Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
199/09.0GBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: SANÇÃO ACESSÓRIA
OMISSÃO NA ACUSAÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 379º CPP; ARTIGOS 25 Nº 1 AL. F) E 2, 27 Nº 1 E 2 AL. A) E 3, DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: 1- Omitindo-se na acusação e na requalificação jurídica efectuada em audiência as disposições legais que permitiam aplicar ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir pela prática das contra-ordenações causais do acidente, fica o tribunal impedido de a aplicar.
2- Trata-se de uma nulidade insanável, que é do co­nhecimento oficioso - art. 379º, nº. 1 b) e nº. 2 do CPP- e que afecta apenas a parte da sentença que a aplicou
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
AC..., solteiro, residente no ... … .
Sendo decidido:
a) Condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão.
b) Substituir a pena única de prisão aplicada ao arguido pela pena de 280 dias de multa à taxa diária de € 6,00.
c) Absolver o arguido da prática da contra-ordenação, prevista e punida pelos artigo 27º, nºs 1 e 2 alínea a) 3º, do Código da Estrada.
d) Condenar o arguido pela prática de uma contra-ordenação grave, prevista e punida pelo artigo 25º, nºs 1 alínea f) e 2 do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sete meses.
e) Condenar o arguido pela prática de uma contra-ordenação grave, prevista e punida pelo artigo 13º, nºs 1 e 3 do Código da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de seis meses.
f) Para cumprimento das sanções acessórias de inibição de conduzir aplicadas, deve o arguido no prazo de 15 dias úteis a contar do trânsito em julgado da presente decisão, entregar a sua carta de condução na secretaria do tribunal, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (artigo 160º, nº 1 e 3 do Código da Estrada).
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o seu objecto:
1. O julgador no exercício da sua função deve "procurar a mais justa solução do caso concreto", ficando o Tribunal vinculado a enquadrar nas especificidades do caso concreto os múltiplos interesses jurídico-sociais que o caso suscita.
2. A sentença recorrida baseou-se em factos que considerou provados e que não são factos baseados na realidade e do que resultou provado em audiência de julgamento.
3. O tribunal recorrido não valorou os depoimentos prestados pelo arguido e pelas testemunhas de defesa, bem como o depoimento prestado pelo Sr. Guarda da GNR do posto de ....
4. A decisão recorrida viola o princípio geral do direito "in dubio pro réu".
5. O tribunal a quo considerou provado que o arguido não agiu com o cuidado que estava obrigado, tendo tal comportamento originado a morte de FV....
6. Tal não corresponde à realidade, dado que o arguido não influenciou nem sequer potenciou de forma directa a morte de FV....
7. Ficou provado em sede de audiência de julgamento que a vítima mortal não tinha cinto de segurança, o que provocou a sua morte imediata, até porque o arguido e o outro passageiro do veículo sobreviveram porque tinham cinto de segurança.
8. O Tribunal recorrido considerou provado que o veículo do arguido entrou em despiste quando se encontrava a efectuar a curva, todavia, conforme consta dos depoimentos prestados e dos documentos juntos aos autos, o veículo do arguido entrou em despiste antes de entrar na curva.
9. Ou seja, não se provou que o despiste do veículo do arguido tenha ocorrido dentro da curva, pelo contrário, pelas marcas constantes na estrada verifica-se que foi antes da curva que se iniciou o despiste.
10. Ora, antes da curva existem lombas para redução da velocidade, a mais de 50 metros, o que implica necessariamente que o arguido conduzia a uma velocidade moderada.
11. Mas mais, ficou provado, pelo depoimento do Sr. Guarda da GNR registado em Cd da sessão do dia 14 de Junho de 2010, que o local em causa nos autos não tem iluminação pública bem como não tem qualquer tipo de sinalização estradal.
12. Ora, tal implica necessariamente que o arguido desconhecia que havia uma curva, dado que não existia no local qualquer tipo de sinalização, tendo reduzido necessariamente a velocidade nas lombas existentes antes da curva.
