Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1259/15.4T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO PAGÁVEL EM PRESTAÇÕES
FALTA DE DECLARAÇÃO RESOLUTIVA
EXIGIBILIDADE DO CAPITAL EM DÉBITO E JUROS
CITAÇÃO DO DEVEDOR
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCADE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 781º C. CIVIL.
Sumário: 1. - A omissão, pelo credor/exequente, da declaração resolutiva do contrato de crédito liquidável em prestações por falta de realização prestacional, para vencimento imediato de todas elas, não determina necessariamente a inexigibilidade de toda a obrigação exequenda, por a citação dos executados para a respetiva execução constituir interpelação tendente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida (cujo pagamento é pedido), termos em que não se configura obstáculo, em geral, ao prosseguimento da execução, devendo as consequências da conduta omissiva do exequente quanto à obrigação exequenda ser ponderadas na decisão final dos embargos de executado.

2. - Não expirado o prazo prestacional convencionado, cabe ao exequente explicitar a causa geradora do vencimento imediato de toda a dívida (perda do benefício do prazo).

3. - Porém, se aquela citação dos executados para a execução apenas tiver lugar, por vicissitudes processuais decorrentes da forma de processo escolhida pelo exequente, após a realização da penhora, ocorre interpelação tardia (somente materializada após a agressão patrimonial em que a penhora sempre se traduz), determinante da inexigibilidade da obrigação exequenda quanto às prestações vincendas, implicando a extinção da execução nessa parte.

4. - Apurando-se, todavia, a existência de diversas prestações vencidas anteriormente à instauração da execução, bem como respetivos juros remuneratórios e moratórios, também peticionados, deve nessa parte a execução prosseguir termos, ante a exigibilidade da correspondente obrigação.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu a “C..., S. A.”, com os sinais dos autos ([1]),

vieram os Executados

A..., LDA.”,

M...

S...,

F...,

B...,

A... e

M..., todos também com os sinais dos autos,

deduzir oposição, mediante embargos de executado, a tal execução, invocando, em síntese, que:

- o valor em dívida não é o indicado pela Exequente (€316.663,54), ascendendo apenas a €138.388,83;

- não ocorreu declaração de resolução do contrato de mútuo, nem por via extrajudicial, nem sequer judicial, já que aquela não a alegou como facto, nem deduziu pedido respetivo, no requerimento executivo;

- as cláusulas referentes ao vencimento antecipado da dívida são abusivas;

- o valor reclamado é superior aos limites referidos na escritura pública;

- a Exequente deveria ter lançado mão da fase introdutória da execução, por forma a tornar a obrigação certa, líquida e exigível;

- há cláusulas contratuais gerais integrantes do contrato que são incompatíveis com a boa-fé, determinando uma desvantagem manifestamente exagerada para a parte aderente, ocorrendo ainda violação do disposto no art.º 334.º do CCiv. (abuso do direito), tornando ilegítimo o exercício do direito de crédito;

- ocorreu comunicação ao banco da alteração de circunstancias que fundaram a celebração do contrato de mútuo, com pedido reportado à sua reformulação, ao que a parte credora não acedeu;

- as obrigações assumidas não estão cobertas pelos riscos próprios do contrato.

Concluíram pela improcedência da execução.

Liminarmente admitidos os embargos, a Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos argumentos invocados e concluindo pela total improcedência da oposição.

Proferido despacho saneador, com definição do objeto de litígio e dos temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, com produção de provas, a que se seguiu a sentença, datada de 27/01/2021, julgando procedentes os embargos, com a consequente “extinção da execução por a obrigação exequenda ser inexigível diante do título executivo” ([2]).

Inconformada, a ora Embargada/Exequente (“P…”) recorre da sentença, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões:

...

Não se mostrando junta contra-alegação, o recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos tais regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação saber:

a) Se ocorreu erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando às modificações pretendidas pela Apelante (alteração aos pontos xvi, xvii e xviii da factualidade dada como provada, aditamento de novo ponto a que alude a conclusão XXV e exclusão do quadro provado do facto xix);

b) Se, quanto à impugnação da fundamentação jurídica da sentença, ocorre exigibilidade da obrigação exequenda, no todo ou em parte, questão que se prende, ab initio, com a da existência de declaração resolutiva do contrato e interpelação para o cumprimento do todo.

III – Fundamentação

          A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Pretende, desde logo, a Recorrente, como visto, que os pontos xvi, xvii e xviii dados como provados, passem a assumir a seguinte redação:

«xvi. A C... interpelou judicialmente os Embargantes, por via da respetiva citação, para o cumprimento de todas as prestações vencidas e não pagas.

xvii. O Exequente declarou o vencimento antecipado da dívida em março de 2015 encontrando-se em dívida o capital vincendo de 138.388,83 euros.

xviii. A C... interpelou os Embargantes para o pagamento do capital vincendo e juros».

E, “coerentemente”, que seja aditada à matéria de facto provada um novo facto, nestes termos:

«No artigo 20.º do Requerimento Executivo, a C..., exerceu o seu direito a considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigiu o seu pagamento dos Embargantes ao abrigo da cláusula 17ª do documento complementar da escritura celebrada».

