Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
108/16.0T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PROVA PERICIAL
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JL CÍVEL DA GUARDA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 388º E 389º C.CIVIL; 467º, Nº 3 NCPC.
Sumário: I - A prova pericial - cujo resultado está sujeito à livre apreciação do tribunal (artº 389º do CC), tem como escopo "a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial" (artº 388º, do CC).

II - A perícia médico-legal é realizada, em regra, pelos serviços médico-legais, “rectius”, pelo Instituto de Medicina Legal (cfr. artº 467º, nº 3, do NCPC).

III - A conclusão de que o investigado, ou suposto pai, não é excluído como progenitor do “investigante”, representa, por contraposição com a da “exclusão”, o antecedente necessário ao cálculo da probabilidade de paternidade e ao índice de paternidade.

IV - Dizendo as coisas de um modo mais pragmático e já com reporte ao presente caso: Importa compreender que a circunstância de se referir no relatório pericial ter-se concluído pela “não exclusão do investigado quanto à paternidade do “investigante”, ora Autor, não só não é pouco congruente, como antes está em harmonia com o facto de, nesse mesmo relatório, se afirmar que a probabilidade de aquele ser o pai biológico deste é de 99,999999999995%.

IV - Nos casos da prova positiva de paternidade, isto é, quando não se verificar a existência de exclusão de paternidade por nenhum dos sistemas estudados, calcula-se a probabilidade de paternidade, com base no Teorema de Bayes. Este teorema é usado para determinar a probabilidade final de um sucesso, deduzida a partir das probabilidades iniciais e certa informação ou informações adicionais. […]».

V - Do exposto resulta, pois, que, estando efectuada a perícia cujo objecto foi definido pelo Tribunal “a quo”, com a análise ao ADN do trio composto por mãe, filho e suposto pai (o “investigado” C…), nos termos assinalados, a elaboração de novo teste de ADN, agora com amostras retiradas do cadáver deste último, bem como o teste de ADN utilizando o material cadavérico de L…, não se apresentam como susceptíveis de alterar, de forma relevante, o que resulta da perícia já efectuada.

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I - A) - a) - Nos presentes autos de acção com processo comum, J…, estando registado como filho de L…, falecido a 9/3/1976, pretende o Autor impugnar esta paternidade e ver reconhecido como seu pai biológico C…, a falecido em 09/06/2015.

Para o efeito intentou a presente acção, em 19/01/2016, contra a sua mãe, M…, viúva do aludido L…, bem como contra os filhos deste, enquanto seus herdeiros, demandando, ainda, A…, esta na qualidade de filha e herdeira de C...

Alegou, em síntese, que:

- Apesar de ter nascido em 14/04/1948 na constância do casamento entre a primeira Ré, M… e L… e de constar no registo civil como sendo filho deste último, essa paternidade não corresponde à verdade, pois que, na realidade, é filho de C…, fruto de um relacionamento íntimo deste e da 1ª Ré, sua mãe, M…;

- A partir dos seus 14 anos sempre viveu na casa do referido C…, até aos 26 anos, quando casou, sendo este quem provia pela sua alimentação, educação, cuidados de saúde e sempre o tratando como filho perante si e terceiros, que o reconheciam e reputavam como filho, tratamento esse que só cessou com a morte desse seu pai biológico em 09/06/2015;

- Tentando regularizar o parentesco, o falecido C… foi com o A. fazer os testes de ADN junto do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses I.P., Serviço de Genética e Biologia Forenses (doravante, IML), tendo o resultado confirmado a paternidade que o Autor pretende ver aqui reconhecida, com um valor de IP que conduziu a uma probabilidade de 99,99999986% (Doc. nº 7, que juntou com a P.I.)

b) – Contestando, a Ré A… impugnou a generalidade dos factos e documentos “por desconhecimento ou falsidade”, e invocou a caducidade do direito do A. na investigação da paternidade;

c) – No despacho saneador de 26/09/2016 definiu-se o objecto do litígio e elencaram-se os temas de prova, entre os quais, sob a alínea a), se consignou: “O A. apesar de ter nascido em 14/04/1948 na constância do casamento entre a primeira Ré e L…, é fruto de um relacionamento intimo entre a sua mãe e C….”

Não houve reclamação das partes.

