Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
76/14.3JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: VIOLAÇÃO AGRAVADA
COACÇÃO SEXUAL AGRAVADA
MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
CONCURSO DE CRIMES
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - INSTÂNCIA CENTRAL - SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 2.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 30.º; 163.º, N.º 1; 164.º, N.º 1, AL. A); 177.º, N.ºS 1, AL. A), 5, 6 E 7, DO CP; ARTS. 123.º; 127.º; 410.º, N.º 2, AL. C); 412.º, N.ºS 3 E 4; DO CPP; ARTS. 32.º, N.ºS 1 E 5, DA CRP
Sumário: I - Na impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, cuja modificabilidade se pretende com base na reapreciação da prova, na motivação de recurso o recorrente deve observar as exigências do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, especificando os concretos pontos que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que pretende sejam reapreciadas no sentido de imporem decisão diversa da recorrida, não lhe bastando impugnar toda a matéria de facto e invocar toda a prova produzida que em seu entender impunha a absolvição, sob pena não se considerar impugnada naqueles termos e não haver lugar a despacho de aperfeiçoamento a que alude o art. 417.º, n.º 3, do CPP, por o aperfeiçoamento não permitir modificar o âmbito do recurso.

II - O arguido que ao longo de vários anos pratica actos sexuais de cópula com a mesma vítima, pratica tantos crimes quantas vezes a sua conduta preencher os elementos integradores do crime de violação previsto no art. 164.º, n.º 1, al. a), do CP, encontrando-se afastado o crime continuado, por força da redacção dada ao art. 30.º, n.º 3, do CP, pela Lei 40/2010, de 3/9, que eliminou a expressão “salvo tratando-se da mesma vítima”.

O crime continuado fica, pois, restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas.

III - Em termos de sucessão de leis no tempo, já não podiam ser subsumidos à figura do crime continuado, os crimes contra bens eminentemente pessoais da mesma vítima, designadamente os crimes e violação e coacção sexual ocorridos antes da entrada em vigor da lei nova, quando praticados por ascendente, com ameaça grave, violência ou abuso de autoridade, por falta de diminuição sensível da conduta do agente.

IV - O crime de coacção sexual e o crime de violação estão numa relação de concurso aparente ou especialidade, quando cometidos na mesma ocasião contra a mesma vítima, uma vez que os actos sexuais mais graves da violação integram os actos sexuais menos graves da coacção sexual, sendo estes frequentemente prévios ou preparativos do crime de violação.

V - Deve manter-se a condenação por crime de coacção sexual sempre que os actos praticados preencham o elemento do tipo “acto sexual de relevo” praticados em ocasião e circunstâncias distintas, sem serem seguidos de cópula ou outros actos sexuais integradores do crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. a), do CP, não estando assim numa relação de consumpção com este tipo legal de crime.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , solteiro, impermeabilizador, filho de (...) e de (...) , nascido a 22 de Janeiro de 1965, natural de (...) -Moimenta da Beira, titular do Cartão de Cidadão n.º (...) , emitido pelo Estado Português, residente na (...) Amadora, pela, o qual vinha acusado dos seguintes crimes:

- Um crime de coacção sexual agravado, previsto e punido pelos artigos 163.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.ºs 6 e 7, todos do Código Penal;

- Um crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.ºs 6 e 7, todos do Código Penal;

- Um crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.ºs 6 e 7, todos do Código Penal;

- Um crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.ºs 5, 6 e 7, todos do Código Penal;

- Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º2, do Código Penal;

- Um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e e), do Código Penal.

*

O tribunal colectivo deliberou:

a) Condenar o arguido pela prática de 3 (três) crimes de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 1, al. a) e n.º 5, 6 e 7, todos do Código Penal nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada crime;

b) Condenar o arguido pela prática de um crime de coacção sexual agravado p. e p. pelos art. 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º1, al. a), n.º 6 e 7 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

c) Condenar o arguido em cúmulo jurídico de penas na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

*

d) Absolver o arguido pelos crimes de violência doméstica e de sequestro agravado que lhe vinham imputados.

*

e) Determinar a inibição do exercício do poder paternal do arguido relativamente à sua filha B... até à maioridade desta, ou seja, até 11 de Dezembro de 2015;

*

Inconformado recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

«1 - Deve ser revogado o douto Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo a quo que condenou o arguido pela suposta prática de 3 (três) crimes de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164°, n.º 1, al. a) e 177°, n.º 1 al. a) e n.º 5, 6 e 7 todos do Código Penal, nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada crime, em concurso real com um bem como pela pretensa prática de um crime de coacção sexual agravado p. e p. pelo art. 163°, n.º 1e 177°, n.º l, al. a), e n.º 6 e 7 do Código Penal na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 8 (oito) anos de prisão, contra a ofendida, sua filha, B... , absolvendo-o da prática dos citados crimes.

2 - Impugna-se assim toda a matéria de facto dada como provada dos arts. 1.º a 41.º, com base nos depoimentos citados em I., das testemunhas aqui dadas por identificadas, tomados nas audiências de 23.3.2015 e 13.4.2015, cuja gravação não é inteiramente percetível como se invoca para os devidos efeitos legais, da forma apontada em II., aqui dada por integralmente reproduzida.

3 - Em suma, nenhuma das testemunhas inquiridas demonstrou saber NADA sobre os crimes por que foi condenado o arguido, com exceção das declarações da ofendida B... , mesmo assim não coincidentes com as do irmão C... , na única situação que este tem a impressão, não certeza, de ter visto.

4- Com efeito, a douta decisão recorrida assentou simplesmente, como é afirmado expressis verbis nas declarações da ofendida B... , e no princípio da livre apreciação da prova do julgador, utilizado de forma subjetiva.

5 - O arguido negou perentória e convictamente ter praticado os crimes de que vem condenado contra a sua filha dilecta.

6 - O douto Acórdão recorrido violou assim o princípio in dúbio pro reu, que deverá prevalecer.

SEM CONCEDER, e por mera cautela de patrocínio,

7 - Toda a descrição feita dos factos pela filha do arguido, e até a própria lógica inerente ao douto Acórdão, por muito que possamos estar em desacordo com ele, mas no que para aqui releva, é a de que aquele pai (o arguido) cometeu UM ÚNICO CRIME, porque continuado, ao longo do tempo descrito no Aresto, e assim o arguido poderia quando muito ter sido condenado pela prática de um único crime de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164.°, n.º 1, al. a) e 177.°, n.º l, al. a) e n.º 5, 6 e 7 todos do Código Penal, como se propugna.

8 - A mesma linha argumentativa defendemos quanto ao crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelo art.° 163°, n.º 1 e 177°, n.º 1, al. a) e n.º 6 e 7 do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado, também continuado, e assim sendo consumido pelo descrita supra em 7».

*

Notificado o Ministério Público nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, em questão prévia refere que a gravação é perfeitamente audível.

Sobre o objecto do recurso sustenta que o arguido não observou o preceituado no art. 412.º, 3, 4 e 5, do CPP na motivação, pelo que não se deve considerar a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente aos pontos 1 a 41 dos factos provados, não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento.

Cingindo-se o recurso à matéria de direito não foi violado o princípio in dúbio pro reo e a conduta do arguido não é subsumível ao crime continuado, ante se traduz num concurso efectivo de crimes.

*

Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no mesmo sentido do Ministério Público na 1.ª instância, concluindo pela improcedência do recurso.

*

Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não respondeu.

Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, com entrega de cópias e uma vez colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos Provados:

FACTOS PRATICADOS CONTRA A MENOR B... .

«1.A menor/ofendida B... nasceu no dia 11 de Dezembro de 1997.

2.É filha do arguido A... e de D... .

3.A menor nasceu na cidade da Amadora e aí viveu com os seus pais e com o seu irmão gémeo, C... , até há sensivelmente quatro anos atrás - 2010/2011 - data a partir da qual veio residir com os seus pais e irmão para Y(...) .

