Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
662/14.1TJCBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
SUBSTITUIÇÃO
PROCURAÇÃO FORENSE
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 53, 55 CIRE, 43, 44 CPC
Sumário: 1. Nos termos do n.º 1 do art.º 53º, do CIRE, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, e independentemente de justa causa, os credores podem substituir o administrador da insolvência em assembleia de credores que não seja a primeira assembleia realizada após a designação.

2. O documento comprovativo da aceitação previsto no mencionado normativo poderá ser um mero documento particular, subscrito pelo indigitado administrador da insolvência, corporizando a aceitação para o exercício do cargo.

3. Omitida a fixação da remuneração do novo administrador, a que refere o art.º 53º, cit., nos seus n.ºs 1 e 3, poderá a mesma vir a ser deliberada e fixada em subsequente e imediata assembleia de credores.

4. A lei apenas exige que o mandatário se certifique dos poderes do mandante para o acto (“da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto”), não referindo que deva constar do texto da procuração forense a assinatura do mandatário que aceita, porquanto o pode até aceitar por mero comportamento concludente (cf. os art.ºs único do DL n.º 267/92, de 28.11 e 44º, n.º 4, do CPC).

5. Não é exigível que conste da procuração forense a forma como foi verificada a identidade (do mandante) pelo mandatário.

Decisão Texto Integral:          


   Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. A (…), na qualidade de Administrador da Insolvência (AI) de M (…) S. A. e dizendo-se “notificado do Despacho que homologou a deliberação de substituição do AI, tomada na assembleia de 18.9.2015”, veio do mesmo interpor recurso, com as seguintes conclusões:

            1ª - Em 02.9.2015 realizou-se, no âmbito do presente processo de insolvência, uma reunião de Credores com o intuito de discutir questões relacionadas com a liquidação dos bens apreendidos a favor da massa insolvente.

            2ª - Nessa reunião, o credor E (…) requereu que fosse agendada uma assembleia de credores com o objectivo de substituir o recorrente, a qual veio a ser agendada, nos termos do disposto nos art.ºs 53º e 55º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), para o dia 18.9.2015.

            3ª - Na convocatória da referida assembleia, consta que a mesma é agendada “tendo como objecto e ordem de trabalho a eventual substituição e escolha pelos credores de outro Administrador de Insolvência. Os credores podem fazer-se representar por mandatário com poderes especiais para o efeito.

            4ª - A substituição do recorrente nesta fase processual é inconstitucional e apenas foi possível uma vez que com as alterações ao CIRE aprovadas pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, é permitida a substituição do Administrador nomeado, por deliberação da assembleia, podendo esta substituição ocorrer em qualquer fase dos autos.

            5ª - No entanto, esta nova redacção do n.º 1 do art.º 53º do CIRE, é inconstitucional, porquanto viola, nomeadamente, os princípios consagrados nos art.ºs 2º, 12º, 13º, 17º a 20º, 59º, 61º e 205º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

            6ª - De facto, esta “nova possibilidade” viola a estabilidade do exercício das funções do AI e põe em causa a autonomia do mesmo, que fica assim à inteira mercê de, a qualquer altura e sem qualquer fundamento, estar sujeito à vontade e interesses de alguns credores, em detrimento do interesse da globalidade dos credores e, bem assim, das funções que tiver exercido até à data, com prejuízos evidentes para a legal celeridade processual, aliás, bem característica destes autos, com descontinuidades que só terão como consequência o arrastamento da lide e, mesmo eventuais desvios de rota, uma vez que qualquer maioria ocasional, poderá fazer valer o princípio maioritário em prejuízo da generalidade dos credores e do legal tratamento dos respectivos créditos.

            7ª - Pese embora a invocada violação, a assembleia de credores de 18.9.2015 realizou-se, estando presentes para além da comissão de credores, alegadamente outros credores, mas não representados.

            8ª - E diz-se alegadamente não representados porque as “procurações” juntas aos autos e que alegadamente confeririam poderes especiais para votarem nesta assembleia de credores, facilmente se constata que as mesmas não conferem os necessários poderes especiais, sendo nulas/ineficazes por falta de objecto.

            9ª - No que diz respeito ao credor N(...) Banco, verifica-se que o substabelecimento junto aos autos padece de vício, porquanto a alegada “procuração” não confere os poderes especiais para o concreto assunto discutido e votado no dia 18 de Setembro.

