Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1797/11.8TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
ELIMINAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.494, 496, 1215, 1219, 1221 CC
Sumário: 1 – O empreiteiro pode exonerar-se da responsabilidade pela verificação dos defeitos na obra, se demonstrar que a causa do defeito é imputável a um co-interveniente na execução da obra, mas isso apenas desde que a intervenção deste último não resulte de sub-contratação sua.

2 – O empreiteiro pode obstar à exigência de eliminação dos defeitos se demonstrar que essa prestação lhe acarreta um sacrifício económico excessivo, ou seja, que é desproporcionada em relação ao proveito da contraparte, sendo que para determinar essa onerosidade, a relação que se estabelece não é entre o valor da reparação e o preço acordado, mas sim entre aquele e a vantagem que o credor obtém.

3 – Essa prova não se pode considerar satisfeita se apenas resulta apurado que a reparação tem um “custo elevado”.

4 – As indemnizações por danos não patrimoniais visam essencialmente a compensação pelo sofrimento e não a reparação pelo dano sofrido.

5– Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade (cf. arts. 494º e 496º do C.Civil), tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

Decisão Texto Integral:           






  Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

C (…) e R (…) residentes em Rua (...) , Pombal instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra A (…), residente em Rua (...) Pombal, pedindo a condenação deste a:

a) Executar, no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, a expensas suas, o reforço de todas as lajes onde deveria ter sido aplicada a classe de betão previsto no projecto de estabilidade de fundações e estrutura, C20/25 ou B25, através da aplicação de polímero reforçado com fibra de carbono (PRFC), em ordem a garantir a segurança estrutural da construção, sem diminuir a área habitável da moradia, a área bruta da cave e a altura/pé direito da habitação, bem como para dotar a habitação de todas as condições de habitabilidade e plena utilização e fruição da mesma por parte dos autores e, desta forma também, obter a licença de utilização da moradia em causa;

b) Executar, no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, a expensas suas, em plenas condições de utilização e de modo eficiente e eficaz, a correcção dos defeitos já existentes na moradia e indicados nos artigos 44º a 47º da p.i;

c) Executar, no prazo de 3 meses, a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, a expensas suas, em plenas condições de utilização e de modo eficiente e eficaz, a correcção dos defeitos que vierem a emergir na moradia dos autores até à prolação da sentença;

d) Pagar aos Autores, no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, a título de compensação pelo prejuízo decorrente da privação de uso em pleno da habitação, a quantia de 15.000,00€ acrescida dos juros de mora à taxa legal supletiva de juros civis, desde a citação até efectiva e integral pagamento;

e) Pagar aos Autores, no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, a título de danos morais, a quantia de 20.000,00€ acrescida dos juros de mora à taxa legal supletiva de juros civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

f) A suportar o pagamento de todas as despesas necessárias à obtenção da licença de utilização da moradia dos Autores que decorram da necessidade de proceder conforme descrito em a);

g) Subsidiariamente, caso o Réu não execute as obras referidas de a) a e), no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, que seja declarado que os autores as podem executar através de terceiro, ficando o Réu obrigado a efectuar o pagamento das mesmas, incluindo todas as despesas necessárias à sua eventual legalização junto da Câmara Municipal de Pombal, tudo a apurar em sede de execução de sentença.

Para tanto alegaram, em síntese, terem adjudicado ao Réu a construção de uma moradia, mediante o preço de € 92.000,00 acrescido de IVA, tendo-lhe entregue, para o efeito, os respectivos projectos. O Réu obrigou-se a respeitar tais projectos e a entregar a obra até final de 2009.

Ao nível estrutural, nomeadamente na execução de fundações, pilares, vigas e lajes, o projecto da moradia em causa, previa o emprego de betão armado (estrutural) da categoria C20/25 ou B25.

Aquando da execução dos trabalhos, o engenheiro responsável pela obra em questão, suscitou dúvidas quanto à qualidade do betão e alertou os Autores para procederem a ensaios, os quais vieram a revelar a utilização da classe de betão C8/10 ou B10.

Perante tais resultados, o engenheiro responsável pela obra informou os Autores de que não assumiria a responsabilidade pela mesma pois a qualidade e resistência do betão em causa não tinha a categoria de betão estrutural.

Por carta enviada em 09.07.2009, recebida pelo Réu em 13.07.2009, os Autores informaram o réu das conclusões dos aludidos ensaios, na sequência da qual este promoveu uma reunião em obra, onde estiveram presentes as partes, o engenheiro responsável e dois técnicos da firma “J (…) SA”, fornecedora do betão para aquela.

Na referida reunião foi garantido aos Autores pelo Réu, apoiado na informação que lhe foi prestada pela empresa fornecedora do betão, que, ao contrário do que constava dos ensaios, havia sido aplicado betão estrutural em todos os elementos onde o mesmo estava previsto no projecto, incluindo as lajes da construção. Na mesma reunião garantiram também que a moradia não viria a apresentar quaisquer defeitos no futuro, por falta de resistência do betão aplicado na obra.

Perante tais informações, os Autores autorizaram a continuação da construção, a qual veio a ser entregue em Março de 2010, sem quaisquer defeitos aparentes.

No entanto, logo em Maio e Junho começaram a aparecer brechas e fissuras, apresentando à data da p.i (11.08.2011) os defeitos enumerados de 45º a 47º da p.i. e que apareceram no inverno de 2010, devendo-se os mesmos à não aplicação do betão estrutural previsto no projecto.

Por notificação judicial avulsa, cumprida em 11.08.2010, os Autores denunciaram ao Réu os indicados defeitos e solicitaram a sua correcção no prazo de 30 dias, incluindo o reforço de todas as lajes e demais estruturas da moradia, mas este nada fez.

Mais alegam que, em consequência de tais defeitos, não conseguem obter a licença de habitabilidade, uma vez que o engenheiro responsável se recusa a assinar o termo de responsabilidade da mesma, enquanto não estiver garantida a estabilidade e a segurança estrutural da moradia.

Para colmatar tal facto, a única intervenção possível passa pelo imediato reforço de todas as lajes e demais elementos estruturais onde estava previsto a aplicação de betão estrutural, através de polímero reforçado com fibra de carbono, já que qualquer outra solução diminuirá a área e o pé direito do prédio.

Por último, alegam que se sentem deprimidos, envergonhados e desalentados pelo facto de a sua moradia não corresponder ao que sonharam e por não poderem utilizá-la na plenitude, como casa de morada de família, efeito para o qual foi planeada e construída.

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Regularmente citado o Réu contestou e deduziu pedido reconvencional, começando por invocar a excepção da caducidade, porquanto apesar de os autores terem respeitado o prazo de um ano para denunciar os defeitos, nos termos do artº 1225º nº 2 do Código Civil, já não respeitaram o prazo de um ano a contar da denúncia para pedir a indemnização.

Quanto ao mais alega que as fissuras e brechas não se devem a qualquer conduta da sua parte ou à qualidade do betão, sendo antes fenómenos que normalmente aparecem em construções novas, até que a estrutura assente no local onde foi implantada, o que tanto mais se acentua dado que a moradia foi implantada num terreno com declive acentuado e de solo argilo-arenoso, tipo saibro compactado.

Por outro lado, foi apenas contratado para executar a estrutura da obra, tendo os Autores contratado outros profissionais de construção civil para finalizar a obra, podendo os alegados defeitos ter origem nesses trabalhos.

Mais alega que seguiu as especificidades previstas no projecto e encomendou a qualidade de betão no mesmo previsto à sociedade “J (…) SA”, a qual, aliás, pôs em causa os ensaios realizados pelos autores e lhes garantiu a qualidade do betão fornecido.