4.A partir do ano de 2006, quando a menor tinha 8 anos de idade, o arguido, valendo-se da circunstância da casa de habitação onde residiam não ter água canalizada nem electricidade, passou a obrigar a filha a acompanhá-lo à casa de banho situada na garagem de um vizinho, que trabalhava como mecânico de automóveis, onde iam encher garrafões de água.

5.Nessas ocasiões, que se repetiam quase diariamente, o arguido, aproveitando-se da circunstância de estar sozinho com a filha, apalpava-a, por cima e por baixo da roupa, na zona dos peitos e na zona genital/vagina.

6.Ao longo do tempo, de forma progressiva, o arguido passou, primeiro, a introduzir os dedos na vagina da ofendida B... e, posteriormente, passou a levantar-lhe a saia ou a baixar as calças e cuecas que a filha trazia vestidas, após o que encostava o seu pénis erecto à vagina da filha, friccionando-o até ejacular.

7.Em diversas ocasiões, o arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina da filha, friccionando-o com movimentos ritmados, apenas o retirando imediatamente antes de ejacular.

8.Após, em todas estas ocasiões, o arguido ejaculava e limpava o pénis a uma toalha que levava consigo para esse efeito.

9.Ocasionalmente, durante o dia, quando a mulher e o filho se ausentavam de casa, ou durante a noite, quando o resto da família dormia, o arguido tinha estes mesmos comportamentos no interior da casa de habitação, na cama onde dormia com a mulher (mãe da ofendida) ou no beliche onde dormiam os filhos (os ofendidos B... e C... ).

10.Após, em todas estas ocasiões, o arguido ejaculava e limpava o pénis a uma toalha que levava consigo para esse efeito.

11.Assim, nomeadamente, no dia 10 de Dezembro de 2007, em hora não concretamente apurada, mas no interior da residência que partilhavam, na cidade da Amadora, num momento em que mais ninguém ali se encontrava, o arguido levou a menor, sua filha, para o seu quarto, após o que se abeirou dela e despiu-lhe as calças e cuecas que esta trazia vestidas.

12.De seguida, o arguido despiu as suas calças e cuecas e, posicionado por cima da menor/ofendida, tentou introduzir o pénis erecto na sua vagina, mantendo com ela relações sexuais de cópula, sem utilização de preservativo, o que só não veio a concretizar, uma vez que naquele momento, o irmão da menor, C... e a mãe da menor e companheira do arguido, regressaram a casa.

13.No entanto, nessa mesma noite, em hora não concretamente apurada, o arguido dirigiu-se ao beliche onde a menor se encontrava a dormir e acordou-a, após o que lhe colocou a mão na boca, por forma a evitar que gritasse e após a menor ter oferecido resistência física, o arguido ameaçou que lhe batia, após o que lhe despiu as calças e cuecas que esta trazia vestidas.

14.Nessa ocasião, o arguido disse-lhe que “era só uns minutos”, “é rápido” e “tu não vais sentir dor”.

15.De seguida, o arguido despiu as suas calças e cuecas e, posicionado por cima da menor/ofendida, introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, mantendo com ela relações sexuais de cópula, sem utilização de preservativo.

16.Após, o arguido ejaculou e limpou o pénis a uma toalha que levou consigo para esse efeito.

17.Sempre, em todas e cada uma das ocasiões descritas, a ofendida B... manifestava a sua recusa, dizendo ao pai que não o queria acompanhar à garagem do vizinho e que não queria que ele a tocasse daquela forma e que a magoasse.

18.Porém, o arguido obrigava a filha a submeter-se à sua vontade, e para tanto, agarrava-a sempre com força, o que lhe provocava nódoas negras e colocava-lhe a mão na boca, por forma a evitar que esta gritasse e utilizava a força física, para a imobilizar e para a despir, e ainda ameaçava “dar-lhe porrada” se ela contasse a outras pessoas o que se passava.

19.Em datas não concretamente apuradas, de molde a evitar que estas situações continuassem a suceder, a menor pedia ao seu irmão C... para ir dormir consigo, mas aproveitando o facto de este ter um sono muito pesado, o arguido, de forma sorrateira e em número de vezes que não foi possível quantificar, dirigia-se ao beliche onde a menor se encontrava a dormir e em acto contínuo, colocava-lhe a mão na boca, por forma a evitar que esta gritasse e logo de seguida, o arguido despia-lhe as calças e cuecas que aquela trazia vestidas.

20.Nessas ocasiões, o arguido dizia-lhe sempre que “era só uns minutos”, “é rápido” e “tu não vais sentir”.

21.De seguida, o arguido despia as suas calças e cuecas e, posicionado por cima da menor/ofendida, introduzia-lhe o pénis erecto na vagina, mantendo com ela relações sexuais de cópula, sem utilização de preservativo.

22.Após, em todas estas ocasiões, o arguido ejaculava e limpava o pénis a uma toalha que levava consigo para esse efeito.

23.Em data não concretamente apurada, quando a menor tinha 11 anos, o arguido separou-se da mulher e, abandonando a casa de habitação da família, foi viver para casa de um amigo, situada na cidade da Amadora, durante cerca de duas semanas, levando consigo a ofendida B...

24.Durante esse período de tempo, inúmeras vezes, o arguido levou a filha para a cama e despiu as suas calças e cuecas e, posicionado por cima da menor/ofendida, introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, mantendo com ela relações sexuais de cópula, sem utilização de preservativo.

25.Após, o arguido ejaculou e limpou o pénis a uma toalha que levou consigo para esse efeito.

26.Em data não concretamente apurada, mas situada entre o final do mês de Dezembro de 2010 e o primeiro semestre do ano de 2011, o arguido, bem como a sua companheira e os seus filhos, B... e C... passaram a residir numa vivenda, sita no lugar de (...) , na área desta Instância Local de Arganil.

27.A menor, nessa altura, passou a ter um quarto só para si, no sótão da residência.

28.Em datas não concretamente apuradas e em número de vezes que não foi possível quantificar, o arguido dirigia-se ao quarto da menor e em acto contínuo, colocava-lhe a mão na boca, por forma a evitar que esta gritasse e após a menor oferecer resistência física, tentando libertar-se do arguido, este ameaçava que lhe batia e assim, conseguia despir-lhe as calças e cuecas que a menor trazia vestidas.

29.Nessas ocasiões, o arguido dizia-lhe sempre que “era só uns minutos”, “é rápido” e “tu não vais sentir”.

30.De seguida, o arguido despia as suas calças e cuecas e, posicionado por cima da menor/ofendida, introduzia-lhe o pénis erecto na vagina, mantendo com ela relações sexuais de cópula, sem utilização de preservativo.

31.Após, em todas estas ocasiões, o arguido ejaculava e limpava o pénis a uma toalha que levava consigo para esse efeito.

32.Numa dessas ocasiões, o menor C... , ouviu um barulho no quarto da menor, que tinha a porta aberta e ao entrar, apercebeu-se que aquela estava deitada na cama com o arguido, pai de ambos, e que estavam ao lado um do outro, com os corpos quase unidos, debaixo da roupa.

33.Nessa ocasião, percebeu pelos movimentos que o corpo do arguido fazia, que estariam a manter uma relação sexual, mas porque aquele olhou para a porta, com receio do que o arguido lhe pudesse fazer, teve que sair dali e foi-se esconder.

34.O arguido por forma a poder controlar a menor e ter mais possibilidade de praticar os actos supramencionados, levava-a consigo para todo o lado, até para evitar igualmente que esta pudesse contar a alguém as relações sexuais, não consentidas, que com ele mantinha.

35.Noutras ocasiões e por forma a manter a menor calada, o arguido ameaçava-a constantemente, que lhe batia caso ela contasse alguma coisa a alguém e ainda lhe referia que caso viesse a ser do conhecimento de algumas pessoas que ela mantinha relações sexuais consigo, era uma vergonha para ela, menor e que era ela que passaria a ser mal vista perante a família e perante a restante comunidade onde se encontrava inserida.