Por fim, pede que seja excluído da matéria de facto provada o facto xix, com o seguinte teor:

«xix. Nem a C... nem a Embargada resolveram o contrato e comunicaram a resolução aos Embargantes».

Vejamos.

Tendo em conta aqueles pontos xvi, xvii e xviii, fez o Tribunal recorrido constar no primeiro deles:

«xvi. Nem a C... nem a Embargada interpelaram os Embargantes para o cumprimento de todas as prestações vencidas e não pagas».

Assim, a questão enunciada traduz-se – quanto a este primeiro enunciado – em saber se houve, ou não, tal interpelação para cumprir:

- se a C... interpelou judicialmente os Embargantes, por via da respetiva citação, para o cumprimento de todas as prestações vencidas e não pagas; ou

- se nem a C... nem a Embargada interpelaram os Embargantes para esse cumprimento.

Na fundamentação da decisão de facto da sentença pode ler-se, a este propósito:

«Não resultou provado que o Exequente interpelou a sociedade mutuária e respetivos garantes para procederem ao pagamento das 74 prestações vencidas e não pagas nem tão pouco resultou provado que o Exequente interpelou a sociedade mutuária e respetivos garantes para procederem ao pagamento do capital vincendo.

Não resultou provado, também, que o Exequente tenha resolvido o contrato.

(…)

Não foi produzida qualquer prova que o sustentasse.».

A Apelante, por seu lado, esgrime e enfatiza assim:

«(…) nas hipóteses em que a interpelação seja efetuada através do próprio acto de citação na ação executiva – como era a situação dos autos – deve o próprio requerimento executivo incluir o conteúdo da interpelação exigível, ou seja, a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida.

35. Apenas podendo, nesta mesma hipótese, ser peticionados juros de mora desde a data da citação, momento em que ocorre a interpelação para o pagamento da totalidade da dívida.

36. Voltando ao caso dos autos e analisando teor do Requerimento Executivo apresentado pela Exequente verifica-se que, contrariamente ao afirmado na douta sentença a quo, dos autos resulta uma intenção expressa e inequívoca do Exequente de interpelar os executados logo em sede de Requerimento executivo.

37. Aí, o Exequente expressamente indicou no artigo 10.º o valor da dívida exigida juntando para demonstração da mesma a respetiva nota de débito da qual decorre o desdobramento do capital (vincendo 138.388,83 euros e vencido 91.550,4 euros), juros remuneratórios de €38.441,31 euros, juros de mora de 4.815,02 euros e comissões de 508,76 euros) – vide doc. 2 do requerimento executivo a fls. 44.

38. Mais manifestou, de forma expressa, no já transcrito facto e artigo 20.º, a sua vontade de acionar o direito a considerar vencida a obrigação de reembolso do mútuo na sua totalidade.:

“20. Conforme supra alegado e resulta da nota de débito junta sob o documento n.º 2, os executados não cumpriram pontualmente a sua obrigação de pagamento, pelo que assiste à exequente, como ora faz, o direito de considerar antecipadamente vencida toda a divida e exigir o seu pagamento”.

39. Ora, uma vez que a exequente expressamente manifestou intenção de exercer o seu direito a declarar antecipadamente vencida a dívida no próprio requerimento executivo, a escolha da forma de processo sumário não podia, pois, deixar de ter sido, ao tempo, considerada como um manifesto em erro na forma de processo (artigo 193º do Cód. Proc. Civ.), erro do qual o exequente não se apercebeu (…).

40. Não obstante, face ao teor inequívoco do requerimento executivo, a agente de execução [do] processo deveria, pois, ter suscitado a intervenção do juiz nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 855º do Cód. Proc. Civ., ou por se lhe afigurar faltar o documento comprovativo da interpelação dos executados ou por duvidar da aplicação da forma sumária; o que, lamentavelmente, não fez.

41. Pois se assim o tivesse feito, impunha-se a prolação de despacho de aperfeiçoamento, ao tempo, em que o juiz teria, desde logo, convidado a exequente a juntar o documento comprovativo da interpelação dos executados, sob pena de indeferimento (artigo 726º nº 4 e 5 do Cód. Proc. Civ.).

42. Ou, alternativamente, teria o tribunal declarado oficiosamente a nulidade do processado por erro na forma do processo, nos termos previstos nos artigos 193.º e 196.º do CPC.

(…)

45. Sublinha-se que a falta de citação prévia dos executados, no caso dos autos, tão pouco é imputável ao Exequente!

46. Concluindo-se pela efetiva existência de erro na forma do processo – como se propugna na douta sentença a quo – sempre se deveria ter convolado da forma empregada para a que devia empregar-se, aproveitando-se tudo quanto ao tempo, pudesse aproveitar-se em nome do Princípio da boa economia processual.

47. Diferentemente, porém, ignorando o teor do requerimento executivo, a Senhora Agente de Execução avançou primeiramente com a penhora do imóvel hipotecado e subsequente citação dos executados (artigos 855º nº 3 e 856º do mesmo diploma).