            10ª - Também a alegada “procuração” do Instituto da Segurança Social apenas confere poderes gerais e não os poderes especiais para exercer o direito de voto na referida assembleia, verificando-se ainda que a assinatura do alegado “mandante”, em tal alegada “procuração”, não se encontra reconhecida, pelo que viola o disposto no art.º 85º, n.º 2, c) do EOA.

            11ª - As alegadas “procurações” apresentadas pelo Sr. Dr. (…), não especificam nem concretizam o poder de votar em assembleias de credores, pelo que nenhuma delas confere o poder de voto para a referida assembleia de credores, nem as assinaturas nelas apostas se encontram reconhecidas, pelo que violam o supra referido preceito legal.

            12ª - Nas sete alegadas “procurações”, alegadamente com poderes especiais, juntas aos autos no dia da assembleia de credores pelo Exmo. Sr. Dr. (…), verifica-se que o alegado poder de voto conferido, é um poder genérico e não específico para votar a substituição do AI, conforme estipulado na convocatória da referida Assembleia.

            13ª - Mais ainda, duas das referidas alegadas “procurações”, relativamente a A (…) e S (…), não se encontram assinadas pelos alegados mas inexistentes “mandantes” (não obstante e estranhamente tal alegada mas inexistente assinatura se encontrar reconhecida!...), pelo que são nulas e de nenhum efeito.

            14ª - A alegada “procuração” junta aos autos pelo credor Banco S(...) , S. A., apenas confere amplos poderes forenses, sem fazer qualquer menção aos necessários poderes especiais para votar na referida assembleia e sem que as assinaturas aí apostas se encontrem reconhecidas, pelo que também esta viola o supra referido art.º 85º, n.º 2, c) do EOA.

            15ª - As alegadas “procurações”, alegadamente outorgadas por (…) a favor da Exma. Sra. Dra. (…), apenas referenciam poderes gerais, não fazendo sequer qualquer menção ao poder de votar e muito menos de votar a eventual substituição do AI.

            16ª - Por fim, no que diz respeito à alegada “procuração” referente a (…), outorgada a favor do Exma. Sra. Dra. (…), a mesma não confere, sequer, quaisquer poderes para representar esta credora em assembleias de credores, e muito menos para nelas votar.

            17ª - Daqui resulta que no dia 18.9.2015, não se encontrava reunida, em assembleia de credores, a maioria dos credores votantes, necessária para a deliberação em causa, uma vez que os presentes não se encontravam investidos de mandato que os habilitassem para representarem os credores naquela assembleia.

            18ª - O credor que requereu a substituição do AI/recorrente, juntou aos autos um alegado termo de aceitação alegadamente assinado pelo Exmo. Sr. Dr. (…)onde a assinatura do declarante não se encontra devidamente reconhecida, nem tal termo contem a menção do local e data em que foi elaborado e assinado, desconhecendo-se se está ou não assinada pelo Dr. (…) que vale por impugnação.

            19ª - Para além de tais ilegalidades bem como da falta de quórum para deliberar e votar a ordem de trabalho, verifica-se ainda que na assembleia de credores realizada no dia 18 de Setembro não foi estabelecida qual a remuneração a fixar ao administrador indigitado.

            20ª - Desse modo, não poderia a substituição do administrador de insolvência anteriormente nomeado ter sido homologada pelo Tribunal uma vez que se a eventual substituição pode ser rejeitada pelo Tribunal se considerar que a remuneração do administrador indigitado, é manifestamente excessiva, não poderia o Tribunal ter-se pronunciado antes de tal remuneração ser fixada.

            21ª - Assim, as referidas actuações, ao requererem a marcação de uma assembleia de credores, para votar a substituição do AI nomeado, sem acautelarem o cumprimento de todas as exigências a que se encontravam obrigados por força do art.º 53º do CIRE, constitui um manifesto uso anormal do processo, nos termos do disposto no art.º 612º do CPC, na medida em que se serviram dos autos para conseguirem um fim que de outro modo não atingiriam, isto é, a substituição do ora recorrente.