36.No dia 01 de Julho de 2013, em hora não concretamente e na sequência dos abusos sexuais que sofreu e por já não suportar mais a vida que levava, conjugado com a violência que era exercida sobre o seu irmão, por parte do arguido, pai de ambos, a menor, o seu irmão C... e a mãe de ambos, saíram da residência que partilhavam com o arguido, na localidade de (...) , nesta vila de Y(...) e foram viver para uma Casa Abrigo, sita na Z(...) .

37.Apenas, nessa data, cessaram os abusos sexuais que o arguido praticou durante anos contra a sua filha, B... .

38.O arguido A... actuou sempre com o intuito de com as suas descritas condutas, satisfazer os seus instintos sexuais e paixões lascívias, à custa da ofendida, até ao momento em que partilhou residência com esta, acto que conseguiu, bem sabendo que, com os seus comportamentos, atingiam o livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual daquela, que era menor de catorze anos, circunstância essa que bem conheciam e que, por causa dessa idade, aquela não tinha capacidade para querer e entender o significado social dos actos nela praticados e das conversas com ela mantidas.

39.O arguido, por meio de violência e ameaça grave e para satisfação da sua libido, agiu com o propósito conseguido de constranger a menor, sua filha, a suportar actos sexuais de relevo, até ao momento em que partilhou residência com esta, bem sabendo que o fazia contra a sua vontade e sem o seu consentimento, e que assim violava a sua liberdade sexual, o que representou.

40.Em todas as circunstâncias descritas, o arguido A... agiu de forma livre, voluntária e consciente, no propósito de, concretizado, ora através de ameaça grave, ora através de violência física e psicológica, manter com a ofendida B... , sua filha, a prática de actos sexuais de cópula, até ao momento em que com ela partilhou residência, contra a vontade e pondo em causa a autodeterminação sexual daquela e assim satisfazer os seus desejos de natureza libidinosa, o que representou.

41.O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal».

FACTOS PRATICADOS CONTRA O MENOR C...

«42.O menor/ofendido C... nasceu no dia 11 de Dezembro de 1997.

43.É filho do arguido A... e de D... .

44.O menor nasceu na cidade da Amadora e aí viveu com os seus pais e com a sua irmã gémea, B... , até há sensivelmente quatro anos atrás - 2010/2011 - data a partir da qual, veio residir com os seus pais e irmã para Y(...) .

45.O arguido aplicava-lhe reprimendas e correctivos excessivamente severos, bem como lhe infligia gratuitamente agressões ao corpo e à saúde do filho C... .

46.Assim, era frequente o arguido abeirar-se do menor, no interior das residências que foram partilhando, quer na cidade da Amadora, quer nesta vila de Y(...) , e, sem qualquer razão aparente, desferir-lhe chapadas e murros, que o atingiam na face, bem como pontapés que o atingiam nos membros superiores, esquerdo e direito e nos membros inferiores, esquerdo e direito.

47.Por outro lado, inúmeras vezes e sem qualquer motivação, o arguido dirigia ao menor insultos, tais como “paneleiro”, “menina”, “gay”, “abichanado”, “não prestas para nada”, “só prestas para comer” e “nunca vais ser nada, nem ninguém”.

48.Em dia não concretamente apurado, mas situada entre o início do mês de Janeiro de 2013 e o dia 01 de Julho desse mesmo ano, na localidade de (...) , na área desta Instância Local de Arganil, numa altura em que o menor C... se encontrava a brincar na rua, o arguido chamou-o para ir almoçar, ao que aquele lhe respondeu que “já ia”.

49.Assim que o menor regressou à residência que partilhavam, o arguido, que o acusava de andar sempre a brincar, abeirou-se dele e disse-lhe em tom exaltado “já que queres brincar, se é disso que queres comer, agora faz-te à vida” “agora vai-te embora”, “vai fazer a tua vida, “sai daí” e “faz o que tu queres”.

50.O menor, muito assustado com a reacção do arguido, seu pai, não teve outra alternativa do que abandonar a casa de habitação.

51.Após alguns minutos, o arguido saiu no encalço do filho (seguido de perto pela menor B... , muito amedrontada com a possibilidade de o pai agredir o irmão), acabando por encontrar o filho junto às instalações do café “ K (...) ”, sito naquela localidade.

52.Aí chegados, o arguido abeirou-se do menor C... e desferiu-lhe um número não concretamente apurado de chapadas e murros, que o atingiram na face, bem como pontapés que o atingiram nos membros superiores, esquerdo e direito e nos membros inferiores, esquerdo e direito.

53.Logo após, o arguido, sem que o menor esboçasse qualquer reacção, agarrou na cabeça deste com as mãos e bateu com a mesma num muro que lá existia, e ainda lhe apertou o pescoço com as mãos, quase o sufocando, e em acto contínuo, agarrou-lhe ambos os braços.

54.Tendo ainda, quando chegaram a casa, prendido o menor com uma corda a uma porta da cozinha durante algum tempo.

55.No dia 1 de Julho de 2013, em hora não concretamente e na sequência dos maus tratos físicos e psíquicos que sofreu e por já não suportar mais a vida que levava, conjugado com os abusos sexuais que eram exercidos sobre a sua irmã, B... , por parte do arguido, pai de ambos, o menor, aquela sua irmã e a mãe de ambos, saíram da residência que partilhavam com o arguido, na localidade de (...) , nesta vila de Y(...) e foram viver para uma Casa Abrigo, sita na Z(...) .

56.Nas ocasiões supra referidas, o arguido sabia que praticava os factos supra descritos na residência que partilhava com a sua companheira e com os aqui ofendidos, seus filhos, e não obstante tal facto, quis provocar dores físicas e mal-estar psicológico na pessoa do menor C... , que bem sabia ser seu filho e pessoa particularmente indefeso em razão da idade, bem sabendo que os provocaria, tendo em atenção as regiões do corpo que procurou e conseguiu atingir, querendo, na verdade, dar causa a essas dores e mal-estar, bem sabendo que as suas descritas condutas eram adequadas à produção daqueles efeitos, os quais, apesar de não terem recebido tratamento hospitalar, de forma directa, adequada e necessária provocaram-lhe dores e mau estar físico e psicológico.

57.O arguido agiu com pleno conhecimento de que as expressões que proferiu eram adequadas e susceptíveis de atingir, como atingiram, o menor/ofendido C... na sua honra e consideração que lhe é devida, quer enquanto pessoa, quer na qualidade de seu filho, humilhando-o.

58.O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal».

***

«59. A... é proveniente de uma família numerosa, onze filhos, sendo o mais novo da fratria.

60.Desenvolveu-se junto dos pais e irmãos, num contexto socioeconómico precário, tendo o seu processo de socialização decorrido num bairro degradado da cidade de Lisboa, caracterizado pela exclusão social e marginalidade.

61.A situação económica do agregado familiar era precária, sendo os rendimentos para o sustento da família provenientes, apenas, da profissão exercida pelo pai, operário da construção civil.

62.A mãe era doméstica e terá abandonado a família, era o arguido criança, ficando os filhos entregues ao pai.

63.A dinâmica familiar pautou-se pela disfuncionalidade, permissividade e incapacidade do pai em exercer uma adequada supervisão face a comportamentos de risco que o arguido começou a evidenciar desde criança, tais como fugas à escola e dificuldades de inserção naquele meio, privilegiando a vida de rua.

64.Deste modo, habilitou-se com a antiga 4ª classe e foi alvo de intervenção no âmbito da lei tutelar de menores, tendo passado alguns anos internado nos, então, colégios de reeducação do Mistério da Justiça, de onde saiu quando atingiu a maioridade.

65.Na fase da adolescência iniciou-se no consumo de estupefacientes, sendo-nos referido o consumo de haxixe, do qual nunca se desvinculou, manifestando consciência da sua dependência aditiva, desvalorizando, no entanto, que a mesma possa alguma vez ter alguma implicação no seu comportamento.

