Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/10.9TBFZZ.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
IMPUGNAÇÃO
ACÇÃO DE APRECIAÇÃO NEGATIVA
USUCAPIÃO
TERCEIRO
BOA-FÉ
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 291, 343 CC, 8, 17 CRP, 70, 71 CN
Sumário: 1. Alegando a autora que os factos da usucapião da escritura de justificação notarial são falsos e pedindo o cancelamento do registo de propriedade lavrado pelos réus com base na mesma e a declaração de que ela é a única proprietária, deve ter-se por implícito, até perante a actual redacção do artº 8º do CRP, que também a queria, e quer, ver declarada inválida, pelo que a acção assume a natureza de acção de simples apreciação negativa, com o ónus probatório a impender sobre os réus – artº 343º nº1 do CC e AUJ 1/2008.

2 - A protecção de terceiro adquirente com base num ato nulo pode ser perspectivada perante o artº 291º do CC ou o artº 17º do CRPredial, sendo que a por este conferida é mais abrangente, mas apenas emerge se se provar que ele actuou de boa fé e com base no registo daquele ato e na presunção de certeza e fidedignidade que do mesmo dimana.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
MM (…) intentou contra AP (…), CL (…) e CD (…), ação que intitulou de declarativa, de condenação, para prestação de facto positivo.

 Pediu:
 -O cancelamento do registo de propriedade feito em nome dos 2º e 3º Réus na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere do prédio rústico sito em (...) concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial sob o artigo 1 (...) Secção D;
- considerá-la única e exclusiva proprietária do imóvel, que veio à sua posse por herança dos seus pais,
-  a condenação dos Réus a pagar todas despesas, honorários, custas e procuradoria.
Alegou:
Os seus pais faleceram e deixaram como herdeiras as duas filhas: a Autora e (…)A sua irmã faleceu e sucederam-lhe os 2º e 3º Réus.
Estes dois Réus constituíram o Réu AP (…) como seu procurador, e nessa qualidade instaurou o processo de inventário por óbito dos pais da Autora. Foi também o Réu AP (…) (na qualidade de procurador) que exerceu o cargo de cabeça de casal no processo de inventário onde a Autora foi representada pelo Ministério Público por desconhecer a existência desse processo.
No âmbito desses autos, o prédio rústico, sito em (...), limite da Freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial sob o artigo 1 (...) Secção D, foi relacionado sob a verba n.º8 da relação de bens, e foi adjudicado à Autora, cujo mapa de partilha foi homologado por sentença de 20/02/2006.
Contudo, na qualidade de procurador dos 2º e 3º Réus, no dia 07/11/2008 pediu que fosse lavrada uma escritura no Cartório Notarial de Tomar a favor desses Réus, fazendo constar que aquele prédio estava na posse dos seus representados há mais de 20 anos, o que sabia que não correspondia à verdade, agindo em conluio com os 2º e 3º Réus, esbulhando o património da Autora.
O prédio foi registado a favor dos 2º e 3º Réus, o que a Autora só teve conhecimento em 28/10/2009.

Contestaram os Réus.
O Réu AP (…) invocou a sua ilegitimidade para a presente acção e impugnou os factos, alegando entre o mais que na verba n.º8 da relação de bens, adjudicada à Autora, apenas estava relacionado ¼ do prédio.

A Ré Cristine Luiza Lenz pediu a prorrogação do prazo para apresentar a contestação, o que não foi admitido. A Ré interpôs recurso dessa decisão, que não foi admitido, e apresentou reclamação nos termos do art.º688.º do Código de Processo Civil, que foi indeferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Foi chamada  ao processo P (…) atual proprietária do prédio.
Contestou, invocando a caducidade do direito da Autora e alegando que se encontra protegida enquanto terceiro adquirente de boa fé, pelo que não pode ser prejudicada pela declaração de nulidade e cancelamento do registo anterior.
A Autora respondeu, alegando, entre o mais, que apesar de apenas ter sido relacionado 1/3 do prédio no processo de inventário, os restantes 2/3 estavam na posse pública, pacífica e de boa fé pelos seus falecidos pais.

A Autora foi convidada pelo Tribunal para vir esclarecer qual o âmbito e extensão do direito de propriedade que invoca e pretende ver reconhecida.
Na sequência, apresentou articulado onde pediu a alteração da causa de pedir e do pedido, de tal modo que peticiona em articulado superveniente de fls. 317 a 319 o seguinte:
A – Ser decretada a nulidade da venda do imóvel feita pelo 1.º Réu em representação dos 2.º e 3.º Réus à chamada;
B – Serem os Réus e a chamada à demanda condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre aquele imóvel na sua totalidade e a procederem ao cancelamento dos registos quer a favor dos 2.º e 3.º Réus quer a favor da chamada;
C – Ser a chamada condenada a restituir o imóvel à sua legitima proprietária, aqui Autora, o qual veio à sua posse por herança dos seus falecidos pais;
D – E serem os Réus condenados solidariamente a pagar à Autora todas as despesas, honorários, custas de parte e procuradoria que a Autora teve com o presente processo.
Por despacho, tal alteração da causa de pedir e do pedido não foi admitida, por extemporânea e inadmissibilidade legal.
A Autora veio recorrer de tal despacho.
Por Acórdão proferido nestes autos, julgou-se procedente o recurso interposto pela Autora e, consequentemente, revogou-se o despacho judicial na parte em que não admitiu o articulado superveniente apresentado pela Autora anulando-se todo o processado subsequente à junção desse articulado.
Admitiu-se o articulado superveniente apresentado pela Autora em 31.01.2012.
Foi proferido despacho saneador nestes autos, tendo sido o Réu AP (…) julgado parte ilegítima nesta acção e, consequentemente, foi absolvido da instância.