Reportando-se aos requerimentos probatórios, consignou-se, ainda, nesse despacho de 26/09/2016, o seguinte:

 «[…] Tendo sido igualmente impugnados os testes de ADN juntos com a p.i., e uma vez que a exumação do cadáver só deverá ter lugar se não for possível a obtenção de resultados por resultados menos gravosos, solicite ao IML – Coimbra, com cópia da p.i e do presente despacho para que informem se é viável a amostras de ADN da 1ª e 5ª Ré, respectivamente cônjuge e filha do falecido para a obtenção dos resultados pretendidos com fiabilidade. […]»;

d) – Por ofício de 11/10/2016 veio o IML informar:

«[…] 1. Em resposta ao ofício de V. Ex.a acima referenciado cumpre-nos informar que, nas perícias de investigação biológica de parentesco com recurso a familiares do presumível progenitor, os valores de probabilidade alcançados irão depender quer do grau de parentesco relativamente ao pretenso pai, quer dos perfis genéticos que cada um destes familiares tem.

2. Deste modo, no caso em apreço e dado que apenas dispomos de familiar do pretenso pai (filha), os resultados alcançados podem não conduzir a um resultado satisfatório e/ou conclusivo.

3. Assim, em alternativa, sugerem-se a V. Ex.a as seguintes alternativas:

- A emissão de uma certidão autenticada do relatório … (Processo …) já por nós realizado através de um pedido particular em 25/02/2014;

- A realização de uma nova perícia recorrendo ao material biológico do pretenso pai C… que se encontra ainda preservado no n/ Serviço. Neste caso prescinde-se da 5ª Ré (filha do pretenso pai) que em nada acrescentará ao resultado obtido com recurso ao trio pretenso pai, autor e sua mãe. […]»;

e) – No despacho de 24-11-2016 foi consignado o seguinte:

«[…] No ofício do IML, devidamente notificado às partes, esclarece-se que já existe uma perícia realizada e que, portanto, ou é emitida certidão da mesma ou é feita uma segunda, apenas com o material biológico do pretenso pai, já que a intervenção da Ré em nada acrescentará ao resultado a obter.

Face a isto, foi proferido despacho para que as partes viessem dizer qual das opções pretendiam.

O Autor optou pela emissão de certidão, já que a nova perícia será idêntica à primeira, pelo que nova perícia irá atrasar a decisão da causa.

Já a Ré veio insistir em nova perícia, e pretendendo, para além disso, que seja confrontado o material biológico do Autor e Ré.

Pois bem, embora que creia assistir razão ao Autor nas afirmações que faz, já que se antevê um resultado idêntico, assiste direito à Ré de ver realizada a perícia no âmbito do processo, de modo a melhor poder contraditá-la.

Ou seja, essa perícia, embora possa dilatar a decisão da causa, não será totalmente impertinente, face à postura da Ré, que impugnou a primeira.

Todavia, se o pretende, irá custeá-la, adiantando sozinha os encargos - art.° 20° do RCP.

Já no que se refere ao objeto da perícia, tendo o IML já dito que é irrelevante a recolha de material do A. e Ré, indefere-se o pretendido “alargamento”, que nada de novo trará para o que aqui se discute (a paternidade do A. e não a fraternidade entre A e Ré).

Assim, proceda ao cálculo dos custos da perícia e notifique a 5ª Ré, para, em 10 dias, proceder ao pagamento dos encargos, sob pena de, não o fazendo, ser solicitado ao IML a emissão de certidão da perícia já realizada e junta aos autos, mas que a Ré impugnou. […]»;

f) – Em 2017 procedeu-se a perícia, com base em amostras de referência de C… (colhida em 05.02.2014), M… (colhida em 22.02.2017) e de J… (colhida em 22.02.2017), tendo-se, no respectivo relatório, enviado pelo IML com o ofício datado de 07/03/2017, exarado as seguintes conclusões:

«[…]

ADN AUTOSSÓMICO

- O estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efetuado não permite excluir C… como pai biológico de J…, filho de M...

- A análise estatística da probabilidade de C… ser o pai de J…, filho de M…, por comparação com outro indivíduo ao acaso da população, conduziu a um índice de parentesco (paternidade) IP=21 360 726 699 593.

OBSERVAÇÕES:

- O parâmetro estatístico IP indica quantas vezes é mais provável a ocorrência dos perfis genéticos determinados admitindo a Hipótese 1 como verdadeira, relativamente à ocorrência desses mesmos perfis admitindo a Hipótese 2 como verdadeira.

- O parâmetro estatístico W (probabilidade a posteriori) é calculado a partir do valor de IP previamente determinado e de uma probabilidade a priori P0 de acordo com w =    P0 x IP 

                      P0 xIP + (1 - P0)

Deste modo, o IP previamente determinado conduziu a uma probabilidade W=99,999999999995%, considerando uma probabilidade a priori de 0,5.[…]».

g)- Notificada do relatório pericial, veio a Apelante, em 24 de Março de 2017:

1- Dizer, que julgava ser pertinente “...saber quais os elementos biológicos do Sr. C… foram recolhidos, bem documento comprovativo de que os mesmos lhe pertencem” e “...saber em que data, hora e local, esses elementos biológicos foram recolhidos.”;

2- Requerer, na sequência do peticionado, “...a junção e indicação de todos os elementos referentes à referida amostra e respetivos resultados.

h) – Mediante o ofício datado de 05/05/2017, veio o IML informar, entre o mais: «[…] Os resultados periciais obtidos no âmbito do nosso processo … estão de acordo com os resultados obtidos no âmbito do nosso processo …:

- os perfis genéticos determinados em 2014 e em 2017 nas amostras de C… (colhidas em 2014) foram coincidentes, do mesmo modo que os perfis genéticos determinados em 2014 e em 2017 nas amostras de J… (colhidas em 2014 e em 2017) foram coincidentes;

- a conclusão de caráter quantitativo (cálculo estatístico) determinada na perícia efetuada em 2017 é superior e reforça a determinada na perícia efetuada em 2014, pelo facto de dispormos do perfil genético da mãe de J…;

- as conclusões de caráter qualitativo em ambos os relatórios periciais são as mesmas (“O estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efetuado não permite excluir C… como pai biológico de J…”). […]».

i) – Em 07/06/2017 veio a Ré A… requerer que fosse “...ordenada a exumação dos cadáveres de C… e de J…, com vista à colheita de material cadavérico para a realização de testes de ADN a ambos, de modo a ser definitivamente apurado quem é efectivamente o Pai biológico do Autor.”.

j) – O Autor veio responder a esse requerimento, pugnando pelo respectivo indeferimento, sustentando que a perícia requerida pela Ré, além de desnecessária, se afigurava “...de todo impertinente e quiçá impossível de concretizar.”.

k) – Por despacho de 15/09/2017, foi indeferido o requerido pela Ré em 07/06/2017, considerando-se que “...a prova requerida é dilatória e impertinente, nada trazendo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa...”.

Para o efeito, considerou-se, designadamente, o seguinte:

«[…] existindo já prova pericial nos autos ao ADN do investigado e inexistindo qualquer dúvida da proveniência de tal material genético, atendendo aos documentos juntos, e bem assim ao resultado da mesma, a exumação de cadáver ou de cadáveres, ainda que fosse viável, afigura-se-nos totalmente desnecessária para a descoberta da verdade.

Seria lícito recorrer a tal método se inexistisse outro modo de verificar a paternidade biológica através de ADN.

No caso dos autos exista no IML – a entidade mais idónea e isenta na matéria – material genético do pretenso pai e foram realizados dois exames, não sendo crível conjecturar-se, sem qualquer fundamento, qualquer troca de material genético em tal procedimento e entidade

Ou sequer falsificação de documentos e de identidade, sendo certo que foram juntos os requerimentos e documentos subscritos pelo C… e cuja assinatura não foi impugnada. […]».


*

B) - Inconformada com este indeferimento, a Ré A… recorreu do despacho que assim decidiu, terminando a alegação desse recurso - que veio a ser admitido como Apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo -, formulando as seguintes conclusões:

...

   Terminou pedindo, que se revogasse a decisão recorrida, substituindo-a por outra decisão que determine a realização das duas exumações.


*

Na resposta à alegação de recurso, o Autor pugnou pela manutenção do despacho recorrido.

C) As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil - doravante NCPC[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Assim, o que importa decidir no presente recurso é saber se cumpria ao Tribunal “a quo” deferir a realização de análises ao ADN obtido no material cadavérico de C… e de L…, e, como tal, determinar a necessária exumação desses cadáveres, de nada interessando, salvo o devido respeito, para a resposta a dar a esta questão, as incursões que a Apelante faz na sua alegação de recurso a outras matérias, respeitando, designadamente, às questões da “caducidade” e da “posse de estado”.

II - Fundamentação:

A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - A) supra.

B) - A prova pericial - cujo resultado está sujeito à livre apreciação do tribunal (artº 389º do CC), tem como escopo "a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial" (artº 388º, do CC).