66.Após a sua desvinculação da tutela do sistema de administração de justiça, foi habitar para casa de um irmão, subempreiteiro da construção civil, com o qual iniciou trabalho, sem nunca ter tido vínculos laborais.

67.Ali permaneceu até ter iniciado união de facto com a companheira e mãe dos seus três filhos.

68.O casal foi residir para casa da sogra do arguido, na Amadora, numa habitação que nos é descrita como precária e de espaço exíguo, onde nasceram os seus três filhos.

69.A companheira do arguido já tinha uma filha de um anterior relacionamento, na altura com 6 anos, que fez parte do agregado familiar até aos 15 anos, idade com que saiu de casa e paulatinamente foi deixando de contactar a família.

70. A... e a companheira trabalhavam de forma irregular, ele na construção civil e ela em limpezas ou cafés, dispondo de uma situação económica precária.

71.Perante a conjuntura do mercado de trabalho, o arguido foi tendo dificuldade em obter trabalho, nomeadamente na área da construção civil, deslocando-se para a zona de Y(...) , por intermédio de um amigo, onde foi executar trabalhos sazonais no campo, na expectativa de melhorar as suas condições de vida e a da sua família.

72.Temporariamente fixou residência numa casa anexa à do amigo e posteriormente, arrendou uma casa na aldeia de (...) , pela qual pagava 120€/mês cultivando um pequeno terreno circundante, para onde foram residir, a companheira e os três filhos, que lhes permitia praticar uma agricultura de subsistência. Os dois mais novos integraram o sistema de ensino e o mais velho, pretensamente foi trabalhar.

73.O arguido por intermédio do Instituto de Emprego e Formação Profissional, concluiu um curso de manobrador de máquinas agrícolas, tendo obtido equivalência ao 6º ano de escolaridade.

74.O relacionamento intrafamiliar é descrito como conflituoso entre os pais e o filho mais velho, que é assinalado como um indivíduo que privilegiava um estilo de vida ocioso.

75.O arguido foi alvo de intervenção no âmbito de uma suspensão provisória do processo em 2012, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo cumprido adequadamente uma prestação de serviços de interesse público.

76.À data dos factos do presente processo o arguido residia com a companheira, com quem vive em união de facto há 23 anos e com os três filhos do casal, sendo os menores dos autos os mais novos.

77.Residiam na Amadora, na habitação que era da sogra do arguido que nos é descrita como tendo precárias condições de habitabilidade e espaço exíguo, onde nasceram os três filhos.

78.O arguido era o único que trabalhava de forma irregular na construção civil, a companheira já se encontrava reformada por invalidez, tendo como único rendimento fixo a sua pensão.

79.Em 2013 o arguido veio residir para a Amadora, após a sua separação da família, por factos ocorridos que configuraram crime de violência doméstica contra os menores dos autos, no âmbito do processo nº 163/13.5GBAGN.

80.A companheira e os filhos integraram durante alguns meses uma Casa Abrigo e posteriormente os dois filhos mais novos, vítimas no presente processo, foram institucionalizados.

81.O arguido inicialmente veio residir para casa de um sobrinho e posteriormente arrendou uma casa, onde habita no presente com a companheira que veio juntar-se a ele.

82.Pagam de renda 200€/mês e cultivam um pequeno terreno que lhes permite manter, também na Amadora, uma agricultura de subsistência.

83.A companheira recebe 379,04€/mês de pensão de invalidez, sendo o único rendimento fixo de que dispõem, considerando ambos, que conseguem equilibrar o seu sustento.

84.O arguido encontra-se desempregado, não tendo conseguido fazer biscates nos últimos tempos.

85.Do ponto de vista pessoal, o arguido procura manter uma postura e um discurso correspondente ao socialmente esperado.

86.O seu percurso de vida foi marcado do ponto de vista pessoal e social por rupturas afectivas, realçando-se um prolongado período de tempo institucionalizado em colégios de reeducação, pelo facto de precocemente ter evidenciado comportamentos disruptivos.

87.Abordada a forma como está a vivenciar a separação dos filhos, aparentemente, não manifesta emoções, que revelem saudade ou angústia da separação.

88.Num contexto global, o arguido revela baixo sentido crítico face a actos ilícitos e baixa capacidade de descentração, registando-se alguma desvalorização do bem jurídico em causa, bem como dificuldade em compreender o dano causado em eventuais vítimas.

89.No que respeita à sua situação processual o arguido verbaliza disponibilidade em colaborar com sistema judicial no que concerne à sua decisão final.

90.O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução, sob condição de não se aproximar dos seus filhos menores de idade, tendo os factos sido praticados até ao dia 29 de Junho de 2013, tendo a decisão transitado em julgado em 28/04/2014, mas versaram sobre o período de tempo em que o arguido coabitou com os seus filhos menores, tendo a partir da data mencionada o arguido deixado de ter contacto com os seus filhos menores de idade, aqui ofendidos B... e C... ».

Factos não provados:

«1.A proprietária do café referido em 51), quis interceder pelo menor, para impedir que as agressões continuassem, mas o arguido disse-lhe: “se te puseres à frente também apanhas”.

2.Em acto contínuo, o arguido agarrou o menor C... e levou-o para o interior do café, num momento em que este se encontrava a chorar, o que o deixou muito envergonhado, pelo facto de as pessoas que lá se encontravam terem presenciado as agressões que havia acabado de sofrer.

3.Logo após, o arguido abeirou-se do menor e disse-lhe “agora vamos para casa e quando chegarmos a casa vamos ter uma conversa”.

4.O ofendido C... permaneceu sensivelmente durante vários dias preso pelo pescoço, pelo menos uns três dias.

5.O arguido apenas alimentava o filho uma vez por dia e proibiu os restantes familiares de o ajudarem.

6.Apenas quando o arguido saía de casa, às escondidas dele, é que a mãe do menor e a sua irmã, B... , lhe davam comida.

7.O arguido agiu com o intuito de privar a liberdade do menor C... , que bem sabia ser seu filho, durante pelo menos três dias».

Convicção do Tribunal:

«A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:  - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana. Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.

Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).

Não se tratará pois, na “ convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e quanto à dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.

Daí que haja necessidade de tais comprovações serem sempre motivadas.

Quanto aos factos imputados ao arguido relativamente à menor B... há que atender ao facto de a prova da verificação dos factos nos crimes de natureza sexual, por força das circunstâncias, ser particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova directa, e regra geral só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima. Daí que assuma especial relevância o depoimento da vítima, desde que, como é evidente, o mesmo seja credível e esteja em sintonia com as regras da experiência comum, pois só nesse caso é susceptível de formar a convicção do julgador.

Conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 6.3.1991, «I. O Tribunal coletivo aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se das declarações dos ofendidos desde que credíveis e coerentes. II. Tratando-se de crimes sexuais, essas declarações têm especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento» (in CJ, T.II, p. 287).

No caso presente, a prova dos crimes imputados ao arguido assentava essencialmente nas declarações da menor ofendida. Tendo a mesma à data dos factos entre os 8 e os 15 anos de idade, a valoração do seu depoimento exige do tribunal especiais cuidados. Desde logo, estando em face de uma situação de cariz sexual a mesma não pode deixar de se apresentar à menor com as dificuldades inerentes ao seu estado de desenvolvimento intelectual e sexual. Daqui decorre que a apreensão que a mesma possa fazer da realidade não pode ser a mesma que um adulto faria na mesma situação. Neste sentido, o tribunal terá que estar atento à prova, designadamente às suas declarações e aos depoimentos das pessoas que com ela conviveram e a quem esta relatou os factos, por forma a depurar aquilo que é o seu discurso, daquilo que possa ser um discurso importado de um qualquer adulto.

Por outro lado, uma criança não tem um desenvolvimento intelectual que lhe permita construir por si uma estória falsa totalmente coerente e credível, juntando pormenores de cariz sexual que a mesma não vivenciou.

