Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/11.5GCCTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ACIDENTE
EXAME SANGUÍNEO
CONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Tribunal Judicial de Castelo Branco (1.º juízo)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 156.º, N.º 2, DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: Não é organicamente inconstitucional o artigo 152.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 31/11.5GCCTB, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, pronunciado pelos factos constantes da acusação pública de fls. 50 e ss., pela prática, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1, al. a) e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal.

2. Realizado o julgamento, por sentença de 20.01.2012, veio o arguido a ser condenado pela prática do referido crime na pena de 75 [setenta e cinco] dias de multa, à razão diária de € 6,00 [seis euros] e na pena acessória de 6 [seis] meses de proibição de conduzir.

3. Inconformado com o assim decidido, recorreu, então, o arguido.

4. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.07.2012, foi declarada a nulidade da sentença [artigos 374.º, nº 2 e 379º, n.º 1, al. a) do CPP] e, em consequência, determinada a remessa dos autos à 1.ª instância para que, pelo mesmo tribunal, fosse proferida nova sentença, sanando o identificado vício.

5. Na sequência do que, por sentença de 29.01.2013, veio o arguido a ser condenado pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 75 [setenta e cinco] dias de multa à taxa diária de € 6,00 [seis euros] e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 [seis] meses.

6. Uma vez mais inconformado, recorreu o arguido extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. No âmbito dos presentes autos o Tribunal a quo condenou o ora arguido à pena de 75 dias de multa à razão de 6,00 € por dia pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, à pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir, uma vez que considerou como provado que “No dia 12 de Dezembro de 2010, cerca das 06.00 horas o arguido A... conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula X..., pela E.N. 112, área do concelho e comarca de Castelo Branco, quando ao quilómetro 89,200 foi interveniente em acidente de viação, por despiste, sendo que na altura estava a chover e havia nevoeiro; Na sequência do acidente e por causa dos ferimentos que sofreu, o arguido foi transportado ao Hospital Amato Lusitano, onde foi, de imediato, efectuada uma colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue; Tal colheita foi posteriormente entregue pelos serviços hospitalares no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal Delegação do Centro, para análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue; Efectuada a análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto de Medicina Legal Delegação Centro, o arguido A... acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,96 gramas/litro;”
2. Logo da prova documental que se encontra junta aos autos não se pode concluir que “o arguido foi transportado ao Hospital Amato Lusitano, onde foi, de imediato, efectuada uma colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue” uma vez que o arguido dá entrada no Hospital às 7.28, sendo o exame apenas efectuado às 11.10 da manhã.
3. A matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo também está deficientemente apreciada uma vez que, dos depoimentos das testemunhas B..., C..., D...; E...e F... tem que se retirar as seguintes conclusões:

3.1. Nunca poderia ter resultado como provado, pela prova produzida em audiência de julgamento, o ponto 2 da matéria de facto considerada como provada (“O arguido foi transportado ao Hospital Amato Lusitano, onde foi, de imediato, efectuada uma colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue”;);
3.2 Por outro lado, no que respeita à matéria de facto alegada na contestação deveria ter sido considerado como provado o seguinte:
» Na sequência do acidente o arguido sofreu um traumatismo craniano o que decorre da análise dos documentos junto a fls. dos autos, nomeadamente 114 a 126 (documentos clínicos do Hospital Amato Lusitano Castelo Branco) e documento junto a 21 de Julho de 2011 pelo Hospital de Vila Franca de Xira.
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste de álcool) não assistiu à recolha de sangue do arguido;
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) não preencheu o requerimento para a recolha de sangue, à execepção do que concerne a medicação e assinatura;
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) não se lembra de ter assistido o arguido clinicamente, apenas atestando a medicação ministrada ao arguido pelo sistema informático;
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) não providenciou ao fecho do Kit e remessa para o IML;
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) desconhece qual o procedimento técnico adequado para a recolha do sangue;
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) não providenciou à recolha, nem sequer tendo chamado a técnica para o efeito;
» O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) esclareceu que a medicação do doente com paracetamol pode, a nível metabólico determinar a verificação de uma taxa de álcool no sangue superior à que na realidade se verifica;
» A técnica não se recorda de ter retirado sangue ao arguido;
» Apenas descreveu como procedimento normal o seguinte: que a GNR a vai chamar ao laboratório e a conduz ao paciente para a recolha do sangue.
» A nenhum dos familiares presentes no hospital foi informado que iria ser retirado sangue ao arguido para análise da taxa de álcool no sangue.

