Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
623/12.5TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PERDA DE CHANCE
MANDATO JUDICIAL
INCUMPRIMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 799, N.º 1, DO CC
Sumário: 1. As obrigações decorrentes do cumprimento de um contrato de mandato judicial são “obrigações de meios”, em virtude do que um advogado ao aceitar o mandato forense, não se obriga à produção de certo resultado, mas apenas e tão só a praticar, levar a cabo, uma certa actuação com a diligência devida e exigida, com vista à prossecução e obtenção de um resultado, querido pelo mandante, que nos casos dos advogados, se encontra regulamentada no EOA.

2. Verificando-se que do facto do réu, na qualidade de advogado, não ter proposto a acção judicial para que o autor o incumbiu, não resultaram danos para este, fica afastada a obrigação de o réu indemnizar o autor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , casado, residente na Rua (...), em Paço de Arcos, instaurou contra B..., residente na (...), em Tomar, a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum sumário, peticionando a condenação do Réu no pagamento do valor de uma letra (7.000,00€), acrescidos de juros vencidos até à data de entrada da petição inicial em juízo (5.841€) e vincendos e numa indemnização no valor de 3.000€.

Para tanto alegou, em suma, que constituiu seu mandatário o Réu, em Setembro de 2004, para que o mesmo intentasse uma ação judicial contra C..., a qual consistiria na execução de uma letra no montante de 7.000,00€. Não obstante, o tempo foi passando e o Réu nunca o contactou a fim de discutir algum assunto relacionado com o processo ou tirar dúvidas. Em Junho de 2009 tentou contactá-lo via telemóvel e remeteu-lhe uma carta, demonstrando preocupação. Devido à ausência de qualquer resposta, remeteu-lhe uma outra carta em Março de 2010, mencionando que não queria que o mesmo continuasse com o processo e que passaria no escritório para recolher os elementos e saber informações. Em Janeiro de 2011 tentou novo contacto e, em 3 de Outubro de 2011, mandou mais uma carta registada, solicitando a devolução dos documentos. Porém, o Réu não deu qualquer resposta. Concluiu que, devido à conduta negligente do Réu ficou privado de receber o montante de que era credor (7.000,00€).

 

Citado, veio o Réu contestar, tendo alegado, em suma, que os factos não ocorreram da forma como o Autor os reportou, verificando-se omissão de factos essenciais para a boa decisão da causa. Confirmou ter sido, efetivamente, mandatado pelo Autor, em 30 de Setembro de 2004, para que levasse a efeito a tramitação necessária, com vista a que C... pagasse a importância que tinha em dívida para com aquele. Pelo que, nesse mesmo dia, enviou uma carta ao devedor para o mesmo pagar, o que não se verificou, tendo antes contactado o Autor para que este aguardasse algum tempo, e comparecido, ainda, nas suas instalações [dele, Réu], comunicando o seu acordo com o Autor, tendo, por isso, a tramitação subsequente ficado a aguardar o cumprimento da obrigação. Porém, como o pagamento não veio a ser feito, o Autor deu-lhe instruções para que fosse instaurada a competente ação executiva, motivo porque solicitou a presença do mesmo no escritório, a fim de efetuar o necessário pagamento, englobando este o adiantamento por conta de honorários, assim como o pagamento das respetivas custas judiciais e o já gasto na carta registada com aviso de receção enviada ao devedor, o que não veio a suceder. Considerando que a intenção do Autor era fazê-lo suportar todos os custos, alguns já efetuados, e uma vez que a sua presença já tinha sido solicitada, não mais atendeu os telefonemas do mesmo para o seu telemóvel, uma vez que para o escritório aquele nunca telefonou.

Acrescentou, igualmente, que através de carta datada de 29 de Março de 2010, o Autor referiu que no dia 1 de Abril seguinte, pelas 11h00, viria ao seu escritório, aludindo também que não queria que continuasse com o processo. Contudo, para não ser confrontado com a falta de pagamento, não veio a comparecer. Aludiu que o único telefonema que atendeu ao Autor foi há alguns anos, tendo aí solicitado a sua comparência no escritório, no intuito de ser ressarcido das despesas que já tinha suportado e das vindouras, correspondentes à interposição da ação executiva, não tendo este comparecido, uma vez que pretendia serviços gratuitos.