Só tendo em atenção este pano de fundo é possível compreender as suas declarações para memória futura e lhes dar o devido valor probatório, sendo certo que a menor para além das declarações para memória, veio a produzir novas declarações, perfeitamente coerentes e esclarecedoras em audiência de discussão e julgamento, por se ter entendido haver necessidade de alguns esclarecimentos adicionais, designadamente quanto aos períodos de tempo e locais em que os factos ocorreram.

Quanto às declarações para memória futura da ofendida menor e sequenciais em audiência de discussão e julgamento, as mesmas convenceram o tribunal da sua veracidade uma vez que das mesmas transparece o perfil psicológico da menor supra referido, e em nenhum momento das suas declarações transparece qualquer sentimento de vingança, ou qualquer incoerência que não seja justificável pelas condicionantes psicológicas e emocionais da menor . Com efeito, a menor de uma forma consistente, coerente e credível relatou os factos nos termos constantes da acusação, não havendo nos autos quaisquer factos que contrariem as suas declarações, antes havendo outros elementos objectivos que corroboram as mesmas. Quanto às práticas sexuais a que a mesma foi submetida pelo arguido constata-se que a mesma refere que em todos os locais por si referidos - casa da família na Amadora e também casa de banho situada na garagem de um vizinho, casa de um amigo na Amadora, onde arguido e filha viveram e Y(...) , onde coabitou a família, antes de ter ocorrido a separação e institucionalização dos menores, a mesma foi sujeita ao mesmo tipo de práticas mencionadas na acusação, designadamente apalpando esta na zona genital e peito e mantendo com a mesma cópula vaginal de forma reiterada.

Nesta matéria realce-se que conforme referido pela menor tais práticas iniciaram-se quando a mesma tinha 8 anos, o que justifica não só o discurso da menor como as dificuldades de localização temporal dos mesmos, tendo passado para relações sexuais vaginais a partir de, pelo menos a idade de 10 anos desta, na medida em que a mesma refere, sem margem para dúvidas uma situação de cópula nas vésperas de fazer 10 anos de idade e daí em diante, de forma reiterada e para onde quer que fosse. Por sua vez, não podemos deixar de ter em atenção que a menor vivia com o arguido, seu pai, e a mãe, pessoas que representavam para a mesma a sua família, a sua protecção.

Sem prejuízo de tais condicionantes as declarações da menor são claras e não levantam dúvidas quanto às práticas sexuais que sofreu, dada a forma impressiva, coerente e esclarecida dos seus relatos ao Tribunal.

Relativamente à regularidade de tais práticas há que atender ao facto de o desenvolvimento intelectual da menor ainda não permitir a mesma compreensão do tempo. Ainda assim, a mesma refere que foi sempre que ao pai lhe apetecia. Esta menção mais do que ser interpretada à letra deve ser compreendida como a alusão a uma prática reiterada de tal modo que para uma criança com aquela idade era como se fosse quase todos os dias. Aliás este facto ao invés de criar no tribunal perplexidade e dúvidas sobre a veracidade sobre o seu depoimento, reforça a credibilidade uma vez que é o reflexo da idade da menor. Com efeito, uma criança com 8, 10, 12 anos sujeita a práticas reiteradas no tempo não tem capacidade cognitiva em face do seu desenvolvimento intelectual para projectar a passagem do tempo e situar cada um dos factos num concreto período de tempo. Se o fizesse, tal facto, em nosso entender, seria demonstrativo de estar a “importar” relatos de adultos, os quais, esses sim, conseguem encadear no tempo e de forma coerente factos passados.

Questionada quanto ao facto de a mesma não ter contado a ninguém, a menor é peremptória ao referir que nunca disse nada por medo do arguido e também vergonha que sentia da situação por si vivenciada.

O facto de a menor apenas ter relatado os factos quando já se encontrava institucionalizada, revela que só nessa altura se sentiu em segurança e ganhou a confiança para relatar tais factos, libertando-se do jugo do agressor, seu pai, que durante cerca de 7 anos fez da sua filha o alvo da sua lascívia sexual. Os relatos da menor são ainda consistentes e coerentes na análise que se faz em face da restante prova produzida, designadamente das declarações do seu irmão gémeo C... que refere que o pai fazia sempre questão de estar sempre junto da sua irmã e que esta, a partir de determinada altura e de forma algo inusitada, queria dormir junto dele, tendo mesmo o menor visto, por uma ocasião, uma situação, em que descortinou o pai a ter relações sexuais com a sua irmã, tendo o mesmo chegado a confrontar a irmã com o que vira, tendo esta na altura e pelas razões que evidenciámos supra, referido ao irmão que tal não tinha ocorrido.

Relativamente às agressões perpetradas na pessoa do menor C... , o Tribunal teve em conta as declarações do próprio (para memória futura e os esclarecimentos adicionais prestados em audiência), coerentes, esclarecidas e desapaixonadas, em consonância com as declarações produzidas pela sua irmã e pela restante prova produzida, designadamente da sua irmã mais velha E... , que explicou o clima que era vivido pela família, até ao momento em que com eles coabitou, ainda na Amadora, tendo ainda esclarecido o papel da mãe, pessoa com grandes limitações pessoais e que nunca conseguiu desempenhar um papel protector no seio da família, dadas as suas limitações e dependência em face do arguido. Foi ainda considerado o testemunho de G... , inspector da Polícia Judiciária e que explicitou as diligências que encetou no âmbito da investigação e os elementos que coligiu de prova.

Foi ainda tido em consideração a comunicação efectuada pela Casa da Criança de (...) , de fls. 24 a 25, certidão extraída dos autos de processo comum singular n.º 163/13.5GBAGN, a fls. 126 a 146, certidões de assentos de nascimento dos menores e certificado do registo criminal do arguido.

Quanto às condições económicas e pessoais do arguido o tribunal atendeu ao teor do relatório social elaborado pela DGRSP.

No que concerne à factualidade dada como não provada e que se circunscreve a algumas circunstâncias da situação vivida pelo menor C... junto ao café K(...) e depois em casa do arguido, sequencialmente a tal episódio, tal resultou da testemunha F... apenas ter confirmado algumas das agressões perpetradas pelo arguido sobre o seu filho, revelando desconhecimento sobre a restante matéria e quanto ao modo como o arguido foi posteriormente amarrado pelo pescoço, ficaram por demonstrar alguns aspectos descritos na acusação, designadamente o tempo em que o mesmo foi sujeito a tal sevícia, as circunstâncias em que se manteve preso, designadamente em termos de alimentação e de capacidade deste se movimentar pela casa, já que, tanto o menor como a sua irmã acabaram por afirmar que o arguido ausentou-se de casa e que nessa altura tiveram oportunidade de estar com o C... , tendo este sido, nesta parte, impreciso quanto ao tempo em que se manteve com uma corda ao pescoço e se duma primeira vez referiu um período alargado de tempo, em declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento admitiu não conseguir precisar tal aspecto, justificando de uma forma perfeitamente plausível que tal episódio o magoou bastante e que por isso fez um esforço para esquecer os contornos do mesmo. E assim, na nossa perspectiva, não se infere que o arguido tenha agido com o intuito concretizado de privar a liberdade do menor e muito menos pelo período mínimo de 3 dias, mas outrossim que o arguido, com a dita actuação, tenha querido, mais uma vez, humilhar o seu filho e provocar-lhe mau estar psicológico, ao castigá-lo de forma desajustada, cruel e desumana, como explicitaremos infra, na abordagem jurídica que encetaremos de seguida».

 *

II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Apreciar a impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos 1 a 41 dos factos provados e se foi violado o princípio da livre apreciação da prova e o princípio in dúbio pro reo.

b) Apreciar se a conduta do arguido é subsumível à prática de um só crime na forma continuada

Apreciando:

a) Da impugnação dos pontos 1 a 41 dos factos provados e da violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo.

O recorrente alega que os factos 1 a 41, dados como provados, deviam ter sido dados como não provados.

Em audiência de julgamento foram ouvidas as seguintes pessoas:

G... , inspector da PJ, cujo depoimento consta de passagem 15:05:45 – 15:26:06, da sessão realizada em 23/3/2015.

