Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
768/12.1TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
PROPRIETÁRIOS DE TERRENOS CONFINANTES
TERRENOS APTOS PARA CULTURA
FACTO IMPEDITIVO
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: AL. A) DO ARTIGO 1381º DO C. CIVIL
Sumário: 1. Na hipótese prevista na al. a) do artigo 1381º do C. Civil, para que o exercício do direito de preferência dos proprietários confinantes seja prejudicado com a destinação do terreno a um fim de construção, será necessário, além do mais, que os outorgantes façam no título de alienação – a declaração do destino reservado para o prédio.

2. Para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art. 1381 do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura mas também que a projectada mudança de destino seja permitida por lei.

3. A possibilidade de afectar um terreno de cultura, por exemplo, a finalidade diferente depende de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território. A prova da viabilidade legal da construção é, assim, um elemento essencial para que o facto impeditivo do direito de preferência referido na 2ª parte da al. a) do art. 1381º do CC opere os seus efeitos.

Decisão Texto Integral:         

        

         Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


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A... e B... intentaram a presente acção contra C... e D... e contra E... e F... pedindo o reconhecimento do seu direito de preferência na compra e venda celebrada em 16.Dezembro.2011, tendo por objecto o prédio identificado no artigo 4º da petição inicial, mediante o depósito do preço de 5.000 €, e consequente condenação dos Réus compradores a abrirem mão dele e o cancelamento da inscrição de aquisição desse prédio a favor dos Réus compradores.

Alegaram, em síntese: que são donos do prédio rústico identificado no artigo 1 da petição inicial que dos seus lados sul e poente confronta com o prédio rústico identificado no artigo 4º, ambos tendo uma área inferior à unidade de cultura para a região, o primeiro com a área de 4.396 m2 e o segundo com a área de 720 m2; por título de compra e venda exarado em 16.Dezembro.2011 o Réu C... , com a autorização do respectivo cônjuge, a Ré D... declararam vender o prédio identificado no artigo 4º a E... e F... , venda que este declarou aceitar; os Réus vendedores não comunicaram aos Autores nem o projecto de venda, nem as cláusulas do contrato, apesar de a tal estarem obrigados mercê do direito de preferência na alienação daquele prédio.

Contestaram os réus compradores, alegando que não se verificam os pressupostos exigidos no artigo 1380º do Código Civil para o exercício do invocado direito de preferência porquanto se, por um lado, tanto o prédio dos Autores, como o que adquiriram, não possuem características especificas que os possam definir como prédios rústicos por estarem inseridos em “Zonas Verdes de Uso Público”, segundo o PDM de Coimbra, por outro, adquiriram o prédio em causa com vista à recuperação e remodelação da edificação ali existente antes da respectiva alienação, para parqueamento dos seus veículos automóveis e armazenamento de lenha e outros materiais, e não para o exercício de qualquer actividade agrícola.

Também os Réus vendedores contestaram, contrapondo que o prédio rústico identificado no artigo 1º desse articulado, e os três prédios urbanos identificados no artigo 8º da contestação, de que também são donos os Autores, configuram um prédio “misto” em que predomina a função habitacional, funcionando aquele prédio rústico como logradouro das casas que integram os prédios urbanos, não sendo sequer utilizado para fins agrícolas. Mais alegaram que o prédio objecto da preferência, identificado no artigo 4º da petição inicial, não está afecto à agricultura há mais de 20 anos tendo, antes, sido utilizado primeiro como arrumos e, depois, como oficina de automóveis e como armazém de pneus, para além ter sido adquirido pelos Réus compradores também para um fim diverso da agricultura. Concluem, assim, que se mostram preenchidos os requisitos da excepção plasmada na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, o que conduz à improcedência da acção.