48. E só em sede de embargos de executado é que esta questão da falta de interpelação vem a ser suscitada.

(…) não se verifica diferença significativa no formulário da citação, de forma a que esta não possa ser aproveitada, tanto assim é que ainda em 2015 os executados foram citados e deduziram embargos, onde impugnaram a exigibilidade da divida e o valor da quantia exequenda, entre outros fundamentos, nos mesmos termos ou muito semelhantes que teriam feito se se tivesse tratado de uma citação prévia.

(…) nunca tendo sido declarado nulo o processado e tendo processo sido sempre tramitado sob a forma sumária, sem oposição das partes que com ela se conformaram, não podia o douto Tribunal a quo ter deixado de dar por sanada tal nulidade e em consequência ter considerado a citação dos executados nestes autos como uma verdadeira interpelação para os fins e com os efeitos, desde sempre, expressamente requeridos pelo exequente no artigo 20.º do Requerimento executivo: a declaração do vencimento antecipado da dívida com a consequência exigibilidade da totalidade da quantia exequenda.

(…) Considerando-se, assim, validamente interpelados, pela via judicial, com os fundamentos supra aduzidos a matéria de facto impugnada teria, necessariamente, que ter tido diferente julgamento».

Deste extenso arrazoado, tal como logo se poderia inferir das redações (afirmativa, proposta pela impugnante, e negativa, fixada pela 1.ª instância) em confronto, já se conclui, sem dificuldade, que a questão em apreço orbita em torno de discussão jurídica, qual seja a de saber, ante a materialidade alegada no requerimento executivo e a citação dos Executados, se pode entender-se que ocorreu (ou não) interpelação judicial (no seio do processo executivo) para o cumprimento de todas as prestações vencidas e não pagas.

Assim, tratando-se de nítida questão jurídica, de cuja análise haverá de concluir-se pela verificação, ou não, de tal interpelação para cumprir, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, não dever merecer acolhimento, no quadro fáctico da sentença, nenhuma das formulações contrárias em confronto (nem a do Tribunal a quo, nem, do mesmo modo, a oposta, da Recorrente), por ambas conterem indisfarçável valoração jurídica (só alcançável com aplicação de normas jurídicas ao caso), que apenas na fundamentação de direito deve ter lugar, sabido, por outro lado, que no quadro fáctico da sentença apenas devem caber factos (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.).

Donde que, retirando-se a formulação negativa adotada nesta sede, passe o questionado ponto xvi a ter a seguinte redação (fundada no exarado no requerimento executivo e no teor da respetiva citação aos Executados):

«xvi. Consta da factualidade alegada no requerimento executivo:

“(…)

10. Com referência ao contrato supra mencionado, encontra-se em divida à exequente à data de 12.03.2015, a quantia de €316.653,54, sendo:

• Capital - €229.939,30

• Juros de 22.04.2009 a 12.03.2015 - €81.627,48

• Comissões - €5.086,76

Cfr. Nota de Débito que se junta sob o documento n.º 2 e se dá por reproduzido para os legais efeitos.

(…)

20. Conforme supra alegado e resulta da nota de débito junta sob o documento n.º 2, os executados não cumpriram pontualmente a sua obrigação de pagamento, pelo que assiste à exequente, como ora faz, o direito de considerar antecipadamente vencida toda a divida e exigir o seu pagamento.”.

E do expediente para “citação após penhora - postal” dos Executados consta:

“FUNDAMENTO DA CITAÇÃO

Nos termos do disposto nos artigos 856º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente citado(a) NA QUALIDADE DE EXECUTADO(A) E EXECUTADO(A) HABILITADO(A) para os termos do presente processo executivo, tendo o prazo de 20 (vinte dias) para:

a. Pagar a quantia em dívida, juros e custas; ou querendo,

b. Deduzir oposição à execução através de embargos de executado; e/ou

c. Deduzir oposição à penhora;

Sem prejuízo do atrás referido e nos termos do nº 3 do artigo 753º do CPC fica também notificado que, no prazo da oposição e sob pena de ser condenado como litigante de má-fé, deve indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre os bens penhorados, bem como os respetivos titulares ou beneficiários; e que pode requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 751º do CPC.

COMINAÇÕES

Não sendo feito o pagamento e não havendo causa que determine a suspensão da execução, serão vendidos ou adjudicados os bens penhorados, para pagamento da quantia peticionada e eventuais créditos que possam ser reclamados.”».

Passando ao ponto xvii do quadro fáctico dado como provado, constata-se ter este o seguinte teor:

«xvii. O Exequente considerou em 12 de março de 2015 encontrar-se em divida o capital vincendo de 138.388,83 euros».

Assim, a Apelante, aceitando aquele montante – admite que se encontrasse em dívida o capital vincendo de €138.388,83 –, pretenderá, se bem se entende, a inclusão do segmento no sentido de ter declarado o vencimento antecipado da dívida nessa altura (março de 2015), por via da ação executiva e inerente “interpelação judicial dos executados para o efeito” (cfr. conclusão VI), isto é, através de requerimento executivo (e documentação respetiva) e citação na execução.