E... , enteada do arguido e meia-irmã dos co-ofendidos (por parte de mãe), agente de seguros, cujo depoimento consta de passagem 15:26:4l – 15: 53: 46s, da sessão realizada em 23/3/2015.

D... , mãe biológica dos dois ofendidos e mulher do arguido, a qual se recusou a prestar declarações dada a sua relação de parentesco com os ofendidos e o arguido.

F... , proprietária de café, cujo depoimento consta de passagem 15:59:42 – 15:55:58, da sessão realizada em 23/3/2015.

B... , ofendida nos autos, filha biológica do arguido, cujo depoimento consta de passagem 9:57:05 – 10:40:22, da sessão realizada em 13/4/2015.

C... , ofendido nos autos, filho biológico do arguido, e irmão gémeo da co-ofendida, cujo depoimento consta de passagem 10:44:29 – 11:08:13, da sessão realizada em 13/4/2015.

O arguido, pai biológico dos dois ofendidos, cujo depoimento consta de passagem 14h:42:35 – 15:05:11, da sessão realizada em 23/3/2015.

*

O arguido põe em causa a qualidade da gravação dos depoimentos, limitando-se a dizer que a gravação dos depoimentos tomados, sobretudo os da sessão de 13.4.2015, não são inteiramente perceptíveis.

A qualidade da gravação não é perfeita, mas é audível e totalmente perceptível, de forma a compreender o teor das declarações prestadas.

O arguido, à semelhança do que faz relativamente à impugnação da matéria de facto, apenas afirma de forma genérica que a gravação dos depoimentos não são inteiramente perceptíveis.

O recurso deve incidir sobre questões concretas.

E mesmo sobre a gravação, dos depoimentos devia invocar as passagens concretas que em seu entender não são perceptíveis, de forma a que o tribunal a quo pudesse suprir logo a deficiência.

A deficiente gravação é uma mera irregularidade, que só deve ser atendida se afectar o valor do acto praticado, o que não é manifestamente o caso e a mesma deve ser arguida ou oficiosamente reparada ou mandada suprir, nos termos do art. 123.º, do CPP.

Ora, o arguido não só não impugnou a matéria de facto, por erro de julgamento, de acordo com o art. 412.º, n.º 3 e 4, do CPP, como não apontou concretamente as passagens que se encontram gravadas de forma deficiente.

Não basta dizer que todos os depoimentos “não são inteiramente perceptíveis”

O recurso deve ser dirigido a questões concretas.

São sete as pessoas ouvidas a que o arguido faz referência e não basta apontar para a generalidade dos depoimentos, mas apenas para aqueles e na parte que no interesse do recurso afectam a matéria de facto e concretamente quais os factos.

Mas independentemente da alegação do recorrente sempre nos era permitido oficiosamente ordenar a reparação, nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPP.

Porém, não só são perceptíveis os depoimentos, ainda que a gravação não seja perfeita, como se tornaria um acto inútil a repetição da tomada de novo depoimento, uma vez, como iremos demonstrar, a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, não satisfaz os requisitos mínimos, sendo certo que a gravação dos depoimentos tinha precisamente em vista a modificabilidade da matéria de facto, com base na reapreciação da prova orla produzida em audiência.

Por isso, não faria sentido repetir a tomada de depoimentos, mesmo que não fossem perceptíveis.

*

Relativamente ao teor da prova produzida em audiência de julgamento de que o arguido se pretende servir, para a modificabilidade da matéria de facto o mesmo diz que negou peremptoriamente a prática de qualquer dos crimes de que vinha acusado contra a sua filha B... , e confirmou determinados excessos praticados contra o filho, ainda que não coincidentes com a amplitude daqueles de que vinha acusado.

Relativamente aos restantes depoimentos faz a apreciação dos mesmos em vez de dizer em que parte o depoimento em concreto impõe decisão diversa da recorrida.

Em seu entender a testemunha G... , quanto aos factos pelos quais o arguido foi condenado nada demonstrou saber, e tudo quanto disse foi-lhe relatado pelos co-ofendidos e meia-irmã, muito depois da data daqueles.

Quanto á testemunha E... , enteada do arguido refere que também demonstrou nada saber, ainda que tivesse tido um depoimento eivado de ódio contra o arguido, de quem não gosta.

Em seu entender esta era a única testemunha que podia trazer alguma luz aos factos, para além dos pretensos ofendidos, por ter convivido na mesma casa com o arguido, pelo menos no período a que se referia o crime coacção sexual e o primeiro crime de violação pelos quais foi condenado.

Quanto à testemunha D... , mãe biológica dos dois ofendidos e mulher do arguido, acompanhado este e com ele saindo da audiência de julgamento para regressarem à residência de ambos na Amadora, não prestou declarações.

A testemunha F... demonstrou conhecer toda a família - pai, mãe e dois filhos biológicos – constando do seu depoimento que se trata de uma família normal, negando que tivessem ocorrido os factos de que o arguido vinha acusado de praticar contra o filho.

Quanto ao depoimento das vítimas B... e C... pretende pôr em causa a sua credibilidade.

Quanto ao C... diz que demonstrou nada saber ou sequer suspeitar sobre a prática de tais crimes contra a irmã gémea, excepto de que numa noite ao entrar no quarto às escuras pareceu-lhe ver uns vultos debaixo das roupas.

Para impugnar a matéria de facto alega ainda que não foram feitos exames psicológicos e ou psiquiátricos à vítima para atestar a veracidade do que aquela verberou em juízo, que não foram requeridos, nem houve prova testemunhal a esse propósito.

Por outro lado, exames biológicos, científicos da prática desses crimes também não existiram, nem houve prova testemunhal a esse propósito.

Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação especifica os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.

Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

(…)».

O recorrente não indica os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, isto é, limita-se a impugnar toda a matéria de facto dada como provada e que levou à condenação do arguido pelos crimes de violação agravada e de coacção sexual agravada, constantes dos pontos 1 a 41, dados como provados.

Por outro lado não indica as provas concretas que em seu entender impõem decisão diversa da recorrida.

Relativamente às pessoas ouvidas e audiência de julgamento o recorrente não dá cumprimento ao disposto no art. 412.º, n.º 4, do CPP, preceito este que exige, que quando as provas sejam gravadas, as especificações previstas nas al. b) e c), do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

O recurso da matéria de facto não deve traduzir-se como um segundo julgamento, repetindo a audição dos depoimentos das testemunhas na sua íntegra, sem justificação para tal.

Ficamos com a impressão de que o arguido impugna a matéria de facto por impugnar, pois até os factos 1 a 2 provados impugna por erro de julgamento, demonstrados por documento autêntico!

Por outro lado, importa frisar que devemos ter em atenção que as concretas provas indicadas pelos recorrentes, para se concluir pela alteração da matéria de facto, devem impor decisão diversa da recorrida, não deixando alternativa ao julgador.

O recorrente limita-se a opinar sobre o sentido da credibilidade e valoração da prova que em seu entender deveria ter sido dado.

Manifestamente que não cumpriu minimamente com as regras da impugnação constantes do art. 412.º, n.º 3 e 4, do CPP, antes enveredando pelo erro notório na apreciação da prova.

Nesta conformidade não há que dar cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento previsto no art. 417.º, n.º 3, do CPP, já que por força do n.º 4, do mesmo artigo, não é permitido modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação e esta apontar claramente para erro na apreciação da prova.   

Apreciemos pois o recurso face ao âmbito constante da motivação.

Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.

Este princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.

O julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, nº 2, do CPP.

A apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

A apreciação da prova pelo julgador é livre, mas discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127. ° do CPP.

Neste sentido se pronunciou o Ac do TC de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.

Há vício de erro notório na apreciação da prova, quando na apreciação das provas se constata existir erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, o qual deve resultar a partir do texto da sentença recorrida e dos documentos nos termos sobreditos.

No caso dos autos é patente que as provas foram apreciadas e valoradas de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, no sentido de que os pontos 1 a 41 dos factos dados como provados correspondem à realidade descrita pela ofendida.