Os Autores responderam sustentando que a lei civil não conhece a categoria de prédios mistos, simultaneamente rústicos e urbanos - por isso inexistindo a alegada predominância da função habitacional – e, ainda, que, para aferir da existência, ou não, do direito de preferência do proprietário de prédio confinante, é irrelevante tanto a utilização e afectação que os vendedores faziam do prédio objecto da preferência, como o destino que pretendem dar-lhe os adquirentes – para o efeito bastando que os terrenos confinantes sejam considerados terrenos aptos para cultura. Pugnam pela improcedência da excepção.

Foi elaborado despacho saneador e feita a selecção da matéria de facto, assente e controvertida, objecto de reclamação atendida.

         Após julgamento, foi proferida sentença que jugou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

Desta sentença interpuseram os autores o presente recurso, formulando, a final da alegação, as seguintes conclusões:

“1 –A mui douta sentença de que ora se recorre fez-se uma errada apreciação da matéria dada como provada, estando a sua fundamentação em oposição à mesma;

Na verdade,

2 – Pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência, atribuído pelo artigo 1380º do C. Civil aos proprietários de terrenos confinantes, é a de que ambos os prédios, sejam considerados terrenos aptos para cultura, condição esta, ou requisito, que se verifica, no caso sub judice, quanto a ambos os terrenos, quer quanto ao prédio propriedade dos Recorrentes, quer quanto ao prédio vendido, com ele confinante, objecto do direito de preferência.

3- O terreno objecto da preferência, sempre esteve afecto e foi apto à agricultura, nele tendo existido uma horta, nele sendo semeado e plantado diversos produtos agrícolas, tais como, legumes, leguminosas e outras hortaliças e nele até, tendo existido videiras, não sendo o destino que lhe foi dado, nos últimos anos, permitido por lei.

4 - Este é o entendimento defendido, entre muitos outros, no Ac. da Relação de Coimbra de 12/09/2006 e no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2011, ambos em www.dgsi.pt.

5 - Sendo pois, irrelevante a intenção de destinação que os adquirentes o queiram afectar.

SEM PRESCINDIR,

6 - Se assim mui doutamente não vier a ser entendido, certo é que, deveriam os Réus ora Apelados, ter feito constar do título de aquisição, o fim a que pretendiam destinar o prédio, o que não aconteceu no caso sub Júdice - Veja-se, neste sentido, a título de exemplo, o Ac. RP. de 9/3.1973 - BMJ, 226º - 276., onde consta :

“ Na hipótese prevista na al. a) do artigo 1381º do C. Civil, para que o exercício do direito de preferência dos proprietários confinantes seja prejudicado com a destinação do terreno a um fim de construção, será necessário, além do mais, que os outorgantes façam no título de alienação – a declaração do destino reservado para o prédio.”

Além disso,

7 - Conclui a mui douta sentença, embora, a nosso ver, erradamente que :

“ Lograram, pois, os Réus adquirentes demonstrar a intenção de afectar o prédio rústico adquirido a uma finalidade distinta da cultura e, ainda e também com referência à data da celebração do negócio translativo do direito de propriedade, essa afectação era legalmente admissível segundo o P.D.M. de Coimbra então em vigor.

Com efeito, o prédio objecto da preferência está inserido em “Zona Verde de Uso Público” - que o n.º 1 do artigo 39º do P.D.M. de Coimbra define como “áreas da estrutura verde urbana especialmente vocacionadas para o recreio lazer e que deverão ser usufruídas por toda a população” - e nessas zonas, embora não seja permitida a execução de novas edificações, nada obsta à recuperação ou remodelação das edificações que já aí existam, como prevêem os n.ºs 2, alínea a) e 4 desse normativo, em que se encontra a demolição e ulterior reconstrução do barracão.”

Ora,

8 – É público que o PDM da cidade de Coimbra entrou em vigor no ano de 1994, tendo sofrido a 1ª revisão em 1/07/2014.