Por fim, aduziu que o Autor litiga de má-fé, peticionando a sua condenação em conformidade.

Pugnou pela improcedência da ação e consequente absolvição.

*

Notificado, o Autor respondeu, imputando ao Réu a litigância de má-fé.

Aludiu que o mesmo foi notificado várias vezes por carta registada e, sendo advogado, tinha a obrigação, no mínimo, de responder por carta registada a solicitar os honorários ou a informar que não o patrocinava por falta de pagamento da provisão solicitada. O certo é que nunca, até à presente data, o Réu pediu qualquer provisão de honorários, bem como nunca respondeu a nenhuma interpelação por parte do Autor.

Com dispensa de audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, sobre o que não incidiu qualquer reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 82 a 87, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 89 a 105, na qual se julgou a presente acção improcedente por não provada, com a consequente absolvição do réu do pedido, ficando as custas a cargo do autor.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o autor A..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 138), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Da factualidade dada como provada resulta que estamos perante um contrato de mandato, com representação.

2. Tendo o tribunal a quo considerado que houve uma actuação omissa, ilícita e culposa por parte do Recorrido

3. O Recorrido não cumpriu o mandato que lhe foi conferido, o que gera responsabilidade contratual,

4. Ao contrário do que a douta sentença recorrida afirma, existe, no caso em apreço, um dano;

5. Esse dano consubstancia-se na privação de o Recorrente vir a ser ressarcido no montante de que era credor, através da apresentação de requerimento executivo através de um título executivo válido;

6. Este dano, foi devidamente demonstrado e comprovado nos autos, primeiro através da afirmação plasmada no Artigo 7.º da petição: “O Autor com a conduta negligente do Réu ficou privado de ser ressarcido no montante de que era credor” e segundo, através da junção aos autos da letra prescrita;

7. Um requerimento executivo com base numa letra prescrita, enquanto documento quirógrafo, apresenta maiores dificuldades na demonstração da constituição da obrigação pecuniária, não só na formulação da petição inicial, como na própria produção de prova;

8. Assim, o Recorrente perdeu a oportunidade de ver o seu crédito reconhecido e, consequentemente, ser ressarcido de forma “transparente” e célere, como aconteceria se o requerimento executivo fosse suportado por um título executivo válido;

9. Ou seja, ao deixar passar o prazo de prescrição da letra enquanto título executivo, o Recorrido fez o Recorrente perder a expectativa de ganho de causa na ação, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo para aquele.

10. Esta perda de oportunidade é denominada no ordenamento jurídico nacional como um “dano de chance”;

11. Face ao comportamento grave em termos contratuais, profissionais e deontológicos que determinou a improcedência da acção, repugna à consciência jurídica da comunidade que a culpa não tenha consequências em termos de responsabilidade.

12. Assim, por se encontrarem verificados os requisitos do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, deverá o Recorrido ser ressarcido pelo dano resultante da violação da obrigação a que se tinha proposta, por via do contrato de mandato celebrado com o Recorrente.

Pelo exposto, nos melhores de Direito e naqueles que V. Exas. doutamente suprirão, com os fundamentos que o consubstanciam, deve:

a) Serem julgadas procedentes as presentes Alegações de Recurso, por provadas e legalmente consubstanciadas;

a) E, consequentemente, ser o Recorrido condenado no pagamento do valor da letra (€ 7.000), acrescidos de juros vencidos e vincendos e numa indemnização no valor de € 3.000.

Assim se decidindo se fará Justiça!

            Contra-alegando, o réu, pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta invocados, e que não tinha que suportar as despesas processuais, designadamente a taxa de justiça, que o recorrente nunca se dispôs a pagar, bem como a provisão que lhe solicitou.