Aliás, os crimes de cariz sexual, designadamente de violação, mormente perpetrados por ascendentes sobre menor, ocorrem em segredo frequentemente por muitos anos, como aliás é o caso, dado o domínio e temor infligido pelo predador sobre a vítima.

São as regras da experiência e da vida que nos ensinam a interpretar crimes tão repugnantes e tão censurados pela comunidade.

A vítima, para se conseguir libertar e publicitar o crime vive por vezes anos de angústia e sofrimento.

O drama da B... perdurou dos 8 aos 14 anos de idade.

Começara em 2006 e só terminara em 1/7/2013, data em que a ofendida, irmão C... e mãe decidiram, abandonar o arguido e rir viver para uma Casa Abrigo, na Z(...) .

Foram cerca de 7 anos!

Diz-nos também a experiência que a gravidade dos factos não levam a vítima de ânimo leve a levantar uma suspeita sobre o próprio pai.

Por isso a versão da vítima nestes casos é valorada de forma especial, sem que o julgador deixe de estar atento às motivações que determinam os agentes judiciários, desempenhando aqui papel importante os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo”  - Cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004.

Como já referimos nos crimes de natureza sexual, por força das circunstâncias, a prova e particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova directa, e regra geral só têm conhecimento da maioria dos factos e das circunstâncias em que ocorreram o arguido e a vítima.

Daí que assuma especial relevância o depoimento da vítima, desde que, como é evidente, o mesmo seja credível e esteja em sintonia com as regras da experiência comum, pois só nesse caso é susceptível de formar a convicção do julgador.

O tribunal a quo deu credibilidade às declarações para memória futura da ofendida menor B... e declarações prestadas em audiência de julgamento, cuja versão se mostrou de forma consistente, coerente e credível relatando os factos nos termos constantes da acusação, não havendo indícios de outras motivações ao denunciar o pai de actos tão graves e repugnantes.

Como acontece habitualmente nestes casos, a menor não contou antes a ninguém, por medo do arguido e também por sentir vergonha da situação por si vivenciada, o que está em consonância com a sua idade e com a sua condição de submissão em que o pai a mantinha para satisfazer os seus instintos sexuais.

Com bem fundamenta o tribunal a quo, a institucionalização da menor revela que só nessa altura se sentiu em segurança e ganhou a confiança para relatar tais factos, “libertando-se do jugo do agressor, seu pai, que durante cerca de 7 anos fez da sua filha o alvo da sua lascívia sexual”.

A versão da menor foi corroborada complementarmente pelas declarações do irmão C... que refere que o pai fazia sempre questão de estar sempre junto da sua irmã e que esta, a partir de determinada altura e de forma algo inusitada, queria dormir junto dele, tendo referido que chegou uma vez a aperceber-se do pai ter relações sexuais com a sua irmã.

Nesta conformidade, concluímos que o tribunal a quo valorou os elementos probatórios devidamente no sentido da condenação do arguido pelos crimes de pelo menos três crimes de violação agravada e um crime de coacção sexual agravado, não padecendo o acórdão do vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Nesta conformidade, não há fundamento para alterar a matérias de facto constantes dos pontos 1 a 41 dos factos dados como provados.

*

b) Do crime na forma continuada

O arguido foi condenado pela prática de:

- 3 (três) crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 1, al. a) e n.º 5, 6 e 7, do CP nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada crime.

- de um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos art. 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º1, al. a), n.º 6 e 7 do CP na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena única de 8 (oito) anos de prisão.

O recorrente alega na sua douta motivação de recurso que face à factualidade dada como provada, a manter-se, o arguido deve ser condenado por um único crime de violação agravado na forma continuada, aqui se incluindo o crime de coacção sexual agravado, o qual perde autonomia, encontrando-se consumido pela mesma conduta ao longo do tempo, sem por em causa a incriminação subsumível aos artigos 164.°, n.º 1, al. a) e 177.°, n.º l, al. a) e n.º 5, 6 e 7, do CP.

Em primeiro lugar importa apurar se existe autonomia ou não entre o crime de coacção sexual agravado e os crimes de crimes de violação agravados.

Poderá eventualmente não existir autonomia, se por ventura a seguir a actos sexuais de relevo susceptíveis de integrarem o crime de coacção sexual (art. 163.º, n.º 1, do CP) a vítima for constrangida a sofrer ou a praticar com o arguido cópula (art. 164.º, n.º 1, al. a)), devendo neste caso ser condenado por esta conduta mais grave.

Há pois duas situações distintas.

Numa primeira fase o arguido começou a praticar actos sexuais de relevo com a filha menor (factos 4 a 6 provados).

Depois passou a manter relações sexuais de cópula completa.

Inicialmente, a partir do ano de 2006, quando a menor tinha 8 anos de idade, o arguido, valendo-se da circunstância da casa de habitação onde residiam na Amadora não ter água canalizada nem electricidade, passou a obrigar a filha a acompanhá-lo à casa de banho situada na garagem de um vizinho, que trabalhava como mecânico de automóveis, onde iam encher garrafões de água.

Nessas ocasiões, que se repetiam quase diariamente, o arguido, aproveitando-se da circunstância de estar sozinho com a filha, apalpava-a, por cima e por baixo da roupa, na zona dos peitos e na zona genital/vagina.

Ao longo do tempo, de forma progressiva, o arguido passou, primeiro, a introduzir os dedos na vagina da ofendida B... e, posteriormente, passou a levantar-lhe a saia ou a baixar as calças e cuecas que a filha trazia vestidas, após o que encostava o seu pénis erecto à vagina da filha, friccionando-o até ejacular.

O crime de coacção sexual no contexto dos autos é um crime comum, de natureza vinculada pois tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou ato que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir, a sofrer ou a praticar acto sexual de relevo com o arguido.

Por ato sexual de relevo entende-se toda a acção de conotação sexual de uma certa gravidade objectiva realizada na vítima, (cfr. Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I. 2ª ed., p. 718).

Os actos sexuais de relevo suportados pela menor B... , a partir do ano de 2006, quando tinha apenas 8 anos de idade, levados a cabo pelo próprio pai, traduziram-se no facto deste passar a obriga-la a acompanhá-lo à casa de banho situada na garagem de um vizinho, que trabalhava como mecânico de automóveis, onde iam encher garrafões de água.

Nessas ocasiões, que se repetiam quase diariamente, o arguido apalpava-a, por cima e por baixo da roupa, na zona dos peitos e na zona genital/vagina.

Ao longo do tempo, de forma progressiva, o arguido passou, primeiro, a introduzir os dedos na vagina da ofendida B... e, posteriormente, passou a levantar-lhe a saia ou a baixar as calças e cuecas que a filha trazia vestidas, após o que encostava o seu pénis erecto à vagina da filha, friccionando-o até ejacular.

São pois actos que se enquadram em actos sexuais de relevo (Cfr. Ac. TRL, de 27/1/2005, in CJ, Ano XXX, T. 1, pág. 134 e Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 2008, p. 443).

Esta conduta, que se prolongou por algum tempo, sem que tenha havido cópula, é subsumível à prática de um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos art. 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º1, al. a), n.º 6 e 7 do CP, justificando-se a sua censura e punição de forma autónoma, pois os actos consumaram-se sem que se tivessem seguido acto de cópula.

A partir do momento em que o arguido passou a ter relações de cópula com a filha (10/12/2007), então aqueles actos, enquanto actos sexuais de relevo, normalmente prévios à consumação da cópula, perderam autonomia, face à punição mais grave do crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, do CP.

Nesta conformidade os actos sexuais de relevo consumados e praticados contra a menor, sem que tenham sido seguidos de cópula, isto é, sem que tenha havido introdução do pénis na vagina, terão de ser punidos necessariamente de forma autónoma.

O arguido durante o período em que manteve relações sexuais com a filha de cópula completa foi condenado por três crimes de violação.