13. Até porque ficou provado nos autos que o veículo do arguido não seguia a uma velocidade superior a 90 Km/h, sendo que este era o limite máximo para o local em causa nos autos, não havendo no local sinalização de velocidade ou de indicação de curva.
14. Acresce ainda que o arguido foi condenado pela contra ordenação conduzir o seu veículo na hemi-faixa esquerda da faixa de rodagem,
15. Ora, tal não corresponde minimamente à verdade, dado que o veículo do arguido quando entrou em despiste atravessou a hemi-faixa esquerda da faixa de rodagem para a berma esquerda.
16. Não se provou nos autos que o veículo do arguido tenha circulado na faixa esquerda da via, até porque tal conclusão corresponde a uma alteração não substancial dos factos, que foi comunicada ao arguido em sede de leitura de sentença, tendo o mesmo sido condenado por tal contra ordenação.
17. Conforme consta das fotografias juntas aos autos, existe apenas um vestígio mínimo de derrapagem, que se encontra junto à berma esquerda da via, não havendo qualquer indício de travagem.
18. Entende assim o arguido que se efectivamente o veículo deste tivesse circulado na faixa esquerda da via, haveria necessariamente marcas mais visíveis de travagem e de derrapagem, o que nos presentes autos não aconteceu.
19. A sentença recorrida, revela uma incorrecta aplicação das regras e princípios fundamentais plasmados na Lei, que conduziu à aplicação de uma pesada sanção ao arguido.
20. O Tribunal "a quo" foi claramente excessivo na aplicação da sanção de inibição de conduzir.
21. O recorrente encontra-se socialmente integrado, é bem considerado entre as pessoas que consigo partilham o espaço comunitário, e, genericamente, é visto como uma pessoa honesta e íntegra, tal como ficou provado nos autos.
22. O arguido, por força da sua actividade profissional necessita diariamente do título de condução, por este ser um instrumento de trabalho indispensável ao desenvolvimento da sua profissão.
23. Ao ser aplicada ao recorrente a sanção acessória de inibição de condução pelo período de seis meses, acrescida da pena de inibição de conduzir pelo período de sete meses, este teme pela manutenção do posto de trabalho, como todos os prejuízos daí advenientes.
24. Não se tendo provado que efectivamente o arguido cometeu as contra ordenações a que foi condenado, não deve o arguido ser condenado, não podendo ser condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência dado que o arguido agiu com o zelo e cuidado a que estava adstrito.
25. Pelo exposto, deve o arguido ser absolvido, ou caso assim não se entenda, o que não se espera, ser a sanção de inibição de conduzir substituída por caução de boa conduta, ou por formações a ministrar pela Prevenção Rodoviária Portuguesa e que o arguido esteja obrigado a frequentar e suportar as despesas inerentes.
26. Pelo exposto entendemos que a pena aplicada ao arguido ultrapassou a medida da culpa, violando, assim, o n° 2 do artigo 40° do C. Penal.
27. Deve o arguido ser absolvido das penas em que foi condenado.

Deve o recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a Sentença recorrida, e decidindo-se como se propugna supra, nomeadamente absolvendo-se o arguido ou caso assim não se entenda, no que respeita às contra-ordenações ao Código da Estrada, suspendendo-se a inibição de conduzir imposta ao arguido mediante a prestação de caução adequada, com todas as legais consequências.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1.A sentença recorrida não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada;
2.Não se pode confundir insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência;
3.O Tribunal “a quo" observou o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127 do CPP;
4. O tribunal “a quo" não foi excessivo na aplicação de sanção de inibição de conduzir e a pena aplicada ao arguido não ultrapassou a medida da culpa.
5.A sentença sub judice não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida na íntegra.