Assim, a medida dessa pretendida declaração de vencimento antecipado da dívida terá de corresponder ao que constar daquele requerimento executivo, sendo que a Apelante remete, neste âmbito, para o que consta do respetivo “artigo 20.º” (cfr. dita conclusão VI), o qual já se mostra reproduzido (em todo o seu teor) no ponto xvi retificado.

Donde que, assim perspetivada a factualidade em questão – a qual haverá de merecer ulterior apreciação jurídica (em sede de fundamentação de direito) –, nada haja agora a alterar nesta parte, motivo pelo qual é de manter a redação do impugnado ponto xvii.

Quanto ao ponto xviii, é certo constar deste que «Nem a C... nem a Embargada interpelaram os Embargantes para o pagamento do capital vincendo e juros», pretendendo a Recorrente a inversão deste conteúdo fáctico, fundando-se, ainda aqui, no vertido no requerimento executivo, levado ao conhecimento dos Executados através de respetiva citação.

Ora, como já visto, a(s) questão(ões) da interpelação ou não, entronca(am) numa discussão de matéria essencialmente jurídica, de que apenas a jusante se deverá tratar, não devendo convocar-se enunciados de índole jurídica ou conclusiva – ademais, relevantes para a decisão de direito do caso e decorrente disciplina dos interesses em confronto – para o quadro fáctico da causa.

Assim, também aqui, será de retirar, mutatis mutandis, o enunciado do discutido ponto xviii, suprimindo-o, devendo oportunamente, outrossim, aferir-se da realização, ou não, dessa interpelação à luz do documentado na execução quanto ao teor do requerimento executivo e da respetiva citação aos Executados.

Passando ao pretendido aditamento de novo ponto fáctico a que alude a conclusão XXV, dir-se-á que esta pretensão já está acolhida, dentro do razoável.

Com efeito, relembrando, é certo reportar-se a Apelante à seguinte materialidade a aditar:

«No artigo 20.º do Requerimento Executivo, a C... exerceu o seu direito a considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigiu o seu pagamento dos Embargantes ao abrigo da cláusula 17ª do documento complementar da escritura celebrada».

Ora, o teor desse destacado art.º 20.º já consta especificado na factualidade provada (alteração ao ponto xvi), tal como a inerente citação dos Executados, nisso se traduzindo a factualidade a considerar, visto que, se foi exercido, ou não, um direito (de que se fosse titular), é já um conteúdo que excede, manifestamente, a matéria de facto da causa.

Assim, se tal configura o exercício do «direito a considerar antecipadamente vencida toda a dívida» e exigência do «seu pagamento dos Embargantes ao abrigo da cláusula 17ª do documento complementar da escritura celebrada» é, salvo o devido respeito, inevitável matéria de direito, a discernir no momento da normativa aplicação do direito ao caso.

Donde que já esteja agora aditado o que havia a aditar, nada mais se impondo alterar neste particular.

Por fim, resta a pedida exclusão da matéria dada como provada do ponto xix, que assumiu a veste negativa consistente em «Nem a C... nem a Embargada» terem resolvido «o contrato e comunicaram a resolução aos Embargantes».

E já se viu que a Recorrente, através de via jurídica, considera que tal resolução teve lugar, sabido, ademais, que a resolução do contrato é uma figura jurídica de direito substantivo, com regulação específica nos art.ºs 432.º e segs. do CCiv., que se veicula, mediante o exercício de direito potestativo (verificados, obviamente, os respetivos pressupostos legais), através de declaração recetícia (cfr. art.º 436.º daquele CCiv.), dirigida à contraparte.

Assim, não sendo adequado fixar na parte fáctica da sentença se a resolução teve, ou não, lugar, deve aquele ponto xix ser eliminado, havendo a questão resolutiva – e inerente declaração, ou não – de ser objeto de apreciação a jusante, no âmbito da discussão do aspeto jurídico do recurso.

Donde, então, que proceda neste particular a impugnação empreendida.

B) Matéria de facto

1. - Na sequência da apreciação recursiva da decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade provada a atender:

...

2. - E foi julgado não provado:

...

          C) O Direito

1. - Da (in)existência de declaração resolutiva/interpelação e da (in)exigibilidade da obrigação exequenda

Na decisão recorrida pode ler-se, em sede de fundamentação de direito:

«O Exequente demonstrou o incumprimento das obrigações pelos Embargantes.

Porém, a divida ter-se-á de considerar como inexigível, pois o Exequente não interpelou (extrajudicialmente) os Embargantes e, dessa forma, não se operou o vencimento da obrigação, pela interpelação para o pagamento, nem a resolução do contrato.

Mas ocorreu a interpelação (judicial) através da citação para a ação executiva?

A execução deu entrada em juízo em 24 de março de 2015 e, deste modo, na vigência do Código Processo Civil com a redação dada pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho.

O Exequente intentou a presente execução com a forma de processo comum sumário.

O que estaria correto, não fosse a circunstância da obrigação não se mostrar vencida.

