Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
477/10.6TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 3 DO ART.º 410.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. O direito à execução específica na promessa a que alude o n.º 3 do art.º 410.º do Código Civil, aproveita ao contraente fiel, independentemente da sua posição no contrato;

II. A declaração resolutiva emitida no pressuposto infundado do incumprimento do outro contraente, se judicialmente recusada a sua confirmação, não tem o valor de incumprimento definitivo “ipso facto” por recusa de cumprimento por banda do declarante;

III. Não equivale a impossibilidade da prestação, para efeitos de afastar a execução específica do contrato, a recusa do cumprimento por banda do contraente remisso.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

No Tribunal Judicial de Tondela, A..., cidadão alemão, casado, residente em ..., na Alemanha,

veio instaurar contra

B..., divorciado, residente na Rua ... Tondela, acção declarativa de condenação, então a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final seja declarada e confirmada a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado com o réu e este condenado a devolver a quantia entregue a título de sinal elevada ao dobro, acrescida dos juros vencidos desde a citação.

Em fundamento alegou, em síntese útil, ter celebrado com o réu, em 11 de Fevereiro de 2009, acordo escrito, nos termos do qual o segundo, como promitente vendedor, prometeu vender ao demandante que, por seu turno, se obrigou a comprar, pelo preço de € 35 000,00, o prédio urbano que identifica no art.º 1.º da petição inicial. Mais alegou ter entregue ao réu, na pessoa do procurador deste, e aquando da outorga do contrato, a quantia de € 1 500,00 a título de sinal, obrigando-se a celebrar o contrato prometido até 31 de Julho de 2010.

Tendo-lhe sido referido, aquando das negociações prévias à celebração do contrato, que o prédio prometido vender tinha uma área superior àquela que constava da matriz urbana, com indicação das respectivas estremas, a verdade é que, meses volvidos, quando intentou demarcar o prédio, já os limites apontados foram diferentes dos inicialmente identificados, tendo sido apurada uma área de 8 040 m2 em levantamento topográfico cuja realização foi ordenada pelo aqui demandante, muito distante dos 12 000 m2 referenciados pelo réu.

Dadas as divergências encontradas no que respeita à área do imóvel e respectiva demarcação, bem como no que concerne à sua configuração, diz ter perdido o interesse na realização do negócio, o que é fundamento de resolução, pelo que emitiu declaração resolutiva, dada a conhecer ao réu em carta que para tanto lhe enviou em 29 de Julho de 2009.

Deste modo, conclui, porque foi o réu quem deu causa à resolução, tem direito a haver para si a restituição do sinal em dobro, conforme peticiona.
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Regularmente citado, o réu deduziu oposição, na qual impugna que o prédio tenha área inferior àquela que pelo réu foi referida; pelo contrário, no levantamento topográfico efectuado apurou-se a área de cerca de 13 282,00 m2, precisamente a área demarcada e ocupada pelo autor na sequência da celebração do contrato promessa, que nela procedeu ao abate de dezenas de árvores, locupletando-se com valor superior a € 5 000,00.

Porque o autor não procedeu à marcação da data para celebração do contrato prometido, conforme lhe competia nos termos do acordo celebrado, tomou o contestante a iniciativa de o fazer, não tendo o autor comparecido nem justificado a omissão.

Com fundamento no incumprimento, por banda do autor, do contrato celebrado, deduziu reconvenção, pedindo seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso, condenando-se este a pagar ao reconvinte a quantia de € 33 500,00, correspondente ao remanescente do preço em falta.

Subsidiariamente, e para o caso de assim não ser entendido, pretende a condenação do reconvindo no perdimento a seu favor da quantia entregue a título de sinal e também no pagamento da quantia de € 5 000,00 a título de ressarcimento pelos danos causados no prédio prometido vender.

Respondeu o autor, impugnando ter provocado quaisquer danos no prédio prometido vender, antes pretendendo tê-lo beneficiado com o corte de mato, silvas e acácias rasteiras que nele cresciam, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
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Fixado valor à causa e determinado o prosseguimento dos autos sob a forma ordinária do processo comum, foi proferido despacho a admitir a reconvenção, selecionados os factos assentes e organizada a base instrutória. Destas peças reclamaram autor e réu, com êxito parcial.

Teve lugar audiência de julgamento e, decidida a matéria de facto sem reclamações, foi a final proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido, mas julgou procedente e provado o pedido reconvencional principal, determinando “a execução específica do contrato promessa de compra e venda constante de fls. 16 e 17, condenando o autor no pagamento do preço remanescente, no total de € 33 500,00”.
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Inconformado com o assim decidido, interpôs o autor tempestivo recurso, extraindo das alegações produzidas as seguintes conclusões:

“1.ª A douta sentença é nula por não especificar os fundamentos de facto em que se baseia e os de direito que justifiquem a decisão de determinar a execução específica do contrato.