É inquestionável que o arguido com a sua conduta delituosa preencheu nas três situações localizadas temporalmente, o crime de crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 1, al. a) e n.º 5, 6 e 7, do CP.

Um dos crimes de violação reporta-se a 10/12/2007 (factos 11 a 22), tendo ocorrido no interior da residência que partilhavam, na cidade da Amadora, num momento em que mais ninguém ali se encontrava, tendo o arguido levado a menor, sua filha, para o seu quarto, após o que se abeirou dela e despiu-lhe as calças e cuecas que esta trazia vestidas.

A consumação não ocorreu no momento porque entretanto chegou o irmão e mãe da menor, mas que o arguido veio depois a concretizar logo que apanhou a ocasião quando a B... dormia no beliche.

Outro crime de violação ocorreu quando a menor B... tinha 11 anos de idade (fls. 23 a 25), em data não concretamente apurada, após o arguido se separar da mulher e ter abandonado a casa de habitação da família, em casa de um amigo, situada na cidade da Amadora, para onde foi viver, durante cerca de duas semanas, levando consigo a ofendida B... .

O terceiro crime de violação imputado ao arguido, ocorreu entre o final do mês de Dezembro de 2010 e o primeiro semestre do ano de 2011, no lugar de (...) , Y(...) , no quarto da menor B... , sito no sótão da habitação do agregado familiar, onde o arguido ia ter com ela, o que fez em número de vezes que não foi possível quantificar, sendo que o arguido quando se dirigia ao quarto, colocava-lhe a mão na boca, por forma a evitar que esta gritasse e após a menor oferecer resistência física, tentando libertar-se do arguido, este ameaçava que lhe batia e assim, conseguia despir-lhe as calças e cuecas que a menor trazia vestidas.

Vejamos agora se há razões para ser condenado por um único crime de violação agravado na forma continuada.

Preceitua o art. 30.º, do CP:

“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de rime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3. O disposto do número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

Para efeitos do n.º 2, a conduta criminosa do arguido deve resultar de uma situação exterior que diminua a consideravelmente a culpa, situação esta que deve concorrer para o agente renovar a prática do crime.

É pois uma constante renovação da resolução criminosa, devida às solicitações exteriores exercidas sobre o agente, que justifica e legitima a atenuação da culpa, que não sucede sempre a repetição da conduta criminosa seja devida a outros factores, designadamente a personalidade ou quando a oportunidade de cometer o delito seja provocada e procurada pelo próprio agente.

É esta a posição vertida no Ac. do STJ, de 23/1/2008 – Proc. n.º 07P4830, segundo o qual sempre «que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».

E foi neste sentido que, em caso semelhante ao dos autos, neste douto aresto se veio a recusar a aplicação do crime continuado numa situação de abuso repetido de uma menor, por parte do seu próprio progenitor, em que o tribunal considerou que, o facto de os abusos acontecerem sempre em alturas da ausência da mãe da ofendida, não consubstanciava uma “situação exterior que diminua a culpa”, antes havia por parte do arguido um aproveitamento das situações mais favoráveis à prática do crime.

No caso em análise o arguido com uma personalidade deturpada, virada para a satisfação dos seus instintos sexuais e atentatórios dos mais elementares direitos da filha decidiu-se de forma monstruosa em manter relações de cópula com a filha menor sempre que as condições o permitissem.

Consumou os seus intentos predadores durante cerca de seis anos, com graves influências na formação da personalidade e liberdade sexual da B... , constrangida a ceder aos instintos do pai entre os seus 8 e os 14 anos de idade.

Voltando aos crimes de violação, que importa considerar para determinar se estamos perante três crimes ou um só crime na forma continuado, constata-se que o arguido consumou inúmeras vezes os crimes de violação.

Estranho é que esteja a responder apenas por três crimes de violação, já que só estes estão relacionados e determinados temporalmente na acusação.

Não satisfeito com a contemplação de que foi alvo, pretende agora responder apenas por um crime na forma continuada!

De forma alguma estamos perante uma situação que diminua consideravelmente a sua culpa, bem pelo contrário, o arguido tronou-se cada mais perigoso, criando ele próprio as situações propícias para consumar as relações sexuais de cópula completa com a menor sua filha mesma contra a resistência que esta lhe oferecia.

E todas as três violações descritas aconteceram em circunstâncias diversas por si criadas, chegando ao ponto de levar consigo a filha, quando esta tinha apenas 11 anos de idade, para casa de um amigo, depois de se separar da mulher, onde uma vez mais consumou pelo menos uma vez acto sexual de cópula completa. 

 Estamos claramente perante uma situação não só de aproveitamento calculado de situações de forma reiterada, como ainda ele próprio as propiciava, o que, por não diminuir a culpa, exclui o crime continuado.

Concluímos assim que o arguido agiu determinado por uma única resolução, por ela levado a aproveitar todas as situações que facilitassem a manter relações sexuais de cópula com a filha menor e não formando sucessivamente novas resoluções perante circunstâncias favoráveis entretanto surgidas.

A anterior redacção do art. 30.º, n.º 3, era a seguinte:

“O disposto do número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima”.

Com a redacção dada pela Lei 41/2010, de 3/9, foi suprimida a expressão “salvo tratando-se da mesma vítima”.

Importa referir que os crimes de violação em apreço foram praticados nos anos de 2007, 2008 e entre o final do mês de Dezembro e primeiro semestre de 2011, sendo que o n.º 3, do art. 30.º, do CP, na redacção da Lei 41/2010, de 3/9, passou a proibir a aplicação do regime do crime continuado no tocante aos crimes relativos aos bens eminentemente pessoais, mesmo quando haja apenas uma vítima. 

“O crime continuado fica, pois, restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mias vítimas. Em termos de sucessão de leis no tempo, não podem ser subsumidos à figura do crime continuado, por falta da sensível diminuição da culpa, os crimes contra bens eminentemente pessoais de uma vítima ocorridos antes da entrada em vigor da lei nova quando envolva ameaça grave, violência, abuso de autoridade resultante de um familiar, de tutela ou curatela ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho ou aproveitamento de temor causado sobre a vítima. Os crimes contra as pessoas ocorridos depois da entrada em vigor da lei nova não podem ser subsumidos à figura do crime continuado, independentemente do número de vítimas e do modo de execução” – Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, anotação 22, pág. 160.

Já antes da actual redacção do art. 30.º, n.º 3, do CP, a jurisprudência vinha afastando, invocando o respeito pela dignidade humana, o crime continuado, em caso de violência sobre a vítima, nas circunstâncias acima descritas, por falta de diminuição sensível da conduta do agente (Ac. do STJ de 25/3/2009, in CJ, ACs do STJ, XVII, T.1, pág. 237 e Ac. do STJ de 25/6/2009, in CJ, ACs do STJ, XVII, T.2, pág. 247).

Concluímos deste modo que a conduta do arguido não pode ser subsumível ao crime continuado, devendo manter-se a condenação de concurso real e efectivo pelos 3 (três) crimes de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 1, al. a) e n.º 5, 6 e 7, do CP.

Por outro lado, importa lembrar, como atrás deixámos expresso que o crime de coacção sexual e o crime de violação estão numa relação de concurso aparente (especialidade) quando cometidos na mesma ocasião contra a mesma vítima, uma vez que os actos sexuais mais graves da violação integram os actos sexuais menos graves da coacção sexual, sendo estes frequentemente prévios ou preparativos do crime de violação.

Nesta conformidade, deve manter-se também a condenação de forma autónoma por um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos art. 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º1, al. a), n.º 6 e 7 do CP, uma vez que este crime foi praticado anteriormente aos crimes de violação, cujos actos sexuais de relevo que o integram não são seguidos de cópula ou outros actos sexuais integradores do crime de violação, pelo que não estão numa relação de consumpção com este tipo legal de crime.

*

III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a integralmente o acórdão recorrido.

*

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 7UCs.

*

NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 16 de Dezembro de 2015

 (Inácio Monteiro - relator)

(Alice Santos - adjunta)