Como vimos, quando a obrigação não se mostra vencida a execução deverá seguir a forma de processo ordinário, nos termos do artigo 550.º, n.º 3, al. a) do CPC;

o exequente deverá alegar e provar o vencimento da obrigação;

e concluindo o juiz pela exigibilidade da obrigação,

os Executados são citados com a advertência de que, na falta de contestação, se considera verificada a condição ou efetuada ou oferecida a prestação, nos termos alegados no requerimento executivo, salvo se se verificar algum dos casos previstos no artigo 568.º, isto é, alguma das situações em que a revelia não seja operante.

Porém,

a execução foi proposta sob a forma de processo sumário;

o Exequente não alegou nem provou, em sede de requerimento executivo, o vencimento da obrigação;

os autos não foram sujeitos a despacho liminar;

os Executados foram citados após a penhora;

a citação não contém a advertência de que, na falta de contestação, se considera verificada a condição ou efetuada ou oferecida a prestação, nos termos alegados no requerimento executivo, salvo se se verificar algum dos casos previstos no artigo 568.º, isto é, alguma das situações em que a revelia não seja operante;

a primeira intervenção do juiz ocorreu após a dedução de embargos de executado;

os embargos de executado foram deduzidos com fundamento, também, na inexigibilidade da obrigação.

Pelo que não se poderá considerar que os Executados e Embargantes foram interpelados por via da citação operada no âmbito da ação executiva.

O que significa que não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda pois quando deu entrada a presente execução, a Exequente, não possuía título executivo válido contra os Embargantes e Executados.».

A Apelante, por seu lado, pugna por dever considerar-se os Executados/Embargantes validamente interpelados, pela via judicial, isto é, através da citação na ação executiva.

Convoca, para tanto, o alegado sob o art.º 20.º do requerimento executivo, defendendo que ali exerceu o seu direito potestativo de considerar antecipadamente vencida toda a dívida, com exigência do respetivo pagamento. Assim, teria havido manifestação, logo nesse requerimento executivo, da sua intenção de resolver o contrato, declarar o vencimento da totalidade da dívida e exigir o respetivo pagamento.

E, mesmo a considerar-se ter havido erro na forma de processo da execução, por indevida preterição da forma de processo ordinário – com a inerente citação prévia dos executados (que no caso não ocorreu) –, a escolha da forma de processo sumário não passaria de um mero erro na forma processual, nunca detetado, a dever, entretanto, considerar-se sanado, com aproveitamento de todo o processado.

Por isso, tendo os Executados sido, posteriormente, citados para os termos da execução, embora após a penhora, tal citação consubstanciaria uma verdadeira interpelação aos aqui Embargantes, no sentido da declaração do vencimento antecipado da dívida, fundando a exigibilidade da totalidade da quantia/obrigação exequenda.

Ora, é certo, desde logo, poder o mutuante resolver o contrato, se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento (art.º 1150.º do CCiv.), sendo ainda que, no mútuo oneroso, o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes (art.º 1150.º do mesmo Cód.).

E também é conhecido – quanto ao prazo da prestação, nas obrigações em geral – o disposto no art.º 781.º do CCiv., segundo o qual, se a obrigação puder ser liquidada em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas ([3]).

Seguro é também que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia (art.º 782.º do CCiv.), ficando, pois, a salvo, por regra, os terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação, sejam eles fiadores, garantes hipotecários, por penhor ou consignação de rendimentos, termos em que qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria ([4]), parecendo, então, tratar-se aqui de normação de pendor imperativo, a não admitir disposição contratual em contrário, por se dirigir à proteção do terceiro garante, visando eximi-lo aos nocivos efeitos antecipatórios decorrentes de conduta apenas imputável ao devedor que der causa ao vencimento imediato da obrigação, razão pela qual só a este último pode ser exigido o cumprimento (total ou parcial) antes de terminar o prazo.

Quanto ao disposto naquele art.º 781.º do CCiv., vem sendo comummente entendido que o mesmo não é de funcionamento automático, antes implicando, no âmbito contratual, uma necessária opção do credor, já que este, perante o incumprimento do plano prestacional acordado, pode escolher manter, ainda assim, o contrato celebrado e vigente, em vez de o extinguir por via de resolução.

Assim, quando se trate de obrigações prestacionais com prazo certo, em que o plano prestacional acordado não se mostre integralmente decorrido/expirado, havendo, por isso, prestações ainda não vencidas, como tal não exigíveis, a exigibilidade do todo depende da ocorrência da perda do benefício do prazo, quanto às prestações futuras com referência à data da instauração da ação executiva (cfr. art.ºs 780.º e seg. do CCiv.), perda essa a ter de ser alegada/invocada/clarificada.

Com efeito, in casu o crédito exequendo obedecia a um plano de pagamento/reembolso em prestações mensais, iguais e sucessivas, a contar de 22/01/2009, sendo o prazo do contrato de mútuo de 180 meses (cfr. pontos fácticos provados i, iii, iv e v), pelo que tal plano se estendia temporalmente muito para além da data de instauração da execução, sabido até que consta do ponto xv provado encontrarem-se vencidas e não pagas as prestações n.º 4 (parcialmente), com vencimento em 22/04/2009, a n.º 74, vencida esta em 22/02/2015, resultando – por então – um capital já vencido de €91.550,47, para além de juros remuneratórios (de €36.441,31), juros moratórios (de €42.978,52) e comissões (de €5.086,68).