2.ª As partes clausularam o cumprimento do contrato promessa impreterivelmente até ao final do mês de Julho de 2009 (cláusula 4ª).

3.ª Era ao A. que incumbia o dever de notificar o R. do dia e lugar da escritura.

4.ª Em carta registada, o A. declarou ao R., em Julho de 2009, a resolução do contrato.

5.ª O que configura a vontade do A. de não cumprir a promessa.

6.ª O R., em carta de 19.08.09, interpretou o comportamento do A. como de incumprimento do contrato: “apenas posso concluir que pretende desistir….reservo o direito de reter o sinal entregue…”

7.ª A carta (sem procuração à signatária) enviada ao A., um ano depois, não quer dizer que ele estivesse então em mora, depois de, um ano antes, ambos terem declarado o incumprimento.

8.ª No mês acertado para a escritura, o A. incumpriu o contrato.

9.ª A própria sentença diz, no penúltimo parágrafo do capítulo IV, que “foi o A. quem incumpriu”.

10.ª Há que aplicar ao caso o art. 830º nºs 1 e 2 do C. Civil.

11.ª As partes afastaram a execução específica por convenção tácita, pois existiu sinal.

12.ª Dispositivo legal (nº2) que se aplica até por força de cláusula 7ª do contrato, onde as partes aplicam ao presente contrato o regime do art.º 830.º do C. Civil.

13.ª Era ao R. que incumbia o ónus de elidir a presunção da lei, o que não fez, aliás em concordância com a sua carta de 18.08.09.

14.ª A jurisprudência dá razão ao A. e a lei é objectiva, aplicando-se ao caso o n.º 2 do art. 830º do CC.

15.ª Isto porque o objecto do contrato é um prédio rústico e existiu sinal.

16.ª Atento o incumprimento e a existência de sinal, não poderá ser determinada a execução específica mas, quando muito, a perda do sinal.

17.ª A douta sentença, padecendo de invocada nulidade, violou, entre outras, as normas do art.ºs 442.º-2 e 830.º-1 e 2 do Cód. Civil”.

Com tais fundamentos, pretende a revogação da decisão no tocante à determinação da execução específica, admitindo no limite a sua condenação na perda do sinal.

O réu reconvinte contra alegou doutamente, batendo-se pela manutenção do julgado, extraindo a seguinte síntese conclusiva das contra alegações apresentadas:

“1.ª A douta Sentença recorrida encontra-se devidamente assinada electronicamente e muito bem fundamentada, quer de facto quer de direito, não padecendo de qualquer vício susceptível de justificar a sua nulidade;

2.ª A execução específica requerida pelo ora recorrido e reconvinte B... corresponde a uma acção de cumprimento, exprimindo a opção pelo cumprimento, por perdurar o seu interesse na prestação.

3.ª Essa opção do ora Recorrido pelo cumprimento da promessa não pode ser esmagada pela imposição unilateral da vontade do Recorrente A... da sua recusa terminante em não cumprir.

4.ª Só o promitente vendedor fiel (o ora Recorrido) gozaria da faculdade de resolver o contrato-promessa por incumprimento do promitente faltoso ora Recorrente.

5.ª O direito à execução específica, no caso de promessa de compra e venda de um prédio urbano, não pode ser afastada por convenção das partes, nem pela entrega de sinal”.
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Sabido que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, como resulta do preceituado nos art.ºs 684 n.º 3 e 685.º-A, ambos do CPC, são as seguintes as questões a decidir, correctamente identificadas pelo réu nas suas contra alegações:

i. da nulidade da sentença por falta de fundamentação;

ii. do incumprimento definitivo e sua coexistência com o pedido de execução específica do contrato;

iii. da existência do sinal e conciliação com o recurso à execução específica.
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II- Fundamentação

De facto

Da 1.ª instância vem-nos a seguinte factualidade:

A. Em 11 de Fevereiro de 2009, o Autor e o representante do Réu, seu pai C..., procurador com os devidos poderes legais para o acto, outorgaram contrato promessa de compra e venda, pelo qual o Réu (através do seu procurador) prometeu vender e o Autor, por sua vez, prometeu comprar, livre de encargos e ónus de natureza real, pelo preço global de 35.000€ (trinta e cinco mil euros) um prédio urbano composto de casa de habitação em ruínas com a superfície coberta de 111m2 e logradouro de 9 289m2 sito em ... concelho de Oliveira de Hospital, a confrontar de Norte com ..., sul com ... (Herdeiros), Nascente com Barroca e Poente com ..., inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob o art.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital sob o n.º .../19960115 (al. A).