Logo,

9 – Desde a referida data, segundo o dito PDM, que o prédio em questão, nos presentes autos, objecto do reclamado direito de preferência, está inserido e é qualificado como Zonas VI ( Zonas Verdes de Uso Público ), conforme resulta da certidão emanada da Câmara Municipal de Coimbra, junta aos autos pelos Réus, ora Apelados, E... e F... , aquando da apresentação da sua contestação, à ação proposta pelos Autores, ora Apelantes.

10 - De acordo com o artigo 39º do Plano Director Municipal de Coimbra, em vigor à data da venda do prédio em causa, são Zonas Verdes as que, pelas suas características obedecem à seguintes condições:

1 . As zonas verdes de uso público, são áreas da estrutura verde urbana especialmente vocacionadas para o recreio e lazer e que deverão ser usufruídas por toda a população.

2 . Para estas zonas, e sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto não dispuserem de planos de pormenor ou outros estudos de conjunto, não será permitido :

f) A execução de novas edificações;

g) A destruição do solo vivo e do coberto vegetal;

h) Alterações à topografia do terreno;

i) Derrube de árvores;

j) Descarga de entulho.

11 - Donde se conclui que, de acordo com o citado PDM, em prédios inseridos em zonas qualificadas de “ Zona Verde “ não é permitida a execução de novas edificações, mas, unicamente, recuperar ou melhorar as existentes.

Ora,

12 – Da matéria considerada provada na mui douta sentença, resulta que:

No lugar da edificação mencionado no ponto 10. dos factos provados acima transcritos, e ocupando a mesma área, os Réus construírem um novo barracão (sublinhado nosso) destinado à guarda de um dos veículos automóveis do agregado familiar, da “roulotte”, de lenha e outros materiais, e, ainda, para aparcamento e lazer. Pois,

13 - Os Réus, após a formalização do negócio e visando concretizar o propósito mencionado no ponto 14. iniciaram a limpeza do prédio identificado no ponto 3., tendo destruído o barracão ali existente (quesitos 17º e 18º) (sublinhado nosso).

14 - Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido na 2ª parte da alínea a) do art. 1381º do CC, opere os seus efeitos, era necessário que o adquirente alegasse e provasse, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei (sublinhado nosso). Neste sentido versa o mui douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-03-2010 in www.dgsi.pt.

15 – Este último condicionalismo não se verifica no presente caso.

Na verdade,

16 – Consta do teor do documento (certidão emanada da Câmara Municipal de Coimbra) junta pelos Recorridos, E... e mulher F... , com a sua contestação, sob o Doc. nº 1 e que versa sobre uma informação técnica emitida por tal Edilidade, na sequência de um pedido de informação solicitado pelos citados Réus, o seguinte:

“ Refere-se o processo ao pedido de informação para construção num terreno inserido em Zona VI, com a área de 720,00m2.

Nas Zonas VI (Zonas verdes de Uso Público)

De acordo com o artigo 39º do Plano Director Municipal de Coimbra São zonas as que, pelas suas características obedecem às seguintes condições:

1. As zonas verdes de uso público, são áreas da estrutura verde urbana especialmente vocacionadas para o recreio e lazer e que deverão ser usufruídas por toda a população.

2. Para estas zonas, e sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto não dispuserem de planos de pormenor ou outros estudos de conjunto, não será permitido:

11- A execução de novas edificações;

12- A destruição do solo vivo e do coberto vegetal;

13- Alterações à topografia do terreno;

14- Derrube de árvores;

15- Descarga de entulho.

3. Os estudos a elaborar para estas zonas poderão incluir equipamentos desportivos, comerciais e turísticos de exploração pública ou privada, desde que complementares da utilização do espaço verde e que garantam sempre uma taxa de permeabilização igual ou superior a 90%.