            22ª - O Tribunal a quo ao homologar a decisão de substituição do recorrente pelo administrador de insolvência indigitado, violou o disposto nos art.ºs 2º, 12º, 13º, 17º a 20º, 59º, 61º e 205º da CRP e no art.º 53º, n.º 1 e 3 do CIRE. 

            Termina pugnando pela revogação do despacho de homologação da substituição do recorrente, substituindo-se o mesmo por outro que reconduza o recorrente às funções de AI desta insolvência, com todas as legais consequências.

            Notificados os credores que constituíram mandatário, o M.º Público e o Administrador (substituto) do recurso interposto (cf. despacho de 07.10.2015/fls. 115), não houve qualquer resposta.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, principalmente, da regularidade da deliberação da assembleia de credores de 18.9.2015 (relativa à substituição do administrador da insolvência) e subsequente decisão homologatória.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva a seguinte factualidade:[1]

            a) Por sentença de 30.10.2014 foi declarada a insolvência de M (...) , S. A., nomeando-se o recorrente como Administrador da Insolvência e designando-se para a realização da assembleia de apreciação do Relatório, a que alude o art.º 156º do CIRE, o dia 16.12.2014, pelas 10 horas.

            b) Na assembleia de credores realizada em 02.9.2015[2], estando presentes (e/ou representados) a Mandatária da insolvente, o Administrador da Insolvência, os membros da Comissão de Credores, o Ministério Público (em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira) e os demais credores melhor identificados na acta reproduzida a fls. 89 e seguintes, num total de 53,77 % do universo dos credores (“total de créditos votantes” de € 7 775 390,45), depois de colocadas ao Administrador de Insolvência várias questões relacionadas com a liquidação do activo, e prestados alguns esclarecimentos, “após o debate, foi pedida a palavra pelos elementos da comissão de credores e pelos mesmos foi solicitado o agendamento de uma assembleia de credores a fim de lhes permitir deliberar sobre a substituição do Administrador de Insolvência designado nos presentes autos”.

            c) Pretensão de imediato deferida pelo seguinte despacho:

            «Atento o disposto no art.º 53 e art.º 55º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e face ao ora requerido, designo para a realização de assembleia de credores, tendo como objeto e ordem de trabalhos a eventual substituição e escolha pelos credores de outro Administrador de Insolvência, o próximo dia 18 de Setembro, pelas 14 horas.

            Notifique e publicite

            d) Na reunião da assembleia de credores de 18.9.2015, que teve por objecto a “substituição do A. I.”, estavam presentes e/ou representados:

            1 - A Mandatária da Insolvente e o Administrador da Insolvência;

            2 - A Comissão de Credores[3]: E (…), bem como o seu mandatário Dr. (…); N(...) Banco, S. A., representado pela Mandatária Dr.ª (…) que, então, juntou substabelecimento, e o Instituto da Segurança Social representado pela sua Mandatária Dr. ª (…);

            3 - A Autoridade Tributária e Aduaneira, representada pela Digna Magistrada do Ministério Público;

            4 - Os credores (…) constando da respectiva acta que se encontravam representados pelo seu Mandatário Dr. (…), “com procuração com poderes especiais junto aos autos de Reclamação de Créditos”;

            5 - Os credores (…);

            6 - Os credores (…)que se consideraram representados pelo Dr. (…) que, então, “juntou 7 procurações com poderes especiais”;

            7 - O credor Banco S(...) , representado pelo seu mandatário, Dr. (…);

            8 - Os credores (…)representados pela Dr.ª (…), que, então, “juntou 2 procurações e um substabelecimento passados a seu favor”;

            9 - A credora (…), representada pela Dr.ª (…)

            e) Consta ainda da respectiva acta que, no início da reunião, pelo Mandatário do credor (…), Dr. (…), foi junto aos autos “termo de aceitação subscrito pelo Sr. AI Dr. (…), nos termos e para os efeitos do art. 53º, n.º 1” do CIRE.

            f) E que, seguidamente, a Mm.ª Juíza submeteu à votação dos credores presentes “a proposta de substituição do actual AI, Exmo. Sr. Dr. (…)pelo AI ora indicado, Exmo. Sr. Dr. (…)”, tendo a votação dado o seguinte resultado:

            VOTOS FAVORÁVEIS

            Credores: (…).

            Votaram também favoravelmente todos os credores representados pelo Dr. (…), acima identificados.