B. Na data de assinatura do contrato promessa de compra e venda supra referido, o Autor entregou ao procurador e pai do Réu, a título de sinal e princípio de pagamento, a importância de 1.500€ (mil e quinhentos euros) da qual, através da assinatura do dito contrato, deu a respectiva quitação (al. B).

C. Nos termos da cláusula 4.ª do acordo celebrado, “A escritura ou documento particular autenticado de compra e venda do prédio (…) será celebrado impreterivelmente até ao final do mês de Julho do corrente ano [2009], devendo para esse efeito o segundo outorgante [aqui autor], notificar o primeiro outorgante, através de carta, indicando dia, hora e local da realização da mesma/o” (al. C) e documento de fls. 16/17).

D. Nos termos da cláusula 3.ª b) do mesmo acordo, “O remanescente do preço, ou seja, a quantia de € 33 500,00 será pago no acto da assinatura da escritura pública ou do documento particular autenticado através do qual se faça a transmissão definitiva do prédio urbano melhor identificado na cláusula primeira” (idem).

E. Do acordo celebrado consta uma cláusula 7.ª com o seguinte teor: “As partes desde já convencionam a aplicação ao presente contrato do regime da execução específica nos termos do art.º 830.º do Código Civil”.

F. Previamente à assinatura do contrato promessa de compra e venda, as partes já se tinham deslocado dias antes ao local, tendo o Sr. C...(pai do aqui Réu B...) indicado as estremas da propriedade ao Autor, tendo na altura referido que a área constante na matriz urbana da dita freguesia era inferior à área real do prédio, ou seja, que realmente tinha cerca de 12 000 m2 (resposta aos art.ºs 1.º e 8.º).

G. Após a assinatura do contrato, o autor passou a residir no terreno, para o que aí estacionou uma roulotte (resposta ao art.º 10.º).

H. O autor procedeu à limpeza do terreno, cortando os vegetais que aí se encontravam, árvores e outras, de espécies e em quantidades que não foi possível fixar com precisão (resposta aos art.ºs 11.º, 17.º e 12.º).

I. Após a celebração do contrato, o autor deslocou-se à Alemanha (resposta ao art.º 2.º).

J. O autor regressou da Alemanha e deslocou-se de novo à propriedade (resposta ao art.º 3.º).

K. Em momento que não foi possível fixar, o pai do réu, em representação deste, mandou implantar vigas de betão sinalizando os limites da propriedade (resposta ao art.º 9.º).

L. Em data que não foi possível fixar com rigor, mas após o regresso do autor, houve uma reunião no local, finda a qual não houve entendimento entre autor e réu (resposta aos art.ºs 6.º e 7.º)

M. O autor enviou ao réu a carta registada com A/R datada de 29 de Julho de 2009, que foi recebida por este em 6-08-2009, com o teor constante de fls. 20 e 21, na qual declara resolver o contrato promessa de compra e venda outorgado em 11 de Fevereiro de 2009, com fundamento no facto do prédio prometido comprar não apresentar a área correcta, estando em falta cerca de 1 400 m2, tendo igualmente sido desrespeitado o acordo de estremas, aqui se dando, quanto ao mais, por reproduzido o seu teor (al. D).

N. O R. B... respondeu ao A. por carta de 19 de Agosto de 2009 que compõe fls. 42 a 43 dos presentes autos, na qual alega encontrar-se o autor em incumprimento, dado que o prédio prometido vender tem as características e os metros (muitos mais metros) do que o que foi prometido vender, referindo ainda que “perante tal missiva, apenas posso concluir que pretende desistir, sem qualquer razão válida, do negócio, pelo que, se assim for, perderá direito ao sinal, bem como me terá de indemnizar pelos cortes de árvores e outras espécies feitas na minha propriedade”, aqui se dando por reproduzido, quanto ao mais, o respectivo teor (al. E).

O. O R. B... tomou a iniciativa de marcar para o dia 7 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de Arganil, a outorga do contrato definitivo de compra e venda, tendo notificado o A. A...para comparecer (al. F).

P. O A. A...não compareceu (al. G).

Q. A área global do prédio prometido vender / comprar é superior a treze mil e inferior a treze mil e trezentos metros quadrados (resposta ao art.º 13.º).