Teria, pois, desde logo, de saber-se – e sabe-se, no caso – quando ocorreu falta de realização de alguma(s) das prestações, de molde a importar o vencimento de todas (mora debitoris no pagamento em prestações a que alude o art.º 781.º do CCiv.), com exercício da opção do credor pelo vencimento imediato das prestações remanescentes.

E também é sabido que a declaração resolutiva, podendo operar por via judicial (ou extrajudicial), pode ser expressa ou tácita: formulada determinada pretensão, tal pode configurar declaração tácita resolutiva, suscetível de chegar ao conhecimento da contraparte através da citação para a ação (declarativa ou executiva), com possível discussão e conhecimento nesta (designadamente, em sede de embargos de executado) ([5]).

Assim, é também admissível, em certos termos, que a interpelação para pagar possa considerar-se efetuada com a citação para a execução ([6]), esta, sem dúvida, para pagamento da quantia certa peticionada.

Porém, no caso dos autos a citação ocorreu depois da realização da penhora, por razões que se prendem com a forma de processo escolhida pela parte exequente (e inerentes vicissitudes processuais).

Como refere Januário da Costa Gomes ([7]), a penhora “desempenha um papel central na execução singular: da adstrição potencial dos bens do devedor à eventualidade de execução, passa-se à concretização da responsabilidade patrimonial – à responsabilidade patrimonial tout court – através da destinação efectiva e específica de alguns bens desse património à satisfação do direito de crédito do exequente.”.

Ou, como enfatiza Mário Júlio de Almeida Costa ([8]), “Se o devedor não cumpre a prestação a que se acha adstrito, o credor pode agir, por intermédio dos tribunais, contra o seu património”, sendo que “o objetivo da realização coactiva analisa-se em proporcionar ao credor e ao devedor, a expensas deste último, um efeito tanto quanto possível análogo ao que se conseguiria se a prestação fosse voluntariamente cumprida”, sabido, assim, que a “execução forçada – na modalidade mais frequente, que se destina ao pagamento de quantia certa – tem como acto fundamental a apreensão de bens do devedor”.

Isto é, “a penhora consiste na apreensão judicial de bens do devedor e constitui o acto fundamental da execução” ([9]), tratando-se, então, de “um acto processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.”. Assim, “a lei concede ao credor a possibilidade de agir, por intermédio dos tribunais, contra o património debitório”, sendo que “os bens penhorados são entregues a um depositário”, tendo como consequência “retirar ao executado o poder de livre disposição dos bens sobre que recaia” ([10]).

Traduzindo-se, pois, a penhora, invariavelmente, numa agressão patrimonial, promovida pelo credor perante o devedor, através dos tribunais, com vista à satisfação, pelo produto da subsequente venda dos bens penhorados, do direito de crédito exequendo, bem se compreende que, quando essa agressão ocorra (através da apreensão, por exemplo, de bens móveis ou imóveis), a dívida (obrigação exequenda) tenha de estar já bem determinada, revestindo-se das caraterísticas da certeza, liquidez e exigibilidade.

Com efeito, se a dívida, embora existente, não é ainda exigível (por não ter decorrido o prazo para o pagamento), não faria sentido a penhora: se o pagamento ainda não pode ser exigido, então não deverá proceder-se à apreensão, com vista ao pagamento coercivo, do património do devedor.

Assim sendo, pode aceitar-se que o requerimento executivo incorpore, ao menos tacitamente, uma intenção resolutiva do contrato de mútuo e, outrossim, uma vontade interpelativa quanto ao todo da dívida prestacional, em termos de provocar o vencimento do conjunto das prestações vincendas.

E também poderá aceitar-se, em geral, que a declaração respetiva (do credor ao devedor), sendo recetícia, opere através da citação dos executados, de molde a transferir-se o momento da comprovação da exigibilidade da obrigação exequenda para o tempo da citação na ação executiva, ultrapassado, pois, o momento inicial, o da instauração da execução.

Mas não poderá, se bem vemos, transferir-se essa comprovação para um tempo posterior à realização da penhora, sob pena de se permitir a agressão patrimonial ao devedor quanto a uma dívida que ainda lhe não pode ser exigida in totum (no momento da apreensão de bens), por ainda não estar obrigado ao cumprimento da totalidade, já que ainda beneficia de prazo prestacional, posto esse benefício só resultar perdido por via da declaração resolutiva e interpelação relativamente ao todo, a qual só opera quando a declaração se puder considerar recebida pelo destinatário/devedor.

Nestes termos, ainda que, in casu, se possa considerar sanados os eventuais vícios processuais (a que alude a Apelante), tal não tem a virtualidade de alterar a data em que a citação dos Executados/Embargantes foi efetuada, com a inerente operância, somente então, da declaração resolutiva/interpelação, deixando a descoberto, ao menos em parte, a inexigibilidade da dívida (obrigação exequenda quanto a prestações vincendas à data instauração da execução e aquando da própria penhora).