            ABSTENÇÕES

            Credores: (…)..

            g) De seguida, a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho:

            «Verificando-se que a totalidade dos credores que emitiram o respetivo voto votaram favoravelmente a substituição do Sr. A. I. em funções pelo administrador proposto e que subscreveu o termo de aceitação junto aos autos, conclui-se, sem necessidade de contabilizar o valor dos votos emitidos, ter sido aprovada por unanimidade a proposta sujeita a deliberação (arts. 53º, n.º 1, in fine, e 77º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

            Assim, e dado que previamente à votação foi junto aos autos termo de aceitação do administrador proposto, e ao abrigo do disposto no art.º 53º, n.ºs 1 e 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeia-se como administrador da insolvência, para exercer funções no âmbito deste processo, o Exmo. Sr. Dr. (…)

            h) Resulta das procurações forenses reproduzidas nos autos, nomeadamente:

            1- A credora N(...) Banco, S. A., conferiu aos seus bastantes procuradores “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, e ainda os especiais para, em seu nome e representação (…) assistir e participar em Assembleias de Credores (…) com poderes para votar, favorável ou contrariamente, as propostas que se apresentem”;

            2 - O credor Instituto da Segurança Social conferiu às suas bastantes procuradoras “os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, (…) e, também, os poderes especiais para (…) intervir e deliberar em assembleias, comissões de credores e de fiscalização nos processos especiais de recuperação de empresa, de falência ou insolvência (…)”;

            3 - Cada um dos credores mencionados em II. 1. d) - 4 conferiu ao seu Exmo. Mandatário “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”, bem como “os poderes especiais para o representar na Assembleia de Credores e discutir e votar quaisquer assuntos (…) no Processo de Insolvência n.º 662/14.1TJCBR”;

            4 - Cada um dos credores ditos em II. 1. d) - 6, à excepção dos credores (…) (que não assinaram os documentos reproduzidos a fls. 99 e 104), conferiu aos seus bastantes procuradores “os mais amplos poderes forenses gerais em Direito permitidos e ainda os especiais para participar e exercer o direito de voto na Assembleia de Credores agendada para o dia 18 de Setembro de 2015, no âmbito do Processo de Insolvência n.º 662/14.1TJCBR”;

            5 - A credora Banco (…), S. A., conferiu ao seu bastante procurador “os mais amplos poderes forenses para a) Representar a sociedade mandante em qualquer Tribunal ou Juízo e aí alegar e defender os seus direitos e legítimos interesses em todo e qualquer processo judicial, fiscal ou administrativo, seus incidentes e recursos (…); b) Participar em quaisquer assembleias de credores, provisórias ou definitivas, aí votando quaisquer créditos, aprovando-os ou não e ainda votando quaisquer outras medidas previstas como providências de recuperação”;

            6 - Cada um dos credores aludidos em II. 1. d) - 8 conferiu à sua bastante procuradora “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos (…), bem como o de votar em assembleia de credores, como bem aprouver”;

            7 - A credora (…) conferiu aos seus bastantes procuradores “amplos poderes forenses (…), e ainda representá-la em todas as diligências que tenham lugar no âmbito do processo n.º 662/14.1TJCBR (e apensos) (…), e bem assim para aí poder tomar decisões em seu nome”.

            i) Por despacho de 07.10.2015 e ao abrigo do disposto no art.º 75º, n.º 1, do CIRE, foi convocada uma assembleia de credores, para 27.10.2015, tendo por objecto deliberar sobre a remuneração do administrador substituto (art.ºs 53º, n.º 1, do CIRE e 25º da Lei n.º 22/2013, de 26.02).

            j) Na assembleia de credores realizada em 27.10.2015, com a presença do Administrador da Insolvência, Dr. (…)Comissão de Credores e demais credores indicados na respectiva acta (reproduzida a fls. 111 e seguintes), aquele A. I. indicou/sugeriu “que os valores da sua remuneração sejam os que resultam da aplicação do disposto nos artigos 23º, 29º e 30º da Lei n.º 22/2013 (Estatuto dos Administradores Judiciais), de 26 de fevereiro de 2013, e da Portaria, ainda em vigor, n.º 51/2005, de 20 janeiro, sem prejuízo de ulterior publicação de nova publicação prevista naquele diploma”, proposta que, submetida à votação, foi aprovada por todos os credores presentes, tendo ainda o A. I. prestado esclarecimentos sobre o actual estado da liquidação.

