do processo penal e contra-ordenacional em sede recursiva como resplandece da decisão sumária de que ora se reclama.

A tramitação de recurso obedecerá, em toda a sua dimensão, às normas processuais penais, tal como decorre do nº 3 do artº 78º da LQCO, razão pela qual o prazo de interposição de recurso é o estatuído no artº 411º nº 1 al. b) do CPP e, não, como consta da decisão sumária, o prazo fixado no artº 74º nº 1 da LQCO […].

[…]».

II – AVALIAÇÃO

1 – Com o devido respeito por divergente opinião – do Ex.mo defensor do recorrente ou de terceiros –, somos seguros do acerto da interpretação jurídica vertida na questionada decisão-sumária, cuja acuidade ora se reitera/confirma, porquanto, não obstante houvesse sido produzida no âmbito de processo criminal, a sindicada vertente decisória reportou-se a infracção de natureza contra-ordenacional, cujo recurso, porque absolutamente marginal à problemática criminal com cuja solução o id.º sujeito se conformou, e assim dela apodicticamente autónomo, se haverá necessariamente que reger pela disciplina jurídico-normativa postulada pelo Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo D.L. n.º 433/82, de 27/1 (doravante referenciado pela sigla LQCO: abreviatura de Lei-Quadro das Contra-ordenações) – subsidiariamente aplicável por força do comando normativo ínsito sob o art.º 75.º do citado D.L. n.º 144/2006, de 31/07 [diploma legal cujos dispositivos 30.º, al. c), e 76.º, al. i), constituíram o suporte normativo da questionada condenação contra-ordenacional] –, como decorre da rigorosa interpretação da estatuição normativa ínsita sob o n.º 2 do art.º 78.º da dita LQCO, que claramente representa da intenção legislativa da manutenção da independência/autonomia dos respectivos regimes – criminal/contra-ordenacional – mesmo em caso de recurso das correspondentes decisões, o que manifestamente emerge da fórmula plural aí exarada, reportada aos recursos– «[…] Quando, nos casos previstos no número anterior, se interpuser simultaneamente recurso em relação a contra-ordenação e a crime, os recursos subirão juntos.»[4] –, quiçá falaciosamente omitida na peça reclamativa, e, logo, por maioria de razão, evidentemente, quando, como no caso sub judice, apenas a parte contra-ordenacional da sentença é questionada junto de tribunal superior, circunstancialismo em que, naturalmente, ficará absolutamente prejudicada a convocação da disciplina estabelecida sob o n.º 3 do dito normativo, aliás meramente regente para as condições de admissibilidade do recurso contra-ordenacional e para o regime de subida (imediata / nos próprios autos…) dos plurais recursos – «[…] O recurso subirá nos termos do Código de Processo Penal, não se aplicando o disposto no artigo 66.º nem dependendo o recurso relativo à contra-ordenação dos pressupostos do artigo 73.º».

2 – Por conseguinte, concernindo exclusivamente a correspectiva fase processual a recurso de natureza contra-ordenacional, é de axiomático juízo concluir pela respeitante aplicabilidade do correspondente prazo especial, de 10 (dez) dias, prevenido sob o art.º 74.º, n.º 1, da LQCO[5], e, decorrentemente, pela preclusão do direito que pela respectiva manifestação se pretendia fazer valer, e pelo trânsito-em-julgado da afrontada sentença em 28/04/2014, como escrupulosamente ajuizado foi na afrontada/reclamada decisão-sumária.

III – DISPOSITIVO

Por conseguinte, o órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, julgando/declarando a improcedência da avalianda reclamação, delibera:

1 – A confirmação da afrontada decisão-sumária;

2 – A condenação do id.º recorrente/reclamante – A... – ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo respectivo decaimento, (cfr. ainda normativos 513.º, n.º 1, e 524.º, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, com referência à anexa TABELA III).

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Acórdão elaborado pelo relator, primeiro signatário, (cfr. art.º 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

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Coimbra, 18 de Março de 2015

(Abílio Ramalho, relator)

(Luís Ramos, adjunto)


[1] Respeitante à imputada violação de deveres estatutário-profissionais de mediador de seguros.
[2]Por contraponto à tácita aceitação da condenação criminal – à pena 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, substituída pela de 450 (quatrocentas e cinquenta) horas de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, a título punitivo do ajuizado cometimento dum crime de abuso de confiança qualificado, [p. e p. pelos arts. 205.º, ns. 1 e 4, al.b), e 202.º, al.b), do Código Penal].
[3] Pelo despacho de fls. 364.
[4]Vide, a propósito, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, inContra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 3.ª Ed., (2006), pág. 525, a ac. destaRC de 26/05/1999 (Proc. n.º 1247/99), sumariamente consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.
[5]Vide fixação interpretrativo-jurisprudencial de tal prazo legal pelo Acórdão (AUJ) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2009, de 04/12/2008, publicado no Diário da República, 1.ª série – n.º 11 –de 16/01/2009.