4. Ao considerar-se tais factos como provados, a verdade é que não se pode concluir, com a certeza que é exigida no âmbito de um processo – crime, que o sangue retirado era efectivamente o do ora arguido, nem sequer se pode concluir qual o procedimento técnico prosseguido no momento da recolha do sangue.
5. Outra não podia ser a decisão que não fosse a aplicação do princípio in dubio pro reo, basilar no sistema processual penal português, sendo a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32º, n.º 2, da CRP).
6. Por outro lado, o Tribunal a quo volta a não pronunciar-se sobre matéria de facto que cumpria apreciar devidamente, voltando a proferir uma sentença que aborda as questões jurídicas “pela rama”, nomeadamente no que se refere à análise da consequência jurídica pelo não cumprimento da portaria 902 – B/2007 de 13 de Agosto, não considerando sequer como provado os factos que provam que o disposto nesse diploma não foi cumprido!
7. Mais uma vez, estamos perante uma sentença nula!
8. Os artigos 152, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, nº 2 do Código da Estrada padecem de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que (…) “Da mera comparação literal entre o n.º 8 do actual artigo 153º do Código da Estrada e as anteriores normas – seja ela extraída do n.º 3 do artigo 158.º [segundo o Decreto – Lei n.º 2/98] ou a extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158.º e o n.º 7 do artigo 159º [segundo o Decreto – Lei n.º 265-A/2001] – resulta evidente que o legislador governamental substituiu o elemento negativo do tipo de crime de desobediência a realização de exame “se recusar”, substituindo-o por “se esta não for possível por razões médicas”. Com efeito, o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência sob álcool o direito à recusa de colheita de sangue – note-se – mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado. Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas – frise-se bem -, passa agora a exigir-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica.
Claro está que os condutores continuarão a praticar o crime de desobediência sempre que recusem a realização do exame através do método de ar expirado ou, quando este não for possível, quando recusem o exame médico alternativo à colheita de sangue. Ora, a nova redacção do n.º 8 do artigo 153º do Código da Estrada vem, de modo manifesto, agravar a responsabilidade criminal dos condutores que pretendam – muitas vezes, admite-se, por razões plenamente justificadas e até protegidas pela Lei Fundamental [direito à integridade física e moral, direito à intimidade privada, direito à objecção de consciência] -, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo.”
Acórdão Tribunal Constitucional n.º 275/2009 de 27 de Maio.
9. Na verdade, a redacção do artigo 153.º, n.º 8 do Código da Estrada vem agravar a responsabilidade penal dos condutores que, legitimamente e até por convicções pessoais, recusem a realização da análise de sangue, verificando-se assim a inconstitucionalidade orgânica, motivo pelo qual a análise para a quantificação da taxa de álcool no sangue é prova ilegal.
10. O procedimento de recolha de sangue o procedimento técnico a seguir vem estabelecido na Portaria 902 – B/2007 de 13 de Agosto;
11. Estatui tal diploma que:
“Secção II
Análise de sangue para quantificação da taxa de álcool
3.º A substância objecto da análise laboratorial de quantificação da taxa de álcool no sangue é o álcool etílico.
4.º A colheita do sangue destinado à realização das análises para quantificação da taxa de álcool é efectuada em estabelecimento da redee pública de saúde a que o examinando seja conduzido pelo agente de autoridade, o qual, em caso de acidente de viação, pode ser o serviço de saúde em que dê entrada.
5.º Para a realização da colheita prevista no número anterior, o agente de autoridade deve entregar no estabelecimento da rede pública de saúde um impresso o modelo do anexo i, acompanhado de uma bolsa devidamente selada de modelo aprovado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), contendo o material destinado à recolha e acondicionamento da amostra, constituída por:
a) Tubo com capacidade mínima de 5 cc, contendo um anticoagulante e conservante adequados destinados à amostra de sangue;
b) Contentor adequado ao acondicionamento do tubo referido na alínea anterior;
6º O funcionário do estabelecimento da rede púbica de saúde encarregado de receber o equipamento deve garantir a segurança das amostras e a sua correcta expedição para o Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P.
7º No estabelecimento da rede púbica de saúde, o médico que atender o examinando deve providenciar a obtenção de um volume de sangue venoso suficiente para encher por completo o tubo referido na alínea:
a) do nº 5, recolhido de acordo com os procedimentos habituais, mas sem usar álcool como desinfectante cutâneo.
8º Para a expedição, o tubo que contém a amostra de sangue é introduzido no contentor referido na alínea b) do nº 5º e, em seguida, fechado dentro de bolsa de modelo a aprovar pela ANSR.
O médico que promover a colheita deve:
a) Preencher, correcta e completamente, o impresso do modelo do anexo i;
b) Entregar ao agente de autoridade que requisitou o exame o original preenchido, contendo a sua vinheta de identificação profissional;
c) Entregar o duplicado ao examinado ou, caso não seja possível, ao agente de autoridade que requisitou o exame para que, posteriormente, o entregue ao examinado ou a quem legalmente o represente;
d) Providenciar para que sejam introduzidas na bolsa referida no número anterior a amostra de sangue, devidamente acondicionada no tubo e contentor respectivos, e o triplicado do impresso preenchido, contendo a sua vinheta de identificação profissional;
e) Providenciar para que a bolsa selada seja remetida, de imediato, à delegação do Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., da sua área ou, caso não seja possível, que seja mantida refrigerada até à sua remessa.
10º O relatório da análise para quantificação da taxa de álcool no sangue, referido no nº 3 do artigo 6º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, obedece ao modelo do anexo ii, devendo o original ser remetido à entidade fiscalizadora requisitante, o duplicado à ANSR e o triplicado arquivado na delegação do Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., que procede à análise”. – Destaque nosso.
12. No caso em apreço, e depois de produzida a prova, conclui-se que:
» Quem preencheu o impresso do modelo do anexo i foi a GNR;
» Quem providenciou a recolha de sangue parece que foi o GNR que, ao que parece, desloca-se livremente dentro do Hospital Amato Lusitano e até vai chamar a técnica para proceder à recolha do sangue!
» O modelo do anexo i junto com a portaria não se encontra totalmente preenchido, nomeadamente quanto à identificação da testemunha no caso do examinando não conseguir assinar, como era o caso sub judice. E nem se diga que a pessoa que alegadamente terá retirado o sangue ter sido ouvida em Tribunal porque, o que resulta do depoimento da técnica, é que esta não se recorda de ter retirado o sabgue ao arguido, pelo que nem sequer se pode lembrar se o exame foi ou nã efectuado na presença do militar da GNR, militar da GNR este que nem sequer foram os que estiveram presentes na Audiência de Julgamento a prestar depoimento.
13. Ao contrário do que vem referido na sentença do Tribunal, haviam mais do que motivos suficientes para inquinar, fatalmente, o teor do relatório de fls. 3, pelo que nenhum valor probatório que deveria ter sido conferido.
14. A pena acessória aplicada pelo tribunal a quo é gravosa (6 meses de proibição de condução) e afasta-se fortemente o limite mínimo que são os 3 meses. Veja-se que o Tribunal a quo nem sequer justifica porque é que aplica a pena acessória de 6 meses e não qualquer outra; limita-se a justificar genericamente a medida, sem casuisticamente justificar porque é que o aplica ao caso sub judice.
15. Assim, deve a pena acessória de inibição de conduzir ser reduzida para a sua duração mínima, isto é, 3 meses, isto no caso de se manter a condenação do arguido, o que não se crê que venha a acontecer.
16. Por fim, na sentença manda o Tribunal a quo que,
“De imediato, comunique ao Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres a pena de proibição de conduzir aplicada, solicitando que, no uso das competências próprias conferidas pelo DL n.º 77/2007 de 29.03 e DL nº 147/2007 de 27.04, com vista a tornar efectiva a sanção aplicada, que, até indicação em contrário deste Tribunal, recuse a emissão ao arguido de uma segunda via da sua carta de condução que venha a ser requerida e bem assim de qualquer documento apto a substituir o dito título de condução.
Após trânsito:
Remeta boletim à D.S.I.C.
Comunique à A.N.S.R.
Cumpra o disposto no artigo 372º, nº 5 do C.P. Penal”.
17. Esta parte final não pode deixar de causar total estupefacção, quer ao arguido, quer a própria defensora do arguido, visto que até trânsito em julgado de sentença condenatória, o arguido é presumivelmente inocente! – Princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32º, nº 2, da CRP).
18. Impedir o arguido, enquanto a sentença não transite em julgado, tenha acesso a segundas vias da sua carta de condução é um limite intolerável dos seus direitos de cidadão!
19. Então enquanto a sentença não transitar em julgado, não pode o arguido perder a carta de condução? Ser vítima de assalto? Não se compreende tal comunicação imediata, se não o do tribunal a quo presumir que o arguido, ao arrepio da decisão a que for condenado, tal qual um, passe a expressão, “esperto saloio” fosse a correr tirar 2ª via da carta de condução para poder ludibriar o sistema judiciário.
20. O arguido é pessoa de bem, e sabe que, após trânsito em julgado, e caso não venha a ser absolvido (o que se crê que vá acontecer) tem que cumprir a pena a que foi condenado, incluindo a acessória.
21. Com tal comunicação, o Tribunal a quo condena o arguido, a uma pena acessória não prevista nem punida por lei que determina que: “até trânsito em julgado, não pode pedir segundas vias da carta de condução.”
22. Tal é impensável, ilegal e inconstitucional o que se requer que seja declarado.

Nestes termos, e nos demais de Direito, com douto suprimento, deve ser dado provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, sendo o arguido absolvido da prática do crime pelo qual vem condenado, fazendo assim a costumada Justiça!

7. Ao recurso respondeu o Ministério Público, [sem que, contudo, haja formulado conclusões], refutando, em síntese, a argumentação expendida pelo recorrente, quer pela circunstância de de todo em todo carecer de fundamento, quer por, no caso, se revelar inócua, insusceptível de conduzir ao efeito, por si, preconizado.
Termina no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

8. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

9. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 524 a 526, no qual, acompanhando a resposta apresentada em 1.ª instância pelo Ministério Público, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso e da consequente manutenção da sentença recorrida.

10. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente não reagiu.

11. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

                   De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
No caso em apreço as questões colocadas pelo recorrente passam por saber se:
- Ocorre erro de julgamento;
- Padece a sentença de nulidade;
- É inválida a colheita de sangue;
- Releva a circunstância de não haver sido comunicado aos familiares do arguido a intenção de sujeitá-lo à recolha de sangue com vista à determinação do seu eventual estado de influenciado pelo álcool, na sequência da intervenção em acidente de viação.
- Foi violado o princípio in dubio pro reo;
- São organicamente inconstitucionais os artigos 152º, nº 2, 153º, nº 8 e 156º, n.º 2 do Código da Estrada;
- Mostra-se infundada e excessiva a pena acessória;
- È indevida a comunicação imediata da condenação ao I.M.T.T.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

2. Fundamentação:
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto provada:
1. No dia 12 de Dezembro de 2010, cerca das 06.00 horas, o arguido A... conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula X..., pela E.N. 112, área do concelho e comarca de Castelo Branco, quando ao quilómetro 89,200 foi interveniente em acidente de viação, por despiste, sendo que na altura estava a chover e havia nevoeiro.
2. Na sequência do acidente e por causa dos ferimentos que sofreu, arguido foi transportado ao Hospital Amato Lusitano, onde foi, de imediato, efectuada uma colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue.
3. Tal colheita de sangue foi posteriormente entregue pelos serviços Hospitalares no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal Delegação do Centro, para análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue.
4. Efectuada a análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal Delegação do Centro, o arguido A... acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,96 gramas/litro.
5. Ao proceder pela forma descrita o arguido actuou voluntária, livre e consciente, bem sabendo que tinha estado momento antes a consumir bebidas com teor alcoólico e que estas, pela sua quantidade e qualidade era adequada a provocar-lhe uma TAS superior a 1,2 g/l e que a condução na via pública de veículos automóveis é proibida e punida por lei, e ainda assim, conduziu, aceitando o resultado que daí pudesse advir.
6. O arguido não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC.
7. O arguido aufere um salário de cerca de 700,00 Euros por mês; é solteiro, vive com os pais e não tem filhos menores a seu cargo; contribui para as despesas de casa com quantia que não precisou.
8. Em momento algum, anterior ao momento em que foi feita a recolha de amostra de sangue com vista ao exame de alcoolemia, o arguido tinha manifestado a sua oposição a uma qualquer recolha de amostra de sangue para o referido fim, nem essa oposição foi transmitida por quem quer que fosse ao pessoal médico e técnico que efectuou a referida recolha.
9. Em consequência do acidente o arguido sofre perda de conhecimento, tendo dado entrada nesse estado no hospital;
10. O auto de análise está rasurado e não tem indicação de qualquer testemunha em face da impossibilidade de o arguido assinar.
11. O arguido desconhece se o sangue que produziu o resultado testado pela análise era seu;
12. Em virtude do seu estado de inconsciência o arguido não teve oportunidade de consentir ou recusar a recolha de seu sangue para análise.