4. As edificações já existentes nestas zonas, poderão ser recuperadas ou remodeladas. ” (sublinhado nosso)

Na verdade,

17 - Na mui douta sentença foi considerado provado que após a formalização do negócio e visando concretizar o seu propósito de construírem, no prédio em questão, um barracão para, nomeadamente, estacionarem as suas viaturas “roullote” e lenha, os Réus adquirentes iniciaram a limpeza do mesmo, tendo destruído o barracão ali existente (Ponto nº 14 dos factos provados, atrás transcritos), o que colide e está em nítida contradição com as normas do referido PDM, para a cidade de Coimbra, à data dos factos.

Pelo que,

18 - Contrariamente ao mui doutamente alegado no penúltimo parágrafo da penúltima folha da mui douta sentença, a demolição e ulterior pretensão dos Réus, ora Apelados, de construir um barracão, no lugar onde antes se encontrava implantado um outro, não se integra na previsão da norma atrás referida.

19- De acordo com tal norma, nunca os Réus, ora Apelados poderiam ter destruído, por completo a edificação que dizem ter existido no dito terreno - se é que, de “edificação” se pode qualificar - e construir uma nova.

20 - “ Recuperar “ e “ remodelar “ não têm o mesmo sinónimo de construir de novo, construir de raiz!

Também,

21 - Não podemos deixar de concluir, que a afectação ou fim visado pelos Réus, ora Apelados, com a dita aquisição (construção de um barracão) é, atentos à inserção do prédio em zona protegida -Zona Verde - inviável, é ilegal, assim como, o foi a colocação de entulho no mesmo, que o alterou em relação ao dos Autores, ora Apelantes.

22 - É que “ a possibilidade de afectar um terreno de cultura a finalidade diferente deve depender, não do critério egoísta dos proprietários vizinhos, mas antes e apenas de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território ” (Direito de Preferência - parecer do Prof. HENRIQUE MESQUITA, Col. Jur., ano XI, t. 5, pág. 52).

Assim,

23 – Com o devido respeito por melhor opinião, que como sempre é muitíssimo, a matéria de facto dada como provada na mui douta sentença, no que respeita à referida afectação ou utilização do prédio objecto da venda, de modo algum poderá servir de suporte às conclusões alcançadas pela Meritíssima Juíza “ a quo ”, as quais, pese embora o máximo respeito por quem as mui doutamente proferiu, estão em nítida contradição com a lei.

24 - Deste modo, entendemos, que a prova da ilegalidade do fim ou afectação pretendida pelos Réus, ora Apelados, com a aquisição do prédio, faz afastar a excepção prevista ao regime legal da preferência, previsto nos arts. 1380º e 1381º do CC e 18º do DL. nº 384/88, de 25 de Outubro.

E, mais uma vez,

25 - Com todo o respeito por melhor opinião, que como sempre é muitíssimo, consideramos que a mui douta decisão recorrida, ao concluir pela improcedência do direito de preferência a que os Autores se arrogam, fez uma errada apreciação da matéria dada como provada e errada aplicação da lei aos factos, aplicou mal o Direito.

Pelo que,

26 - Urge concluir, que os autores, ora Apelantes, estavam em condições de preferir na alienação, não podendo os réus afastar essa preferência, com base na excepção prevista na 2ª parte da alínea a) do art. 1381º do CC, visto a mudança de destino aí referida, no caso presente não ser, face a tudo o atrás alegado, permitida por lei.

Entre outras disposições legais, a sentença de que ora se recorre violou as seguintes :

Artigos 607º e 615º do C. P. Civil e as disposições atrás citadas do PDM à data dos factos, em vigor no distrito de Coimbra.”

Pedem a revogação da sentença e o proferimento de decisão que julgue a acção procedente.

Os réus contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.

         Cumpre decidir.