R. A estrema nascente do prédio desenvolve-se, do caminho até ao rio, do modo que melhor se esquematiza nos levantamentos constantes das folhas 19 e 56 (resposta ao art.º 14.º).
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De Direito

i. da nulidade da sentença por falta de fundamentação

Suscitou o recorrente em sede de recurso a nulidade da sentença por falta de fundamentação, de facto e de direito, (al. b) do n.º 1 do art.º 668.º), invocando ainda a nulidade prevista na al. a) do preceito.

No que se refere à invocada -cremos que por lapso- falta da assinatura do juiz, é óbvio que não se verifica, encontrando-se a decisão assinada electronicamente pelo Mm.º juiz que a proferiu.

No que concerne à nulidade decorrente da ausência de fundamentação, desde já se adianta, temo-la igualmente por não verificada.

O art.º 158.º do CPC impõe ao juiz que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças são nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e ainda quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (vide als. b) e d) do art.º 668.º do CPC).

O dever de fundamentação das decisões corresponde a uma exigência constitucional (cf. art.º 205.º, n.º 1 da CRP), sendo um instrumento legitimador da própria decisão -quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário e acatado o seu conteúdo- constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso.

Todavia, conforme sem dissêndio vem sendo entendido, só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC. Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige a lei que tenham sido de todo omitidas as razões (de facto e/ou de direito) que conduziram à prolação daquela concreta decisão (v., por todos, aresto do STJ de 15/12/2011, processo n.º 2/09.9 TTLMG.P1S1 e desta mesma Relação de 17/4/2012, processo n.º 1483/09.9 TBTMR, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Ora, no caso em apreço, tal vício claramente não se verifica, tendo o M.mº Juiz elencado os factos provados com relevo para a decisão a proferir e explanado com suficiência e de forma inteligível as razões de direito que, em seu entender, justificam a decisão proferida. Saber se o fez com acerto é questão que se prende com o mérito da decisão, cuja apreciação extravasa claramente do quadro da invocada nulidade que, assim, se julga improcedente.
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ii. do incumprimento definitivo e sua conciliação com o pedido de execução específica do contrato;
Da factualidade assente nos autos resulta terem autor e réu celebrado contrato promessa -qualificação jurídica na qual as partes não dissentem-, nos termos do qual este se obrigou a vender e aquele, por seu turno, se obrigou a comprar, o prédio identificado na al. A), pelo preço de € 35 000,00.
Com efeito, o “contrato promessa é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. (…) Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo.” [1].
Resulta ainda dos factos assentes que, tendo as partes contratantes convencionado que “a escritura ou documento particular autenticado de compra e venda do prédio (…) seria celebrado impreterivelmente até ao final do mês de Julho do ano da celebração do contrato (2009)”, competindo ao aqui autor proceder à notificação do réu, através de carta, indicando dia, hora e local da realização da mesma/o, o que se verificou foi coisa diversa. Assim, invocando para tanto que o promitente vendedor havia alterado a configuração do prédio prometido vender, mediante amputação de uma determinada área, que alegadamente teria entretanto vendido a um terceiro, o autor, através de carta enviada ao réu a 29 de Julho de 2009 e por este recepcionada no dia 6 de Agosto, emitiu declaração de resolução do contrato celebrado.
No domínio contratual, a regra vai no sentido de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e de que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigos 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, ambos os preceitos do Código Civil[2]).
Como é sabido, o contrato bilateral torna‑se resolúvel desde que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento, correspondendo a resolução à destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes com base num facto posterior à celebração do contrato
[3]. Este direito tanto pode resultar da lei como da convenção das partes (art.º 432.º, n.º 1) e fazer‑se por acordo, por declaração à outra parte e judicialmente ‑forma imposta sempre que a declaração de resolução não seja aceite pelo outro contraente- implicando em qualquer caso a extinção “ex tunc” da relação jurídica contratual em causa, com efeitos equivalentes aos da invalidade[4] (art.ºs 433.º e 434.º, n.º 2). Com efeito, e a despeito do art.º 436.º, n.º 1 consagrar o sistema declarativo, permitindo que a resolução se possa exercer mediante mera declaração à outra parte, a verdade é que a desnecessidade do assentimento da contraparte pode projectar-se judicialmente numa discordância quanto à existência dos pressupostos resolutivos. Assim, a declaração resolutiva feita no pressuposto do incumprimento alheio infundado, judicialmente recusada a sua confirmação, conduzirá à manutenção da eficácia do contrato entre as partes, caso se não verifique fundamento resolutivo em favor da contraparte, contraente fiel.[5]
A resolução fundada na lei encontra o seu fundamento, para o que ora importa considerar, no incumprimento do devedor, o que ocorre quando a prestação, não executada no devido tempo, já não pode ser cumprida por se ter tornado impossível (art.ºs 801.º e 802.º) ou quando, ainda materialmente possível, perdeu interesse para o credor[6].
No caso em apreço, tendo invocado incumprimento, por banda do réu promitente vendedor, do contrato celebrado, uma vez que, segundo a alegação do demandante, se teria colocado na situação de não poder cumprir, a verdade é que não logrou fazer prova dos fundamentos resolutivos por si invocados, conforme se fez notar na decisão sob recurso e o recorrente não questiona.
Deste modo, e conforme entendimento subjacente à decisão recorrida, se apenas a parte que sofreu o incumprimento tem legitimidade activa (material ou substancial) para resolver o contrato, não poderia ser tal direito reconhecido ao demandante, como não foi, subsistindo, por esta via, o contrato celebrado.
Pretende no entanto o recorrente que, pese embora a ausência de prova no sentido da confirmação do alegado em fundamento da declaração resolutiva, sempre estaremos perante incumprimento definitivo da sua parte, quer porque a sua declaração vale inequivocamente como recusa do cumprimento, quer porque as partes assinaram ao contrato um termo essencial que, uma vez ultrapassado, fazia recair o obrigado à marcação do acto de celebração do contrato prometido em incumprimento definitivo, situação que obstaculiza a pretendida e decretada execução específica do mesmo acordo.