            k) O “termo de aceitação” mencionado em II. 1. e) foi assim redigido:

            “J (…), Administrador da Insolvência N.º (...) , NIF (...) 9, com domicílio profissional em Rua (...) Leiria, vem, por este meio, aceitar a sua nomeação como administrador da insolvência no Processo de Insolvência, que corre termos em Coimbra – Instância Central, Secção de Comércio J3, com o N.º 662/14.1TJCBR, nos quais foi declarada a insolvência de M (…), S. A.”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Sob condição de que previamente à votação se junte aos autos a aceitação do proposto, os credores, reunidos em assembleia de credores, podem, após a designação do administrador de insolvência, eleger para exercer o cargo outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial, e prover sobre a remuneração respectiva, por deliberação que obtenha a aprovação da maioria dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções (art.º 53º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3 e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4).

            E, nos termos do n.º 3 do mesmo art.º, o juiz só pode deixar de nomear como administrador da insolvência a pessoa eleita pelos credores, em substituição do administrador em funções, se considerar que a mesma não tem idoneidade ou aptidão para o exercício do cargo, que é manifestamente excessiva a retribuição aprovada pelos credores ou, quando se trate de pessoa não inscrita na lista oficial, que não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas no número anterior.[4]

            3. Em face da actual redacção do n.º 1 do art.º 53º, do CIRE, permite-se que os credores substituam o administrador da insolvência em assembleia de credores que não seja a primeira assembleia realizada após a designação.

            O administrador pode assim ser substituído/destituído independentemente de justa causa.[5]

            4. Sabemos que até às alterações introduzidas ao CIRE em 2012, a substituição do A. I., a requerimento de qualquer credor só poderia ocorrer até à data da realização da primeira assembleia de credores após a nomeação desse A. I. pelo Tribunal.[6]

            Diz o recorrente que aquela nova redacção do n.º 1 do art.º 53º do CIRE desrespeita a Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente, os princípios consagrados nos art.ºs 2º, 12º, 13º, 17º a 20º, 59º, 61º e 205º da CRP, porquanto viola a estabilidade do exercício das funções do AI e põe em causa a autonomia do mesmo, que fica assim à inteira mercê de, a qualquer altura e sem qualquer fundamento, estar sujeito à vontade e interesses de alguns credores, em detrimento do interesse da globalidade dos credores e, bem assim, das funções que tiver exercido até à data, com prejuízos evidentes para a legal celeridade processual, aliás, bem característica destes autos, com descontinuidades que só terão como consequência o arrastamento da lide e, mesmo eventuais desvios de rota, uma vez que qualquer maioria ocasional, poderá fazer valer o princípio maioritário em prejuízo da generalidade dos credores e do legal tratamento dos respectivos créditos.

            5. Defendia-se, à luz da primitiva redacção do n.º 1 do art.º 53º, cit., que a solução aí prevista, que, à primeira vista, podia parecer desajustada, justificava-se, todavia, pela necessidade de permitir a estabilidade do exercício das funções e a autonomia do administrador o qual, devendo, sem dúvida, agir na prossecução dos interesses dos credores, não poderia estar sujeito à vontade dos mais fortes, como, com muita probabilidade, sucederia, se fosse substituível por eles a todo o tempo.[7]

            6. A redacção actual do art.º 1º, do CIRE, conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, evidencia uma diferente perspectiva de encarar a finalidade do processo de insolvência - ainda que, diga-se, sem implicações práticas relevantes - pois que, se a redacção originária (DL n.º 53/2004, de 18.3) tinha a liquidação do património do devedor como principal objectivo, agora, colocou-se em primeiro plano a satisfação do interesse dos credores.