         A matéria de facto dada como provada, que se aceita, é a seguinte:

“1. Os Autores são donos de um prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 1232, da freguesia de (...) , como prédio misto, com a seguinte composição e confrontações:

- casa de habitação composta de cave e rés-do-chão, com a área coberta de 122 m2 e logradouro de 218 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3045;

- casa de habitação composta de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 52 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 800º;

- casa de habitação composta de rés-do-chão, 1º andar, sótão e casa de arrumos, com a área coberta de 138 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1169º;

- terreno de semeadura, vinha e oliveiras, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo 629º, a confrontar do “norte com Ribeira de Coselhas, do sul com estrada de Coselhas, Ermelinda de Jesus Almeida e outros, do nascente com Vitorino Seiça Santos e Francisco Joaquim Sequeira e do poente com Ermelinda de Jesus Almeida, prédio adquirido por escritura pública celebrada em 30.Outubro.2000 (alínea A));

2. O prédio correspondente ao terreno de semeadura, vinha e oliveiras tem área de 5.068,69 m 2 (quesitos 1º e 2º);

3. Por título de compra e venda datado de 16.Dezembro.2011 o Réu C... , com a autorização do respectivo cônjuge, a Ré D... , declararam vender ao Réu E... , pelo preço de 5.000 €¸ e este declarou comprar-lhes, um prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 2.329, da freguesia de (...) , como “composto por terras de semeadura e videiras em cordão, com a área de 720 m2, sito em (...) , freguesia de (...) , Coimbra, a confrontar do norte e do nascente com (...) , sul com estrada e do poente com (...) ”, inscrito na matriz predial respectiva da dita freguesia sob o artigo 628 (alínea B));

4. O “terreno de semeadura, vinha e oliveiras” mencionado no ponto 1. confronta a sul com o prédio identificado no ponto 3., sendo deste separada por uma vala de água para o regadio desses terrenos (alínea C) e quesito 6º);

5. Os prédios identificados nos pontos 1. e 3. estão inseridos na “Zona VI” (zonas verdes de uso público) (alíneas D));

6. O Réu C... não comunicou aos Autores a intenção de vender o prédio mencionado não ponto 3. nem as condições em que tal venda seria feita (alínea E));

7. Os Autores, após a aquisição do prédio identificado no ponto 1. em 30.Outubro.2011, arrancaram a vinha existente no “terreno de semeadura, vinha e oliveiras” (quesito 3º);

8. Tendo plantado nessa parte do prédio árvores de frutos, uma nogueira, um castanheiro e pinheiros mansos, e nele mantendo uma horta onde cultivavam legumes e hortaliças para consumo próprio (quesitos 4º e 5º);

9. No prédio identificado no ponto 3. existiu, há mais de 20 anos, uma horta e videiras (quesito 7º);

10. As quais foram substituídas por um barracão em madeira, com cobertura em chapa de zinco, com a área aproximada de 100 m2 (quesito 9º);

11. Esse barracão funcionou, primeiro, como arrumo de materiais de construção civil e, depois, como oficina e automóveis e armazém de pneus (quesitos 10º e 11º);

12. Nada sendo plantado ou semeado na área restante desse prédio desde há mais de 20 anos (quesito 12º);

13. Os Réus E... e F... residem numa casa de habitação que se situa do outro lado da estrada em frente do prédio identificado no ponto 3. (quesito 13º);

14.Tendo-o adquirido para, no lugar da edificação mencionado no ponto 10. e ocupando a mesma área, construírem um novo barracão destinado à guarda de um dos veículos automóveis do agregado familiar, da “roulotte”, de lenha e outros materiais, e, ainda, para aparcamento e lazer (quesitos 14º a 16º);

15. Os Réus, após a formalização do negócio e visando concretizar o propósito mencionado no ponto 14. Iniciaram a limpeza do prédio identificado no ponto 3., tendo destruído o barracão ali existente (quesitos 17º e 18º).

Não ficou provado que:

- O prédio identificado no ponto 3. esteja agora em pousio (quesito 7º);

- A parte do prédio referido no ponto 1. identificada como “terreno de semeadura, vinha e oliveiras”, com a área de 5.068,69 m 2, funcione (ou tenha funcionado) como logradouro das três casas de habitação aí referidas (quesito 8º).