Por outro lado, também parece claro que não pode transferir-se para os serviços de justiça os erros processuais das partes, de molde a poder legitimar-se a agressão patrimonial para cobrança de dívida exequenda ainda não exigível. E nem a eventual sanação de vícios processuais, permitindo o aproveitamento do processado, alteraria a data da citação (valendo esta como efetivação da declaração resolutiva/interpelação), de si posterior, como resulta incontroverso nos autos, à penhora realizada.

Outro entendimento esbarraria, se bem se vê, com a tutela constitucional do direito de propriedade (no caso, dos devedores), atento o disposto no art.º 62.º da CRPort. ([11]), consagrando o princípio da propriedade privada, “que torna excepcional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas activas privadas”, sabido até que, também numa perspetiva de proporcionalidade, «a “natureza gravosa” da penhora limita-se àquilo que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas» ([12]), obviamente, desde que vencidos/exigíveis.

Em suma, deve improceder a apelação neste âmbito, confirmando-se o juízo de inexigibilidade quanto a prestações vincendas ao tempo da instauração da execução.

2. - Do prosseguimento da execução quanto a montantes já vencidos

Mas haverá outra parcela da obrigação exequenda que, como subsidiariamente refere a Apelante (conclusões XXX e segs.), se mostra exigível?

Nesta parte, deve dizer-se que resulta provado – recorde-se – o que consta dos pontos xiii a xv, com o seguinte teor relevante:

- a sociedade Embargante não pagou a prestação vencida em 22/04/2009, nem as prestações subsequentes, nem qualquer outra quantia;

- em 28/07/2009, a Embargada comunicou à sociedade Embargante e aos Embargantes R..., F..., M... e B... que o empréstimo se encontrava em situação de mora, solicitando a regularização dessa situação, atentas as consequências da mora;

- encontrando-se vencidas e não pagas a prestação n.º 4 (parcialmente), vencida em 22/04/2009, até à prestação n.º 74, esta vencida em 22/02/2015, resultando o capital vencido em 91.550,47 euros, juros remuneratórios sobre o capital vencido de 36.441,31 euros, juros de mora de 42.978,52 euros e comissões de 5.086,68 euros.

Trata-se, pois, de prestações com vencimento anterior à instauração da execução, com montantes bem determinados, só podendo concluir-se, nesta parte, salvo o devido respeito, que está consubstanciada obrigação certa, líquida e exigível.

Assim, por estarmos perante inequívoca dívida com pagamento em prestações (pontos i e segs. provados), estas com vencimento em data certa (ponto v), e sabido a partir de quando se deu a falta de pagamento das prestações (aludidos pontos xiii a xv), ocorre mora nessa parte – com a decorrente obrigação de juros (remuneratórios e moratórios, com montantes concretamente estabelecidos in casu) – desde o vencimento de cada prestação não paga até à data da instauração da execução, termos em que estamos, nesse âmbito, perante obrigação exigível [cfr. art.º 805.º, n.º 2, al.ª a), do CCiv.].

Donde que tenha razão a Exequente/Apelante nesta parte, com a consequente improcedência parcial dos embargos, daí decorrendo dever a execução prosseguir quanto a tais montantes apurados (de capital vencido de €91.550,47, juros remuneratórios sobre o capital vencido de €36.441,31, juros de mora de €42.978,52 e comissões de €5.086,68), e apenas esses.

Por outro lado, e quanto às questões remanescentes, suscitadas pelos Embargantes, que foram consideradas prejudicadas no horizonte da decisão recorrida – existência de cláusulas contratuais gerais, integrantes do contrato de mútuo, contrárias à boa-fé, determinando uma desvantagem manifestamente exagerada para a parte aderente, ocorrendo ainda abuso do direito de crédito, designadamente por indeterminabilidade quanto a despesas e honorários, assim tornando ilegítimo o respetivo exercício, bem como alteração das circunstâncias fundantes da celebração desse contrato e, ainda, obrigações assumidas não cobertas pelos riscos próprios do contrato –, as quais apenas importam agora na parte em que a execução se funda em obrigação exigível (prestações vencidas anteriormente à instauração da ação executiva, e não mais), cabe dizer, quanto ao que subsiste em jogo, que os factos provados (os únicos a atender) não dão respaldo a um tal diagnóstico dos Opoentes.

Com efeito, se o invocado clausulado abusivo não respeita às prestações já vencidas aquando da instauração da execução (mas às demais), o mesmo podendo dizer-se quanto ao esgrimido abuso do direito – reportado pelos Embargantes à “dívida a partir de 12.03.2015” (cfr. art.º 64.º da petição de embargos), bem como à exigência/imposição de um “prazo de 180 meses que é indubitavelmente curto tendo em conta o valor mutuado” (art.º 65.º da mesma petição), imposição essa que resultou categoricamente não provada, ou a indeterminabilidade quanto a responsabilidade “por todas e quaisquer despesas que o Banco realize” (art.º 66.º desse articulado), sendo certo que, neste particular, a execução apenas prosseguirá, in casu, relativamente a comprovadas “comissões de 5.086,68 euros” –, também parece claro inexistirem quaisquer factos provados que permitissem concluir pela verificação de relevante alteração das circunstâncias e decorrente surgimento de obrigações que, embora assumidas, não estivessem cobertas pelos riscos próprios do contrato ([13]).