2.1.2. Matéria de facto não provada:

Para além da consignada anteriormente, nenhuma outra matéria de facto ficou demonstrada, designadamente:
a) que, em consequência do acidente de viação o arguido sofreu um traumatismo craniano;
b) que as bebidas alcoólicas ingeridas nesse dia não foram suficientes para provocar a taxa de alcoolemia que lhe veio a ser detectada;
c) que o arguido tenha estado inconsciente durante todo o dia 12 de Dezembro de 2010, e apenas tenha recuperado a consciência quando chegou ao Hospital de Vila Franca de Xira;
d) que o arguido só tinha ingerido duas cervejas antes de iniciar a condução;
e) que no momento do acidente estivesse a chover.

2.1.3. Motivação

O Tribunal formou a sua convicção acerca dos factos vertidos na acusação, assim como dos procedimentos seguidos na operação de recolha de sangue para análise toxicológica com vista a apurar o “estado de embriaguez” do arguido e que conduziu ao relatório de fls. 3, com base nos depoimentos de todas as testemunhas arroladas na pronúncia, que de forma coerente e credível descreveram a sua participação no sucedido, desde os militares da GNR que compareceram no local, ao médico que autorizou a colheita de sangue à analista que procedeu à mesma.
Tivemos ainda em conta o depoimento do pai do arguido e das demais testemunhas por ele arroladas que, de forma absoluta negaram que o arguido alguma vez tivesse manifestado a sua vontade de recusar qualquer colheita de sangue para análise toxicológica com vista ao teste de alcoolemia.
Tivemos em conta o depoimento do próprio arguido e bem assim toda a prova documental, clínica e policial, junta aos autos na fase de inquérito, designadamente aquela junta pela autoridade policial que procedeu à autuação.
Quanto aos elementos subjectivos do tipo, para além das declarações do arguido, tivemos também em conta as regras da experiência e da normalidade do acontecer, em situações como aquelas em que o arguido se envolveu.
Por fim, foi tido em conta o CRC do arguido.
Já a matéria de facto não provada foi assim valorada em virtude de, ou não ter sido produzida ou junta aos autos prova que a suporte, para além do próprio depoimento do arguido, sempre dubitativo.
Questões controversas:
Um vez que o Tribunal deu valor, com vista à incriminação do arguido, ao exame de controlo de alcoolemia efectuado nos autos do qual resultou o relatório de fls. Fls. 3, no nosso entender importa, já nesta sede, explicar as razões de facto e de direito que nos levaram a conceder tal credibilidade e a fazer esse juízo de legalidade e de constitucionalidade do respectivo procedimento, ao arrepio do que é suscitado pelo arguido na sua contestação.
Apreciemos pois:
A invocada inconstitucionalidade orgânica dos artigos 152.º n.o 3, 153.° n. ° 8 e 156.0 n.o 2, todos do Codigo da Estrada. na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro.
O art.o 152.º nº.s 1 alínea a) e 3 do Código da Estrada, na redação conferida pelo Decreto-Lei n. ° 44/2005, de 23 de Fevereiro, prescreve que os condutores devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas e se recusarem submeter-se as provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
Por seu turno, o art.º 153.º n. 8 do mesmo diploma legal prescreve que se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
Em caso de acidente, prescreve o art.º 156.º n. "s 1 e 2 do Código da Estrada ja citado, que: os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos lermos do artigo 153." e quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder a colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
Sobre esta questão, escreveu-se no acórdão n." 479/2010, de 09.12.2010, do Tribunal Constitucional - que pela sua clareza e análise histórica das diferentes redações que as normas em apreço foram tendo ao longo dos anos, a seguir transcrevemos, com a devida vénia: “O artigo 152. do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º  44/2005, de 23 de Fevereiro, dispõe:
“Artigo 152.º
Princípios gerais
1 – Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;