Refere, ainda, que da sua conduta não sobreveio nenhum prejuízo para o autor e termina, pedindo a condenação deste por litigância de má fé.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4, n CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

            A. Se do facto de o recorrido, na qualidade de advogado, não ter proposto a acção judicial para que o autor o incumbiu, adveio para este algum dano, com a consequente obrigação de o indemnizar, a cargo do réu e;

B. Se o recorrente litiga de má fé.

É a seguinte a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida:

1. No dia 30 de Setembro de 2004, o Autor mandatou o Réu, na qualidade de advogado, com vista à cobrança de uma dívida titulada por uma letra de que aquele era portador, no valor de 7000,00€ [Alínea A) dos Factos Assentes];

2. No dia 27 de Junho de 2009, o Autor ligou para o telemóvel do Réu, mas este não atendeu, deixando o Autor mensagem no voice mail [Alínea B) dos Factos Assentes];

3. Como o Réu não lhe devolveu a chamada, o Autor, no dia 29 de Junho de 2009, enviou uma carta registada a mostrar o seu descontentamento, dizendo que tentara contactar o Réu e que este nunca o atendera e que estava preocupado com o processo judicial por terem passado tantos anos, o réu nunca ter dado qualquer informação quanto à situação deste e pedindo ao Réu que o informasse sobre o processo judicial contra C..., mesmo que não tivesse interesse em patrocinar o Autor nesse processo (cfr. documento se fls. 11 que aqui se dá por reproduzido) [Alínea C) dos Factos Assentes];

4. Como não obteve resposta, no dia 29 de Março de 2010 o Autor enviou ao Réu uma outra carta registada ao réu, na qual mostrava o seu descontentamento, dizendo que lhe entregara o caso no dia 30 de Setembro de 2004 e informando-o que não pretendia que o Réu continuasse com o processo e a informar que no dia 1 de Abril de 2010, pelas 11h00, estaria no escritório do Réu, a fim de recolher os elementos que lhe tinha entregue ou informações sobre o processo, caso o mesmo estivesse em Tribunal (cfr. documento de fls. 14 que aqui se dá por reproduzido) [Alínea D) dos Factos Assentes];

5. Como não obteve resposta, o Autor voltou a enviar nova carta registada, 12 de Janeiro de 2011, ao Réu a manifestar o seu desagrado por ainda não ter obtido qualquer resposta, e pedindo ao Réu a devolução dos documentos entregues ou informações sobre o processo, caso o mesmo estivesse em Tribunal (cfr. documento de fls. 17, que aqui se dá por reproduzido) [Alínea E) dos Factos Assentes];

6. Como o Autor não obteve resposta, o Autor, no dia 3 de Outubro de 2011, enviou ao Réu uma outra carta registada em que solicitava novamente ao réu a devolução dos documentos referentes à dívida do Sr. C... que tinha entregado no seu escritório no dia 30 de Setembro de 2004 (cfr. documento de fls. 20 que aqui se dá por reproduzido) [Alínea F) dos Factos Assentes];

7. Contudo, o Réu não deu qualquer resposta ao Autor [Alínea G) dos Factos Assentes];

8. Ao constituir como seu advogado o Réu, na data supra referida, o Autor constituiu seu mandatário o Réu para que aquele intentasse uma ação executiva contra C..., com base naquela letra [Resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória];

9. Pelo menos desde 2009 que o Réu nunca contactou o Autor a fim de discutir qualquer assunto relacionado com o processo ou tirar dúvidas [Resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória];

10. O Autor, descontente com a situação, contactou diversas vezes o Réu por via telefónica e, pelo menos numa ocasião, pessoalmente [Resposta ao artigo 3.º da Base Instrutória];

11. No dia 30 de Setembro de 2004, o Réu enviou uma carta a C... para que este pagasse a dívida [Resposta ao artigo 6.º da Base Instrutória];

12. Como C... não efetuou o pagamento pretendido, o Autor mandatou o Réu para que fosse intentada a ação executiva contra aquele [Resposta ao artigo 9.º da Base Instrutória];

A. Se do facto de o recorrido, na qualidade de advogado, não ter proposto a acção judicial para que o autor o incumbiu, adveio para este algum dano, com a consequente obrigação de o indemnizar, a cargo do réu.