Os Autores, após, ter sido posta em causa a qualidade do betão, continuaram a obra por sua conta e risco, nunca tendo sido garantido por si o que quer que fosse, mas tão somente que não havia desrespeitado o projecto e que obedecia rigorosamente às regras de aplicação e de acordo com as leges artis.

Em sede reconvencional pede a condenação dos Autores no pagamento de € 17.220,00 correspondente à quantia que os Autores ainda lhe devem, bem como a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização por danos morais, uma vez que perdeu alguns trabalhos pelo facto de os autores terem posto em causa o seu bom nome.

Pediu ainda a intervenção acessória da sociedade J (...) SA, a qual forneceu a totalidade do betão para a moradia em questão que o réu pagou, pelo que a haver qualquer responsabilização, incumbirá a mesma à chamada e não ao réu.

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Replicou o Autor a fls. 267 e segs., pedindo a improcedência da excepção da caducidade e pugnando pela inadmissibilidade do chamamento.

No que se refere ao pedido reconvencional, alegam que apenas tiveram conhecimento das facturas reclamadas em 24.05.2010, desconhecendo se os valores descritos nas mesmas estão correctos.

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Treplicou ainda o Réu a fls. 292, pedindo o indeferimento das excepções deduzidas.

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Por despacho de fls. 330 e segs. indeferiu-se o pedido de intervenção da sociedade “J(…)SA”.

Realizada audiência preliminar, em conformidade com a acta de fls. 359 e segs. foram solicitados esclarecimentos ao alegado nos articulados, o que as partes acataram por requerimentos de fls. 363 e segs. e 370 e segs.

Proferido despacho saneador de fls. 390 e segs. decidiu-se que o tribunal é competente, o processo não enferma de nulidades, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Relegou-se para final a apreciação da excepção da caducidade

Foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória da causa, da qual as partes não reclamaram.

Foram realizadas as perícias requeridas elas partes, sendo igualmente prestados os esclarecimentos solicitados a um dos Relatórios apresentados.

                                                           *

Realizou-se finalmente a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu em obediência ao formalismo legal, como consta das respetivas atas.

                                                           *

Na sentença, começando-se por declarar improcedente a exceção da caducidade invocada pelo Réu, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido da obrigação do Réu de eliminar os defeitos existentes na moradia dos Autores, e bem assim aquele indemnizar estes pelos danos da privação do uso e danos não patrimoniais pelos mesmos sofridos (relativamente ao que procedeu à sua ponderada fixação), sem embargo de também proceder parcialmente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu sobre os Autores (montante de € 17.220,00), o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«Em face do exposto e sem outras considerações:

I- Julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno o réu a:

a) Executar, no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, a expensas suas, o reforço da laje superior do rés do chão e da laje do sótão, através da aplicação de polímero reforçado com fibra de carbono (PRFC);

b) Eliminar, no prazo de 3 meses a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, a expensas suas, os defeitos enumerados nos factos 44 e 45;

c) Pagar aos autores a título de indemnização a quantia global de € 12.000,00 (doze mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

II- Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e consequentemente condeno os autores a pagarem ao réu a quantia de € 17.220,00 (dezassete mil, duzentos e vinte euros) acrescidos de juros de mora às taxas de juros comerciais desde a data em que forem cumpridas as obrigações referidas nas alíneas a) e b) do ponto I até efectivo e integral pagamento.

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 Custas pelos autores e pelo réu, na proporção de 1/5 para os autores e 4/5 para o réu (artº 527º nºs 1 e 2 do CPC).

Registe e notifique.»

                                                           *

 Inconformado com essa sentença, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                      *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Autor nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- erro na decisão da matéria de facto [quanto aos factos dados como provados sob “42)” e “43)”, os quais deviam ter merecido a resposta de “não provado”];

- incorreto julgamento de direito, traduzido quer na indevida condenação do Réu na eliminação dos defeitos existentes na moradia dos AA. [devia-se ter concluído pela irresponsabilidade do empreiteiro; quando muito a decisão deveria ter sido de redução de preço ou outra solução de reparação menos onerosa para o Réu; o Réu sempre deveria ter sido absolvido da eliminação dos defeitos constantes em “44)” e “45)” dos factos dados como provados], quer no montante de indemnização objeto da condenação [não seria devido qualquer montante a título de privação do uso, e, pelos danos morais, devia ser substituída a indemnização de € 10.000,00 por um montante nunca superior a € 2.000,00], quer quanto à não igualação, em termos temporais do cumprimento, da condenação dos AA. no pedido reconvencional (com referência à condenação do Réu).

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, considerou-se o seguinte na 1ª instância:

            A) Os Factos Provados:

1- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o nº 16926, da freguesia de Pombal, o prédio urbano composto de moradia unifamiliar de tipologia T4 e logradouro, com a área coberta de 286,68 m2 e descoberta de 1423,32 m2, sita no lugar de (...) , inscrita na matriz n.º 13327 - P.

2- Através de Ap. 23 de 2008/04/01 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Pombal a aquisição do prédio descrito em 1 a favor da autora.

3- Por escritura de doação de 05 de Junho de 2009, a autora declarou doar metade do prédio descrito em 1 ao autor e este declarou aceitar a doação.

4- No processo nº 1446/2008, da Câmara Municipal de Pombal foi emitido Alvará de Licença de Construção com o n.º 114/2009, no qual se previa a construção duma moradia destinada a habitação acima da cota de soleira, um piso em cave destinado a garagem e arrumos e ainda um sótão.

5- Os autores recorreram a “crédito hipotecário” junto do Banco Santander Totta, S.A. no montante de € 115.000, 00 para a execução da moradia.

6- Através de Ap. 1312 de 2009/06/03 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Pombal hipoteca voluntária a favor do Banco Santander Totta, S.A., com o montante máximo assegurado de € 157.550, 00 sobre o prédio descrito em 1.

7- O réu é empresário em nome individual da construção civil.

8- Os autores adjudicaram ao réu parte da construção da moradia unifamiliar prevista no ante indicado processo camarário.

9- A adjudicação foi efectuada pelos autores ao réu com o compromisso deste respeitar os projectos de construção (que fazem parte integrante do respectivo processo de obras que lhe foram apresentados), do qual era conhecedor, bem como de fazer a entrega da mesma aos autores em conformidade com o orçamento por ele apresentado, até ao final do ano de 2009, uma vez que os autores iriam casar no final do primeiro semestre de 2010, e havia ainda outros trabalhos a desenvolver por outros empreiteiros, incluindo trabalhos de canalização, electricidade, alumínios, carpintaria, pintura, estuque e ladrilhos.

10- Previamente à adjudicação referida em 8, os autores deram conhecimento ao réu do projecto de arquitectura junto a fls. 47 a 64, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do projecto de fundações e estrutura (pilares, vigas e lajes) junto a fls. 65 a 90, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

11- Ao nível estrutural, incluindo na execução de fundações, pilares, vigas e lajes, o projecto de estabilidade da moradia em causa, previa o emprego de betão armado (estrutural) da categoria C20/25 ou B25.

12- O betão estrutural da categoria C20/25 ou B25 foi fixado, atendendo ao peso próprio dos materiais, peso dos revestimentos e paredes e sobrecargas regulamentares para o tipo de utilização previsto, e à resistência a eventuais acções sísmicas e deveria ser aplicado em todos os elementos estruturais da moradia, incluindo pilares, vigas e lajes maciças.

13- As estruturas de betão armado e sua categoria tiveram, aquando da sua idealização em projecto, a perspectiva de um determinado tempo de vida útil dessas mesmas estruturas (durabilidade) e estabilidade em função da finalidade e da sua forma de utilização, bem como da necessária resistência a eventual acção sísmica.