            Na primeira versão do Código, o processo dirigia-se primacialmente à liquidação do património do devedor como meio de realização do interesse dos credores ainda que se visasse atingi-la através do plano de insolvência. Agora pretende-se que a satisfação dos credores se faça preferentemente pela forma prevista num plano de insolvência e só ´subsidiariamente` por via da liquidação universal do património do devedor, quando aquele não se afigurar possível.[8]

            No entanto, tudo depende sempre – agora como antes – do que os credores venham a decidir, sendo que a recuperação da empresa continua a ser apenas um instrumento de satisfação de interesses dos credores, inserido num plano de insolvência e alternativa à liquidação.[9]         

            7. Nesta perspectiva das coisas, sabendo-se que os poderes do administrador da insolvência têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios (envolvendo, apenas, o exercício de verdadeiros poderes funcionais), encontrando-se o mesmo, também na qualidade de profissional liberal[10], sujeito à (permanente) fiscalização da assembleia de credores e não podendo ver assim “garantida” a estabilidade e a continuidade da sua “ligação funcional” - como se de um “vínculo laboral” se tratasse… -, afigura-se, pois, sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, que a mencionada disposição (art.º 53º, n.º 1, do CIRE) não desrespeitará quaisquer preceitos ou princípios constitucionais, em razão, desde logo, da natural e justificada prevalência da posição (maioritária) dos credores na definição e conformação do interesse dos credores (do insolvente) no contexto do processo de insolvência, ainda que em eventual confronto/colisão com a posição e o interesse do administrador da insolvência, antolhando-se desnecessário ou inexigível qualquer esforço de concordância prática entre os (eventuais) valores ou interesses em presença.

            8. O mandato judicial pode ser conferido: a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (art.º 43º, do Código de Processo Civil/CPC).

            O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante (art.º 44º, n.º 1, do CPC).

            Nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato. A eficácia do mandato depende de aceitação, que pode ser manifestada no próprio instrumento público ou em documento particular, ou resultar de comportamento concludente do mandatário (n.ºs 2 e 4, do mesmo art.º).

            As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto (art.º único, n.º 1, do DL n.º 267/92, de 28.11). As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes (n.º 2, do mesmo art.º).

            9. Assim, o mandato judicial pode ser conferido por mero documento particular (art.º 43º do CPC e o DL n.º 267/92, de 28/11), sendo que os denominados documentos particulares apenas carecem de ser assinados pelo seu autor, considerando-se verdadeira a sua assinatura desde que não impugnada (art.ºs 373º e 374º, n.º 1, do Código Civil/CC).[11]

            Decorre do n.º 1 do referido art.º único do DL n.º 267/92, que a lei apenas exige que o mandatário se certifique dos poderes do mandante para o acto (“da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto”), não referindo que deva constar do texto da procuração forense a assinatura do mandatário que aceita, porquanto o pode até aceitar por mero comportamento concludente (art.º 44º, n.º 4, do CPC).[12]

            E, face ao referido quadro normativo, também não é exigível que conste da procuração forense a forma como foi verificada a identidade (do mandante) pelo mandatário, e apenas ao advogado mandatário compete certificar-se, a si próprio, da identidade e poderes do mandante/cliente, não sendo lícito a terceiros exigir-lhe qualquer documento comprovativo da autoria da assinatura ou dos poderes do signatário/cliente [cf., ainda, o art.º 85º, n.º 2, alínea c), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26.01 e o art.º 90º, n.º 2, alínea c), do actual Estatuto, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.9].[13]

            10. Por conseguinte, tendo presente o apontado regime jurídico, a ”votação” mencionada em II. 1. f), supra, o âmbito dos poderes conferidos pelas procurações aludidas em II. 1. h), supra [verificando-se, apenas, a falta/inexistência de procuração relativamente aos credores (…) (II. 1. h) - 4, supra) e a insuficiência de poderes outorgados na procuração referida em II. 1. h) - 5, supra, esta, relativa a um dos credores abstencionistas, sendo que, por outro lado, não se poderá concluir que os Exmos. Mandatários não tenham verificado a identidade dos mandantes ou que o recorrente, ou qualquer outro interessado ou interveniente, haja colocado em causa as assinaturas constantes das procurações[14]] e o disposto no art.º 53º, n.º 1, do CIRE, é irrecusável estarmos perante uma deliberação válida e favorável da assembleia de credores (aprovação pela maioria dos credores votantes e titulares da maioria dos votos emitidos/cf., ainda, v. g., o parecer do A. I. de fls. 18).[15]  

            11. Previamente à deliberação em análise foi junto aos autos documento comprovativo da aceitação, pelo A. I. proposto, da nomeação para o cargo para que fora indigitado [cf. II. 1. alíneas e), g) e k), supra].