3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n. º 1 que recusem submeter­-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência."
E o artigo 156. º, do mesmo diploma:
“Artigo 156.º
Exames em caso de acidente
“1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.º
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool
3 - Se o exame da pesquisa do álcool no sangue não puder ser feito, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool …”
Enquanto o n.o 3, do artigo 152.º, procede à tipificação penal de uma determinada conduta, definindo um crime, o n.o 2, do artigo 156.º, regula a produção de um meio de prova que pode ser utilizado em processo penal, pelo que respeitam ambos a matérias da exclusiva competência da Assembleia da Republica, salvo autorização concedida por esta ao Governo (artigo 165.º, n.o 1, c), da C.R.P.).
A Lei n.o 53/2004, de 4 de Novembro, expressamente invocada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, não contem qualquer autorização ao Governo para legislar em tais matérias, pelo que as mesmas só não sofrerão do vício de inconstitucionalidade orgânica se não tiverem um carácter inovador perante anterior legislação emitida por órgão competente.
Conforme o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar reiteradamente, em jurisprudência que remonta à Comissão Constitucional, o facto do Governo aprovar normas respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa da Assembleia da República não determina por si só a inconstitucionalidade orgânica dessas normas, sendo também necessário que as mesmas criem um regime jurídico materialmente diverso daquele que ate à aprovação dessa nova normação constava dos textos legais emanados pelo órgão de soberania competente. Se as normas aprovadas pelo Governo sem uma autorização específica da Assembleia se limitarem a reproduzir substancialmente as soluções anteriormente aprovadas com a necessária autorização, não se vê razão para se invalide esse acto.
Importa, portanto, analisar o regime anteriormente vigente, de modo a aquilatar a natureza inovatória das normas desaplicadas pela decisão recorrida. O Decreto-Lei n.o 44/2005, de 23 de Fevereiro, veio alterar a redacção do Código da Estrada que havia sido introduzida pelo Decreto-Lei n.o 265-A/2001, de 28 de Setembro.
Na secção que regulava os procedimentos para a fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, no artigo 158.º, que estabelece os princípios gerais nesta matéria, dispunha-se:
"Artigo 158.º
Princípios gerais
1.Devem submeter-se as provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
(…)
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter­-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas são punidas por desobediência.
( ... ) "
E o artigo 162.º que regulava especificamente a realização de exames em caso de acidente dispunha:
"Artigo 162.º
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 159. "
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, o médico deve proceder a exame pericial para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool"
Da leitura comparada dos preceitos em questão verifica-se que o texto do Código da Estrada, resultante das alterações aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, além de conter uma diferente numeração e excepcionando um pequeno pormenor de redacção, manteve integralmente a solução que constava da versão do Decreto-Lei n.o 265-A/2001, de 28 de Setembro - ocorrendo acidente e não sendo possível a realização de exame de pesquisa de álcool no ar expirado, era obrigatória a sujeição à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, sendo a recusa a esta colheita punida criminalmente por desobediência.
Contudo, constata-se que também no Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, tal matéria foi objecto de intervenção legislativa pelo Governo sem a necessária autorização da Assembleia, pelo que não se mostra afastado o invocado vício da falta dessa autorização, sendo, por isso, ainda necessário verificar o conteúdo da redacção do Código da Estrada anterior à aprovada por este diploma, na busca da última vontade do legislador competente.
Essa redacção, no que toca às normas aqui em causa, havia sido aprovada pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro (Decreto-Lei n." 16212001, de 22 de Maio, que alterou o Código da Estrada, apesar de não ter chegado a entrar em vigor, não introduziu modificações nestas regras), que neste tema se encontrava credenciado pela Lei nº 97/97 de 23 de Agosto, a qual dispunha no seu artigo 3º, d): 
Fica ainda o Governo autorizado a estabelecer:
(…)
d) A punição como desobediência da recusa, por condutor ou outra pessoa interveniente em acidente de trânsito, em submeter-se aos exames legais para detecção de estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, e ainda dos médicos ou paramédicos que, injustificadamente, se recusem a proceder as diligências previstas na lei para diagnosticar os referidos estados."
Na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.o 2/98, de 3 de Janeiro, o artigo 158.º, do Código da Estrada, dispunha:
"Artigo 158.º
Princípios gerais
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os demais utentes da via publica, sempre que sejam intervenientes em acidente de trânsito.
(…)
3 - Quem recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 159.º, é punido por desobediência. "
E o artigo 162.º que regulava especificamente a realização de exames em caso de acidente previa:
“Artigo 162.º
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e quaisquer pessoas que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado nos termos do artigo 159.º
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame no local do acidente, deve o médico do estabelecimento hospitalar a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos proceder aos exames necessários para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
3 - No caso referido no número anterior, o exame para a pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente ou se o médico que o assistir entender que de tal exame pode resultar prejuízo para a saúde.
4 - Não sendo possível o exame de pesquisa de álcool nos termos do número anterior deve o médico proceder aos exames que entender convenientes para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. "
Da leitura destes preceitos resulta que, tal como nas redacções do Código da Estrada introduzidas pelos Decretos-Lei n.o 265 - A/2001, de 28 de Setembro e n.o 44/2005, de 23 de Fevereiro, em caso de acidente, os condutores e quaisquer pessoas nele intervenientes, quando não pudessem ser submetidos ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado no local do sinistro, atento o seu estado de saúde, deveriam ser sujeitos aos exames necessários para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool pelo médico do estabelecimento hospitalar onde fossem conduzidos.
Contudo, enquanto estas últimas redacções, seguidamente, dispunham apenas que "se o exame de pesquisa de álcool no sangue não pudesse ser feito, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool", a redacção do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, acrescentava que "o exame para pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente ou se o médico que o assistir entender que tal exame pode resultar prejuízo para a sua saúde".
Se ambas as versões excluem a possibilidade do exame de pesquisa de álcool no sangue ser realizado coactivamente, a previsão legal da hipótese de recusa do doente, como fundamento para a não realização do exame de pesquisa de alcool no sangue, na redacção do Decreto-Lei n.o 2/98, de 3 de Janeiro, suscita algumas interrogações sobre o seu alcance.
Será que, como parece sustentar a decisão recorrida, essa referência, no conflito entre o direito à integridade física do doente e a necessidade de sancionar as infrações à segurança das comunicações rodoviárias, teve o significado de admitir, no caso de exames de pesquisa de álcool no sangue, atentas as características invasivas da integridade física do acto de colheita de amostras, a possibilidade de recusa, excluindo essa conduta da incriminação geral prevista no artigo 158.º, n.º 3, do Código da Estrada.
Ou será que, simplesmente, se previu uma das hipóteses fácticas daquele tipo de exame não poder ser realizado, sem que essa previsão significasse qualquer valoração sobre a relevância criminal de tal conduta, mantendo-se a mesma no âmbito da tipificação geral efectuada pelo referido artigo 158.º, n.o 3. - ­Caso se adira à primeira leitura, a eliminação da referência às hipóteses de recusa efectuada pelo Decreto-Lei n.o 265-A/2001, de 28 de Setembro, traduzir­-se-ia numa inovação legislativa que o Decreto-Lei n.º 4412005, de 23 de Fevereiro, manteve.
Mas, se se perfilhar a segunda interpretação, a redacção do artigo 162.º, n.o3, do Código da Estrada, introduzida pelo Decreto-Lei n.o 265-A/2001, de 28 de Setembro, ter-se-ia limitado a aperfeiçoar a técnica de explicitação do seu conteúdo sem o alterar. Onde antes se tipificavam duas situações que podiam impossibilitar a realização de exames de pesquisa de álcool no sangue (recusa do doente e razões médicas), dispensou-se essa previsão, passando-se apenas a prever a hipótese genérica de não ser possível a realização desse exame, o que englobava essas situações. Estaríamos perante uma simples alteração da técnica legislativa utilizada, sem inovação de conteúdo, que o artigo 156.º, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, se tinha limitado a copiar.