14- O projecto de construção previa que sobre a laje do piso do r/c (tecto da cave) assentassem todas as divisões do r/c indicadas em 23, incluindo:

(i) sala de estar e refeições;

(ii) cozinha;

(iii) despensa com tratamento de roupa;

(iv) quatro quartos;

(v) dois Halls;

(vi) três casas de banho;

(vii) um roupeiro.

15- O projecto de construção previa também que que todas as paredes divisórias, betonilhas, ladrilhos e mobiliário a instalar, descarregassem sobre a laje do piso do r/c, que constitui o tecto da cave.

16- Foi definida como indispensável a aplicação em todos os elementos estruturais da moradia incluindo pilares, vigas e lajes maciças, betão armado (estrutural) tendo sido indicado em projecto betão desta natureza (estrutural) com a categoria, C20/25 ou B25.

17- Todos os trabalhos de execução de estruturas deveriam ser conduzidos de acordo com todas as normas técnicas e regulamentares em vigor.

18- Para execução das obras previstas nos ante indicados projectos, o réu elaborou e apresentou aos autores, que o aceitaram, o respectivo orçamento para construção junto a fls. 107 a 108, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo sido acordado o valor total de € 92.000,00 (noventa e dois mil euros,) acrescido do respectivo IVA.

19- A obra adjudicada ao réu incluía todos os trabalhos, matéria-prima e mão de obra constantes do orçamento por este apresentado, entre os quais:

- Implantação de pilares com ensoleiramento geral tal como indica o projecto;

- 1ª Placa tecto da cave em betão armado;

- 2ª Placa tecto do rés do chão em betão armado;

- 3ª Placa cobertura do telhado em vigas e tijoleiras de esferovite e também tecto dos arrumos em betão armado;

- Isolamento da placa dos arrumos c/ tela de borracha;

- Chaminés feitas e telhado rematado;

- A telha do telhado seria telha F3 da J. Coelho hidrofugada com beirado à portuguesa;

- Rebocos exteriores, divisões interiores e caixas de ar com isolamento 4 cm;

- Tapar roços, betonilhas, assentamento de cantarias em vidraço;

- Rebocos das casas de banho, cozinha;

- Fazer muro da frente com viga de fundação e pilares com 1,5m de altura prontos para receber gradeamentos;

- Pedra na fachada como está no projecto;

- Drenos e isolamento das paredes de encosto de terras;

- Betão celular no enchimento do piso ou Leça;

- Construção de uma folha com seis manilhas com 2,5 de largura, fazer caixas de esgotos e caixas de visita.

20- Todos estes trabalhos incluíam mão-de-obra e matéria a aplicar nos trabalhos ante indicados, sendo ainda da responsabilidade do empreiteiro:

(i) Vedação da obra;

(ii) instalação de WC;

(iii) Seguros do pessoal, Licença;

(iv) Alvará e Segurança Social do pessoal.

21- No orçamento estava ainda incluído o desaterro, movimento de terras e demolir uma moradia antiga, que existia no local.

22- A empreitada adjudicada ao réu previa a construção duma moradia do tipo unifamiliar (1 fogo), tipo T4, com cave e sótão, prevendo um rés do chão desnivelado com dois planos (um inferior e um superior), no qual se compreendiam, no seu plano inferior: uma sala de estar e refeições, uma cozinha, uma despensa com tratamento de roupa, um quarto, um Hall e no seu plano superior: três quartos; um roupeiro (closet), duas instalações sanitárias e um hall.

23- A moradia teria um espaço habitável com uma área bruta de 294,07m2, comportando ainda 36,39m2 de área de terraços e 203,63m2 de espaço destinado a cave (área bruta), áreas estas previstas no projecto da obra, sendo que foi construída num solo argilo-arenoso e num terreno com um declive entre 6% e 20%, atendendo ao corte AB do projecto e entre 15,5% e 20% atendendo ao corte CD.

24- O réu iniciou a construção da moradia e foi executando as fases previstas no orçamento referido em 18.

25- O Engenheiro técnico civil responsável pela obra, viria a proceder à inspecção à obra e suscitou dúvidas acerca da resistência e qualidade do betão empregue na edificação, incluindo a sua categoria de betão estrutural tal como previsto no respectivo projecto, cuja aplicação se impunha, por as regras da “legis artis” obrigarem a respeitar os projectos desta natureza, com respeito para o previsto na estrutura das construções.

26- O Engenheiro técnico civil responsável pela obra, alertou os autores para o facto referido em 25, tendo-os alertado para a necessidade de proceder a ensaio à resistência do betão aplicado na obra, por entidade credenciada para o efeito.

27- Em respeito pela recomendação do responsável pela obra, os autores viriam a solicitar ao Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da

construção (ITeCons) da Universidade de Coimbra, ensaio à resistência do betão aplicado na obra, tendo sido analisadas:

(i) a laje que constitui o tecto da cave (chão do r/c nos seus planos superior e inferior);

(ii) a laje que constitui o tecto do r/c (chão do sótão).

28- Após ter recepcionado os resultados dos ensaios referidos em 27, o engenheiro técnico civil responsável pela obra remeteu aos autores carta datada de 6 de Julho de 2009 do seguinte teor:

Acabado de receber os relatórios dos ensaios efectuados sobre as amostras recolhidas ao betão aplicado nas lajes de V/obra, constatei, tal como suspeitava, que os resultados são péssimos. Tal como o próprio relatório indica o betão aplicado, em algumas situações, não chega a ter resistência que lhe permita ser considerado como “betão” estrutural.

Na qualidade de técnico responsável pela construção e atendendo aos péssimos resultados obtidos, não me resta outra alternativa senão mandar suspender imediatamente o andamento dos trabalhos, até que seja encontrada uma solução técnica que garanta a segurança estrutural da construção.

Mais acrescento que declino desde já toda e qualquer responsabilidade sobre a qualidade e resistência do betão aplicado nas lajes, bem como consequentemente no cumprimento do projecto da estrutura tal como ela se encontra executada.

Assim queiram exigir as devidas responsabilidades ao empreiteiro, deixando desde já bem claro que só após encontrada uma solução técnica, reconhecida e assumida por técnico qualificado para a resolução deste grave problema, os trabalhos poderão ser reiniciados.

29- Os autores remeteram ao réu carta registada datada de 07 de Julho de 2009 e recepcionada pelo réu em 13.07.2009, do seguinte teor:

Como é do seu conhecimento, no âmbito do contrato que estabelecemos com a sua empresa, para construção da nossa moradia sita em (...) (…) temos vindo desde há algum tempo a manifestar a nossa preocupação quanto à qualidade do betão por V/ aplicado em obra, nomeadamente naquele que foi aplicado nas diversas lajes.

Também é do seu conhecimento que o betão exigido em projecto e pedido para a obra é B25.

Como também sabe, quando da abertura de roços para instalação de tubagens, foi detectado um comportamento anormal da resistência do betão, pelo que o técnico responsável pela execução da obra, exigiu solicitar ensaios que determinassem a resistência e a qualidade do betão em causa.

Realizados a colheita de amostras e respectivos ensaios, vimos dar-lhe conhecimento dos seguintes documentos:

a) Relatório de análise elaborado pelo ITeCons (entidade credenciada);

b) Comunicação do Engº (…), técnico responsável pela execução da obra.

Atendendo a este péssimo quadro, e uma vez que o Sr. Engº (…) vai mandar suspender o andamento dos trabalhos até que seja encontrada uma solução técnica para corrigir com a devida segurança esta grave anomalia, vimos solicitar o V/ melhor empenho e colaboração exigindo uma solução urgente para o problema detectado, no prazo máximo de quinze dias, não esquecendo que este atraso nos causa um elevadíssimo prejuízo.