            Ao contrário do aduzido pelo recorrente, a lei não estabelece que o documento em causa deva revestir especiais exigências/requisitos de forma (v. g., o reconhecimento da assinatura), bastando, assim, a prévia junção aos autos de documento escrito, que poderá ser um mero documento particular, corporizando a dita e inequívoca aceitação para o exercício do cargo.

            Verificando-se que o documento particular em causa foi assinado pelo seu autor, e não foi apresentada qualquer impugnação, não vemos como possa agora impugnar-se, com êxito, as respectivas letra e/ou assinatura (art.ºs 373º e 374º, n.º 1, do CC).

            Ademais, o subsequente desenvolvimento dos autos concretiza e confirma a “aceitação” inequivocamente expressa no dito documento (cf. a acta reproduzida a fls. 111).

            12. Relativamente à problemática da remuneração do novo administrador, considerando, por um lado, que o mesmo nada disse a esse respeito na respectiva declaração de aceitação e, por outro lado, que a correspondente omissão da assembleia de 18.9.2015 veio a ser suprida na assembleia subsequente realizada em 27.10.2015, a qual veio a deliberar sobre a remuneração do administrador substituto [cf. II. 1. alíneas i) e j), supra, e art.ºs 53º, n.º 1, do CIRE e 24º e 25º da Lei n.º 22/2013, de 26.02], deliberação que não mereceu qualquer reparo por parte do Tribunal [cf. art.º 53º, n.º 3, do CIRE; II. 1. j), supra e documento de fls. 111 a 113], também por aqui não se poderá concluir pela existência e subsistência de qualquer irregularidade na questionada nomeação.

            13. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelo apelante.


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26.01.2016


                       

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernanda Ventura

           


[1] Decorrente dos documentos juntos aos presentes autos de apelação.
[2] Anteriormente, realizaram-se duas assembleias de credores, em 16.12.2014 (a 1ª, a que alude o art.º 156º do CIRE) e em 28.4.2015 (“apreciação do plano de insolvência”) (cf. fls. 66 e 78).

[3] Nomeada na assembleia de 16.12.2014 (cf. fls. 76). 
[4] Prevê o n.º 2: “A eleição de pessoa não inscrita na lista oficial apenas pode ocorrer em casos devidamente justificados pela especial dimensão da empresa compreendida na massa insolvente, pela especificidade do ramo de actividade da mesma ou pela complexidade do processo.”
[5] Cf. o acórdão da RP de 25.10.2011-processo 5933/10.3TBVNG-A.P1, publicado no “site” da dgsi.

[6] Preceituava então o referido n.º 1 do art.º 53º: “Sob condição de que previamente à votação se junte aos autos a aceitação do proposto, os credores podem, na primeira assembleia realizada após a designação do administrador da insolvência, eleger para exercer o cargo outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial, e prover sobre a remuneração respectiva, por deliberação que obtenha a aprovação da maioria dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções.”
[7] Vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris-Sociedade Editora, 2009, pág. 247.
[8] Vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris-Sociedade Editora, 2ª edição, pág. 68.
[9] Ibidem, pág. 69.
[10] E no, presente recurso, o A. I. surge também como “Advogado em causa própria” (fls. 11 verso).

[11] Cf. o acórdão da RC de 30.6.2015-processo 893/05.5TBPCV.C1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 75 e 77 e Gonçalo Carrilho, Intervenção notarial e procurações forenses, ROA/Dez. 2012, págs. 42 e seguinte.
[13] Vide, ainda, Soares Machado, “Parecer n.º E – 936”, Pareceres do Conselho Geral, in “site” da Ordem dos Advogados.
   Discorda-se, assim, do entendimento expresso no acórdão da RC de 07.3.2012-processo 628/08.0GBFND.C1, publicado no “site”

[14] Ademais, nas situações em que o direito ao patrocínio possa ser posto em causa por questões formais, a irregularidade da procuração é de conhecimento oficioso, devendo o juiz fixar prazo dentro do qual deve ser corrigido o vício e ratificado o processado, ficando sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas (cf. art.º 48º, n.º 2, do CPC), pelo que, sendo caso disso, sempre haveria que lançar mão desta possibilidade.
[15] Vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris-Sociedade Editora, 2009, pág. 248 e seguinte.