Vejamos:

Ao fixarem um prazo para o cumprimento de determinado negócio, as partes podem apor-lhe um prazo fixo absoluto, caso em que a mora do devedor pode eliminar todo o interesse na prestação, fazendo-o recair em inadimplemento definitivo, ou antes um prazo fixo relativo, susceptível tão só de constituir o devedor em mora “debitoris”.

No caso em apreço, apesar do advérbio utilizado -“impreterivelmente”- propendemos a considerar que daqui não resulta a perda do interesse dos contraentes na prestação da contra parte pelo mero decurso do prazo nem, outrossim, tal decorre da natureza das prestações a que autor e réu se vincularam. Para que se concluísse pela essencialidade do termo fixado era necessário que as partes, no texto e/ou no contexto do contrato, evidenciassem inequivocamente tal vontade, mormente através da advertência de que o incumprimento do prazo fixado faria recair o contraente obrigado à marcação do acto, no caso o autor, em incumprimento definitivo, referência que do acordo não consta[7]. Acresce que na essencialidade subjectiva, a vontade das partes pode ser no sentido de o vencimento do termo conferir ao credor o direito de resolução sem, contudo, significar renúncia ao direito de exigir o cumprimento retardado da prestação, hipótese que deverá prevalecer em caso de dúvida[8]. Daí que o prazo fixado haja de ser qualificado de relativo, tendo-se o autor constituído em mora “debitoris” -atendendo à definição de mora do devedor como o atraso ou retardamento no cumprimento da obrigação- quando não procedeu à marcação do acto formalizador da transmissão do direito de propriedade sobre o prédio identificado em A) no prazo fixado, posto que o réu reconvinte não perdeu interesse na prestação, como o evidencia o facto de ter procedido à marcação da escritura cerca de 1 ano depois, tendo notificado o autor promitente comprador para comparecer, o que este não fez.