Em suma, a apelação procede em parte, devendo alterar-se a sentença recorrida em conformidade.

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A omissão, pelo credor/exequente, da declaração resolutiva do contrato de crédito liquidável em prestações por falta de realização prestacional, para vencimento imediato de todas elas, não determina necessariamente a inexigibilidade de toda a obrigação exequenda, por a citação dos executados para a respetiva execução constituir interpelação tendente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida (cujo pagamento é pedido), termos em que não se configura obstáculo, em geral, ao prosseguimento da execução, devendo as consequências da conduta omissiva do exequente quanto à obrigação exequenda ser ponderadas na decisão final dos embargos de executado.

2. - Não expirado o prazo prestacional convencionado, cabe ao exequente explicitar a causa geradora do vencimento imediato de toda a dívida (perda do benefício do prazo).

3. - Porém, se aquela citação dos executados para a execução apenas tiver lugar, por vicissitudes processuais decorrentes da forma de processo escolhida pelo exequente, após a realização da penhora, ocorre interpelação tardia (somente materializada após a agressão patrimonial em que a penhora sempre se traduz), determinante da inexigibilidade da obrigação exequenda quanto às prestações vincendas, implicando a extinção da execução nessa parte.

4. - Apurando-se, todavia, a existência de diversas prestações vencidas anteriormente à instauração da execução, bem como respetivos juros remuneratórios e moratórios, também peticionados, deve nessa parte a execução prosseguir termos, ante a exigibilidade da correspondente obrigação.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, com a consequente alteração da decisão recorrida, em:
a) Julgar parcialmente procedentes os embargos de executado, determinando o prosseguimento da execução somente quanto aos apurados montantes de €91.550,47 (capital vencido), €36.441,31 (juros remuneratórios sobre o capital vencido), €42.978,52 (juros de mora) e €5.086,68 (comissões);
b) No mais, manter a extinção da execução, por inexigibilidade da correspondente obrigação exequenda.

Custas da apelação e na 1.ª instância a cargo de Embargada/Apelante e Embargantes/Apelados na proporção do respetivo decaimento, aferível mediante simples cálculo aritmético.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.
Coimbra, 22/06/2021

          Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


***


([1]) Tendo, todavia, sido habilitada a prosseguir na causa no lugar daquela Exequente “P... COMPANY”, também com os sinais dos autos.
([2]) Cfr. fls. 162 v.º dos autos em suporte de papel.
([3]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, p. 32, entendendo estarem, “entre outras, previstas neste artigo as obrigações emergentes dum empréstimo com a cláusula de amortização (…)”.
([4]) V., ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 33.
([5]) Cfr., neste sentido – embora no âmbito de ação declarativa –, o Ac. TRL de 23/04/2015, Proc. 3311/10.3TBBRR.L2-6 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt.
([6]) Vide Ac. TRL de 15/05/2012, Proc. 7169/10.4TBALM-A.L1-7 (Rel. Graça Amaral), disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «(…) III- A certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda são encaradas na nossa lei enquanto condições processuais de prosseguimento da acção executiva instaurada impondo-se, nalguns casos, uma actividade preliminar dentro do processo para tal efeito. IV- Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no artigo 781.º, do Código Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida. V- A falta de emissão da declaração rescisória do contrato de empréstimo liquidável em prestações celebrado com os executados por falta de pagamento dos mesmos, não determina a inexigibilidade da obrigação exequenda porquanto a citação dos executados, no âmbito da execução instaurada, consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida. VI- As consequências do comportamento da exequente quanto à obrigação exequenda reflectem-se, porém, relativamente ao montante dos respectivos juros moratórios, que serão devidos desde a citação quanto às prestações ainda não vencidas nessa data.» (itálico e sublinhado aditados).
([7]) Em Estudos de Direito das Garantias, vol. I, Almedina, Coimbra, 2004, p. 272.
([8]) Em Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 154 e seg..
([9]) Cfr. Almeida Costa, op. cit., p. 844.
([10]) Vide op. cit., ps. 983 a 985.
([11]) Cujo n.º 1 dispõe assim: “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”.
([12]) Cfr. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, p. 267.
([13]) Nada mostra que, depois de a Exequente – nas palavras dos próprios Embargantes – ter aceitado a “reformulação do financiamento”, tenha contrariado a exigência de nova “reformulação do mútuo”, mediante, por seu lado, “exigências que continuavam a ultrapassar o princípio da boa-fé”, assim recusando, injustificadamente, a “modificação do contrato (…) segundo juízos de equidade” (cfr. art.ºs 95.º e segs. da petição de embargos), termos em que, salvo o devido respeito, toda essa argumentação logo teria de improceder, por não provada.