O Direito.

Alegam os apelantes que o terreno objecto da preferência sempre esteve afecto à agricultura, nele tendo existido uma horta, sido semeados e plantados diversos produtos agrícolas, tais como, legumes, leguminosas e outras hortaliças e existido até videiras, não sendo o destino que lhe foi dado, nos últimos anos, permitido por lei.

Porém, não é o que resulta do PDM de Coimbra, que insere o prédio objecto de preferência na Zona VI, zonas verdes de uso público, que não se destinam à cultura agrícola de terrenos (cfr. art. 38 do PDM). E, por isso, nada impedia que a horta e as videiras que ali existiram há mais de 20 anos tivessem sido substituídas por um barracão (9 a 11).

Por outro lado, entendem que os réus, ora apelados, deviam ter feito constar do título de aquisição, ou seja, da escritura pública, o fim a que pretendiam destinar o prédio, o que não fizeram.

Porém, não tem sido essa a nossa jurisprudência. Na verdade, tem-se entendido que o fim relevante, para efeitos da al. a) do art. 1381 do CC, é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno, mesmo que essa intenção não conste da respectiva escritura, devendo, todavia, esse elemento subjectivo ter concretização na factualidade apurada
 (Ac. STJ de 11.2.2008, Alberto Sobrinho, em www.dgsi.pt).

Entendem, ainda, os apelantes que os réus adquirentes não lograram provar que o fim, para que destinam o prédio, seja legal, pois que, tratando-se de uma zona verde estão impedidos de construir, como pretendem, um novo barracão destinado à guarda de um dos veículos automóveis do agregado familiar, da “roulotte”, de lenha e outros materiais, e, ainda, para aparcamento e lazer (14), sendo-lhes apenas lícito recuperar ou remodelar as edificações já existentes (cfr. art. 39, nº 4 do PDM). Ora, sublinham, os réus já iniciaram a limpeza do prédio e destruíram o barracão ali existente (15), o que não se pode confundir com a recuperação e a remodelação do que existia.

Na verdade, para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art. 1381 do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura mas também que a projectada mudança de destino seja permitida por lei (cfr. Ac. STJ de 4.10.2007, Santos Bernardino, Ac. STJ de 25.3.2010, Oliveira Rocha, Ac. STJ de 6.5.2010, Oliveira Vasconcelos e Ac. STJ de 9.5.2002, Araújo de Barros, todos in www.dgsi.pt). Não basta, portanto, a mera intenção, ainda que substanciada na conduta fáctica apurada (Ac. STJ de 15.12.1998, BMJ 482-235 e o citado Ac. STJ de 9.5.2002); é necessário que – sob pena de se defraudar a intenção do legislador – o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois “se assim não fosse ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito” (Ac. STJ de 21.6.94, BMJ nº 438, pág. 450 e Ac. STJ de 14.3.2002, Col. 2002, tomo I, pág. 133, ambos citados no Ac. STJ de 9.5.2002; e Ac. STJ de 11.12.2008, Alberto Sobrinho, in www.dgsi.pt).

 Não é, pois, possível precludir o direito de preferência com base na mera manifestação de vontade dos réus, se esta manifestação não puder ter tradução prática, por impossibilidade legal.

 Para o efeito, dispõe o art. 39 do PDM: “ 1 - As zonas verdes de uso público são áreas da estrutura verde urbana especialmente vocacionadas para o recreio e lazer e que deverão ser usufruídas por toda a população. 2 - Para estas zonas, e sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto não dispuserem de planos de pormenor ou outros estudos de conjunto, não será permitido: a) A execução de novas edificações; b) A destruição do solo vivo e do coberto vegetal; c) Alterações à topografia do terreno;  d) Derrube de árvores; e) Descarga de entulho. 3 - Os estudos a elaborar para estas zonas poderão incluir equipamentos desportivos, comerciais e turísticos de exploração pública ou privada, desde que complementares da utilização do espaço verde e que garantam sempre uma taxa de permeabilização igual ou superior a 90%. 4 - As edificações já existentes nestas zonas, poderão ser recuperadas ou remodeladas.”