 Defende o recorrente que assim é, com o fundamento em que resulta da conduta omissiva do réu, ao não propor a acção para que o mandatou, a impossibilidade em cobrar o seu crédito, do que lhe resultou como prejuízo o montante deste e ainda a quantia de 3.000,00 €, como dano emergente.

 

Como resulta da matéria de facto dada como provada, o autor mandatou o réu, na qualidade de advogado, para que este intentasse uma acção executiva contra um terceiro, com base no facto de ser portador de uma letra de câmbio, subscrita pela pessoa a ser demandada.

Não obstante, este mandato ter ocorrido em Setembro de 2004, o certo é que o réu, apesar de ter aceite tal mandato, nunca propôs a pretendida acção executiva com base na aludida letra de câmbio, nem nunca deu explicações ao autor acerca do estado em que se encontrava tal acção, não obstante as inúmeras solicitações do autor para que aquele o fizesse, como melhor consta dos itens 2 a 7 e 9 e 10, dos factos provados.

Face a tal factualidade é indubitável (e nem as partes o questionam) estarmos em presença de um contrato de mandato, qualificado como contrato de prestação de serviços, por força do qual uma das partes se obriga a prestar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artigo 1154.º CC), sendo o mandato, especificamente considerado, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157.º, n.º 1, do CC), que se presume gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, caso em que se presume oneroso (artigo 1158.º, n.º 1, do CC).

Conjugando estes preceitos com o que se dispõe no artigo 1178.º do mesmo Código, pode-se concluir que o mandato judicial configura um contrato de mandato oneroso, com representação, sendo os advogados constituídos responsáveis, em termos civis, de acordo com as regras gerais, perante os seus clientes, por força do incumprimento ou cumprimento defeituoso de tal contrato, em termos de responsabilidade contratual, ao abrigo do disposto no artigo 798.º do CC.

De resto, no caso dos advogados, como de outras profissões (v. g. médicos) filiadas em ordens profissionais, a forma de actuar no cumprimento do contrato de mandato (se de advogados se trata) que celebram com os seus clientes encontra-se regulamentada e sujeita ao cumprimento dos designados “deveres deontológicos”, os quais, em caso de violação, para além da responsabilidade civil, podem dar origem a sanções disciplinares a exercer pelos respectivos órgãos disciplinares que compõem as designadas “Ordens”, nos termos estatutários.

No caso dos advogados, como sabido, rege o respectivo Estatuto, o designado Estatuto da Ordem dos Advogados.

Atento a que o mandato em causa foi conferido em 2004, rege este Estatuto na versão que lhe foi dada pela Lei 15/2005, de 26 de Janeiro (cuja redacção corresponde, grosso modo, ao que se acha disposto, actualmente, nos seus artigos 92.º e seg.s) e de acordo com o qual, nos termos do seu artigo 83.º se impunha ao advogado que cumprisse os deveres estipulados no Estatuto e que actuasse com honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade.

Acrescentando-se no artigo 92.º do Estatuto que a relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca e que o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.

Por outro lado, dispunha-se no seu artigo 95.º, n.º1. al.s a a) e b), que o advogado deve dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, bem como prestar informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sempre que tal lhe seja solicitado.

Dali resulta, ainda, que o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.

Por último, em conformidade com o disposto no artigo 103.º, n.º 1 do EOA, impõe-se ao advogado que, em qualquer circunstância, actue com diligência e lealdade na condução do processo.