2.
Discutida a causa foi proferida sentença na qual se decidiu:
Julgar a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver os Réus (…) da totalidade dos pedidos formulados pela Autora (…).

3.
Inconformada recorreu a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª O douto Tribunal “a quo” ao improceder o pedido da ora recorrente violou de forma frontal o seu direito e, maxime, a verdade material e correspondente Justiça;
2.ª Apesar de a Recorrente ter interposto recurso acerca da legitimidade e litigância de má-fé do 1.º Recorrido, cumpre por cautela, referi-lo novamente, isto é, o mesmo é parte interessada no caso sub judice, dado que o mesmo foi o mentor de toda este ardiloso artifício para obter vantagens económicas em detrimento e prejuízo manifesto para com o direito da ora Recorrente;
3.ª O 1.º Recorrido utilizou o instituto da procuração e da sua forma para contornar qualquer tipo de responsabilidade adveniente pela ilegalidade que conscientemente e intencionalmente realizou;
4.ª Dado que, sempre soube mesmo antes de estar em representação dos Recorridos, por ter sido cabeça-de-casal no processo de inventário que correu termos no Tribunal, que esse mesmo prédio em causa foi atribuído á ora recorrente;
5.ª Prestando para o efeito falsas declarações as quais foram alvo de um processo-crime que decidiu pela sua condenação conforme resulta do supra exposto;
6.ª No fundo, o 1.º Recorrido utilizou a norma legal com a intenção contrária àquela que ela visa proteger, manietando assim, o sentido (ratio e telos) axiológico normativo da norma, in casu, do instituto da procuração;
7.ª Comportamento esse adoptado pelo 1.º Réu – o ora Recorrido – que consubstancia um abuso do direito previsto no Art. 334.º CC;
8.ª Assim sendo, o 1.º Recorrido adoptou consciente e volitivamente sempre um comportamento contrario ao direito e à Justiça através da utilização de mecanismos processuais, nomeadamente, a ilegitimidade e, maxime, por faltar sempre a verdade que sempre conheceu – litigante de má-fé, Art. 456.º n.º 2 e 519.º n.º 1 CPC;
9.ª Porque não os poderia ele desconhecer e desconsiderar os factos em causa por ser manifesto que sempre teve total e esclarecido conhecimento dos mesmos;
10.ª Situação essa, que só foi possível em conluio com os outros Recorridos que nem, note-se, tinham conhecimento do prédio em causa dado os mesmo residirem nos EUA;
11.ª Por outro lado, diríamos nos que se nos apresenta como a salvo de qualquer erro de interpretação, salvo por melhor douta opinião contrária, de que a ora Recorrente pretendeu e pretende conforme o demonstrou de pedir o respectivo cancelamento do registo efectuado pelos Recorridas ilicitamente;
12.ª Com efeito, tal traduz-se, por consequência imediata, no reconhecimento da inexistência do direito alegado ilegalmente pelos Réus os ora Recorridos;
13.ª Por sua vez, no que concerne ao reconhecimento do direito em causa [peticionado na alínea b) do petitório da PI] tal significa que o que é efectivamente peticionado aí é única e exclusivamente o da aquisição originária da restante área do prédio melhor identificado supra por parte da Recorrente:
14.ª Assim sendo, diríamos nós que a validade do direito e a substancia deve sempre prevalecer sobre a forma;
15.ª Pelo que, é convicção da Recorrente que estamos in casu sim diante um vício de substancia e não de resisto e como tal a venda feita a terceiros não lhes aproveitaria a boa-fé, por a mesma se enquadrar no n.º 2 do Art. 291. CC;
16.ª Destarte, após a dissecação dos requisitos expostos e da adequada e correcta interpretação das normas legais e defesa da validade do ius, salvo por melhor douta opinião contrária, deve («dever-ser») o mui distinto Tribunal em face do caso sub judice dar uma resposta positiva por não restarem dúvidas e por estarem reunidos os pressupostos que validam e reconhecem o efectivo direito da ora Recorrente;
17.ª Por último, sem poder deixar de o manifestar novamente conforme supra já referido em sede de Questão Previa (II.) ao admitir que o 1.º Recorrido participasse na Audiência e Julgamento da qualidade de Testemunha mesmo sabendo que a respectiva ilegitimidade passiva foi colocado posto tempestivamente em crise através do respectivo recurso interposto;
18.ª Tal, importará uma vicissitude de toda a Audiência de Julgamento que no final da linha poderá resultar na nulidade do mesmo, circunstância essa que se argui e invoca para todos os efeitos legais.