Nesta Relação, a Ex.mº PGA emitiu parecer concordante com a resposta na 1ª Instância, no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos (relevantes para o recurso) que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Da discussão da causa, e com relevo para a decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 8 de Setembro de 2009, cerca das 01.05 horas, o arguido pilotava o seu veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW, de matrícula … na Estrada Florestal de ..., no sentido daquela localidade para ....
2. No mesmo veículo seguiam dois passageiros, entre os quais a vítima FV…, o qual ia sentado no banco traseiro.
3. A dada altura, ao entrar numa curva para a direita, o arguido, em virtude de circular a uma velocidade que não foi possível apurar em concreto, mas superior a 50 km/h, não excedendo 90 km/h, e de estar desatento à condução, entrou em despiste e perdeu o controlo do veículo.
4. O arguido efectuou uma derrapagem de cerca de 5,05 metros, entrando na curva, atravessando a faixa de rodagem e passou a circular na metade esquerda da mesma e que se destinava aos veículos que circulavam em sentido contrário, acabando por embater contra um pinheiro que se encontrava a cerca de 8,70 metros da berma esquerda.
5. O choque deu-se principalmente com a parte superior/tejadilho do veículo no pinheiro.
6. Do início da derrapagem ao pinheiro onde se deu o embate distavam 34,50 metros.
7. A velocidade máxima permitida no local do acidente era de 90 Km/hora.
8. O tempo estava bom e o pavimento, betuminoso, encontrava-se seco e limpo.
9. A faixa de rodagem tinha a largura de 6,70 metros.
10. Não existia iluminação pública.
11. O arguido tinha ingerido 3 ou 4 cervejas mini antes de iniciar a condução e veio a acusar 0,35 g/l de etanol no sangue.
12. Em consequência da descrita conduta do arguido resultaram para o FV… as seguintes lesões traumáticas na cabeça, pescoço, membros e zona tóraco-abdominal:
- no hábito externo: escoriações na hemiface direita, na asa direita do nariz, escoriação apergaminhada na região malar direita, ferida contusa do couro cabeludo, na região occipital, duas placas apergaminhadas na região posterior do pescoço, escoriação na região anterior do pescoço, prolongando-se para o tórax, escoriação desde a região médio-clavicular esquerda até ao mamilo, placa apergaminhada na região escapular esquerda, escoriações lineares no membro superior direito, placa apergaminhada e escoriações no dorso dos dedos, no membro superior esquerdo, placa apergaminhada no joelho;
- no hábito interno - Cabeça - Infiltração sanguínea do couro cabeludo, na região frontal direita, hematoma na região occipital, congestão sub-aracnoideia nas meninges; - Tórax - Infiltrações sanguíneas nos músculos intercostais dos arcos posteriores da 7ª à 10ª costela direita e da 1ª à 12º costela esquerda, fractura do manúbrio esternal, infiltrações sanguíneas e laceração do saco pericárdio, laceração da face posterior da aurícula direita, infiltrações sanguíneas a nível do septo interventricular e aurícula direita, infiltrações sanguíneas na artéria aorta, secreções espumosas e sanguinolentas na traqueia e brônquios, infiltrações sanguíneas peri-esofágicas, cavidade pleural direita e esquerda com sangue líquido, petéquias sub-pleurais e focos de contusão dispersos no pulmão direito, petéquias sub-pleurais e focos de contusão dispersos, congestão e edema intensos no pulmão esquerdo, infiltração sanguínea na cauda do pâncreas, baço lacerado; Rim direito – descapsulação fácil, superfície lobulada, congestão ligeira; Rim esquerdo – Descapsulação fácil, superfície lobulada, congestão e infiltrações sanguíneas da suprarrenal esquerda e região adjacente.
13. As lesões traumáticas tóraco-abdominais descritas em 12., foram causa directa e necessária da morte de FV....
14. O embate ocorreu por imprevidência do arguido, o qual exercia a condução de forma leviana e temerária, imprimindo ao veículo velocidade inadequada e exagerada para o local, tendo em conta que circulava numa curva, invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circula em sentido contrário, acabando por derrapar e embater contra o pinheiro que se encontrava na berma esquerda.