Se é verdade que a redacção do Código da Estrada resultante do Decreto-Lei n.o 2/98, de 3 de Janeiro, pela referência expressa à hipótese de recusa à realização de exames de pesquisa de álcool no sangue, complementada pelo sancionamento como contra-ordenação da invocação de falsas razões médicas para essa recusa pelo artigo 7.º, do Decreto Regulamentar n.o 24/98, de 30 de Outubro, entretanto revogado pelo artigo 2.º da Lei n.o 18/2007, de 17 de Maio, deu azo a estas dificuldades de interpretação (vide, reflectindo essas dificuldades, Pedro Soares de Albergaria, em "Condução em estado de embriaguez. Aspectos processuais e substantivos do regime vigente", pag. 60-61, sobretudo nota 25, em Sub iudice, n.o 17 (Ano 2000), onde acusa o legislador de “algum desnorte”), se atentarmos no teor da Lei que autorizou o Governo a legislar nesta matéria, verificamos que a opção por uma destas interpretações não é decisiva para a solução do problema de constitucionalidade orgânica em discussão neste recurso.
O artigo 3.º, alínea d), da Lei n.o 97/97, de 23 de Agosto, acima transcrito, apenas autorizou o Governo, a punir como desobediência a recusa do condutor ou outra pessoa interveniente em acidente de trânsito, em submeter-se aos exames legais para detecção de estados de influenciado pelo álcool.
Note-se que, anteriormente à alteração do Código da Estrada introduzida pelo Decreto-Lei n.o 2/98, de 3 de Janeiro, a recusa à submissão a qualquer exame para detecção de possíveis intoxicações por parte de condutores e demais utentes da via publica, estes últimos apenas quando tivessem sido intervenientes num acidente de trânsito, era tipificada e punida como um crime específico.
Na verdade, apesar da versão originária do actual Código da Estrada (aprovada pelo Decreto-Lei n.o 114/94, de 03 de Maio) não estabelecer quaisquer sanções - penais ou de outra natureza - para os indivíduos que recusassem a realização dos referidos exames, limitando-se, por força do artigo 159.º, a remeter o procedimento de fiscalização para legislação especial, vigorava ainda o disposto no Decreto-Lei n.o 124/90, de 14 de Abril, que fixava o regime jurídico aplicável à condução sob efeito de álcool, bem como o respectivo Decreto Regulamentar n.o 12/90, de 14 de Maio. Estes diplomas não haviam sido alvo de revogação pelo Decreto-Lei n.o 114/94, de 03 de Maio, uma vez que o seu artigo 7.º determinava a manutenção em vigor de todos os regimes jurídicos especiais até que entrassem em vigor as normas regulamentares necessárias à aplicação do novo Código da Estrada. Depois de prever o dever legal de sujeição a exames para efeitos de fiscalização da condução sob o efeito de álcool (artigos 6º, 8º e 9º), o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril de 1990, determinava o seguinte:
"Artigo12º
Recusa a exames
1 - Todo o condutor que, ou pessoa que contribua para acidente de viação, que se recusar a exame de pesquisa de álcool será punido com pena de prisão até um ano ou multa ate 200 dias. "
E o artigo 8.º, do mesmo diploma, que regulava a realização de exames nos casos de acidente dispunha:
"Artigo 8.º
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e quaisquer pessoas que contribuam para acidentes de viação serão submetidos, sempre que o seu estado de saúde o permita, ao exame de pesquisa no ar expirado, observando-se, na parte aplicável, o disposto no artigo 6.º
2 - Caso não seja possível a realização do teste no local, devera o médico da instituição hospitalar a que os intervenientes tiverem sido conduzidos providenciar no sentido da submissão dos mesmos aos exames que entender necessários para diagnosticar o seu estado de influenciados pelo álcool. "
O referido Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, foi precedido da necessária autorização legislativa, concedida pela Lei nº 31/89, de 23 de Agosto, que, nos termos da alínea a) do artigo 2º previa expressamente a possibilidade de o Governo criar tipos incriminadores relativamente à recusa de realização de exames para detecção de álcool no sangue. Tal regime vigorou ate à entrada em vigor do Decreto-Lei n.o 2/98, de 3 de Janeiro, que, através do seu artigo 20º, n.o 1, revogou expressamente o Decreto-Lei 12º 124/90, de 14 de Abril, optando por concentrar o regime jurídico primário da fiscalização da condução sob o efeito do álcool no próprio Código da Estrada (artigos 158º a 165º).
Assim, a Lei n.o 97/97, de 23 de Agosto, apenas autorizou o Governo a remeter a punição do comportamento de recusa do condutor ou outra pessoa interveniente em acidente de trânsito, em submeter-se aos exames legais para detecção de estados de influenciado pelo álcool, para o tipo legal genérico do crime de desobediência inscrito no Código Penal, em substituição da anterior solução de tipificação específica dessa conduta como crime, não tendo autorizado, em parte alguma, a despenalização de qualquer destas recusas, designadamente a recusa a colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
A exigência de que a definição dos crimes e penas é da exclusiva competência da Assembleia da Republica, salvo autorização ao Governo, constante do artigo 165º n.o 1, b), da C.R.P., não contempla apenas a criminalização de comportamentos, mas também a sua descriminalização, apenas sendo possível despenalizar uma determinada conduta ate aí tipificada como crime, através da aprovação de lei parlamentar, ou lei governamental devidamente autorizada (vide, neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, em "Constituição da Republica Portuguesa anotada", vol. II, pag. 328, da 4. a ed., da Coimbra Editora).
Encontrando-se tipificada como crime a recusa a realização de qualquer exame para detecção de estados de influenciado pelo álcool, no artigo 12.º, do Decreto-Lei n.o 124/90, de 14 de Abril, o qual havia sido precedido da necessária autorização legislativa, concedida pela Lei no 31/89, de 23 de Agosto, conclui-se que o legislador do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, não tinha autorização do parlamento para proceder à despenalização da conduta de recusa de interveniente em acidente de viação à realização de colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
Daí que, optando-se pela interpretação do disposto no artigo 162º. n.º 3, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei no 2/98, de 3 de Janeiro, no sentido de não ser criminalmente punida essa recusa, teríamos também que concluir que nos encontrávamos, mais uma vez, perante normação emitida sem autorização do órgão legislativo competente, pelo que, tal como se considerou, relativamente ao Decreto-Lei n." 265-A/2001, de 22 de Maio, a mesma não era idónea para avaliar do conteúdo inovatório das normas do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, sendo necessário recuar um pouco mais no percurso legislativo para apurar a última vontade do legislador competente, nesta matéria.
Ora, como vimos, anteriormente à redacção do Código da Estrada, conferida pelo Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, a punição criminal dos actos de recusa à realização de exames dos intervenientes em acidente de viação estava prevista, como crime especifico, no artigo 12º, do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril de 1990, não se mostrando afastada essa previsão pela regras que previam a colheita de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool em estabelecimento hospitalar, quando não fosse possível realizar o exame através do método de ar expirado no local do acidente (artigo 8º).
Estando essa tipificação autorizada pelo legislador parlamentar (artigo 2º, alínea a), da Lei nº. 31/89, de 23 de Agosto), encontraríamos, finalmente, aqui expressa a última vontade emitida por um legislador devidamente credenciado, anteriormente à emissão do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, caso se perfilhasse a interpretação de que a redacção do Código da Estrada introduzida pelo Decreto-Lei n.o 2/98, de 3 de Janeiro, não punia criminalmente a recusa à colheita de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool por interveniente em acidente de viação. E essa vontade, quanta à admissibilidade da recusa à colheita de sangue, era coincidente com a solução contida nas normas sob análise, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, pelo que as mesmas não revelavam um cariz inovatório, relativamente à última pronúncia efectuada por legislador credenciado por autorização parlamentar. E certo que se regista uma alteração do tipo legal de crime onde se encontra previsto o sancionamento penal deste comportamento, mas essa alteração já advém da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o qual dispunha da necessária autorização parlamentar para esse efeito.             I
Assim sendo, verifica-se que, independentemente da interpretação infra­constitucional que se prefira, relativamente à solução que resultou da redacção dos artigos 158.º, n.º 3, e 162.º, n.º 3, do Código da Estrada, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a conclusão é  precisamente a mesma - o conteúdo do disposto nos artigos 152.º, n.º 3 e 156 º nº  2, do Código da Estrada, não regista qualquer inovação relativamente à legislação anteriormente vigente, aprovada com a devida autorização do legislador parlamentar".
As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, não revestem carácter inovador em relação ao regime jurídico que esteve anteriormente em vigor, pelo que o governo não carecia de autorização legislativa e, por isso, não ocorre a inconstitucionalidade orgânica invocada pelo recorrente ".
No caso dos autos, verifica-se a situação especial prevista no art.º 156. º do CE, uma vez que o arguido interveio em acidente de viação. O artigo acabado de citar determina as obrigações e modo de proceder em caso de acidente.
O arguido, por não estar em condições de proceder a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, após o acidente, foi conduzido ao Hospital onde foi recolhida a amostra de sangue e esta enviada para o Instituto Nacional de Medicina Legal, onde foi efetuada a pesquisa quantitativa, a qual deu como resultado uma taxa de álcool no sangue de 1,96 g/l.
Como acabamos de ver pelo acórdão do Tribunal Constitucional, que transcrevemos, não ocorre a inconstitucionalidade orgânica dos artigos 152. º n.º 3,153.º n.º 8 e 156. º n.º 2 do CE
Assim, improcede a tese do arguido quanta à invocada inconstitucionalidade orgânica.