Contra-alegaram os réus pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes, essenciais, argumentos:

I) Como questão prévia às presentes contra-alegações cumpre apenas referir que na fundamentação da sentença em apreço o douto tribunal faz menção a um registo da presente acção o qual, na verdade, não existe, conforme se pode comprovar pela consulta da certidão do registo predial, junta aos autos em sede de audiência de julgamento. Assim sendo, apenas se admite que tal referência se deve a um lapso manifesto da sentença, pelo que, desde já, se requer a V.Exa. a sua rectificação.
II) o Réu AP(…) é totalmente alheio ao direito de propriedade que se pretende atingir e não tendo sido peticionado nada mais do que o cancelamento do registo de propriedade do imóvel em questão e o reconhecimento da titularidade do direito de propriedade à A., em nada interferindo na esfera jurídica deste Réu, pelo que não se consegue descortinar onde e em que medida teria o mesmo interesse directo em contradizer ou em que medida a procedência da acção lhe causa algum prejuízo. Assim, somos a concluir que bem andou o douto tribunal, considerando-o parte ilegítima.
III) o recurso interposto pela Autora a respeito da absolvição do Réu AP (..), por considerar parte ilegítima, tem efeito meramente devolutivo e não foi prestada qualquer garantia/caução para que lhe fosse atribuído qualquer outro efeito, pelo que, não sendo parte legítima na presente acção seria totalmente possível, e até mesmo pertinente face ao conhecimento directo que o mesmo detinha dos factos, ouvir o depoimento do Sr. AP (…)como testemunha.
IV) Autora não veio requerer a declaração judicial de inexistência do direito invocado pelos Réus na escritura, mas antes, optou por requerer a condenação dos réus (justificantes) no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel objecto da escritura de justificação, ou seja, intentou uma acção para declaração positiva do facto, pendendo sobre si o ónus de prova. Ónus esse, que, com ou sem depoimento testemunhal do Sr AP (…), a Autora não logrou cumprir, nem poderia pois nem sequer logrou alegar factos constitutivos de tal direito.
V) A interveniente, P (…), antes da celebração do seu negocio, confirmou através de certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere (que se juntou aos autos em sede de audiência de julgamento) a existência de registo de aquisição a favor da 2ª e 3º RR, pelo que não lhe restaram quaisquer dúvidas de que aqueles RR seriam os legítimos proprietários do prédio que veio a adquirir por compra e crente desse facto, crença essa baseada na fé publica que se retira do registo predial, a interveniente não viu qualquer impedimento para que o negócio de compra e venda do mesmo tivesse lugar, encontrando-se de boa fé. (factos 29 e 30 dos factos provados)
VI) Nos termos conjugados do artigo 7.º e 17.º, n.º 2, ambos do CRP, somos a concluir que, tendo a ora interveniente adquirido o supra identificado prédio a titulo oneroso e de boa fé, sendo totalmente alheia aos factos que originaram a presente contenda entre a A e demais RR, a mesma não deverá ser prejudicada pelo possível cancelamento do registo que antecede o seu.
VII) Logo após a celebração do seu negócio, em 29/06/2009, a interveniente procedeu ao respectivo registo junto da conservatória competente e, saliente-se, não foi registada qualquer acção de nulidade ou anulação sobre o titulo que legitimou a transmissão por banda dos RR, nem mesmo a presente acção (que, salvaguarde-se, nem sequer corresponde a uma acção de impugnação de escritura de justificação notarial, acção a que se refere o nº2 do 291º do CC) foi registada, conforme se pode comprovar pela certidão do registo predial junta aos autos em sede de audiência de julgamento.
VIII) Ou seja, nenhuma acção foi registada, pelo que, se não fossem pelos motivos já aduzidos sobre a aplicação do regime previsto no código do registo predial ao invés do código civil, também aqui, por este motivo, não teria qualquer cabimento o recurso ao nº 2 do 291 do C.C.!

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º e 639º-A  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(Im)procedência da ação.