Destes preceitos (conclusão que sai reforçada com o que actualmente, quanto a tal, dispõe o EOA) resulta, pois, que o comportamento profissional do advogado, em execução do mandato que o seu cliente lhe confia, se deve pautar pela lealdade, confiança, agindo em conformidade com as “leges artis”, os deveres deontológicos que os regem e os conhecimentos jurídicos que, objectivamente, lhe sejam exigíveis, de acordo com os conhecimentos jurídicos reinantes, sempre norteado por deveres objectivos de cuidado, com vínculo a critérios de legalidade e às regras deontológicas.

Resultando do incumprimento ou cumprimento defeituoso de tais deveres, a responsabilidade contratual do advogado para com o seu cliente, nos termos do disposto no artigo 798.º do CC.

Incumprimento ou cumprimento defeituoso que não nasce do inêxito da acção, mas sim da aludida violação de tais deveres que se consubstanciam no incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato que receberam, com vista à prática de um ou vários actos jurídicos.

Efectivamente, como comummente aceite, as obrigações decorrentes do cumprimento de um contrato de mandato judicial são “obrigações de meios”, em virtude do que um advogado ao aceitar o mandato forense, não se obriga à produção de certo resultado, mas apenas e tão só a praticar, levar a cabo, uma certa actuação, modo de conduta, com a diligência devida e exigida, com vista à prossecução e obtenção de um resultado, querido pelo mandante, que nos casos dos advogados, se encontra (o referido modo de actuação) regulamentado no EOA.

Ou seja, o advogado não se obriga com o seu cliente a obter ganho de causa (o que, dificilmente, poderá – mas não deverá – garantir) mas obriga-se a actuar com diligência e cuidado, lançando mão dos seus conhecimentos técnico-jurídicos, em termos de, adequadamente e dentro dos limites deontológicos e dos conhecimentos técnicos que objectivamente lhe são exigíveis, de forma a defender os interesses do seu cliente, os objectivos que o mandante pretende alcançar ao recorrer aos seus serviços, reiterando-se, que a violação de tais deveres traduzidos no incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato, se consubstanciam ou podem consubstanciar, em ilícito gerador da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 798.º do CC.

Responsabilização esta e inerente responsabilidade de indemnizar que, hoje em dia, como a jurisprudência vem decidindo, de forma unânime, consistente e reiterada, se fundamenta na designada “perda da chance”, resultante da frustração/perda de uma vantagem/chance, em virtude da conduta omissiva do advogado ao conduzir/orientar os termos do processo em que se visa obter os interesses do mandante.

Efectivamente, a jurisprudência do nosso STJ, de forma reiterada, tem vindo a admitir a existência da responsabilidade de o mandatário ter de indemnizar o mandante, em casos em que os interesses que este visava alcançar mediante a propositura de uma acção judicial não vêm a ser alcançados por via da conduta omissiva ou defeituosa do advogado, do modo, descuidado e/ou imprudente, como este dirigiu o processo ou alguns dos seus termos ou actos processuais - como se pode ver, por último, entre outros, dos Acórdãos do STJ, de 04/12/2012, Processo 289/10.7TVLSB.L1.S1; 05/02/2013, Processo 488/09.4TBESP.P1.S1; 01/07/2014, Processo 824/06.5TVLSB.L2.S1 e de 30/09/2012, Processo 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1, todos disponíveis no sítio da dgsi (itij).

Considera-se neste Arestos que “A perda da chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.” – Cf. Acórdão de 01/07/2014, ora citado.

Visando-se com a figura da perda da chance superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual, motivada pela ideia de que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos, na sua vida de relação que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, corporizando uma terceira via da responsabilidade civil, com apoio na mais recente doutrina, ali referida – v. g. Nuno Santos Rocha, “A Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano, Almedina, 2014; Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, Junho de 2006; Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico …, Coimbra Editora, 2008, entre outros ali citados.

Como se discorre no Aresto ora referido “Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance”, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil, mas, antes, introduzir como requisito caracterizador dessa autonomia que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real, de, não fora a actuação que frustrou essa chance, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a actuação omitida se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou não se evita uma desvantagem por actuação imputável a terceiro.

Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, a omissão da diligência postulada por essa obrigação evidencia, de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão das leges artis foi determinante para a perda de chance sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.”.