É certo que os réus adquirentes pretendem fazer uma nova construção. No entanto, a construção parece idêntica à que lá se encontrava, com as mesmas características (barracão), ou seja, no mesmo lugar e ocupando a mesma área, o que poderia dar azo a que discutisse a possibilidade de uma interpretação restritiva da al. a) do nº 2 do art. 39 do PDM em termos de ficarem apenas vedadas novas construções substancialmente diferentes das que existiam, e com uma finalidade diferente (sendo que no caso o barracão se destina, também, em parte, a arrumos e à guarda de veículos) e  a possibilidade de uma interpretação do nº 4 do art. 39 do PDM, que abrangesse no conceito de “recuperação” a construção de edifício semelhante ao que se encontrava no mesmo lugar (e que não pudesse ser recuperável se não fosse previamente demolido).

No entanto, seria sempre uma discussão ociosa, uma vez que só a administração pública pode aferir da viabilidade construtiva (cfr. o citado Ac. STJ de 4.10.2007). A possibilidade de afectar um terreno de cultura, por exemplo, a finalidade diferente depende de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território (Direito de Preferência - Parecer do Prof. Henrique Mesquita, Col. 1986, tomo V, pág. 52, citado no Ac. STJ de 25.3.2010). A prova da viabilidade legal da construção é, assim, um elemento essencial para que o facto impeditivo do direito de preferência referido na 2ª parte da al. a) do art. 1381 do CC opere os seus efeitos (Ac. STJ de 25.3.2010).

Ora, revertendo ao caso sub judice, não foi feita prova da viabilidade construtiva de um novo barracão. Dos autos consta apenas uma informação camarária no sentido de que o terreno objecto da preferência se insere na zona VI (zonas verdes de interesse público) do PDM de Coimbra e que remete para o art. 39 do dito PDM, o qual, como se viu, veda, desde logo, a execução de novas edificações nessas zonas.

Não se verifica, por conseguinte, a excepção prevista na 2ª parte da al. a) do nº 1 do art. 1381 do CC.

Mas se o art. 39 do PDM serve para julgar improcedente a referida excepção (pois não podem os réus, com base nela, afastar a preferência dos autores), também serve para recusar aos autores o direito de preferência, com fundamento em abuso de direito.

Na verdade, e de acordo com o referido art. 39 do PDM de Coimbra, para as zonas verdes de uso público não é, como se disse, permitida a destruição do solo vivo e do coberto vegetal (b), alterações à topografia do terreno (c) e derrubes de árvores (d), ou seja, não são permitidas actividades compatíveis com o exercício da agricultara.

Ora, como se sabe, o exercício do direito de preferência visa o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura a fim de se obter uma área minimamente rentável do ponto de vista agrícola (cfr. Ac. STJ de 28.2.2008, Fonseca Ramos, em www.dgsi.pt).

Como assim, ao preferirem na venda de um terreno que não pode ser destinado à agricultura, os autores estão a exceder manifestamente os limites impostos pelo fim social e económico do direito de preferência, nos termos do art. 334 do CC (v. Ac. R.Lx. de 21.11.2013, Ana Azeredo Coelho, no site do ITIJ), sendo que para esse excesso não é exigível qualquer intenção da parte dos abusantes, atenta a concepção objectiva do abuso de direito aceite no referido art. 334 (Antunes Varela, em “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, pág. 536).
           Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença, com outros fundamentos.
         Custas pelos apelantes.


*
Coimbra, 20 de Outubro de 2015


António Magalhães (Relator)

Adjuntos:

1º - Ferreira Lopes

2º - Freitas Neto