Faz-se ainda notar que do teor da missiva antes enviada pelo reconvinte ao autor reconvindo não pode extrair-se, como este parece defender, que estivesse a renunciar antecipadamente ao seu direito à execução coerciva da prestação.
Por outro lado, não cremos que a declaração resolutiva emitida pelo autor, porque fundada em alegado incumprimento da contraparte, tenha o valor de recusa de cumprimento, em ordem a fazê-lo recair numa situação de incumprimento definitivo, subsistindo apenas a mora, a permitir à contra parte, promitente fiel, o recurso à execução específica, se verificados os demais pressupostos.
Mas mesmo que assim não fosse entendido, e estivéssemos perante uma situação de incumprimento “ipso facto”, por recusa do promitente comprador, aqui autor, em cumprir a prestação a que se vinculara, não cremos que resultasse afastada a possibilidade do recurso à execução específica do contrato.
Trata-se de questão controversa e controvertida, quer ao nível da doutrina, quer da Jurisprudência[9], havendo muito quem entenda, estribando-se no argumento de que, visando a execução específica a realização do contrato prometido, este tem que ser ainda possível, que o instituto só é compatível com as situações de mora.
A inexecução definitiva da prestação ocorre quando esta se torna impossível para sempre, ficando o devedor impedido de cumprir a prestação, pelo menos na forma específica. Tal sucede, nas prestações de “facere”, quando o facto cuja execução foi assumida se torna irrealizável, sendo certo que só a inexecução definitiva imputável ao devedor -por se ter colocado culposamente na impossibilidade de cumprir ou por não querer cumprir a prestação- concede ao contraente fiel o direito a resolver o contrato. Todavia, e no que concerne ao caso dos autos, não se trata de fazer actuar a resolução, uma vez que o contraente fiel mantém o interesse na prestação da contraparte, estando disposto a realizar aquela a que se vinculou. Se assim é, e porque a prestação a que o autor se vinculou é ainda objectivamente possível, entendemos que é viável o recurso à execução específica no específico caso de recusa de cumprimento.
Com efeito, é nos casos de recusa expressa ou tácita de cumprimento, com valor de incumprimento definitivo, que mais (…) se justifica a execução específica, porque estamos perante uma situação em que alguém se comprometeu a celebrar o contrato prometido e, por razões não justificadas, recusa-se pura e simplesmente a cumprir. Desde que o credor da prestação tenha interesse na prestação, e esta seja possível, em termos objectivos, só não se concretizando por desistência do devedor, justifica-se plenamente o uso deste instituto em defesa do cumprimento dos contratos. Se assim não for, estar-se-á a premiar o incumpridor e a defraudar o fundamento do instituto da execução específica. Pois é nestes casos de recusa que melhor se coaduna a execução específica, que não deixa de ser um instrumento jurídico utilizado pelo credor da prestação para salvar o contrato. Com ele o credor vê o seu direito à prestação protegido, porque obtém, através do tribunal, a declaração de vontade que o devedor se recusa a prestar. Funciona, nestes casos excepcionais, como meio preventivo ao incumprimento dos contratos-promessa”. [10]
Nestes termos, quer porque o autor se constituiu apenas numa situação de mora, quer porque a recusa de cumprimento não afasta, em nosso entender, o recurso à execução específica do contrato promessa, improcede a segunda grande objecção levantada pelo recorrente à sentença recorrida.
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iii. da existência do sinal e sua coexistência com o pedido de execução específica.
Finalmente, pretende o recorrente que a existência de sinal afasta a possibilidade das partes fazerem valer a execução específica.
De harmonia com o preceituado no art.º 442.º n.º 2, se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue. A par desta faculdade, o n.º 3 do preceito proclama que “Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica, nos termos do artigo 830.º”. Deverá ainda ter-se presente que o n.º 1, a primeira parte do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 442.º se aplicam ao todos os contratos, ao passo que a 2.ª parte do n.º 2 e este n.º 3 do preceito disciplinam apenas os contratos promessa[11].
Resulta dos autos que o autor, promitente comprador, adiantou ao réu a quantia de € 1 500,00, a que as partes atribuíram expressamente, de acordo com a al. a) da cláusula 3.ª, a natureza de “sinal e princípio de pagamento” sendo certo que, em caso de omissão, sempre funcionaria nesse mesmo sentido a presunção estabelecida no art.º 441.º.
Todavia, a par da passagem de sinal, conforme resulta da cláusula 7.ª, as partes quiseram submeter o acordo celebrado à disciplina da execução específica prevista no art.º 830.º, o que afirmaram expressamente.
A presunção estabelecida no n.º 2 do art.º 830.º -“juris tantum” e, por isso, ilídível nos termos do n.º 2 do art.º 350.º- só vale quando, tendo havido passagem de sinal, as partes não tiverem convencionado a execução específica. Deste modo, porque, no caso em apreço, não obstante a existência de convenção de sinal, as partes convencionaram igualmente a execução específica, resulta afastada a aludida presunção legal, podendo o contraente não faltoso, em alternativa à restituição do sinal em dobro, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º, como previsto no n.º 3 do art.º 442.º acima transcrito.[12]
Acresce ter o recorrente incorrido em manifesto equívoco quando pressupõe a natureza rústica do prédio que é objecto mediato do contrato prometido posto que, conforme resulta expresso da sua identificação (vide o teor da al. A) dos factos assentes), o mesmo prédio tem natureza urbana, recaindo na previsão da norma imperativa contida no n.º 3 do art.º 810.º, aceitando que na previsão legal a referência a edifício comporta a asserção de prédio urbano[13].
Nos termos do n.º 1 do art.º 830.º “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
Pelo recurso à execução específica, fica dispensada a condenação do devedor a prestar aquilo a que se vinculou, produzindo a sentença (constitutiva) os efeitos da declaração do faltoso, operando na esfera jurídica do inadimplente o resultado prático do cumprimento. No caso vertente, e como decorrência do que se deixou explanado, verificados estão os pressupostos da execução específica, inexistindo obstáculo a que o tribunal supra a declaração negocial omitida.
Aqui chegados, cabe todavia equacionar uma última questão, sem prejuízo de se reconhecer a sua precedência lógica sobre as demais anteriormente tratadas, a saber, se o recurso à execução específica é também permitido ao promitente vendedor que se mantém fiel à promessa de contratar.
No regime introduzido pelo DL 236/80, de 18 de Julho, apenas ao autor do sinal atribuía a lei o direito de recorrer à execução específica do contrato (n.º 2 “in fine” do art.º 442.º). À luz da redacção introduzida pelo DL 379/86, de 11 de Novembro agora em vigor, logo o Prof. Antunes Varela[14] fez notar que “(…) em face da expressão introdutória do novo n.º 3 (em qualquer dos casos previstos no número anterior), dir-se-á que o legislador quis também estender ao promitente não faltoso que recebeu o sinal a faculdade de recorrer à execução específica do contrato, em lugar de se contentar com a solução de fazer (definitivamente) seu o sinal recebido.
Com efeito, os casos previstos no número anterior, a que o (novo) n.º 3 à primeira vista se refere, são o de “quem constitui o sinal deixar de cumprir” e o de o não-cumprimento da obrigação ser antes devido “a quem recebeu o sinal”.
A inovação estaria exactamente na extensão do benefício da execução específica, em alternativa, ao primeiro dos casos contemplados no n.º 2”. E acrescenta “(…) o novo texto começaria assim por trazer consigo a grande novidade de conceder também a quem recebeu o sinal, na hipótese de a outra parte não cumprir, não só o direito de fazer seu o sinal recebido mas ainda, em alternativa, o de requerer a execução específica do contrato promessa” [15].
Ora, sem embargo de se reconhecer que nunca, antes da entrada em vigor do novo regime, se colocara a possibilidade de ao accipiens ser atribuído outro direito que não aquele de fazer seu o sinal recebido, face à redacção vigente conclui-se ter sido intenção do legislador estender também ao promitente vendedor, no caso da contraparte não cumprir, o direito à execução específica. Com efeito, referindo-se a lei a qualquer dos casos previstos no número anterior e reportando-se sempre ao contraente não faltoso, sem distinção, afigura-se não haver razões para distinguir, denegando ao promitente vendedor, que se mantém fiel à promessa de contratar, o recurso à execução coerciva da prestação.[16]
Não obstante, entende-se que o n.º 5 do art.º 830.º não tem aplicação nestes casos, restando ao tribunal, como contrapartida do decretado efeito translativo, condenar o promitente comprador remisso no pagamento da quantia em falta até perfazer o preço convencionado tal como, aliás, vem pedido.
Destarte, improcedendo todas as conclusões do recurso, há que proferir decisão que, substituindo a declaração negocial do faltoso, declare transmitido para o autor o direito de propriedade sobre o prédio identificado em A), condenando-se o mesmo no pagamento do remanescente do preço, assim se confirmando a sentença recorrida.
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III- Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.