Se a recolha de sangue e utilizacão do seu resultado, sem o consentimento do arguido. para efetuar pesquisa de álcool, levando-o à condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, é  meio ilegal de prova, por violar a integridade fisica e moral do arguido, protegida expressamente nos artigos 25.º e 32.º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e artigo 126.º n.o 1 do Codigo de Processo Penal e por isso inconstitucional a sua valoração para formar a convicção do julgador.

Preceitua o art.º 25.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) que a integridade moral e física das pessoas é e inviolável (n.o 1) e ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos (n.º 2).
Por sua vez, o art.º 32.º n.o 8 da CRP preceitua que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (com acolhimento no art. º 126.º do CPP).
O cerne da questão está em apurar se pode ser colhida amostra de sangue de uma pessoa que interveio em acidente, quando conduzia, sem consentimento desta e, se dai resultar que conduzia com uma taxa de álcool superior a 1,20 g/litro no sangue, tal pode constituir uma prova legal, a valorar em julgamento para a sua condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto no art.º 292. n.º 1 do CP.
Esta matéria tem a ver com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os quais são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (art.º 18.º n.o 1 da CRP). A lei só os pode restringir nos casos expressamente previstos na CRP, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.o2). As leis não podem diminuir o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (n.º 3).
Daí que a lei ordinária, que de algum modo restrinja direitos fundamentais, deve ser interpretada sempre de acordo com o espírito dos preceitos constitucionais dentro dos quais se deve mover.
Temos, de um lado, os direitos de personalidade e de não autoincriminação do arguido, e, do outro o dever fundamental do Estado em garantir a todos os cidadãos a segurança rodoviária, com vista a salvaguardar a integridade física, onde se inclui o bem jurídico supremo que e a vida das pessoas, bem como o seu património [4]. Estes bens jurídicos são colocados em perigo por quem conduz sob a influência de álcool.
Daí a necessidade que o legislador teve em determinar na lei ordinária as regras a seguir na fiscalização da condução sob o efeito do álcool, nos artigos 152.º a 156.º do CE, regulamentada pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.
A entender-se que a recolha de sangue humano, sem consentimento expresso ou presumido, para apurar se o condutor está sob a influência de álcool acima dos valores que são legalmente tolerados, é um meio de obtenção e de prova proibida e, por isso nula e não valorável em julgamento pelo julgador para formar a sua convicção com vista a responder à matéria de facto, ou seja, para o efeito de saber se determinada pessoa estava a conduzir sob o efeito do álcool e em que quantidade, conduziria quase à inutilidade prática da incriminação penal, pois só os arguidos que se dispusessem a consentir na recolha do sangue é que poderiam ser objecto de condenação. Esta solução colocaria em perigo outros bens jurídicos fundamentais, como a saúde, a integridade física, a vida e a segurança de pessoas e bens, os quais também estão constitucionalmente protegidos. Seria como que se o Estado ficasse impotente para governar a vida em sociedade, neste recanto do seu munus. Na verdade, quando o condutor está impossibilitado de realizar o exame através do ar expirado, como ocorre no caso dos autos, só pela via da recolha de uma amostra de sangue (sem prejuízo de outras técnicas, caso esta também não seja possível e desde que obedeçam ao disposto na lei) é possível descobrir a verdade material. O apuramento do valor quantitativo do álcool no sangue do condutor não tem em vista prejudicá-lo, mas sim apurar a situação fáctica, a qual até o pode vir a beneficiar, bem como a toda a comunidade, esta pela via indireta da prevenção e sentimento de segurança decorrente de saber que o Estado está em condições de garantir a paz social.
Nos casos de acidentes de viação, a prova de que o condutor não estava alcoolizado é um elemento fáctico importante para a questão do apuramento da responsabilidade ou imputação do acidente. Esta prova só se consegue obter pela via invasiva da recolha de sangue, quando o método de recolha através de ar expirado não é possível, nos termos da lei.
O arguido tem direito ao silêncio e à não autoincriminação. Todavia, parece-nos que o direito ao silêncio tem em vista o direito do arguido não fazer ou não prestar declarações ou não colaborar na recolha de elementos de prova que o incriminem, sem estarem previstos em lei anterior à pratica dos factos que preveja a sua obtenção de forma coerciva ou sem o seu consentimento, nos termos pressupostos pelos art.ºs 18º, 25.º e 32.º n.o 8 da CRP e 126.º do CPP, enquanto que no caso de recolha de sangue se está a praticar um acto imprescindível para a descoberta da verdade material, sem o qual não é possível descortiná-la [7], devidamente previsto em lei prévia à  prática dos factos - art.ºs 152.º a 156.° do CE e demais legislação regulamentar - e sem ferir de forma desproporcional ou intolerável os direitos e garantias do arguido.
A recolha de sangue prevista na lei não visa lesar qualquer interesse específico do arguido, mas apenas permitir a realização de uma perícia médico-­legal, sem violação intolerável da sua dignidade enquanto ser humano ou a sua integridade física ou moral.
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem-se vindo a cristalizar no sentido de que o direito à não autoincriminação ou autoinculpação nos processos criminais está ligado ao princípio da presunção da inocência do acusado, pelo que a acusação deve provar os factos sem recurso a prova obtida por via opressiva ou coerciva e com respeito pela vontade do acusado.
Todavia, não se verifica a violação do direito de não autoincriminação quando são utilizadas em processo penal evidências que podem ser obtidas do acusado mediante o recurso a poderes coercivos, como obtenção entre outros, de amostras de hálito, sangue, urina e tecidos corporais para realização de exame de ADN, desde que previstas em lei anterior aos factos.
Neste contexto, entendemos que não viola a integridade física e moral do arguido a recolha da amostra de sangue que lhe foi efectuada, sem o seu consentimento, por não ter sido possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, após acidente de viação em que interveio, pelo que não se mostram violados os art.os 25º. e 32.º n.º 8 da CRP, nem o art.º 126.º do CPP.
A recolha de amostra de sangue no hospital constituiu um meio de obtenção de prova legal e o resultado obtido através no Instituto Nacional de Medicina Legal, que efetuou a pesquisa quantitativa de álcool no sangue do arguido, constitui também um meio de prova legal, a qual foi bem valorada na sentença e não é inconstitucional.
Nesta conformidade, improcede este fundamento de nulidade da prova pericial produzida, invocado pelo arguido.

A questão do procedimento da recolha de sangue para exame :
Na contestação que apresenta o arguido alega não saber:
Como foi desinfectado o local de onde se retirou o sangue?
Se o procedimento legalmente fixado para a retirada do sangue foi ou não seguido?
Se o local de onde foi retirado o sangue foi ou não desinfectado com álcool etílico?
Como foi feito o exame?
A fls. 4 foi junto o boletim de recolha da amostra de sangue com vista à realização do exame de alcoolemia pelo I.M.L. e que esteve na base do procedimento.
Refere o arguido que o boletim (ou auto de Análise) não só vem rasurado, como não tem indicada qualquer testemunha, face à impossibilidade do arguido em assinar, como é devido.
Analisando o referido auto não verificamos a existência de qualquer rasura, verificando-se, isso sim, a existência de um pequeno risco na linha aposta à expressão "Medicamentos e dosagens administradas nas últimas 48 horas", ao qual não se reconhece qualquer relevância.
Também, no que toca ao rabisco que se encontra na linha referente à indicação da testemunha, percebe-se, do confronto com a documentação de fls. 114 e seguintes, que se trata do carimbo da unidade Hospitalar, ainda que imperfeitamente impresso.
No que concerne à rasura da data da teste, facilmente se percebe que se tratou de um lapso, pois tinha sido indicada a data da colheita do sangue.
Quanto à falta da assinatura da testemunha que presenciou a colheita, dado que o arguido não assinou, tal omissão encontra-se colmatada com a circunstância de ter sido facilmente identificada e ouvida em julgamento a técnica laboratorial que recolheu o sangue ao arguido, que confirmou procedimento havido - de recolha e introdução da amostra no envelope e o seu lacre com vista à remessa o IML, tudo na frente do militar da GNR - e a fiabilidade da amostra recolhida, não tendo resultado apurada qualquer desconformidade que permita inquinar o teor do relatório pericial de fls. 3.
De resto, foi esta testemunha que explicou que a recolha de tais amostras de sangue já não são efectuadas mediante o uso do álcool como desinfectante do local da recolha e do material usado para tal fim, mas sim betadine, precisamente pelas suas características inócuas para o resultado do exame a que a amostra se destina.
Por fim, com o respeito sempre devido por posição diversa, e que aqui até é e muito, diremos que, no nosso entender, os pontos 6.º e 7.º da Portaria n.º 902­-B/2007, de 13 de Agosto não impõe que seja o médico que assistiu o doente/arguido que efectuar a execução material dos procedimentos ali mencionados.
Providenciar pela execução desses procedimentos não significa, execução material desses procedimentos pelo próprio médico, conquanto esses procedimentos seja efectivamente adoptados.
E se o médico que autorizou a colheita (o papel do médico e fundamentalmente o de assegurar com a sua autorização que a colheita pode ser feita sem provocar o agravamento do estado clínico do doente) não preencheu totalmente o "autor de recolha", no caso em apreço, pelas razões que deixamos ditas supra, as omissões verificadas não se nos afiguram ter relevância bastante para por em causa a integridade da amostra e, por consequência, o resultado do exame toxicológico efectuado.
Entendemos por isso conceder valor probatório ao relatório de fls. 3.

3. Apreciando

a.

De forma imperfeita, embora, na medida em que não dá integral cumprimento aos ónus previstos nos n.ºs 3 e 4 do CPP «reservados» à impugnação da matéria de facto, não deixa o recorrente de se insurgir contra a decisão de facto, alcançando-se, ainda assim, o «motivo» da discórdia, razão pela qual, sem necessidade de outro procedimento, que só contribuiria para retardar o conhecimento do recurso, iremos, desde já, enfrentar a questão.
No essencial dissente o recorrente da circunstância de o tribunal a quo ter consignado como provado no ponto 2. [factos provados] que foi «de imediato» efectuada a colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue, pois que resultaria da prova documental que a sua entrada na dita unidade hospitalar se deu às 7 h 28 m e o exame, apenas, teria sido efectuado às 11 h10 m [cf. pontos 1., 2. e 3.1. dos factos provados].
Sem maiores delongas, em face do teor de fls. 4 [formulário respeitante à análise para quantificação da taxa de álcool no sangue] e do relatório de urgência [Hospital Amato Lusitano] de fls. 199, impõe-se reconhecer assistir-lhe razão, já que são os identificados documentos elucidativos sobre a veracidade das invocadas circunstâncias de tempo em que ocorreu a admissão hospitalar, bem como a colheita de sangue.
Em consequência passará a constar do ponto 2. [factos provados]:
«2. Na sequência do acidente e por causa dos ferimentos que sofreu, o arguido foi transportado ao Hospital Amato Lusitano, onde, pelas 11h 10m do dia 12.12.2010, lhe foi feita a colheita de sangue, com vista à realização de análises para determinação do teor de álcool no sangue».