5.
Os factos dados como provados e que importa considerar são os seguintes:

1) O pai da autora (…) faleceu em 22 de Dezembro de 1980;
2) E a mãe da Autora (…) faleceu em 24 de Dezembro de 1994;
3) Aos falecidos, sucederam-lhe na herança dos seus bens as suas duas filhas: a Autora (…) e a irmã M (…);
4) A irmã da Autora (M (…)) faleceu no dia 28 de Novembro de 1998, nos Estados Unidos da América;
5) Sucedeu-lhe na herança o marido CD (…), e a filha CL (…), ambos residentes nos Estados Unidos da América;
6) Os quais nomearam como seu procurador AP (…);
7) Em 19/09/2008 na Chancelaria da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Washington, CL (…) e CD (…) declararam que constituem seu procurador A (…), a quem conferiram os poderes necessários para proceder à justificação de quaisquer prédios sitos na freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, invocando a usucapião, por possuírem os mesmos há mais de vinte anos, outorgar, assinar as respectivas escrituras, representá-los junto de quaisquer Repartições Públicas ou Administrativas, nomeadamente, na Câmara Municipal, serviço de Finanças, liquidar impostos, e Conservatória do Registo Predial, requerer quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos, cancelamentos, praticar requerer e assinar tudo o que necessário for aos indicados fins;
8) Correu termos na 3ª Secção da 17.ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, sob o n.º 322/95, e posteriormente na 3ª Secção da 14ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa sob o n.º 5894/09.1TVLSB, por extinção da primeira, o processo de inventário para partilha da herança deixada por óbito de Joaquim (…);
9) M (…) foi representada naqueles autos de inventário pelo Ministério Público, por ausência em parte incerta;
10) AP (…) exerceu o cargo de cabeça de casal naquele inventário;
11) Naqueles autos de inventário foi apresentada a relação de bens deixados por óbito de (…)e de (…), composta por 13 verbas;
12) Sob a verba n.º8 foi relacionado ¼ indiviso do prédio de semeadura com pinheiros e árvores, sito em (...), freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz rústica da freguesia de (...) sob o artigo 1 (...), não descrito na Conservatória do Registo Predial, com o valor de 40.000$00, posteriormente alterado para €199,52 por avaliação determinada em 20/09/2001 e rectificada em 11/01/2002 (cfr. documento de fls. 35 e ss. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos leais);
13) E sob a verba n.º 4 foi relacionada a casa de habitação de rés-do-chão no sítio “Limite do Casal de Famoeira”, freguesia de (...), concelho de Ferreira de Zêzere, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), sob o artigo 1.027, descrita na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o artigo 4 (...), no valor de € 22.445,91;
14) Em acta de conferência de interessados no âmbito do Processo n.º 322/95, realizada no dia 28 de Outubro de 2002, lê-se que “iniciada a diligência, nos termos do artigo 1353.º do CPC, acordaram os interessados, com a anuência do Ministério Público, na composição dos quinhões. Assim, as verbas n. º s 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 14 são adjudicadas à interessada (…). As verbas n.º s 4, 10, 12 e 13 são adjudicadas em comum e sem distinção de partes ou direitos a CD (…) e CL(…)” (cfr. documento de fls. 45 e ss. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
15) Por sentença proferia naqueles autos em 20/02/2006, foi homologado o mapa de partilha, que resultou do acordo dos interessados em sede de conferência de interessados realizada em 28/10/2002, mediante o qual foi adjudicado a (…), entre o mais, o imóvel relacionado sob o verba n.º8;
16) Em 07/11/2008, no Cartório Notarial de Tomar, A..., na qualidade de procurador de CL...e CD..., como primeiro outorgante, declarou, em escritura pública de “justificação”, que os seus representados são donos e legítimos possuidores, na proporção de metade para casa um, do prédio rústico, sito em (...), limite de (...), freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, composto por citrinos, olival e solo subjacente de cultura arvense de regadio em olival, com a área de 620 m2, inscrito na matriz sob o artigo 1 (...), secção D, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz em nome de herdeiros de JP...(cfr. escritura pública de justificação constante como documento 2 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
17) E ainda nessa escritura AP (…) declarou que o prédio veio à posse dos seus representados por partilha verbal feita em 1980, por óbito de (…), sendo os representados quem possuem o dito prédio em nome próprio, na indicada proporção, há mais de 20 anos sem oposição de outrem, sem interrupção e ostensivamente, com o conhecimento de toda a gente da freguesia de (...), lugares e freguesias vizinhas, usufruindo dos seus rendimentos, cultivando e recolhendo os respectivos frutos, pagando os respectivos impostos e contribuições, agindo sempre pela forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, pelo que adquiriram o prédio por usucapião;
18) E em tal escritura, (…), na qualidade de segundo outorgante, confirmaram as declarações de AP (…);
19) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o n.º 4 ...o prédio urbano sito em (...), (...), freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, com área total de 1280 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 3038, que correspondia ao prédio misto inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1 (...) secção D, alterado pela Ap.5701 de 29/06/2009, com inscrição de aquisição por partilha de herança a favor de CD (…) e CL (…), pela Ap.6 de 28/06/2007;
20) E com inscrição de aquisição por usucapião a favor e no nome de CD (…) e CL (…)pela Ap. 8 de 17/12/2008 (Conservatório do registo predial de Ferreira do Zêzere sob o n.º 4502/20081217);
21) E posteriormente com inscrição de aquisição por compra a favor de P (…)pela Ap.5701 de 29/06/2009;
22) Na caderneta predial rústica, o prédio sito em (...), freguesia de (...), concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1 (...) Secção D, tem uma área de 0,128 hectares e é composto por quatro parcelas (citrinos, olival, solo subjacente de cultura arvense de regadio em olival e urbano);
23) A Autora tem vivido em Inglaterra;
24) No âmbito do processo de inventário referido em 8), A... sabia que a Autora vivia em Inglaterra;
25) À data da celebração da escritura referida em 16) e 17) dos factos provados, os 2.º e 3.º Réus não viviam em Portugal há pelo menos 20 anos;
26) Pelo que não cultivaram ou recolheram os respectivos frutos do prédio identificado em 16) e 17) dos factos provados;
27) Nem fizeram seus os rendimentos provenientes de tal prédio;
28) O prédio identificado na verba 8 da relação de bens correspondia a ¼ do logradouro, quintal e superfície a descoberto da casa de habitação constante da verba 4 dessa mesma relação de bens;
29) A Ré (…) comprou o prédio descrito na matriz sob o artigo 1 (...)-D aos 2.º e 3.º Réus convencida de que aqueles eram os donos do referido prédio;
30) E depois de ter constatado que o prédio estava à data registado a favor dos 2.º e 3.º Réus.
Aditando-se, ao abrigo do disposto no artº 712º nº1 al. a) do CPC,  o seguinte facto:
31) A presente ação encontra-se registada pela ap. 3525 de 2011.04.07 – doc. fls.226.

6.
Apreciando.
6.1.
Liminarmente importa dizer que o expendido nas 10 primeiras conclusões no atinente ao demandado  AP(…) é irrelevante ou inatendível.
Na verdade tal réu foi declarado parte ilegítima.
Certo é que existe recurso pendente interposto pela autora quanto a tal decisão.
Mas ao mesmo foi atribuído  efeito meramente devolutivo.
Logo, esta decisão continua  a manter os seus efeitos até à decisão do recurso.
Aliás a recorrente nada pede, de concreto, no atinente a tal demandado, limitando-se a referir que ele foi o mentor da falsidade da escritura.
Nem podia pedir pois que tendo sido declarado parte ilegítima, está neste momento, “fora” do processo e, assim, inexistindo, qualquer decisão na sentença no a ele concernente.
Ora como é consabido, os recursos destinam-se a reapreciar questões decididas e não  a decidir ex novo, ou, muito menos, a decidir sobre questões que nem sequer foram abordadas pelos intervenientes processuais.
Ademais não releva a referencia final da recorrente no atinente à existência de uma possível nulidade por o A... ter sido ouvido como testemunha, pois que, formalmente e não sendo ele, neste momento, parte ou interveniente nos autos, pode assumir no processo tal qualidade.
Se o recurso aludido tiver provimento e o mencionado for reposto na sua qualidade de parte, então terão, na altura própria, de se retirar as respetivas consequências.
6.2.
Quanto ao fundo atendível.
6.2.1.
O Sr. Juiz desatendeu a pretensão da autora desde logo porque entendeu que:
« a Autora não pede que a escritura de justificação fique sem efeito porque as declarações não são verdadeiras, mas que seja ela própria considerada única e exclusiva proprietária do prédio em causa, e que se proceda ao cancelamento dos registos de propriedade a favor dos Réus na Conservatória do Registo Predial.
…a Autora não veio enquadrar a presente acção como sendo uma acção de impugnação de escritura de justificação notarial e, por isso, como uma acção de simples apreciação negativa.
Na realidade, a Autora não veio requerer a declaração judicial de inexistência do direito invocado pelos Réus na escritura, e optou por requerer a condenação dos réus (justificantes) no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel objecto da escritura de justificação.
Ou seja, em vez de ter efectuado o pedido pela negativa optou pela declaração positiva do facto.
Deste modo, uma vez que a Autora impugna a veracidade das declarações na sua petição inicial mas depois não conclui com um pedido conforme a essa alegação, no sentido de ser judicialmente declarado que os Réus não são donos do prédio sobre cuja titularidade se arrogam, a acção não assume a natureza de simples apreciação negativa, pelo que deixa de incumbir aos Réus o ónus de alegação e prova do direito que invocam, acabando esse ónus por recair sobre a Autora, nos termos gerais, previstos no art.º342.º, n.º1, do Código Civil.
Assim, impõe-se que a Autora comprove o seu direito de propriedade, que ao ser declarado invalida a escritura de justificação, por ser incompatível com a declaração que dela consta.»
Apreciemos.
Tal como uma declaração negocial, também uma decisão ou um articulado da parte devem ser devidamente analisados e interpretados de sorte a que deles se retire o seu  real e verdadeiro fundamento, sentido e fito.
Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e  heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento,  a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.
Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos.
Ora: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que ‘com toda a probabilidade a revelem» -artigo 217.º, n.º 1 do CC.
Assim: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial.
 Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de  01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425.
Nesta conformidade tem sido entendido que, por ex., na ação de reivindicação, quando o autor pede e vê reconhecido o seu direito de propriedade, tem direito à restituição da coisa, mesmo que não tenha expressamente formulado tal pedido – cfr. Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712.
E demonstrada a propriedade – cujo pedido de reconhecimento pode ser implícito – a restituição só pode ser recusada excepcionalmente e apenas nos casos previstos na lei, assumindo-se pois a entrega/restituição como consequência da constatação daquele direito, por o direito de reivindicar ser uma manifestação da sequela – artº 1311º nº2 do CC e Acs. do STJ de  13.07.2010 e de 08.02.2011, dgsi.pt, p. 122/05.1TBPNC.C1.S1 e 12/09 9T2STC.E1.S1.
E que: «Pedindo o preferente que, na sequência do que nascera, lhe fosse reconhecido o direito de preferência nos prédios em questão, com as legais consequências, nestas se podem integrar a substituição do adquirente pelo preferente, a entrega do preço e da sisa, o direito do adquirente revelar o que gastou - escritura e registo e o anulamento do registo efectuado pelo adquirente, embora o pedido dos preferentes devesse ter sido mais concreto e alargado, apesar de nas acções constitutivas não haver pedido de condenação.»  - Ac. do STJ de  s. 004.10.1994, p. 085781.
De igual sorte era defendido que: «Requerida e concedida a nulidade da escritura de justificação notarial para aquisição por usucapião, não está quedo ao tribunal ordenar o cancelamento, no registo predial, da inscrição da propriedade a favor dos Réus, lavrada com base em tal escritura, mesmo que este cancelamento não tenha sido peticionado, expressis verbis, pelo autor» - Ac. da RL de  05.06.2007, p. 2109/2007, de que o presente também foi relator.
Esta tese jurisprudencial veio a ganhar consagração legal.
Pois que enquanto o artº 8º nº2 do CRP, na redação anterior  ao DL n.º 116/2008, de 04/07 estatuía que:
 1 - Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo.
2 - Não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior.
Já a sua atual redação introduzida por tal DL estipula:
1 - A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo.

No caso vertente e tal como o Sr. Juiz expendeu:
«…A autora…vem impugnar as declarações dos Réus efectuadas na escritura de justificação, onde invocaram a sua qualidade de donos exclusivos do prédio em causa, justificando essa aquisição por usucapião, quando esse prédio tinha sido adjudicado à Autora no processo de inventário».
E de facto assim é.
Na petição inicial a autora insurge-se, expressa e claramente, contra a veracidade das declarações atinentes aos factos consubstanciadores da usucapião que foram proferidas na escritura de justificação, dizendo que tais declarações e tais factos são falsos, e alegando que os réus bem sabiam que o prédio não lhes pertencia, mas antes era de sua pertença – cfr. vg. artºs 18º a 21º da pi.
Verifica-se assim que a autora quer impugnar judicialmente a escritura de justificação, e ver declarada a sua nulidade ou ineficácia.
Tanto assim que, a final, pede o cancelamento do registo de propiedade  feito em nome dos 2º e 3º réus e o reconhecimento do seu domínio sobre o bem.
É evidente que tais pedidos pressupõem, legal e logicamente, a invalidade da escritura de justificação, pois que eles nunca poderiam ser formulados sem que esta invalidade fosse declarada.
Simplesmente a autora deu um salto lógico: pediu uma atuação/providencia ao tribunal que pressupunha, lógica, jurídica e necessariamente, que ele previamente tomasse outra: a declaração de invalidade: nulidade ou ineficácia, consoante a perspetiva, da escritura de justificação.
A assim ser, e considerando tal salto ou hiato no impetramento da demandante, deveria o tribunal convidá-la a corrigir/suprir tal insuficiência ou imprecisão – artº 508º nº3 do CPC.
Até porque, na perspetiva do entendimento que foi plasmado na sentença e que ora se sindica, a não formulação de pedido expresso de anulação da escritura seria uma ilogicidade e contradição quiçá insanável, não apenas com relação aos outros pedidos formulados como, inclusive, perante a alegação/causa de pedir anteriormente invocada, podendo assim originar a ineptidão da pi – artº 193º do CPC.
Não o tendo feito uso do mencionado poder/dever, tem de concluir-se que o julgador vislumbrou a pi como juridicamente aceitável, vg. porque nela alcançou o pedido implícito de nulidade da escritura de justificação.
E bem assim o fez – ou teria feito, se não o fez – pois que para além do que ficou dito quanto aos contornos do caso concreto, importa atentar na atual redação do citado artº 8º do CRP para se concluir que se A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo, também o inverso, por igualdade ou até maioria de razão, se deve ter como aceitável, ou seja, quando se pede o cancelamento do registo de facto  - vg. propriedade -  efetivado com base na escritura de justificação notarial, naturalmente que se tem como pressuposto e se quer também atacar e ter por inválido o facto genético do registo -  a escritura de justificação notarial -, pelo que esta pretensão, se não for expressa, se deve presumir.
 Pelo que concluindo, serodiamente e em sede de sentença, que a autora não instaurou ação de impugnação no sentido de ser judicialmente declarado que os Réus não são donos do prédio sobre cuja titularidade se arrogam  pelo que a ação não assume a natureza de simples apreciação negativa, deixando de incumbir aos Réus o ónus de alegação e prova do direito que invocam e acabando esse ónus por recair sobre a Autora,  pode até taxar-se  tal entendimento de decisão surpresa, e, como tal, ilegal.
Em suma, tem de concluir-se, que, ainda que imperfeitamente expressa, a pretensão primeira da autora, é a declaração judicial da inexistência  dos factos constantes na escritura de justificação, pois que, e até porque, tal pretensão se apresenta como antecedente lógico e conditio sine qua non do seu pedido de cancelamento do registo lavrado com base em tal escritura.
Nesta conformidade e no que concerne a esse pedido, estamos perante uma ação de simples apreciação negativa, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do CPC – cfr. Ac. do STJ de  13.09.2011, p. 1027/06.4TBSTR.E1.S1.
Pelo que aos réus competia a prova dos factos constitutivos invocados na escritura e alicerçantes do direito que nela  se arrogaram – artº 343º nº1 do CC.
Ademais «na ação de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, ainda que este esteja inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial» - AUJ n.º 1/2008, decorrente do Ac. do STJ de 04.12.2007, p. n.º 07A2464 in.dgsi.pt.
Esta jurisprudência foi reiterada por Jurisprudência posterior, sendo de notar que tal regime de prova aplica-se independentemente do tempo decorrido entre a escritura, o registo da aquisição e a propositura da ação, pois esta não está sujeita a qualquer prazo – Acs. do STJ de 27.01.2010, p. 2319/04.2TBGDM.P1.S1; de 07.04.2011 p. 569/04.0TCSNT.L1.S1 e de 15.06.1994, p. 085055; e Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião – Constituição originária de direitos através da posse, Almedina, 2008, p. 82.
Ora no caso vertente os réus não lograram provar os factos tendentes à usucapião.
Pelo que a implícita pretensão da autora em ver impugnada a escritura de justificação e declarada a sua ineficácia, desde logo resultaria da falta de cumprimento do ónus probatório por banda dos demandados.
Mas mesmo que assim se não entendesse, e não estivéssemos perante ação de simples apreciação negativa atinente a impugnação de escritura de justificação notarial, mas antes, e na terminologia usada na sentença, perante  um pedido formulado pela declaração positiva do facto, verifica-se que os próprios autores fizeram prova da falsidade das declarações constantes na escritura.
Pois que se apurou que «À data da celebração da escritura os 2.º e 3.º Réus não viviam em Portugal há pelo menos 20 anos; Pelo que não cultivaram ou recolheram os respectivos frutos do prédio identificado em 16) e 17) dos factos provados; Nem fizeram seus os rendimentos provenientes de tal prédio».
Tendo, aliás, o AP (…) e as testemunhas que intervieram em tal escritura sido condenados pelo crime de falsificação de documento, conforme dimana da sentença junta ao processo.
Decorrentemente deve ser decretada a ineficácia de tal escritura e, consequentemente ordenado o cancelamento do registo efetivados com base na mesma.
6.2.2.
Mas a autora formula ainda o pedido de que seja considerada única e exclusiva proprietária do imóvel, que veio à sua posse por herança dos seus pais.
Neste particular já nos encontramos perante uma pretensão cuja procedência depende da prova, pela positiva e a efetivar por si, do direito invocado.