Relator: Maria Domingas Simões
Adjuntos:
1º - Nunes Ribeiro
2º - Helder Almeida


[1] Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., Coimbra.
[2] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[3] Vd. Antunes Varela, Direito das Obrigações, II, 6.ª Edição, 1995, Almedina, pág. 273 e ss.
[4] Salvo quanto aos contratos de execução continuada ou periódica, hipótese que para aqui não releva, no âmbito dos quais os efeitos só operam “ex nunc”.
[5] V., neste sentido, Brandão Proença, in “A resolução do contrato no direito civil –do enquadramento e do regime”, Coimbra Editora, reimpressão, págs. 152-153.

[6] Assim, para além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, o carácter definitivo do incumprimento consuma-se se, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação. Esta superveniente inutilidade para o credor da prestação terá que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio bem com das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução, não bastando a simples diminuição do interesse mas relevando apenas a sua perda absoluta traduzida, via de regra, no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer (vide aresto do STJ de 16/3/99, in CJ, tomo 1.º, pág. 165).

[7] À semelhança do que ocorre com a interpelação admonitória, da qual tem de constar, para além do mais, a fixação de um prazo peremptório para o cumprimento e a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo.
[8] Assim, Calvão da Silva, “Sinal e contrato promessa”, 2.ª ed., Coimbra 1988, pág. 94.
[9] Como se reconhece no acórdão do STJ de 14/9/2010, proferido no processo n.º 1449/08.6 TBVCT.G1.S1, sendo Relator o Ex.mo Sr. Cons.º Paulo Sá, disponível em www.dgsi.pt, citado pelo recorrido nas contra alegações e que seguiremos de perto.
Também Menezes Leitão, no seu “Direito das Obrigações”, vol. I, 9.ª edição, pág. 233, refere que “a execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento”, dando como exemplos a venda do bem prometido vender a um terceiro e a impossibilidade de obter a licença de utilização do imóvel, destacando ainda duas outras situações em que a execução específica fica excluída, a saber: existência de convenção [válida] em contrário, e ser incompatível com a natureza da obrigação assumida, omitindo referência aos casos em que o outro contraente, sendo a prestação objectivamente possível, pura e simplesmente se recusa a cumprir.
[10] Do aresto identificado na nota 9 da pág. anterior.
[11] Conforme adverte Calvão da Silva, no mesmo“Sinal e Contrato Promessa”, pág. 100.