15. O arguido ao agir como descrito não procedeu com o cuidado e diligência que a condução de veículos impõe, cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, e que a generalidade dos condutores no seu lugar teria tido, apesar de previsível o arguido não representou a possibilidade de com a sua conduta causar a morte a FV..., resultado verificado que não previu, embora o pudesse e devesse ter feito.
16. O arguido sabia que a sua descrita conduta não era permitida por lei.
17. O arguido não tem antecedentes criminais.
18. O arguido foi condenado pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 27º, nº 2 alínea a), 2º e 145º, nº 1 alínea b) do Código da Estrada, praticada em 2008/06/17, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por 180 dias.
19. O arguido trabalha como técnico de som no…, auferindo mensalmente entre € 600/700,00.
20. O arguido tem 38 anos de idade.
21. Vive com os pais e não tem filhos.
22. Paga mensalmente a quantia de € 100,00 relativa a mensalidade de cartão de crédito.
23. Possui como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.
24. O arguido ficou abalado e triste com a morte do FV....
25. O arguido é bem considerado no meio social onde se insere, sendo pessoa responsável e trabalhadora.
26. O arguido é considerado como bom condutor.
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos:
1.Que o veículo tripulado pelo arguido circulava a cerca de 120 Km/h.
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:
a) Nas declarações do arguido que admitiu conduzir o veículo, no dia, hora e local em causa nos autos, mencionando em que direcção circulava, que estava acompanhado por dois passageiros, um deles, FV..., que seguia no banco de trás.
Referiu que estava a conversar com os passageiros, questionando-os acerca das mensagens de telemóvel que estavam a enviar, que o passageiro que ia sentado na banco da frente mostrou-lhe a mensagem, e nesse momento deixou de olhar por uns instantes para a faixa de rodagem, mencionando que o veículo invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e embateu num pinheiro com o tejadilho.
Mencionou que a via estava em boas condições, não existiam buracos no pavimento, o veículo tinha sido inspeccionado, e não se apercebeu de qualquer problema nos pneus do veículo, não circulando a velocidade superior a 90 Km/h.
O arguido esclareceu ainda o tribunal acerca das suas condições pessoais.
b) No depoimento da testemunha RP..., militar da GNR, referiu que no dia do acidente exercia funções no Posto de ..., Destacamento de ....
Mencionou que após ter sido informado da existência de um sinistro na Estrada Florestal entre ... e ..., deslocou-se ao local e constatou que tinha ocorrido um despiste de um veículo.
Referiu que existe uma recta de cerca de 800/900m e lombas a mais de 50 m, que antecedem a curva onde ocorreu o acidente.
Descreveu as condições do tempo e da via, que naquele local a velocidade máxima permitida era de 90km/h (fora de localidade), a via não tinha iluminação e estava marcada com rastos de pneumáticos (apenas de um lado), que seguiam pela areia até ao pinheiro onde se deu o embate.
Referiu ainda que procedeu à elaboração da participação de acidente junta aos autos.
c) No depoimento da testemunha ER…, referiu conhecer o arguido há cerca de 18 anos, sendo seu amigo, que após os factos o arguido ficou transtornado, descrevendo ao tribunal a personalidade do arguido e como é considerado no meio social onde se insere.
d) No depoimento da testemunha DR…, amigo do arguido há cerca de 20 anos, trabalhou com o arguido, referiu qual o comportamento do arguido após o acidente e descreveu a sua personalidade.
e) No depoimento da testemunha ME…, referiu ser vizinha do arguido e que o conhece desde criança, convivendo com ele regularmente, e qual o seu comportamento após o acidente, descrevendo o tipo de condução do arguido.
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As testemunhas mereceram credibilidade ao tribunal, tendo tido conhecimento directo sobre os factos que depuseram.
A testemunha RP… prestou depoimento sobre os factos que constatou no exercício das suas funções enquanto militar da GNR, deslocou-se ao local após o acidente, tendo elaborado a participação de acidente.