Ou, como se refere no Acórdão de 30/09/2014, também, já citado “a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade é admissível naquelas situações em que exista uma probabilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta, e um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.”.

Assim, no caso de mandato judicial conferido a advogado para intentar uma acção com vista a atingir determinado fim/objectivo e porque se trata de uma obrigação de meios, não se trata, tanto, de averiguar se tal fim ou objectivo foi alcançado mas sim de averiguar o porquê de tal inêxito ou, dito de outra forma, se tal se ficou a dever ao facto de o advogado não ter exercido um patrocínio diligente, condizente com as normas deontológicas reguladoras da sua profissão, se o mesmo não usou dos meios ou diligência devida com vista a obter o almejado resultado ou se tal insucesso não provém de culpa sua.

Do que decorre, como referido no Aresto do STJ de 04/12/2012, acima citado, “que o juízo relevante a formular recai sobre a conformidade ou justeza, em termos objectivos, da opção efectivamente tomada com a conduta padrão de um advogado medianamente competente, prudente e sensato, quando confrontado com aquelas decisões, na defesa dos interesses do seu constituinte e, afinal, do resultado pretendido com a instauração da acção.”

(…) O que releva, insiste-se, é saber, no mesmo juízo de prognose póstuma, se, objectivamente, o advogado medianamente competente, experiente e cuidadoso deveria fazer opção semelhante.”.

De igual modo, resulta do disposto nos artigos 798.º e 799.º do CC que demonstrando o credor que o mandatário não agiu da forma que lhe era legalmente exigível, que este não agiu com a diligência exigida e devida, de acordo com as leges artis e as normas estatutárias que regulamentam o exercício da advocacia, então, tem de concluir-se pela existência de culpa do mandatário judicial, no exercício do mandato que lhe foi conferido, o que determina o seu incumprimento ou cumprimento defeituoso, acarretando para o mandatário a obrigação de indemnizar os prejuízos causados ao mandante, presumindo-se a sua culpa no dito incumprimento ou cumprimento defeituoso, cf. artigo 799, n.º 1, do CC e, em consequência, o mandatário, para se desonerar de tal presunção de culpa tem o ónus de demonstrar que usou de toda a diligência devida, na qualidade de advogado e que tal incumprimento ou cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, designadamente, que o insucesso da acção não se ficou a dever à sua conduta, ao modo como perspectivou e direccionou, tanto substantiva como adjectivamente, a pretensão que o seu cliente pretendia ver satisfeita, através da via judicial.

No caso em apreço, o réu, não chegou a propor a acção para que foi incumbido.

Estamos, pois, à partida, em face do acto mais omissivo que se pode configurar na actuação de um advogado, na prossecução dos interesses do seu cliente.

Efectivamente, se a acção não chega a ser proposta, a pretensão do mandante não chega a ser apreciada pelo juiz e, consequentemente, nunca pode vir a ser alcançada através da via judicial.

Era obrigação do réu intentar em juízo a acção de que fora incumbido, a não ser que entendesse que a mesma não era viável, disso dando notícia ao seu cliente, como lho exigiam os artigos 95.º, n.º 1, al. a) e 103.º, n.º 1, do EOA, o que não se demonstrou tenha acontecido in casu.

Tinha-se em vista a instauração de uma acção executiva, com base numa letra de câmbio, que constitui título executivo que, assim, possibilitava o recurso ao processo de execução, com as vantagens (conhecidas) que este oferece relativamente ao processo declarativo e em que, em termos objectivos e normais, só não teria sucesso se o devedor não tivesse bens que respondessem pela satisfação da dívida exequenda.