30- Em resposta, o réu marcou uma reunião em obra, que teve lugar no início da 2ª quinzena de Julho de 2009, onde estiveram presentes, ele próprio, e ainda os autores, o Engenheiro Técnico Responsável pela obra e dois técnicos da firma J (…) S.A., que forneceu a totalidade do betão utilizado pelo réu na construção e que transportou todo o betão até ao local da obra, já pronto, para ser directamente e imediatamente aplicado, e procedeu ao seu bombeamento.

31- Na reunião referida em 30, foi garantido aos autores, pelo réu, apoiado na informação que lhe foi prestada pela fornecedora do betão, que ao contrário do que constava nos ensaios, havia sido aplicado betão estrutural em todos os elementos onde tal estava previsto em projecto – incluindo todas as lajes da construção e que esta não iria apresentar quaisquer desconformidades no futuro por falta de resistência do betão aplicado em obra.

32- Essas garantias foram também prestadas pela empresa J (…), S.A., que colocou em causa os ensaios efectuados pela ITeCons, mantendo que tinha sido fornecido betão com a classe resistência C20/25 e que do relatório não era possível extrair a conclusão que o betão não era estrutural.

33- O réu entregou aos autores a carta e respectivos documentos por ela capeados emitidos pela J (…), S.A. juntos a fls. 134 a 136, do seguinte teor:

(carta datada de 27.07.2009)

Após reunião com os responsáveis e proprietários da obra realizada em (...) -Pombal, vimos através desta referir que a decisão da Empresa J(…)SA, embora, conforme análise do relatório em anexo, não seja a única responsável pela não conformidade do betão fornecido, vem apenas de encontro à satisfação do nosso cliente e dos proprietários da mesma, assumir a coordenação da obra.

(Análise de relatório – moradia “ (...) ”)

Após a recepção dos resultados provenientes do Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências e Construção da Universidade de Coimbra, verificou-se que a resistência expectável não corresponde á classe de resistência C20/25 do betão fornecido pela nossa empresa “JJ (…) SA”. Contudo à que referir, em relação aos valores obtidos nos ensaios de rotura pelo referido laboratório, baseado na NP EN 13791, o seguinte:

1º Os factores que influenciam a resistência das carotes estão ligados á propriedades do betão ou são provocados por variáveis de ensaio. Logo, a partir do momento em que 3 carotes foram por vós fornecidas para a avaliação da conformidade do betão, como é referido no relatório do ITeCons, sem que fosse comprovado que a amostragem tivesse os requisitos referidos na NP EN 12504-1 não podem ser considerados para os ensaios, são da vossa inteira responsabilidade.

2º As carotes retiradas para avaliar a resistência do betão não devem conter armadura, o que na maior parte delas não se verificou, factor que se deverá ter em conta na diminuição da resistência das mesmas.

3º Quando da inspecção visual á carotes, efectuada pelo técnico do ITeCons, foi verificado a existência de porosidade, facto que leva a concluir que a compactação do betão não foi feita de forma correcta, o que nos é alheio, o que também faz com que diminua a resistência das carotes.

4º A adição, sem controlo, conforme guia de remessa em anexo, de água em obra é outro dos factores relevantes para a alteração das propriedades do betão, que terá que ser considerado para a avaliação da conformidade e resistência do mesmo.

Em síntese, pelos factores anteriormente referidos, não se pode taxativamente dizer que o betão fornecido não corresponde a um betão estrutural nem se podem fundamentar todas as conclusões, em relação à resistência, sem que se tenham em consideração todos os factos já mencionados.

34- O réu negou o desrespeito pelo projecto e disse que a obra seria executada de acordo com o mesmo.

35- Os relatórios (de ensaio e de interpretação dos respectivos resultados) executados pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da Construção (ITeCons) da Universidade de Coimbra concluíram que o betão correspondente à betonagem de 04.11.2008 pode ser classificado na Classe C8/10 e que o betão existente nas restantes lajes possui uma resistência inferior à mínima exigida para poder ser classificado como betão estrutural.

36- Atentos os factos referidos de 31 a 34, os autores permitiram a continuação da obra.

37- O réu viria a fazer a entrega da construção aos autores em Março de 2010, que a recepcionaram nessa mesma altura, sem quaisquer desconformidades visíveis.

38- Em 03 de Agosto de 2010, os autores requereram a notificação judicial avulsa do réu, requerendo fosse o mesmo notificado para:

A. Executar o reforço de todas as lajes, pilares, vigas e paredes e demais estrutura da moradia, onde deveria ter sido aplicado a classe de betão previsto no projecto de estabilidade – C20/25 ou B25 – através de aplicação de fibra de carbono, em ordem a sustentar toda a estrutura, sem diminuir grandemente a área habitável da moradia, aqui incluindo também a altura/pé direito da habitação.

B. Proceder á correcção de todos os defeitos já existentes na obra, nomeadamente as fissuras que se situam na cimalha do sótão e na pedra que reveste as zonas impermeabilizadas bem como todas as que venham a emergir até lá.

C. Reembolsar os requerentes do valor por estes despendido com os ensaios mencionados no artº 17º (os referidos no facto 35) num total de € 1.282,80.

D. Suportar o pagamento de todas as despesas inerentes às obras que tiverem de ser executadas para cabal cumprimento do projecto de construção e/ou eventuais alterações deste, incluindo todas as despesas necessárias à sua legalização junto da Câmara Municipal de Pombal, bem como todas as despesas inerentes à correcção dos defeitos já existentes ao nível da cimalha do sótão e pedra que capeia as zonas impermeabilizadas.

39- O réu foi notificado para os termos referidos em 38 em 11.08.2010.

40- Após a notificação judicial avulsa, os autores não comunicaram ao réu a existência de outras desconformidades.

41- A presente acção foi intentada em 10 de Agosto de 2011.

42- Os autores estabeleceram na moradia referida em 1 a sua casa de habitação e têm a intenção de passar o resto dos seus dias na moradia e aí vir a criar os seus filhos.

43- Em Maio/Junho de 2010, a moradia começou a apresentar fissuras e brechas na parede interior do sótão e nas paredes do r/c.

44- Em Janeiro de 2015 a moradia apresentava nas paredes interiores:

- Fissura horizontal na parede do lado direito da porta de entrada do escritório, nas duas faces da parede, à altura do interruptor de iluminação;

- Duas fissuras paralelas verticais, afastadas aproximadamente 25-30 cm, em toda a altura da parede do lado direito do lanço de escadas de acesso ao piso superior do r/c;

- Fissura vertical irregular em toda a altura da parede do lado esquerdo da porta de acesso da cozinha para o terraço;

- Fissura vertical irregular na inflexão da parede da sala de estar/refeições;

- Fissura horizontal na parede do lado esquerdo da porta de entrada para um dos quartos;

- Fissura diagonal na parede do lado direito do lanço de escadas de acesso ao sótão;

- Fissura vertical irregular na saliência da parede frontal à entrada do sótão;

- Fissuras ramificadas diagonais na parede abaixo do peitoril do sótão voltada a norte e pedra do peitoril fracturada, o mesmo acontecendo na janela do sótão voltada a sul;

- Fissuração em tectos do rés do chão;

- Fissuras várias na cornija/cimalha de bordadura da cobertura plana do sótão;

- Fungos disseminados pela quase totalidade do tecto, com maior incidência num dos cantos;

- Descolamento da tela de impermeabilização da cobertura plana do sótão, apresentando a mesma pequena pendente e a camada de impermeabilização não tem protecção mecânica.

45- Em Janeiro de 2015 a moradia apresentava nas paredes exteriores fissuração horizontal irregular co perda de planimetria da parede por deslocamento lateral na zona de interface, na parede exterior voltada a nascente, abaixo da cimalha.

46- As fissuras descritas estão relacionadas com a excessiva deformação da estrutura de betão, insuficientes disposições construtivas e deficiente ligação da alvenaria de tijolo com a estrutura.

47- O aparecimento de fungos no tecto é causado por condensações originadas por pontes térmicas e/ou pela inexistência de cobertura plana.

48- O descolamento da tela de impermeabilização deve-se ao facto de a tela betuminosa não se encontrar protegida dos raios ultravioleta de modo a evitar a degradação precoce, bem como ao facto de os cantos, dobras e interface de materiais diferentes não terem sido devidamente reforçados, o que implica que o sótão seja demasiado frio no Inverno e demasiado quente no Verão.

49- As fissuras na cornija/cimalha devem-se à insuficiência de disposições construtivas e/ou à fraca qualidade do betão ou da sua aplicação.

50- O betão aplicado pelo réu na laje inferior do rés do chão, onde se situam o hall, a sala, a cozinha e o terraço é da classe C20/25, previsto no projecto, sendo o adequado para o uso em estruturas.

51- O betão aplicado pelo réu na laje superior do rés do chão, onde se situam os quartos, um WC e varanda é da classe C8/10, ao contrário do previsto projecto, sendo o inadequado para o uso em estruturas.

52- O betão aplicado pelo réu na laje do sótão não tem suficiente resistência para que possa ser classificada, ao contrário do previsto projecto, sendo o inadequado para o uso em estruturas.

53- Em consequência dos factos referidos em 51 e 52, o betão aplicado na construção da moradia referida em 1 não tem resistência suficiente para suportar, durante toda a vida da construção, o peso próprio dos materiais e as sobrecargas de utilização, bem como resistência às acções sísmicas, no que se refere às lajes superior do rés do chão e sótão.

54- O betão aplicado em obra apresenta um aspecto poroso, o que determina que em contacto directo com a água possa absorver alguma humidade.

55- A armadura de aço e ferro prevista no projecto estava conforme à resistência da classe de betão aí indicada, que era de C20/25.

56- Em consequência dos factos referidos em 51 e 52 poderá haver evolução da fissuração existente e surgimento de novas fissuras, o que poderá acentuar a degradação da estrutura, podendo levar à delaminação de elementos de betão e futuramente à instabilidade estrutural.

57- Em consequência dos factos referidos em 51 e 52, não é possível afirmar que o betão aplicado na construção tenha resistência suficiente para suportar as sobrecargas resultantes de uma concentração elevada de pessoas, sobretudo ao nível superior do rés do chão e do sótão, assim como não é possível afirmar que o mesmo tenha resistência suficiente para suportar, durante toda a vida da construção, a sobrecarga resultante da instalação de mobiliário ou outros equipamentos ou bens próprios de uma habitação.

58- Em consequência dos factos referidos em 51 e 52, o engenheiro técnico responsável pela obra, recusa-se a assinar o respectivo termo de responsabilidade pela mesma, não possibilitando, assim, aos autores a obtenção da licença de habitabilidade da moradia junto da Câmara Municipal de Pombal.

59- Em consequência do facto referido em 43 e dadas as dúvidas anteriormente levantadas pelo engenheiro técnico responsável pela obra, quanto à resistência do betão, os autores não respeitaram o costume existente na sua terra de mostrar aos seus convidados a casa para onde iriam viver, nem interiormente, nem exteriormente.

60- Os autores pretendiam colocar no sotão máquinas de desporto e utilizá-lo também para arrumação, mas em consequência do facto referido em 52 e pelo facto de existirem fungos disseminados pela quase totalidade do tecto, com maior incidência num dos cantos e descolamento da tela de impermeabilização da cobertura plana do sótão, apresentando a mesma pequena pendente não tendo a camada de impermeabilização protecção mecânica, o que cria bolor nas roupas e ferrugem nas máquinas, não o utilizam para esse fim.

61- A laje superior do r/c está cerca de 25cm mais baixo do que o previsto em projecto.

62- A correcção das situações referidas em 51 e 52 pode ser feita pela utilização de polímero reforçado com fibra de carbono (PRFC), o qual é vocacionado para resistir a esforços de tração, o seu baixo peso específico em relação ao aço e ao betão, proporcionam facilidade de transporte e de aplicação, é resistente à corrosão e apresenta elevada resistência mecânica e mobilidade.

63- Qualquer outra intervenção diferente da referida em 62, designadamente intervenções convencionais com perfis metálicos ou betão armado para reforço da estrutura actual, poderão reduzir a área habitável e/ou pé direito, estando, de todo o modo, qualquer intervenção sujeita a controlo prévio da Câmara Municipal.

64- As desvantagens da utilização do PRFC prendem-se com a degradação prematura e colapso por perda de características entre os 45º e 70º, bem como o custo elevado.

65- Em consequência dos factos referidos em 51 e 52 e dadas as dúvidas anteriormente levantadas pelo engenheiro civil responsável, os autores receiam convidar um grande número de pessoas para sua casa, dada a sobrecarga sobre a estrutura que tal poderá acarretar.

66- Os autores sentem-se enganados, angustiados e tristes com as condições que a sua moradia apresenta e também pelo facto de não poderem usufruir em pleno da mesma.

67- Os autores são pessoas cordiais, socialmente bem aceites no meio em que se inserem, que gostam de conviver e tinham a vontade de receber os seus amigos em sua casa, tal qual estes o fizeram nas suas com respeito a eles.

68- No final de 2010, o autor foi trabalhar para a Papua Nova Guiné, onde esteve cerca de 3 anos e meio a trabalhar, por forma a conseguir angariar mais dinheiro para pagar o empréstimo referido em 5.

69- O réu procedeu à encomenda do betão de classe C20/25 e ao ferro e ao aço de acordo com o projecto, tendo o mesmo sido facturado pela fornecedora, a empresa J (...) SA em conformidade.

70- O réu emitiu as seguintes facturas respeitantes aos serviços de construção da moradia:

- Factura nº 0209, emitida em 13/01/2010, no valor de €12.000,00 (doze mil euros);

- Factura nº 0215, emitida em 12/03/2010, no valor de €5.220,00 (cinco mil duzentos e vinte euros).

71- Os autores ainda não liquidaram o valor das facturas referidas em 70.

72- O réu solicitou aos autores/reconvindos o pagamento das facturas aludidas em 70 por carta registada datada de 26 de Julho de 2010, por estes recebida em 27.07.2010.

73- Em 3 de Outubro de 2009, o réu apresentou duas propostas de orçamento ao Sr. (…), residente em Pedras da Cumieira, um no valor de €7.960,00 acrescido de IVA à taxa normal em vigor, referente às obras descritas no documento junto a fls. 376 cujo teor aqui se dá por reproduzido, e outro, no valor de €8.950,00 (oito mil novecentos e cinquenta euros) acrescido de IVA à taxa normal em vigor, referente às obras descritas no documento junto a fls. 377 a 379, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

74- O réu, a pedido do Sr. (…), elaborou e entregou uma proposta de orçamento em 07/02/2011, para a demolição de uma casa antiga e a construção de uma moradia na localidade de Infesta, Santiago de Litém, com um preço total de €67.980,00 (sessenta e sete mil novecentos e oitenta euros) ou de €136.950,00 (cento e trinta e seis mil novecentos e cinquenta euros) com IVA incluído se “chave na mão”, nos termos do documento junto a fls. 380, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

75- Em 23/11/2011, o réu elaborou e entregou ainda uma proposta de orçamento ao Sr. (…), para a demolição de uma casa antiga e a construção de uma moradia na localidade de Remessa, Santiago de Litém, com um preço total de €60.750,00 (sessenta mil setecentos e cinquenta euros) acrescido de IVA ou de €100.950,00 (cento mil novecentos e cinquenta euros) acrescido de IVA se, na modalidade de “chave na mão”, nos termos do documento junto a fls. 381 a 382, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

76- Em 18/09/2011 e 09/03/2012, o réu entregou ainda dois orçamentos à sociedade “M (…), Lda.” para obras sitas em Pombal, nos termos do documento junto a fls. 383 e 384, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

77- A não obtenção licença de habitabilidade para a moradia impossibilitou os autores de conseguirem junto do Banco Santander Totta, S.A. a última tranche do empréstimo referido em 5.

                                                                       ¨¨

B) Os factos Não Provados:

a) A moradia antiga referida em 21 fosse constituída por casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro com a área coberta de oitenta e quatro metros quadrados e descoberta de mil seiscentos e vinte e seis metros quadrados;

b) A construção do prédio referido em 1 foi efectuada só após a demolição da moradia antiga referida em 21;

c) Os factos referidos em 44 e 45 emergiram no Inverno do ano de 2010.

d) O ferro e o aço aplicados pelo réu na moradia referida em 1 não são adequados à classe de betão aplicada mencionada nos factos 51 e 52, o que origina falta de sustentabilidade da moradia.

e) Quanto menos resistente é o betão aplicado, maior quantidade terá que ser empregue de ferro e aço na respectiva armadura;

f) Em consequência dos factos referidos em 51 e 52, a partir do terceiro ano de construção, ou antes se ocorrer actividade sísmica no local, poderá ruir a laje do piso do rés-do-chão e a moradia poderá ficar sem possibilidade de ser habitada;

g) Até hoje, os autores não tiveram coragem de convidar os seus amigos para aí irem jantar, almoçar ou lanchar, em consequência do facto referido em 65.

h) Em consequência do facto referido em g) os autores receiam que as pessoas pensem que tudo não passa duma mera desculpa para não as convidarem;

i) Os autores, após o casamento, recusaram convites para confraternizar em casa de amigos por não poderem retribuir na sua casa;

j) Os autores não mobilaram a moradia na totalidade para não pontificarem as cargas sobres as lajes do piso do r/c (tecto da cave) nos seus planos superior e inferior, do tecto do r/c (chão do sótão) nos seus planos superior e inferior e do tecto do sótão;

l) No r/c (plano inferior) os autores utilizam apenas a cozinha para confeccionarem e tomarem as suas refeições e a sala de estar;

m) No r/c (plano superior), os autores utilizam apenas um quarto para dormir e uma instalação sanitária;

n) Os problemas térmicos referidos no facto 48 irradiam para a zona habitável da moradia (r/c), que se torna também excessivamente quente no Verão e excessivamente fria no Inverno;

o) As fissuras e brechas são fenómenos que normalmente aparecem em construções novas, porque até a estrutura da obra assentar de vez no solo, é usual que a construção vá cedendo até se encontrar definitivamente assente no prédio onde foi implantada;

p) Tais fenómenos são mais acentuados quando o terreno em causa se encontra em declive;

q) O tipo de solo e o declive referidos em 23 provocam instabilidade do terreno o que também pode originar o aparecimento de fissuras e brechas;

r) As brechas e fissuras podem ainda ser causadas por chuvas fortes ou sismos;

s) Após a construção da moradia, os autores colocaram um tecto falso no rés do chão, o que diminuiu o “ pé direito” em cerca de 25cm;

t) Os autores e o réu acordaram que as facturas referidas em 70 seriam liquidadas na data da respectiva emissão;

u) O réu, para além da carta referida em 72 solicitou aos autores o pagamento das mesmas facturas em 16.09.2010;

v) Em Maio de 2010, o réu deslocou-se à moradia dos autores e solicitou o pagamento das facturas aludidas em 70;

x) Nessa data, os autores solicitaram ao réu o alargamento do prazo de pagamento por não disporem daquela quantia;

z) O réu acordou no adiamento da data de pagamento das facturas não superior a 90 dias;

aa) Aquando da deslocação do réu à moradia em Maio de 2010 os autores não comunicaram desconformidades, nem reclamaram da obra;

bb) As obras referidas de 73 a 76 não foram adjudicadas ao réu por os autores dizerem a familiares, vizinhos, amigos e conhecidos que os defeitos da sua moradia decorriam da execução da obra por parte daquele;

cc) Os autores não procederam ao pagamento das facturas aludidas em 70 por não conseguirem obter licença de habitabilidade para a moradia, bem como em consequência do facto referido em 77;

dd) Os autores não procederam ao pagamento das facturas aludidas em 70 também por nelas não se encontrarem discriminados os serviços prestados;

ee) Os autores não procederam ao pagamento das facturas aludidas em 70 também porque em 24 de Maio de 2010 foram notificados pelo IGFSS duma penhora de créditos do réu sobre os autores.

                                                                       *

            3.2 – O Réu/recorrente deduz impugnação da matéria de facto, invocando erro na decisão da matéria de facto quanto aos factos dados como provados sob “42)” e “43)” (os quais deviam ter merecido a resposta de “não provado”):

(…)

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação das ordens de questões neste particular supra enunciadas, já directamente reportadas ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, que ocorreu incorreto julgamento de direito, traduzido quer na indevida condenação do Réu na eliminação dos defeitos existentes na moradia dos AA. [devia-se ter concluído pela irresponsabilidade do empreiteiro; quando muito a decisão deveria ter sido de redução de preço ou outra solução de reparação menos onerosa para o Réu; o Réu sempre deveria ter sido absolvido da eliminação dos defeitos constantes em “44)” e “45)” dos factos dados como provados], quer no montante de indemnização objeto da condenação [não seria devido qualquer montante a título de privação do uso, e, pelos danos morais, devia ser substituída a indemnização de € 10.000,00 por um montante nunca superior a € 2.000,00], quer quanto à não igualação, em termos temporais do cumprimento, da condenação dos AA. no pedido reconvencional (com referência à condenação do Réu).

Sendo certo que o vamos fazer ponto por ponto, ainda que com a linearidade e sintetismo que, em nosso entender, as sub-questões reclamam e, nessa medida, suficiente se afigura.

Senão vejamos.

A) Indevida condenação do Réu na eliminação dos defeitos existentes na moradia dos AA. [devia-se ter concluído pela irresponsabilidade do empreiteiro; quando muito a decisão deveria ter sido de redução de preço ou outra solução de reparação menos onerosa para o Réu; o Réu sempre deveria ter sido absolvido da eliminação dos defeitos constantes em “44)” e “45)” dos factos dados como provados]

Como primeiro argumento para sustentar a sua irresponsabilidade, o R./recorrente invoca o art. 1219 º do C.Civil, isto é, que não deve responder pelos defeitos da obra, na medida em que os AA. (donos da mesma) a aceitaram sem reserva com conhecimento deles.

Isto porque ele Réu fez entrega da construção aos AA. em Março de 2010, “que a recepcionaram nessa mesma altura, sem quaisquer desconformidades visíveis” [cf. ponto “37)” dos factos “provados”].

Será assim?

Cremos bem que não, na medida em que uma tal argumentação esbarra manifestamente com o que até resulta literalmente do dito art. 1219º do C.Civil, no qual expressamente se alude a o dono de obra ter “conhecimento” dos defeitos, o que de todo não resulta ter-se verificado no caso ajuizado.

Na verdade, “Nos termos deste dispositivo, a responsabilidade é afastada, relativamente aos defeitos conhecidos pelo dono da obra à data da sua aceitação, se este a aceitou sem reservas, verificando-se aqui um caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida. O legislador presumiu de forma absoluta que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos, sem os denunciar nesse acto, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação.[2]

Assente a não aplicação deste regime normativo, vejamos do seguinte argumento.

É ele o de que nos presentes autos resulta claramente que a causa do defeito provém da composição do betão fornecida pela empresa J(…), S.A. [cf. facto provado sob “30)”], acrescendo que esta empresa, quando confrontada no decurso da obra, com dúvidas acerca da resistência e qualidade por si fornecido, mormente com o resultado de ensaios feitos por entidade credenciada, tinha dado garantias a todos – R. e AA. – de que tinha sido aplicado betão “estrutural” em todos os elementos onde tal estava previsto, e que a obra não iria apresentar quaisquer desconformidades no futuro por falta de resistência do betão aplicado em obra.

Que dizer?

É certo que tudo isto resulta da factualidade apurada.

Sucede que de tal não resulta a falta de responsabilidade do aqui Réu perante os AA., isto porque a intervenção/prestação de serviços por parte da empresa “J (…) S.A.” resultou de sub-contratação do Réu, ao que os AA. são estranhos.[3]  

Ora se assim é, quem responde e tem que responder em 1ª linha perante os AA. é o Réu, independentemente de lhe assistir direito de regresso face à dita empresa.

Aliás, terá sido em ordem a salvaguardar tal situação que o Réu requereu a intervenção principal dessa empresa, o que, por razões de ordem processual/formal não foi admitido por despacho judicial oportunamente proferido[4], mas mesmo que o tivesse sido, nunca teria lugar a “condenação” dessa empresa nestes autos, em “substituição” do Réu, como o mesmo ora pretende ver afirmado (cf. art. 323º, nº4 do n.C.P.Civil).

Em todo o caso, continua a ser possível a demanda da dita empresa “J (…), S.A.”, em exercício do direito de regresso, numa autónoma e “ulterior ação de indemnização” (cf. última parte do normativo citado), sendo disso caso, embora com o ónus para o aqui Réu de não poder gozar dos efeitos do caso julgado quanto à mesma...

Nesta linha de entendimento, improcede igualmente este argumento recursivo.

Passando ao argumento seguinte.

Trata-se da invocação de que, quando muito, a decisão deveria ter sido de redução de preço ou outra solução de reparação menos onerosa para o Réu.  

Neste particular, argumenta o R./recorrente que a condenação do próprio que teve lugar, mais propriamente, a executar o reforço da laje do rés-do-chão e da laje do sótão através da aplicação de polímero reforçado de fibra de carbono (PFRC), não deve ser mantida, dado o custo elevado que representa [cf. facto provado sob “64)”] – “o custo da mão-de-obra especializada acrescido ao custo elevado inerente à aquisição do material em causa é um sacrifício incomportável para o Réu, ora recorrente que nem sequer recebeu ainda a totalidade do preço convencionado para a empreitada em causa”.

Acontece que, com exceção deste último aspeto (não ter recebido ainda a totalidade do preço), o demais nem sequer resulta insofismavelmente apurado, tanto assim que invocar-se que a condenação operada representa um custo elevado, é fazer apelo a uma expressão que encerra tão-somente um juízo de valor sobre factos, donde irrelevante para o efeito em causa.

Acresce que, por referência ao normativo convocado para este efeito – o art. 1221º nº2 do C.Civil, nos termos do qual “Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito” – subscrevemos por inteiro o que foi sustentado na decisão recorrida, a saber:

«De acordo com o disposto no artº 1221º, se a eliminação dos defeitos não for possível o dono da obra pode exigir uma nova construção, cessando, de todo o modo tais direitos se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.

A este propósito, diz-nos Pedro Romano Martinez (5) que se trata da consagração de uma regra de justiça comutativa: se as despesas do devedor, seja ele empreiteiro ou vendedor, forem desproporcionadas em relação ao proveito do credor, não é justo que sobre aquele impenda a obrigação de eliminar os defeitos.

O devedor pode assim obstar à exigência de eliminação dos defeitos se demonstrar que essa prestação lhe acarreta um sacrifício económico excessivo, ou seja, que é desproporcionada em relação ao proveito da contraparte. Para determinar essa onerosidade, a relação que se estabelece não é entre o valor da reparação e o preço acordado, mas sim entre aquele e a vantagem que o credor obtém (sublinhado nosso).

Cabe, antes de mais dizer que a este propósito o réu nada alegou, delineando a sua defesa nos termos acima expostos.

Ainda assim, e pelas razões que melhor constam da fundamentação da matéria de facto, ficou provado que uma das desvantagens da utilização da solução do PRFC é o seu custo elevado (cf. facto 64).

No entanto, temos igualmente provado que qualquer outra intervenção diferente da utilização de PRFC, designadamente as intervenções convencionais com perfis metálicos ou betão armado, poderá reduzir a área habitável do prédio e/ou pé direito (cf. facto 63).

Acresce que a utilização de PRFC é vocacionada para resistir a esforços de tração, o seu baixo peso específico em relação ao aço e ao betão, proporcionam facilidade de transporte e de aplicação, é resistente à corrosão e apresenta elevada resistência mecânica e mobilidade.

Perante esta factualidade resta-nos concluir pela adequação da solução proposta ao caso dos autos, o qual independentemente do custo elevado, que em bom rigor, não sabemos a quanto ascende, permitirá o reforço da estrutura da moradia, essencial para que a mesma possa ser utilizada na plenitude pelos autores.

(5) Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pgs. 342 e 343» 

De referir, ainda, que pela mesma ordem de razões – falta de apuramento de factos concretos e esclarecedores – não pode colher a objecção também apresentada quanto a o prazo de 3 meses constante do dispositivo da sentença recorrida ser “manifestamente insuficiente” para cumprir a condenação quanto a este particular.

Passemos então a apreciar a última parte desta vertente de questões, que é a de que o Réu sempre deveria ter sido absolvido da eliminação dos defeitos constantes em “44)” e “45)” dos factos dados como provados.

Sucede que esta sub-questão apenas aparece referida nas “conclusões”, nada quanto a ela se descortinando nas “alegações”, pelo que, sem prejuízo do que para este efeito poderia ser transposto e aplicável com base na invocação, em geral, da “irresponsabilidade” nos termos já antes apreciados, verdadeiramente se desconhece a fundamentação que poderia estar subjacente a esta parte do recurso.

Assim, na linha do entendimento que vimos propugnando, não vemos como não subscrever o que nesta parte foi aduzido na sentença recorrida, a saber, “Quanto aos defeitos enumerados nos factos 44 e 45, estando os mesmos relacionados também com as fragilidades do betão e com trabalhos que, nos termos do contrato incumbia ao réu realizar (cf. factos 19 e 46 a 49), está naturalmente o réu obrigado a proceder à sua reparação”.

¨¨

Vejamos agora da segunda vertente de questões

B) Incorrecção quanto ao montante de indemnização objeto da condenação [que não seria devido qualquer montante a título de privação do uso, e, pelos danos morais, devia ser substituída a indemnização de € 10.000,00 por um montante nunca superior a € 2.000,00]

No particular do montante indemnizatório a título de privação do uso, a alegação do Réu/recorrente encontrava-se fundamentada, ao que nos é dado perceber, na prévia e necessária procedência da impugnação da matéria de facto quanto ao facto provado sob “42)”

Ora, na medida em que tal pretensão improcedeu nos termos que se expuseram supra, igualmente improcede, em nosso entender, esta sub-questão recursiva, posto que, o parcial indemnizatório conferido na sentença recorrida – de € 2.000,00 – sendo como foi obtido através do apelo à equidade, nos parece inteiramente adequado e equilibrado.

E que dizer quanto aos danos morais, a saber, que devia ser substituída a indemnização de € 10.000,00 por um montante nunca superior a € 2.000,00?

Assistir-lhes-á razão?

Para efeitos indemnizatórios, a lei apenas elege os danos que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (cf. art. 496°, n.º 1, do C.Civil).

Em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar.

Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado.

A avaliação desta gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos.

Tem sido entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objectiva suficiente para os efeitos do n.º 1 do dito art. 496º do C.Civil.

Donde, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais fica circunscrita àqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Trata-se aqui de excluir a reparação de “prejuízos insignificantes ou de significado diminuto, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna.”[5]

Dito de outra forma: o dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.[6]

Temos então que a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos, como uma sensibilidade exacerbada ou requintada, e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente.[7]

Um paralelo e similar enquadramento dogmático foi feito na sentença recorrida, sendo na sequência do mesmo que se veio a concluir pela fixação do dito montante de € 10.000,00…

Pelo que só falta determinar se esse juízo de ponderação e fixação é ou não de alterar.

Revisitemos, antes de mais, o conspecto factual apurado.

Encontra-se provado que, em consequência da fragilidade estrutural das lajes referidas nos factos “51)” e “52)” os AA. receiam convidar um grande número de pessoas para sua casa, dada a sobrecarga sobre a estrutura que tal poderá acarretar.

Por outro lado, sentem-se enganados, angustiados e tristes com as condições que a sua moradia apresenta e também pelo facto de não poderem usufruir em pleno da mesma.

Mais se provou que os AA. são pessoas cordiais, socialmente bem aceites no meio em que se inserem, que gostam de conviver e tinham a vontade de receber os seus amigos em sua casa, tal qual estes o fizeram nas suas com respeito a eles.  

Este contexto factual significa que o estado emocional, decorrente de contrariedade, desgosto e prejuízo provocado nos AA., como consequência de actuação por que é responsável o Réu, ultrapassa efectivamente o nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios, ultrapassando o referido mínimo que, objetivamente, deve ter-se como suportável em termos de resignação.

Face ao que, designadamente, se justifica inteiramente a condenação do Réu por danos morais.

Para esse efeito importa ter presente que os AA. devem ter uma compensação adequada aos danos sofridos, tanto mais que, ao que se depreende, os mesmos se prolongam até ao presente – pelo menos até que a reparação seja efectivada.

Sem embargo, afigura-se que o montante fixado na sentença recorrida se encontra um pouco acima do que vem sendo praticado a nível jurisprudencial, designadamente face a danos corporais que não se traduzam em sequelas “permanentes”.

Portanto, situações objetivamente com maior gravidade e relevo do que ajuizada, na qual, recorde-se, não houve danos “pessoais”.

Obviamente que com a indemnização aqui em causa não se pretende fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstratamente, considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, mas sim proporcionar aos AA. meios económicos susceptíveis de lhes propiciarem alguma satisfação e que, de algum modo, os compensem do desgosto/contrariedade sofridos.

Tudo ponderado, e tendo sempre em consideração que o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente (relativamente à qual avulta a, pelo menos, conculpabilidade da empresa “J (…) S.A.”), a situação económica do Réu e dos AA. (ambas objetivamente desconhecidas), e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade, entende-se ser de alterar/reduzir para o montante de € 5.000,00 – por ser efectivamente mais justa e equitativa para a situação ajuizada do que a quantia atribuída na sentença recorrida (isto é, o fixado montante de € 10.000,00) – a indemnização a pagar pelo Réu aos AA. a título de indemnização por danos morais.

Procede assim, parcialmente, o suscitado pelo Réu/recorrente quanto a esta sub-questão, passando agora a ser do total de € 7.000,00 (= € 2.000,00 + € 5.000,00) o montante indemnizatório a que os AA. têm direito.

                                                           ¨¨

Finalizemos então com a última vertente de questões, tal como supra alinhada, a saber

C) Não igualação, em termos temporais do cumprimento, da condenação dos AA. no pedido reconvencional (com referência à condenação do Réu)

Sustenta o R./recorrente, nesta parte, que “a ser improcedente o recurso, o que por mera cautela se admite, deveria igualar o sacrifício quer ao recorrente, quer aos recorridos devedores condenados do pedido reconvencional”, isto é, que “poderia e deveria ser ordenado em última instância o cumprimento simultâneo por ambas as parte do contrato, distribuindo faseadamente o pagamento aos recorridos e a reparação faseada ao recorrente impondo semanalmente a execução dos trabalhos aos recorrente e o pagamento semanalmente aos recorridos com uma calendarização dos trabalhos serem efectuados pelo recorrente”.

Está aqui directamente a ser visado segmento da sentença recorrida através do qual se sustentou o entendimento de que «Quanto ao remanescente do preço, impende sobre os autores, na qualidade de donos da obra, como obrigação principal o pagamento do preço.

Porém, em face da existência dos defeitos, assiste aos autores, nos termos do disposto no artº 428º, o direito a recusarem o pagamento enquanto aqueles não forem eliminados.

Assim, ainda que o pedido reconvencional seja procedente nessa parte, a obrigação em causa apenas é exigível a partir do momento em que o réu elimine os defeitos».

Que dizer?

Que, também nesta parte, alinhamos com a sentença recorrida.

Com efeito, sendo expressamente necessário para o funcionamento do instituto da exceção de não cumprimento do contrato que a obrigação de pagamento de preço não seja de vencimento anterior ao da entrega da obra (cf. art. 428º, nº1 do C.Civil), tal ocorre no caso vertente, sendo certo que esta possibilidade se mantém “enquanto não forem ressarcidos todos os danos que determinem uma responsabilidade contratual do empreiteiro, resultantes da existência de defeitos na obra”.[8] 

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente este último argumento recursivo.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O empreiteiro pode exonerar-se da responsabilidade pela verificação dos defeitos na obra, se demonstrar que a causa do defeito é imputável a um co-interveniente na execução da obra, mas isso apenas desde que a intervenção deste último não resulte de sub-contratação sua.

II – O empreiteiro pode obstar à exigência de eliminação dos defeitos se demonstrar que essa prestação lhe acarreta um sacrifício económico excessivo, ou seja, que é desproporcionada em relação ao proveito da contraparte, sendo que para determinar essa onerosidade, a relação que se estabelece não é entre o valor da reparação e o preço acordado, mas sim entre aquele e a vantagem que o credor obtém.

III – Essa prova não se pode considerar satisfeita se apenas resulta apurado que a reparação tem um “custo elevado”.

IV – As indemnizações por danos não patrimoniais visam essencialmente a compensação pelo sofrimento e não a reparação pelo dano sofrido.

V – Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade (cf. arts. 494º e 496º do C.Civil), tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acorda-se a final em julgar parcialmente procedente a apelação deduzida, em consequência do que se altera a sentença recorrida quanto ao segmento do dispositivo” que figura sob o item “al.C)”, o qual passa a ser do seguinte teor:

c) Pagar aos autores a título de indemnização a quantia global de € 7.000,00 (sete mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

            No demais, mantém-se a sentença recorrida .

            Custas em ambas as instâncias pelos Autores e pelo Réu, na proporção do respectivo decaimento, que se fixam agora na proporção de ¼ para os primeiros e ¾ para o segundo.

 Coimbra, 14 de Março de 2017

                                              

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Citámos JOÃO CURA MARIANO, in “Responsabilidade Contratual Do Empreiteiro Pelos Defeitos Da Obra”, 2ª ed., Livª Almedina, 2005, a págs. 90.
[3] Neste mesmo sentido o Autor citado na nota antecedente, na mesma obra e local, ora a fls. 86. 
[4] De que o Réu não recorreu, estando um tal despacho consequentemente transitado em julgado
[5] cfr. CAPELO DE SOUSA, in “O Direito Geral de Personalidade”, a págs. 555.
[6] Citámos agora o Acórdão do S.T.J., de 4.3.2008, no proc. nº 08A164, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Conforme desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, como se extrai do Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460.º, a págs. 444.
[8] Assim JOÃO CURA MARIANO, in “Responsabilidade Contratual Do Empreiteiro Pelos Defeitos Da Obra”, pré-citado, ora a págs. 168-169.