De seguida, convocando os depoimentos das testemunhas B..., C..., D..., E...e F..., defende que deveria o julgador ter dado como provados os «factos» que alinha nos pontos 3.2. das conclusões, referentes – excepção feita ao «traumatismo craniano», à circunstância de a medicação com «paracetamol» poder ter influenciado a taxa de álcool no sangue, aumentando-a e ao facto de nenhum dos familiares presentes no Hospital ter sido informado de que iria ser feita a colheita de sangue ao arguido para efeito da determinação da taxa de álcool – aos procedimentos, designadamente administrativos, que rodearam a «colheita de sangue».
Ora, iniciando por estes últimos, os únicos testemunhos relevantes foram os de D... [médico que assistiu o arguido/recorrente] e de E... [técnica de análises clínicas e saúde pública, que, na ocasião, procedeu à colheita de sangue ao arguido/recorrente], os quais, no decurso da audiência de julgamento, explicaram – naturalmente, com o rigor que o tempo já passado sobre os factos lhe permitiu – nos seus traços essenciais – precisamente os que relevam para a avaliação da fidedignidade do processo, mormente quanto ao «nexo de pertença» da amostra sanguínea recolhida e examinada ao arguido – todos os passos do procedimento, não resultando dos mesmos – a cuja audição integral procedemos – tão pouco das transcrições feitas pelo recorrente o que quer que seja que abale, por um lado, o dito «nexo de pertença», por outro lado, a observância, no caso, dos «cuidados» no procedimento, vg. quanto à desinfecção do material, quanto à conformação do «reservatório» e respectivo conteúdo, quanto à «selagem» e encaminhamento do produto da colheita para a entidade competente para o exame.
Nesta medida, resultando isento de dúvida que foram os mesmos [procedimentos] cumpridos e, nos seus traços fundamentais, qual a participação de cada um dos identificados profissionais de saúde, tudo o mais invocado [vd. os aspectos indicados na decisão recorrida supra transcrita] traduzem-se em meras irregularidades, que não beliscam minimamente a fidedignidade, a todos os níveis, do «exame» e, nessa medida, não cuidavam de uma maior atenção por parte do julgador – o qual, lucidamente discorreu sobre o assunto [análise que merece a nossa concordância] -, não enfermando, pois, a sentença da invocada nulidade.
Efectivamente, dúvidas não restam, em face do teor dos depoimentos dos profissionais de saúde, quanto ao facto de ter sido o arguido assistido pela testemunha D..., o qual, na sequência do pedido apresentado pela autoridade, autorizou – assinou e preencheu parcialmente [assinatura e medicação] o respectivo formulário -, quanto à efectiva colheita do sangue a que foi submetido, bem como relativamente à circunstância de ter a testemunha E... cumprido escrupulosamente os procedimentos relevantes, conforme já referido.
Neste contexto, é óbvio a irrelevância das «irregularidades» alinhadas pelo recorrente, porquanto, no caso, insusceptíveis de abalar o juízo de certeza o qual, com base nos ditos depoimentos, podemos asseverar quanto aos factos provados em função da fidedignidade, a todos os níveis, do «exame» e respectivo «resultado».
Em conclusão, carece, nesta parte, de fundamento a invocada «impugnação».
Ainda no ponto 3.2. das conclusões, convocando para tanto a documentação clínica junta a fls. 114 a 126 dos autos, manifesta-se o recorrente contra o facto de não haver o tribunal considerado como provado ter o mesmo, na sequência do acidente, sofrido traumatismo craniano, tendo, antes, feito consignar em a). da matéria de facto não provada «que em consequência do acidente de viação o arguido sofreu um traumatismo craniano».
Também aqui lhe assiste razão, pois que os relatórios da unidade hospitalar juntos aos autos, concretamente a fls. 114 a 126, tornam certo esse facto.
Assim, do ponto 9. dos factos provados passará a constar:
«Em consequência do acidente o arguido sofre traumatismo craniano com perda de conhecimento, tendo dado entrada nesse estado no hospital».
Por seu turno, é eliminada do conjunto de factos não provados a respectiva al. a).
Também, em sede de «impugnação» diz o recorrente que deveria o tribunal a quo ter consignado como provado que:
- «O médico que assina o documento de fls. 4 (duplicado para a realização do teste do álcool) esclareceu que a medicação do doente com paracetamol pode, a nível metabólico determinar a verificação de uma taxa de álcool no sangue superior à que na realidade se verifica»; e
- «A nenhum dos familiares presentes no hospital foi informado que iria ser retirado sangue ao arguido para análise da taxa de álcool no sangue».
No que ao primeiro aspecto concerne transcreve parte do depoimento da testemunha D... [médico que assistiu o arguido], quando em resposta ao Ministério Público, na sequência de haver sido interpelado no sentido de saber se a medicação ministrada ao arguido [em momento anterior à colheita do sangue] teve influência relativamente à taxa de álcool que veio a ser apurada, respondeu: «hipoteticamente mas em termos práticos penso que não; (…) em termos hipotéticos, em termos de metabolização hepática poderia ter influência, repito, hipoteticamente, mas em termos práticos penso que não, teria que ser uma dose muito alta tanto de álcool como de paracetamol, teria que jogar pela mesma recta metabólica» e questionado, de seguida, sobre se «poderia aumentar a taxa ou a absorção», replicou: «eu penso que poderia aumentar a taxa, mas primeiro não tenho a certeza, em termos práticos, em termos da prática médica não acontece por isso é que nós também não nos preocupamos com isso (…)».
Para além das referidas passagens do depoimento não imporem decisão diferente da que consignada ficou, o certo é que procedendo à audição integral do depoimento nenhuma dúvida séria se coloca sobre o seu sentido, no decurso do qual foi a testemunha  peremptória ao afastar a possibilidade do aumento da taxa de alcoolemia por via da ingestão da concreta quantidade de paracetamol que foi, então, ministrada ao arguido/recorrente, esclarecendo que para que tal acontecesse necessário seria que se tivesse tratado de «uma dose muito elevada de paracetamol», o que não foi o caso, acrescentando não ser uma grama do dito fármaco capaz de produzir tal efeito.
Significa, pois, que a prova produzida, tão pouco consente a dúvida razoável – e só esta releva – sobre a possibilidade de a taxa de alcoolemia ter sido, de alguma forma, influenciada pela ingestão da concreta quantidade de paracetamol que lhe foi ministrada.
Por outro lado, aproveita-se para tomar posição sobre o que parece ser o efeito útil que o recorrente pretende retirar da preconizada – e alcançada – alteração da matéria de facto já produzida no ponto 2. dos factos provados, do qual ficou a constar o lapso temporal que mediou entre o momento da sua admissão na urgência e a hora em que foi realizada a colheita do sangue, para deixar claro que, no caso, se alguma consequência se registou foi a mesma em seu favor e isto porque considerando a hora do despiste [cerca das 6 h do dia 12.12.2010], tendo presente que a «curva» relativa à absorção do álcool inicia a sua fase ascendente a partir do momento em que se dá a ingestão ocorrendo a fase descendente cerca de uma hora ou pouco mais após o terminus da mesma, quando pelas 11h10m do mesmo dia lhe foi feita a colheita do sangue, já há muito havia atingido o ponto máximo de absorção, encontrando-se, então, a taxa de alcoolemia em franca curva descendente, donde o lapso temporal constatado só veio, afinal, a redundar em benefício do recorrente.
 