As testemunhas ER…, DR… e ME… depuseram sobre a personalidade do arguido e seu comportamento após o acidente, tendo revelado conhecimento directo sobre os factos por força da relação de amizade e convívio regular que com aquele mantêm.
Os depoimentos das testemunhas ocorreram de forma isenta, objectiva, sem contradições, tendo por isso merecido toda a credibilidade ao tribunal, que não teve razões para delas duvidar.
As declarações do arguido também mereceram a credibilidade do tribunal, o arguido relatou os factos atinentes ao acidente e de que se recordava, características da via e do veículo, e suas condições pessoais, de forma credível e em consonância com os demais elementos juntos aos autos e prova produzida.
f) Nos documentos de fls. 3 e 4.
g) Participação de acidente de fls. 13 a 14, que traduz a recolha de dados imediatamente após o acidente, com base nos vestígios deixados no local e posição final do veículo interveniente no acidente, as características do local, essa análise, permitiu-nos formar a convicção quanto às características do local, quanto ao modo como ocorreu o acidente, e vertido nos factos dados como provados, tudo conjugado com o depoimento da testemunha Rui Soares e declarações do arguido.
h) No auto de exame directo ao local de fls. 37 a 39, relatório fotográfico de fls. 42 a 61 e croqui de fls. 63, referentes ao local do acidente onde se visualiza a recta, a curva e o veículo interveniente no acidente de viação, e o seu estado após o embate.
i) No relatório de autópsia de fls. 123 e seguintes, de onde constam as lesões da vítima, que permitem concluir que decorreram directamente da colisão ocorrida, a qual, segundo as regras da experiência comum, constitui causa adequada, para produzir tais resultados.
j) No relatório toxicológico de fls. 118, de onde consta a taxa de álcool no sangue de que o arguido era portador.
l) No registo individual de condutor de fls. 67.
m) Na ficha técnica do veículo de fls. 27, que indica a data da última inspecção do veículo ocorrida em 2009/08/05, de onde resulta que não foram encontradas deficiências no veículo.
n) No que toca aos antecedentes criminais e idade do arguido, o tribunal levou em consideração o Certificado de Registo Criminal de fls. 172.
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Em suma, face à prova produzida, e conjugando todos os elementos, dúvidas não teve o tribunal que o acidente em causa nos autos ocorreu no termos supra descritos, e foi causado pela acção do arguido que imprimia ao veículo velocidade exagerada e que não era adequada ao local, pois tratava-se de uma curva, e embora não se tenha apurado qual a velocidade concreta a que o arguido circulava, pois este não soube precisar a que velocidade circulava, e não foi ouvida qualquer testemunha que tenha presenciado o acidente, dúvidas não restaram ao tribunal que o arguido circulava a velocidade superior a 50 Km/h, mas não excedia 90 Km/h.
Vejamos.
O arguido referiu que não circulava a velocidade superior a 90 km/h, da participação de acidente, do auto de exame directo ao local de fls. 37 a 39, relatório fotográfico de fls. 42 a 61 e croqui de fls. 63, resulta que o veículo tripulado pelo arguido despistou-se e entrou em derrapagem, existindo no pavimento marcas de derrapagem com uma extensão de 5,05m, que terão sido causadas pelo rodado do lado esquerdo (atento o estado dos pneus após o acidente), e considerando que do início da derrapagem até ao local de embate do veículo (pinheiro), distam 34,50m, e o estado do veículo após o embate (como se pode constatar pela fotografias juntas), podemos concluir que o arguido circulava a velocidade superior a 50 km/h, pois se circulasse a velocidade inferior o veículo não teria derrapado, deixando marcas no pavimento, nem teria embatido com violência no pinheiro, percorrendo desde o início da derrapagem até ao embate, a distância referida.