O único modo de aquisição invocado pela autora é a via sucessória ex vi do inventário aberto por óbito dos seus pais, reportando concretamente o seu direito à verba nº8 do mesmo.
Mas, como se provou, tal verba, que efetivamente lhe foi adjudicada por sentença transitada, apenas se refere a ¼ do prédio, pelo que apenas a esta quota parte ela tem direito e é proprietária.
Na sentença aduziu-se, a este propósito:
«Atento o modo como foi desenhada a acção, o cancelamento dos registos só poderia ter lugar no caso da Autora comprovar que é ela a única proprietária do prédio, o que como é notório, não é possível por não terem sido alegados factos que possam conduzir a essa pretensão, uma vez que no processo de inventário não se procedeu à adjudicação da totalidade do prédio mas apenas de ¼ e não foram alegados factos que permitam extrair a que título é que a Autora adquiriu a totalidade do prédio (factos provados 12), 14) e 15).
Por outro lado, não alegando ou logrando provar a Autora qualquer outro modo de aquisição do seu direito de propriedade, nos termos e para efeitos do artigo 1311.º e 1317.º do Código Civil, não pode proceder o pedido da Autora de que a mesma seja considerada a única e exclusiva proprietária do imóvel em causa (que veio à sua posse por herança dos seus pais) e que, por turno, sejam os Réus e a Chamada à demanda condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre aquele imóvel na sua totalidade.»
Esta argumentação não se nos afigura curial.
Em primeiro lugar o cancelamento dos registos é questão diversa e não fica prejudicada pela não prova pela autora da propriedade da totalidade  do prédio.
Tal pedido apenas tem a ver com a falsidade/invalidade da escritura de justificação e procede independentemente da prova ou não prova, pelo impugnante, da propriedade do prédio justificado.
Por outro lado o facto de a autora não ter demonstrado que é dona da totalidade do prédio não impede que se lhe reconheça tal qualidade na quota parte que logre provar.
Trata-se de um minus relativamente ao impetrado que, se se provar, o tribunal pode  e deve reconhecer, pois que se contém ainda, qualitativa e quantitativamente, dentro e no âmago do pedido.
No caso sub judice tendo a autora provado  a aquisição via sucessória de ¼ do prédio referido no ponto 12 dos factos, este seu pedido deve proceder nesta exata medida.
A incidir e concretizar sobre ¼ do logradouro, quintal e superfície a descoberto da casa de habitação constante da verba 4 dessa relação de bens do inventário, pois que a tal corresponde o prédio em causa e  identificado na verba 8 da mesma relação – ponto 28 dos factos assentes.
6.2.3.
No atinente ao pedido de se  proceder ao cancelamento dos registos a favor da chamada e de esta ser condenada a restituir o imóvel à autora.
Em primeiro lugar importa reter que a falsidade da escritura, mais do que a sua nulidade, determina a sua ineficácia.
Na verdade os artºs 70º e 71º do C. Notariado não incluem nos fundamentos da nulidade dos atos notariais a falsidade das declarações que lhes estão subjacentes.
Assim sendo, e pelo menos por via de regra, a declaração de ineficácia do ato apenas produz efeitos entre as partes, ou seja, in casu, entre os justificantes a impugnante.
 Mas mesmo admitindo e perspetivando a presença da figura da nulidade importa corroborar o expendido pelo sr. Juiz a quo o qual, alicerçado em jurisprudência pertinente: Ac. do STJ de 14/06/2005 in dgsi.pt.  -  aqui se mostra curial perante a lei aplicável e os factos apurados.
Na verdade  a sede jurídica/norma pertinente da proteção dos direitos de terceiro decorrente da nulidade do ato depende de ele ter atuado, ou não, com base no registo do ato invalido, o que passa por  este ter sido ou não registado.
Assim se o ato não foi registado, ou tendo-o sido, se se  prova que o terceiro não adquiriu o seu direito com base nele, aplica-se o artº 291º do CC.
Se o ato foi registado e o terceiro atuou de boa fé com fundamento da presunção que dele dimana, aplica-se o artº 17º do CR Predial.
E tal destrinça não é despicienda.
Perante  o artº 291º a regra geral é que a declaração de nulidade do ato ou negócio jurídico referente a bem imóvel ou móvel sujeito a registo não prejudica  a sua aquisição por terceiro.
Posto é que a mesma seja efetivada a título oneroso, de boa fé, e o registo da  aquisição seja feito antes do  registo da ação.
Excecionalmente, porém, e se a ação  for proposta  e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio os direitos de terceiro sobre a coisa não são reconhecidos independentemente do título  ou modo de aquisição.
Trata-se efetivamente de um: «período de defeso cerrado, em que os efeitos extintivos característicos da declaração de nulidade se mantêm, plenamente…» - Ac. do STJ de 29.03.2012, p. 2441/05.8TBVIS.C1.S1.
Já o artº 17º do CR Predial prescreve:
«1 - A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.
2. A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade».
Verifica-se assim que a proteção de terceiros que agiram com base no registo é mais forte do que a decorrente do citado artº 291º do CC.
Pois que enquanto neste tais direitos cedem se a ação for proposta e registada nos três anos anteriores ao  ato ou negócio jurídicos, mesmo que ele tenha registado a aquisição do seu direito, perante a dita disposição registal o direito do terceiro permanece incólume, mesmo que a ação tenha sido interposta e registada no aludido lapso de tempo, desde que tenha registado o seu direito antes do registo da ação.
In casu está provado que a chamada comprou o prédio descrito na matriz sob o artigo 1 (...)-D aos 2.º e 3.º Réus convencida de que aqueles eram os donos do referido prédio;  E depois de ter constatado que o prédio estava à data registado a favor dos 2.º e 3.º Réus.
Destarte tem de concluir-se que ela atuou com base no registo de aquisição do prédio a favor dos réus, pelo que a formação da  sua vontade, a confiança no negócio, advieram da fé publica que tal instrumento assume.
Logo o preceito a aplicar é o artº 17º do CRP.
Certo é que – versus o defendido pelos recorridos - a presente ação foi registada em 07.04.2011.
Mas, pelo que se viu, tal facto – e diferentemente do que sucederia se o caso tivesse de ser decidido por apelo ao artº 291º - é irrelevante pois que o registo de aquisição da compra por parte da chamada - 29/06/2009 -  é anterior ao registo da demanda por parte da autora.
Improcedem, pois, os pedidos contra a chamada deduzidos.