Quanto ao segundo facto – a não informação a qualquer dos familiares presentes no hospital de que iria ser retirado sangue ao arguido com vista a apurar do teor do álcool no sangue - afigura-se-nos, a todos os títulos, irrelevante em função da conformação do quadro legal [cf. vg. o artigo 156º, nº 2 do Código da Estrada e artigos 1º e 4º da Lei n.º 18/2007, de 17.05] sendo certo que – e tal nem o recorrente contesta; bem pelo contrário – a gravidade do seu estado de saúde na sequência do acidente/despiste em que foi interveniente inviabilizava qualquer ensaio de pesquisa de álcool por outro meio que não fosse através da colheita de sangue, a qual nem sequer carece do consentimento do «visado», conforme vem sendo entendido pela jurisprudência.
Neste sentido vd., entre outros, os acórdãos do TRC de 26.01.2011 [proc. n.º 52/10.5GAANS.C1], de 20.12.2011 [proc. n.º 408/09.6GAMMV.C1], de 23.05.2012 [proc. n.º 136/10.0GBAND.C2] do TRP de 20.10.2010 [proc. n.º 1271/08.0PTPRT.P1], de 19.10.2011 [proc. n.º 294/10.3PTPRT.P1], reproduzindo-se, por impressivo, o sumário do primeiro dos citados arestos:
«1. A sujeição ao exame de pesquisa de álcool nos casos expressamente previstos na lei não se traduz numa mera faculdade para o examinando e por essa razão não há que obter previamente o seu consentimento; constitui um dever legal, implicando a recusa a punição pelo crime de desobediência, conforme expressamente se prevê no art. 152º, nº 3, do C.E.
2. A invocação de um estado de inconsciência no momento em que foi feita a recolha de sangue para exame tem como única virtualidade o reforço da correcção do procedimento adoptado».
Interpretação que, ademais, encontra apoio no recente acórdão do TC n.º 418/2013, no qual foi decidido no sentido de não julgar inconstitucional «a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º, nºs 1 e 2, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, e do artigo 156º, nº 2 do Código da Estrada, segundo o qual o condutor, interveniente em acidente de viação, que se encontre fisicamente incapaz de realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, deve ser sujeito a colheita de amostra de sangue, por médico de estabelecimento oficial de saúde, para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, nomeadamente para efeitos da sua responsabilização criminal, ainda que o seu estado não lhe permita prestar ou recusar o consentimento a tal colheita».
Carece, pois de fundamento a objecção do recorrente.

Isto dito é tempo de concluir de modo a que fique claro que para além das alterações agora operadas à matéria de facto, não tinha, perante a prova produzida, o julgador de se socorrer do princípio in dubio pro reo [cf. pontos 4. e 5. das conclusões], pois que nenhuma dúvida resulta havê-lo assolado, ou se vê que assim devesse ter sido, quer quanto ao «nexo de pertença» da amostra de sangue recolhido ao arguido, quer ao «procedimento de recolha» seguido, no que releva para o efeito de atribuir fidedignidade ao resultado do «exame», apresentando-se tudo o mais - com o devido respeito, apenas compreensível no âmbito do dever de patrocínio - como pura conjectura sem qualquer base séria de sustentação.
Donde, bem andou o julgador ao considerar o teor do relatório do Serviço de Toxicologia Forense de fls. 3, que não enferma de nenhuma nulidade, constituindo, por outro lado, prova validamente obtida e, como tal, a ser – como o foi – valorada.

Em conclusão:

Com as modificações introduzidas, tem-se, por definitivamente, fixada a matéria de facto.

b.

No que respeita à invocada inconstitucionalidade orgânica dos artigos 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2 do Código da Estrada, esclarecendo-se que na situação em apreço se está no âmbito de aplicação do artigo 156.º, nº 2 - porquanto é o mesmo que versa sobre os «Exames em caso de acidente» - sem ignorar o teor do acórdão do Tribunal Constitucional [n.º 275/2009], reproduzido nas conclusões de recurso [cf. pontos 8. e 9.], o certo é que acolhemos – e nessa medida escusamo-nos, agora, de repeti-la - a argumentação expendida na decisão recorrida, na parte em que convoca os fundamentos do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 479/2010, retomados, entre muitos outros, nos arestos do mesmo Tribunal n.ºs 15/2011, 16/2011, 28/2011, 47/2011, 48/2011 e 130/2011, todos no sentido de não julgar organicamente inconstitucional as normas convocadas pelo recorrente, mormente o n.º 2 do artigo 156º do Código da Estrada.
Brevitatis causa, por nada de relevante haver a acrescentar aos fundamentos explanados nos citados acórdãos – acolhidos na decisão recorrida – só resta concluir por não padecerem as ditas normas de inconstitucionalidade orgânica e, consequentemente, também nesta parte, pelo acerto do decidido.

c.

Manifesta-se o recorrente inconformado com a medida da pena acessória concretamente aplicada, a qual, aduz se afasta «fortemente do limite mínimo», sendo que o tribunal nem sequer «justifica» porque é que a aplica nessa medida e não em qualquer outra [cf. pontos 14. e 15. das conclusões], defendendo, para o «caso de se manter a condenação» a fixação da mesma no seu limite mínimo, ou seja em três meses.
Eventualmente, não ignorará o recorrente que as circunstâncias a ponderar na determinação da pena acessória de proibição de conduzir não divergem das que vem mencionados no artigo 71º do Código Penal, como, porventura, não desconhecerá o seguinte segmento da sentença:
«A pena acessória encontra o seu fundamento na perigosidade do agente e destina-se a actuar psicologicamente sobre o imprudente condutor, visando, pela privação do uso do veículo ou da sua condução, influir preventivamente na conduta futura do infractor.
Deverá ser tanto mais elevada a sua duração quanto mais grave for a perigosidade revelada pelo agente, medida em função da condução havida, das circunstâncias que a rodearam e do grau de alcoolemia de que era portador e a indiferença revelada pelas anteriores condenações.
Note-se que a condução em estado de embriaguez, se revela de grande gravidade no nosso país, atenta o nível de sinistralidade portuguesa (das maiores da Europa), onde se colocam em causa, muitas vezes com a maior ligeireza de espírito e desprezo pelos utentes, valores de particular relevo como a vida, a integridade física, a liberdade e o património próprios e alheio.
E nesta conformidade, repetindo nesta sede toda a ponderação que se fez a propósito do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, decido aplicar ao arguido uma pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses» [destaque nosso].
Efectivamente, imediatamente antes do que se acaba de transcrever explicitou o julgador os factores ponderados contra e a favor do arguido/recorrente, entre os quais a ausência de antecedentes criminais, única circunstância que convoca para defender a sua fixação no seu limite mínimo, olvidando o facto de que se tratar de um domínio onde são fortíssimas as razões de prevenção geral.
Em suma, sopesadas as circunstâncias do caso, mostra-se a pena acessória encontrada - no seio de uma moldura abstracta, cujos limites mínimo e máximo se situam em três meses e três anos, respectivamente - adequada e proporcional.
Conclui-se, assim, por nenhuma censura merecer, nesta parte, a decisão recorrida.

d.

Por fim, nos pontos 16. a 21. das conclusões reage o recorrente contra a determinação inserida no dispositivo da sentença do seguinte teor: «De imediato, comunique ao Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres (I.M.T.T.) a pena de conduzir aplicada, solicitando que, no uso das competências próprias conferidas pelo D.L. n.º 77/2007, de 29.03 e DL n.º 147/2007, de 27.04, com vista a tornar efectiva a sanção aplicada, que, até indicação em contrário deste Tribunal, recuse a emissão ao arguido de uma segunda via da sua carta de condução que venha a ser requerida e bem assim de qualquer documento apto a substituir o dito título de condução.»
Nesta sede é evidente a razão do recorrente, enquanto defende ter a referida comunicação, sob pena de violação dos mais elementares princípios, desde logo o da presunção de inocência, de aguardar o trânsito em julgado da decisão.
De facto, no contexto da decisão [dispositivo], onde também se determina a remessa «Após trânsito de boletim à DSIC e bem assim da comunicação à A.N.S.R., a expressão «De imediato» reservada à transmissão ao I.M.T.T. não pode deixar de ser interpretado noutro sentido que não seja o de que tal comunicação não aguardaria o trânsito em julgado da decisão o que, naturalmente, não é, a qualquer título, sustentável, e, como tal, impõe-se a revogação, nesta parte, da decisão.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na parcial procedência do recurso, em:
a) Proceder à alteração da matéria de facto, conforme decidido em II. 3. a. supra;
b) Revogar o seguinte segmento do dispositivo da decisão recorrida: «De imediato, comunique ao Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres (I.M.T.T.) a pena de conduzir aplicada, solicitando que, no uso das competências próprias conferidas pelo D.L. n.º 77/2007, de 29.03 e DL n.º 147/2007, de 27.04, com vista a tornar efectiva a sanção aplicada, que, até indicação em contrário deste Tribunal, recuse a emissão ao arguido de uma segunda via da sua carta de condução que venha a ser requerida e bem assim de qualquer documento apto a substituir o dito título de condução»;
c) Em tudo o mais, não prejudicado pelo supra decidido, julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Sem custas

Coimbra, 30 de Outubro de 2013

(Maria José Nogueira - Relatora)

(Isabel Valongo)