A perícia médico-legal é realizada, em regra, pelos serviços médico-legais, “rectius”, pelo Instituto de Medicina Legal (cfr. artº 467º, nº 3, do NCPC).

O artigo 475º nº 2, do NCPC estatui que "a perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária".

De acordo com o nº 2 do artº 476ºdo NCPC, “incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.”.

Pois bem. Preliminarmente haverá que advertir que o problema que aqui se coloca não tem nada a ver com questões morais, éticas ou religiosas, como por vezes sucede em outros casos já tratados pelos nossos Tribunas Superiores.

Por outro lado, é necessário não fazer comparações com situações, também já tratadas pela jurisprudência, em que, por não haver amostra de ADN do individuo, já falecido, que a parte pretender ver reconhecido como seu pai biológico, se tem admitido como válida a existência de um interesse na exumação do cadáver para obter esse ADN e fazer a perícia com vista ao apuramento da paternidade investigada[4], pois que, nesses casos, mesmo quando a perícia se possa fazer com o ADN do “investigante” e dos familiares próximos do falecido, os resultados não serão tão satisfatórios e/ou conclusivos (cfr. ofício do IML de 11/10/2016, em relação à aventada perícia com o ADN da filha do investigando, ora Apelante).

Surge com alguma frequência – é uma interpretação que já foi seguida em alguns casos julgados nos nossos tribunal superiores e, ao que parece, está também subjacente a alguma da argumentação da apelante – a interpretação de que o resultado de exame do DNA que refere a “não exclusão” de determinado indivíduo como pai do “investigante” é um resultado inconclusivo, ou pouco seguro.

Importa, porém, perceber o significado da linguagem empregue nos relatórios de perícia médico-legal, para, não só se atribuir a essa “não exclusão” o alcance que, realmente, tal expressão tem, como, para fazer a leitura harmónica do grau de probabilidade de paternidade que a acompanha.

Ora, a conclusão de que o investigado, ou suposto pai, não é excluído como progenitor do “investigante”, representa, por contraposição com a da “exclusão”, o antecedente necessário ao cálculo da probabilidade de paternidade e ao índice de paternidade.

Dizendo as coisas de um modo mais pragmático e já com reporte ao presente caso: Importa compreender que a circunstância de se referir no relatório pericial ter-se concluído pela “não exclusão do investigado quanto à paternidade do “investigante”, ora Autor, não só não é pouco congruente, como antes está em harmonia com o facto de, nesse mesmo relatório, se afirmar que a probabilidade de aquele ser o pai biológico deste é de 99,999999999995%.

Veja-se o que se diz nas “Noções gerais sobre outras ciências forenses”[5]: «[…] A investigação biológica da paternidade tem como objectivo, dado um trio filho, mãe e pretenso pai, determinar se este é ou não excluído da possibilidade de ser o pai biológico.

(...)

a investigação biológica da paternidade consiste na análise do património genético que um filho herdou da mãe e do pai. Uma vez apurada a parte genética herdada da mãe, é necessário verificar se o resto da informação é transmitida pelo pretenso pai. Se este possui as características hereditárias transmitidas à criança, não pode ser excluído da paternidade e o resultado é apresentado em probabilidade de paternidade. Se, pelo contrário, o indigitado não tem essas características, é afastado da possibilidade de paternidade. […]».

E na mesma linha, explica Hugo Rodrigues Ferreira Leite[6]: «[…] Quando o pai não é excluído, torna-se necessário calcular a sua inclusão. A inclusão é obtida através do cálculo do Índice Cumulativo de Paternidade (CPI). Este resulta da multiplicação de todos os PI obtidos nos diferentes marcadores. Como referido, o PI reflete a razão entre a probabilidade de que um homem com o fenótipo do possível pai, seja de facto o seu pai biológico. E a probabilidade de que um outro homem, ao acaso, possa ser o verdadeiro pai. […]».

Também António Amorim[7] explica: “Existindo incompatibilidades em mais que dois STR, é afastada a possibilidade de parentesco. Não existindo incompatibilidade em nenhum STR, conclui-se pela impossibilidade de exclusão de parentesco e calcula-se a probabilidade de paternidade e o índice de paternidade. […]»[8].

Como se refere em “Noções Gerais...”, «[…] Nos casos da prova positiva de paternidade, isto é, quando não se verificar a existência de exclusão de paternidade por nenhum dos sistemas estudados, calcula-se a probabilidade de paternidade, com base no Teorema de Bayes. Este teorema é usado para determinar a probabilidade final de um sucesso, deduzida a partir das probabilidades iniciais e certa informação ou informações adicionais. […]».