7.
Sumariando.
I- Alegando a autora que os factos da usucapião da escritura de justificação notarial são falsos e pedindo o cancelamento do registo de propriedade lavrado pelos réus com base na mesma e a declaração de que ela é a única proprietária, deve ter-se por implícito, até perante a atual redação do artº 8º do CRP, que também a queria, e quer, ver declarada  inválida, pelo que a ação  assume a natureza de  ação de simples apreciação negativa, com o ónus probatório a impender sobre os réus – artº 343º nº1 do CC e AUJ 1/2008.
II - A proteção de terceiro adquirente com base num ato nulo pode ser perspetivada  perante o artº 291º do CC ou o artº 17º do CRPredial, sendo que a por este conferida é mais abrangente, mas apenas emerge se se provar que ele atuou de boa fé e com base no registo daquele ato e na presunção de  certeza e fidedignidade que do mesmo dimana.

8.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:
a) Declara-se impugnado o facto justificado na escritura de  justificação notarial em causa  por os réus não terem adquirido o prédio nela identificado por usucapião.
b) Declara-se ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos.
c) Ordena-se o cancelamento de quaisquer registos operados com base na dita escritura.
d) Declara-se a autora proprietária de ¼ do prédio correspondente ao logradouro, quintal e superfície a descoberto da casa de habitação identificada no ponto 19 dos factos provados.

No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção de metade pela autora e réus.

Coimbra, 2014.01.21.


Carlos Moreira ( Relator )
Anabela Luna de Carvalho
Moreira do Carmo