Por outro lado, a viatura tinha sido inspeccionada no início do mês de Agosto de 2009, não lhe tendo sido detectadas quaisquer deficiências. Ademais, arguido afirmou que não detectou qualquer problema nos pneus da viatura, acresce que, a via estava em boas condições, seca e limpa, o pavimento não tinha buracos (como referiu o arguido e resultou do depoimento da testemunha RP… e do auto de exame directo ao local), e no dia do acidente o tempo estava bom.
Assim, e não existindo qualquer causa relacionada com o veículo ou com a via, que pudesse conduzir ao despiste, e considerando que o arguido admitiu que momentos antes do acidente estava a conversar com os passageiros e que por momentos desviou o olhar da faixa de rodagem, somos forçados a concluir que o acidente se deveu ao facto de o arguido não ter adequado a velocidade às características da via, circulando com velocidade exagerada para o local, e desatento à condução, o que motivou o seu despiste, invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e embatendo no pinheiro existente na berma do lado esquerdo.
Ponderando a velocidade a que o arguido circulava e as características da via (curva), temos de concluir que o arguido agiu com imprudência, no entanto, não é plausível que o arguido tenha representado a possibilidade de com a sua conduta causar a morte a FV..., embora o pudesse e devesse ter feito.
Perante tudo o exposto, à luz das regras do senso comum e da experiência, e fazendo a análise crítica da prova produzida, e em obediência ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, resultou a convicção do tribunal expressa na matéria de facto acima exposta, não podendo o Tribunal valorar a prova produzida de forma diferente.
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Quanto ao facto não provado resulta da ausência de prova em relação aos mesmos produzida.
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Conhecendo:
Analisemos a questão suscitada:
- Impugnação da matéria de facto, por errada interpretação da prova produzida.
- Não prática das contra-ordenações e consequentemente não prática do crime.
Exagerada a medida de inibição aplicada.
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Matéria de facto:
Embora o recurso da matéria de facto não cumpra os requisitos expostos no art. 412 do CPP, é de simples percepção o teor da impugnação, daí a desnecessidade de qualquer aperfeiçoamento.
O recorrente impugna que o despiste tenha ocorrido à entrada da curva, como se refere no ponto 3 dos factos provados, antes entendendo que entrou na curva já em despiste.
Para o efeito alega o depoimento da testemunha RP…, militar da GNR.
Ouvido o depoimento, constata-se que no mesmo se refere que havia rastos na faixa esquerda atento o sentido de marcha do veículo, ainda antes da curva.
E, na motivação nenhuma prova se indica para justificar que o inicio do despiste coincidisse com o início da curva (ao entrar na curva).
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
Não há que reexaminar toda a prova produzida, mas apenas aquela que (concretizando-a) o recorrente tem como deficientemente apreciada.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
Assim, e conforme se constata do depoimento daquela testemunha, assiste razão ao recorrente.
Sem que de tal facto resulte qualquer benefício para o arguido.
Mais desatenção revela quem se despista numa recta do que quem se despista numa curva. Na curva mais que desatenção pode haver imperícia e falta de destreza.
Assim que se altera o ponto 3 e 4 dos factos provados passando a ter a seguinte redacção: “3. A dada altura, antes de entrar numa curva para a direita, o arguido, em virtude de circular a uma velocidade que não foi possível apurar em concreto, mas superior a 50 km/h, não excedendo 90 km/h, e de estar desatento à condução, entrou em despiste e perdeu o controlo do veículo”.

“4. O arguido efectuou uma derrapagem de cerca de 5,05 metros, atravessando a faixa de rodagem e passou a circular na metade esquerda da mesma e que se destinava aos veículos que circulavam em sentido contrário, acabando por embater contra um pinheiro que se encontrava a cerca de 8,70 metros da berma esquerda”.
Assim como dúvidas não restam que o veículo passou a circular na faixa de rodagem contrária, invadindo-a.