Assim, tem de concluir-se que era altamente provável que mediante a instauração da pretendida acção executiva, o autor visse satisfeito o seu crédito e que a conduta omissiva do réu, ao não propor a referida acção, não obstante o decurso de cerca de 8 anos desde a data em que foi para tal mandatado e a propositura da presente acção, não obstante as solicitações e interpelações para tal que o autor lhe fez, relatadas na matéria de facto dada como provada, surge, ou pode surgir, como o facto gerador do insucesso da pretensão do autor, como a causa que motivou que o autor se visse impedido de o seu crédito ser satisfeito ou, no mínimo, muito dificultada tal possibilidade.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 05/02/2013, acima citado “Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz na acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».”.

Reitera-se, em termos de grande probabilidade, se o réu intentasse a acção executiva, o autor teria grandes possibilidades de obter êxito na sua pretensão, dado dispor de título executivo que lhe permitia lançar mão do correspondente processo executivo em que, como consabido, as possibilidades de contestação do direito são mais reduzidas e só a inexistência de património na esfera jurídica do executado poderia obstar ou dificultar a satisfação do seu crédito.

No reverso da medalha, o réu não justificou a sua conduta omissiva, a não ser que o autor pretendia não pagar os serviços que lhe eram prestados, mas tal factualidade não se demonstrou (não obstante, o réu, nas suas contra-alegações apenas se continuar a defender com base em tais fundamentos, como se os mesmos se tivessem demonstrado).

Consequentemente, face ao exposto, tem de se considerar que o réu agiu com culpa ao não propor a acção para que, na qualidade de advogado, foi incumbido pelo autor, do que resulta a obrigação de indemnizar o autor pelos prejuízos que lhe causou – cf. artigo 798.º do CC e de acordo com as regras contidas nos seus artigos 562.º e seg.s.

Quantificando este eventual dano, desde logo, seria de afastar a indemnização pela peticionada quantia de 3.000,00 €, decorrente de o autor não ter podido fazer investimentos na sua área de actividade, por não ter cobrado o seu crédito titulado na letra, dado que tais factos não se demonstraram, cabendo-lhe o ónus de os provar, em conformidade com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC.

Quanto aos demais danos invocados, cingem-se os mesmos ao montante inscrito na letra e respectivos juros de mora.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 562.º, CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, indemnização, por regra, a atribuir em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data senão existissem danos e não sendo possível averiguar o valor exacto dos danos, fixa-se a mesma com recurso à equidade dentro dos limites provados – cf. artigo 566.º do CC.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 05/02/2013, já citado, “O dano da «perda de chance» deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização …devendo, assim, corresponder ao valor da chance perdida.”.

Para o que importa avaliar o dano final e, em seguida, fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, que se traduz num valor percentual e obtidos tais valores basta fazer funcionar tal proporcionalidade (cf. Rute Teixeira Pedro, ob. cit., a pág. 104, ali citada na nota 32).

No caso em apreço está em causa o valor da letra (que se pretendia executar), no valor de 7.000,00 € e respectivos juros de mora.

Efectivamente, como resulta da alegação contida no artigo 19.º da petição inicial, o autor configura a acção apenas e somente no facto de, em face da conduta do réu, ter ficado privado de vir a cobrar o seu crédito, ali constando o seguinte:

“O Autor com a conduta negligente do Réu ficou privado de ser ressarcido no montante de que era credor.”.

A questão é que esta afirmação não se pode ter por correcta, uma vez que, o autor não está irremediavelmente impedido de fazer valer o direito inscrito na referida letra, pois que, no limite, sempre poderá recorrer ao processo declarativo de condenação, com vista a tentar obter o seu crédito.

É certo que com as desvantagens daí decorrentes, relativamente ao processo executivo, mas tal não significa que o autor esteja definitiva e efectivamente impedido de cobrar o seu crédito.

De resto, nem sequer se impõe que o autor tenha, para tal, de lançar mão do processo declarativo, dado que, não obstante a letra se encontrar prescrita, como a esmagadora maioria da jurisprudência vinha entendendo, uma letra, ainda que prescrita, podia servir de título executivo, desde que acompanhada da alegação/descrição dos factos que constituem a relação subjacente no requerimento executivo.

Solução que foi, agora, consagrada no artigo 703.º, n.º 1, al. c), do NCPC.