Ora, como a operação com base no Teorema de Bayes redunda numa fracção imprópria, ou seja, numa fracção em que o numerador é maior que o denominador, o resultado a que se chega num teste de paternidade relativamente a um indivíduo “não excluído”, nunca poderá atingir os 100%.

Por outro lado, a percentagem de 99,999999999995% ora atingida relativamente a probabilidade de C… ser o pai do ora Autor, tem como contraponto lógico o afastamento da probabilidade da paternidade biológica deste último radicar no referido L…, tanto mais que, como se lembra nas “Noções Gerais...”, “...um resultado de paternidade próximo de 99.99% pressupõe a utilização de um conjunto de sistemas suficientemente alargado, pelo que na prática, não será possível encontrar um indivíduo geneticamente igual ao pretenso pai, com excepção dos gémeos monozigóticos.”.

Lembra-se, também, que a presunção “pater is est quem nuptiae demonstrant” (artº 1826.º, n.º 1, do CC)[9], em que assentou a paternidade estabelecida relativamente ao Autor como sendo filho de L… - o marido da sua mãe na ocasião do seu nascimento - , é uma presunção “juris tantum” atípica, passível de ser ilídida pela mera prova de que, “...de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável.” (artº 1839º, nº 2).

Daí que, no presente caso, tendo a referida probabilidade da paternidade atingido o valor de 99,999999999995% - que corresponde a um grau de probabilidade muito próximo da certeza, discorda-se da Apelante quando afirma que “...só após as exumações e só após os resultados obtidos após a recolha de material biológico dos falecidos, se poderá afirmar com toda a certeza e sem qualquer margem para dúvidas quem é o Pai biológico do aqui Recorrido...”, pois que nunca se poderia, quanto à prova positiva da paternidade do ora Autor, atingir o resultado de 100%, ou seja, a “certeza” dessa paternidade.

Do exposto resulta, pois, que, estando efectuada a perícia cujo objecto foi definido pelo Tribunal “a quo”, com a análise ao ADN do trio composto por mãe, filho e suposto pai (o “investigado” C…), nos termos assinalados, a elaboração de novo teste de ADN, agora com amostras retiradas do cadáver deste último, bem como o teste de ADN utilizando o material cadavérico de L…, não se apresentam como susceptíveis de alterar, de forma relevante, o que resulta da perícia já efectuada, que, como lembra o IML, reforçou o resultado da perícia pedida particularmente, feita ainda em vida do aludido C…, concluindo-se, assim, atento o escopo da acção, pela desnecessidade, face à respectiva falta de utilidade real, de tais perícias, pelo que bem decidido foi indeferi-las e, consequentemente, indeferir as exumações que a respectiva realização pressupunha.

Saliente-se que não detectamos que a hipótese de ter havido troca das amostras de material para análise, recolhidas aquando da realização dos testes de ADN, venha alicerçada em factualidade que integre fundamento real e credível.

Por outro lado, atenta a referida desnecessidade, além de não ter sentido dizer que, em resultado da não realização de tais perícias, se afecte os direitos da Apelante, negando-lhe o acesso ao direito ou/e à tutela jurisdicional efectiva, também se revela despiciendo trazer à colação os princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em, julgando a Apelação improcedente, confirmar o despacho recorrido.

Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).

Coimbra, 12/12/2017


                 (Luiz José Falcão de Magalhães)

                  (António Domingos Pires Robalo)

              (Sílvia Maria Pereira Pires)



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[1] Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Código este aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, sendo o código que o antecedeu referenciado aqui com a sigla “CPC”.
[3] Cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, ou com uma outra, vierem a ser citados adiante.
[4] É o caso do Acórdão do STJ proferido nos autos nº 69/09.2TBMUR.P1.S1, que a Apelante cita.
[5] Documento em formato PDF, de Rui Rangel, Maria de Fátima Pinheiro e Teresa Magalhães, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Porto, 2003/2004, consultável na “Internet”, em http://medicina.med.up.pt/legal/NocoesGeraisCF.pdf.
[6] “Importância Médico-Legal dos marcadores usados nos testes de paternidade” - Tese de mestrado em Medicina Legal - “Dissertação de Candidatura ao grau de mestre em Medicina Legal submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.”, Porto – 2013, pág. 48.
[7] “GENÉTICA FORENSE”, Edição da ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA, 2015, pág. 7.
[8] O sublinhado é nosso.
[9] “Presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio tem como pai o marido da mãe.”.