O despiste originado pela velocidade inadequada a par da desatenção manifesta, pois como consta da motivação da matéria de facto o arguido/recorrente ia a “brincar” aos telemóveis com o passageiro do banco da frente e, quando este lhe mostrou uma mensagem o recorrente “deixou de olhar por uns instantes para a faixa de rodagem, mencionando que o veículo invadiu a faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário”.
Violação do princípio in dúbio pró reo:
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.
Não se verifica violação de tal princípio.
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Do que já se deixou exposto resulta que as contra-ordenações imputadas foram causais do embate que culminou no óbito da infeliz vítima.
È manifesta a velocidade desadequada, atendendo à distância percorrida desde o início da invasão da faixa de rodagem contrária e a violência do embate no pinheiro com as consequências referidas nos factos provados.
É manifesto que o arguido invadiu a faixa de rodagem contrária, desde o início do despiste e até ao embate no pinheiro.
É manifesta a falta de atenção do recorrente no exercício da condução.
Assim que o recorrente cometeu o crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado.
Como se refere na sentença, as contra-ordenações porque causais da prática do crime não são punidas autonomamente, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para as contra-ordenações.
O que se fez na sentença sob recurso.
Porém, não poderia verificar-se a condenação na sanção acessória de inibição de conduzir porque as disposições legais aplicáveis não constavam da acusação nem da requalificação jurídica efectuada em audiência de julgamento (cfr. Acusação de fls. 131, onde se imputa as contra-ordenações p. e p. pelos artigos 25 nº 1 al. f) e 2, 27 nº 1 e 2 al. a) e 3, do Código da Estrada e fls. 221, acta da audiência de julgamento onde se refere a comunicação a que se reporta o art. 358 do CPP, onde se imputa também a infracção ao art. 13 nº 1 e 3 do Código da Estrada).
Neste sentido, embora aplicado a outro tipo de sanção acessória, o Ac. do STJ de 02-02-2005 in Col. Jurisp. Tomo I, pág. 189, “Omitindo-se na acusação a imputação das circunstâncias factuais de suporte da aplicação da pena acessória de expulsão e do respectivo preceito legal, é nula a aplicação da pena acessória.
Trata-se de nulidade insanável, que é do conhecimento oficioso –art- 379, nº 1 al. b) e nº 2 do CPP – e que afecta apenas a parte do acórdão que aplicou a pena acessória de expulsão.
E tem como consequência ficar sem efeito tal aplicação”.
Sobre a matéria semelhante à em concreto analisada nos autos há no mesmo sentido jurisprudência uniformizadora.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2008 fixou a seguinte jurisprudência: “Em processo por crime de condução perigosa ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos do os nºs 1 e 3 do artigo 358º do CPP, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379 deste último diploma legal”.
Acórdão que tem aqui plena aplicação.
No caso dos autos, não foi indicada na acusação a disposição legal que permite a aplicação das penas acessórias supra referidas.
Por esta via entende-se estar vedada a aplicação de tais penas acessórias, recorrendo-se à fundamentação do referido acórdão.
Acresce que as penas acessórias constituem verdadeiras penas, não podendo a sua imposição assumir carácter automático, estando a sua aplicação condicionada à comprovação judicial dos requisitos formais — prévia punição pela prática de um crime ou contra-ordenação — e substancial — particular conteúdo do ilícito que justifique materialmente a sua justificação.
Não basta a indicação na fundamentação de direito na sentença. Era necessário que a imputação legal de aplicação de uma sanção de inibição (sanção acessória) constasse da acusação, pronuncia ou da alteração de factos.
Assim que nesta parte e embora com fundamento diferente há-de o recurso proceder e o arguido ser absolvido das sanções acessórias em que foi condenado.
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Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AC... e, em consequência:
1-Absolve-se o arguido/recorrente das contra-ordenações imputadas e sanções acessórias de inibição de conduzir aplicadas;
2-Quanto ao mais, mantém-se a decisão recorrida.
Sem custas – art. 513 nº 1 do CPP.

JORGE DIAS (Relator)
BRIZÍDA MARTINS