[12] No sentido de que a existência de sinal passado não inviabiliza ao promitente cumpridor do contrato-promessa a faculdade de impor ao promitente que o não cumpra a respectiva execução específica, acórdão do STJ de 25/6/2009, processo 09 B 0043, sendo relator o Ex.mº Sr. Cons.º Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Neste preciso sentido, A Varela, “Sobre o contrato promessa”, Coimbra Editora, 2.ª ed., págs. 48 a 50, e ainda Calvão da Silva, ob. cit., págs. 41-42.
[14] In “Sobre o contrato promessa”, apreciação crítica do regime vigente, 2.ª ed., pág. 127. 
[15] Ob. cit., pág. 144, sem embargo de aqui admitir que não viesse a faltar quem entendesse que “a referência introdutória do novo n.º 3 (…) visa afinal, não a disjuntiva básica do n.º 2, mas a dualidade das sanções conferidas neste n.º 2 ao promitente (não faltoso) que constitui o sinal.
Sendo assim, a expressão “em qualquer dos casos previstos no número anterior” significaria afinal “em qualquer dos casos previstos na 2.ª parte do número anterior” (…) limitando-se [o novo texto] a esclarecer que o recurso à execução específica não depende necessariamente da tradição da coisa a que o contrato-promessa se refere”.
De novo debruçando-se sobre o preceito, in “Das obrigações em geral”, vol. I, 6.ª ed., pág. 327, refere ter o diploma que introduziu a alteração delimitado mal “(…) o campo de aplicação do recurso à execução específica, remetendo para qualquer dos casos previstos no número anterior, quando a verdade é que a lei não pretende abranger o primeiro dos casos lá previstos, que é o de ser o autor do sinal quem falta culposamente ao cumprimento do contrato”.
Não cremos, porém, que seja esta a melhor interpretação do texto legal, não havendo motivo para recusar, cremos, ter sido intencional a alteração, expressando a intenção do legislador de conferir a qualquer um dos contraentes fiéis a possibilidade do recurso à execução específica, tanto mais que o preceito se aplica ao universo dos contratos promessa. Isto se diz sem embargo de se reconhecer que o campo de aplicação do preceito, por excelência, serão as promessas de venda, contexto em que o recurso pelo promitente vendedor à execução específica assume estatisticamente escassa relevância, até pela razão fundamental de se não lhe aplicar o disposto no n.º 5 do art.º 830.º, garantia claramente desenhada para os casos em que o inadimplente é o promitente vendedor. Deste modo, enfrentando o risco de ver transmitido o direito de propriedade sobre o imóvel prometido vender sem ter em seu poder o preço respectivo, e mesmo contando com a protecção conferida pelo art.º 710.º, à qual poderá acolher-se, afigura-se que raras serão as situações em que o promitente vendedor fiel, “accipiens” do sinal, prescinda do direito de o fazer reverter em seu favor, optando pela execução específica do contrato (assim, Ana Prata, “Contrato Promessa e o seu regime civil”, págs. 974/975). De todo o modo, na conjuntura actual, com acentuada desvalorização dos imóveis, não é de descartar que a questão venha a assumir um renovado interesse.
[16] Aparentemente neste sentido, Calvão da Silva, ob. cit., pág. 73, Almeida e Costa, “Contrato Promessa”, separata da ROA, Ano 50-I, Abril de 1990, pág. 48, onde escreve “Por outro lado, esse direito à execução específica aproveita aos dois contraentes e não depende de uma prévia entrega do prédio ao promitente-adquirente (art.º 442.º, n.º 3)” e de novo no seu “Direito das Obrigações”, 9.ª ed., pág. 380, e ainda Gravato de Morais, “Contrato promessa em geral – Contratos promessa em especial”, Almedina 2009, págs. 216-217, afirmando idêntico entendimento embora sem se deter sobre a questão.
Na jurisprudência, acolhendo a solução, aresto da Rel. de Évora de 30/11/2000, CJ, tomo v, pág. 276).