Assim, impõe-se concluir que o autor não está definitivamente impedido de cobrar o seu crédito, podendo, para tal, ainda, mesmo agora, usar a letra como título executivo.

Não se pode esquecer (como referido nos Arestos acima citados) que a justificação do recurso à figura da “perda de chance” apenas se justifica nos casos em que da conduta negligente do mandatário resulta a impossibilidade, definitiva, real e certa, de o mandante vir a obter o resultado ou de satisfazer/cobrar o crédito que pretendia com a interposição de uma acção judicial, indicando-se como exemplos disso, os casos em que o Advogado não contesta uma acção, o que tem por efeito a confissão dos factos articulados pelo autor; não arrola/apresenta prova, assim impedindo o interessado de demonstrar os factos em que alicerça as suas pretensões; não interpõe recurso de uma sentença desfavorável, afastando a hipótese de a mesma vir a ser sindicada e/ou alterada por um Tribunal superior, tudo, casos em que a conduta omissiva e/ou negligente do Advogado acarreta, em termos definitivos, que o respectivo mandante/cliente, possa, ainda, vir a ver satisfeita a sua pretensão, assim e por causa da sua conduta, o impedindo, definitivamente, de o fazer.

Ora, acima já referido, tal desiderato não se verifica na situação em apreço, pelo menos como consequência directa da conduta, que tem de qualificar-se como altamente negligente, do réu, uma vez que, reitera-se, o autor ainda pode recorrer à Justiça para ver reconhecido o seu direito de crédito, o que inclui o capital inscrito na letra e respectivos juros de mora.

Não se nega que a posição do autor possa, em abstracto, estar mais dificultada, dado o decurso de tão grande espaço temporal, mas tal possibilidade teria de ser alegada pelo autor, designadamente e como exemplo, que, à data em que a acção executiva deveria ser proposta, o devedor tinha bens suficientes que garantiam a cobrança coerciva do crédito exequendo e que agora tal situação já não se verifica. Ou só o poderá, agora, fazer, com um acréscimo de custos.

Mas nada disso foi alegado, fundamentando o autor, como acima transcrevemos, a sua pretensão contra o réu, apenas no facto de, em consequência de a, por si, almejada acção executiva não ter sido proposta por este, ter ficado privado de ser ressarcido no montante de que era credor, o que, em face do exposto, não se verifica.

É certo, também, que se pode verificar a prescrição quanto a alguns dos juros de mora a que o autor teria direito, se a acção tivesse sido tempestivamente interposta.

Mas, trata-se de uma mera possibilidade, já que a prescrição tem de ser alegada (cf. artigo 303.º do Código Civil), que a ocorrer, poderá, então, aí sim, consubstanciar um prejuízo efectivo, definitivo e irremediável, ocasionado pela conduta do réu, mas não nesta altura em que, repete-se, o autor ainda pode cobrar o seu crédito, correspondente ao montante inscrito na letra de que é portador e respectivos juros de mora.

Em suma, não obstante o carácter ilícito da conduta do réu, dela não resultaram danos para o autor e a inexistência de danos afasta, nos termos gerais e acima já referidos, a obrigação de o réu indemnizar o autor, o que acarreta a improcedência do presente recurso.

Consequentemente, improcede o recurso do autor.

B. Se o recorrente litiga de má fé.

No que a esta questão concerne, alega o recorrido que assim é, embora sem que se vislumbre e sem que o mesmo seja alegado, qual o fundamento para tal.

Analisando a conduta processual do autor não se pode concluir que este tenha agido de má fé, em qualquer das modalidades previstas no antigo 456.º, n.º 1, do CPC, na redacção então em vigor (actual 542.º, n.º1, do NCPC), tendo-se o mesmo limitado a tentar fazer valer o seu direito, assente na conduta negligente do réu, pelo que não litiga de má fé.

Assim, improcede o recurso, no que a esta questão respeita.

Nestes termos se decide:      

            Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

            Custas pelo apelante.

            Coimbra, 21 de Outubro de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves