Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4798/17.9T8CBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
REQUERIMENTO EXECUTIVO
INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO
APERFEIÇOAMENTO
INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INDEMNIZAÇÃO AGRAVADA
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.726 CPC, 1041 CC, 14-A NRAU
Sumário: 1. - Se, em execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo composto o contrato de arrendamento urbano e o comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida (art.º 14.º-A do NRAU), o exequente vem formular pedido de indemnização agravada a que alude o art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv., cabe-lhe alegar, no requerimento executivo, o modo de extinção do vínculo contratual, de molde a afastar a hipótese de resolução do contrato com base em falta de pagamento.

2. - Não tendo procedido a tal alegação, mediante factos concretizadores do modo de extinção do contrato, ocorre insuficiência de alegação fáctica necessária, justificativa do convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, para que seja suprida a falta, nos termos do disposto no art.º 726.º, n.º 4, do NCPCiv..

3. - Em tal caso, o indeferimento parcial do requerimento executivo só se justifica se a falta de alegação não for corrigida no prazo fixado (n.º 5 do mesmo art.º), não sendo caso de indeferimento liminar parcial (cfr. n.º 3 daquele art.º).

4. - Se do contrato de arrendamento consta uma cláusula sobre “todas as obras a efectuar” e licenciamento a obter, sem fixação de qualquer dever indemnizatório, mas apenas a “responsabilidade” por tais obras e licenciamento, tal não constitui título para execução por crédito indemnizatório relativo ao custo de reposição do locado no estado anterior ao arrendamento, crédito esse que não poderia ser unilateralmente fixado por uma das partes, mas que teria de ser objeto de fixação judicial prévia.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

J (…)  e C (…), ambos com os sinais dos autos,

intentaram execução ordinária ([1]), para pagamento de quantia certa, contra

1.ª - “O (…), Ld.ª”,

2.ª – A (…),

3.º - A (…) e

4.º - J (…), estes também com os sinais dos autos,

formulando pedido executivo líquido ([2]) no montante total exequendo de € 18.237,66, correspondente a € 3.693,91 (a título de rendas e juros), € 1.743,75 (a título de indemnização, igual a 50% do devido, nos termos do art.º 1041.º do CCiv.), € 12.300,00 (a título de indemnização por danos/deterioração do locado, posto serem necessárias obras de reparação respetivas, constituindo encargos com o locado), e € 500,00 (a título de despesas com honorários e demais encargos com o processo) ([3]).

Invocaram os Exequentes:

- terem estabelecido com os Executados um contrato de arrendamento comercial de duração indeterminada, sendo que os arrendatários, embora tenham desocupado e entregue o imóvel à contraparte, deixaram várias rendas por liquidar, não obstante os esforços dos Exequentes para o pagamento;

- assim, são devidos os montantes peticionados, incluindo os aludidos € 1.743,75, a título de indemnização, igual a 50% do devido (nos termos do art.º 1041.º do CCiv.), e € 12.300,00, a título de indemnização por danos/deterioração do locado, sendo necessárias obras de reparação respetivas, o que constitui encargos com o locado, contratualmente previstos.

Foi proferido despacho liminar (datado de 05/07/2017), versando, especificamente, sobre os aludidos montantes de 1.743,75 (indemnização nos termos do art.º 1041.º do CCiv.), € 12.300,00 (indemnização por danos/deterioração do locado) e € 500,00 (despesas com honorários e demais encargos com o processo), com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 726.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, do Código de Processo Civil, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminar e parcialmente o requerimento executivo quanto às quantias peticionadas referidas.

(…)» (cfr. fls. 14 v.º e seg.).

Inconformados, recorrem os Exequentes, apresentando alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões ([4]):

1. Ainda que tivesse sido liquidada uma pequena quantia, os Exequentes não conseguiram de forma extrajudicial resolver a questão, pelo que tiveram de recorrer ao Tribunal, fazendo uso do art.º 14.º-A do NRAU;

2. Por isso, dispondo de título executivo, vieram os Exequentes peticionar, não só os valores de rendas em dívida, com juros de mora, como também o valor indemnizatório previsto no art.º 1041.º do CCiv., e uma indemnização pelo incumprimento do contrato, já que os arrendatários se encontravam obrigados a liquidar as despesas com obras.

3. Na decisão em crise foi entendido que a quantia de € 1.743,75 não é devida por o contrato ter findado por falta de pagamento, situação em que o art.º 1041.º do CCiv. afasta a indemnização;

4. Porém, nunca foi feita referência no requerimento executivo a ter o contrato sido extinto por falta de pagamento de rendas, nem sequer esta matéria foi averiguada.

5. A devolução do locado aos Exequentes pelos Executados deveu-se apenas ao facto de as partes não terem a pretensão de renovar o contrato de arrendamento, nunca aqueles tendo recorrido aos meios jurídicos para extinção do contrato por falta de pagamento.

6. A indemnização prevista no art.º 1041.º do CCiv. deverá e poderá ser peticionada pelo locador sempre que haja um atraso no pagamento das rendas.

7. O facto de a relação contratual terminar, com entrega do locado ao senhorio, não permite considerar, sem mais, que o contrato haja sido resolvido por falta de pagamento de rendas, tratando-se antes de questão a ser analisada e, a verificar-se que o motivo da não renovação não se prendeu com o não pagamento de rendas, não pode ser postergado o direito do senhorio a ser indemnizado por não ter recebido as rendas em tempo útil.

8. Daí que tenham os Exequentes direito à indemnização.

9. Quanto ao pagamento de indemnização por obras a realizar no locado, é de afirmar que o art.º 14.º-A do NRAU permite a execução, não só por rendas em atraso, mas também por outros encargos e despesas que devam correr a cargo dos arrendatários.

10. Do contrato de arrendamento junto consta que os arrendatários, ao fazerem obras que não pudessem ser removidas por causarem elevada deterioração do locado, passavam as mesmas a fazer parte integrante do mesmo, tal como ficou acordado que as obras necessárias passavam a correr por conta dos arrendatários.

11. Ora, não só estes entraram em incumprimento do contrato de arrendamento, removendo as obras e deixando este totalmente destruído, como não se responsabilizaram pelo pagamento das obras necessárias.

12. Estando contratualmente definido que as obras seriam despesas a correr por conta dos arrendatários, este pedido encontra fundamento legal no art.º 14.º-A do NRAU, que alude a encargos e despesas que devam correr por conta de tais arrendatários.

Concluem pela revogação da decisão recorrida de indeferimento liminar parcial neste âmbito, seguindo a execução os demais trâmites legais, considerando o valor inicialmente peticionado.      

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a citação dos Executados para os termos do recurso e da causa, sendo que estes não apresentaram contra-alegação recursiva.

Determinada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, foi aqui mantido o regime e o efeito fixados ao recurso.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do atual Código de Processo Civil (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação, limitada a matéria de direito, saber se há, ou não, fundamento para o decretado indeferimento liminar parcial, designadamente, se era caso de prévio despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

A materialidade fáctica a considerar, para decisão adequada do recurso, é a que consta do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se acrescenta, somente, o seguinte:

- da cláusula nona do contrato de arrendamento dado à execução consta: «É da responsabilidade do Segundo Outorgante todas as obras a efectuar, assim como o licenciamento dos projectos de arquitectura, electricidade e rede de águas.» (cfr. fls. 5 v.º).

          B) O Direito

Da existência de fundamento para indeferimento liminar parcial

O Tribunal a quo julgou no sentido do indeferimento liminar parcial quanto a indemnização, igual a 50% do devido, nos termos do art.º 1041.º do CCiv. (montante de € 1.743,75) e indemnização por danos no locado e inerente custo das obras de reparação (€ 12.300,00), o que vem agora questionado pelos Recorrentes ([5]).

Concluiu assim por via de fundamentos diversos, no concernente a cada um daqueles montantes indemnizatórios parciais, motivo pelo qual cumpre proceder a apreciação separada.

1. - Quanto à indemnização a que alude o art.º 1041.º do CCiv.

Entende a 1.ª instância que a reparação aludida no n.º 1 do art.º 1041.º do CCiv. ([6]) não é devida, “uma vez que o contrato findou por falta de pagamento, pelo que, nos termos da norma em causa não é devida a indemnização de 50%.”.

A parte exequente, por seu lado, argumenta, como visto, que nunca foi referida no requerimento executivo a extinção do contrato por falta de pagamento de rendas, matéria que também não se mostra averiguada.

Concretiza que, no caso, a devolução do locado pelos Executados resultou de não terem as partes querido a renovação do contrato, que não foi objeto de resolução, designadamente por falta de pagamento ([7]).

Ora, parece-nos claro, salvo o devido respeito, que, pedindo a indemnização agravada, isto é, a correspondente a 50% do devido (por rendas em mora) – a qual (apenas) fica legalmente excluída se o contrato de arrendamento for resolvido com fundamento na falta de pagamento (dessas rendas), nos termos do art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv. –, a parte exequente tem de dizer/alegar, para tanto, no requerimento executivo, qual a causa de extinção do contrato.

Se, por exemplo, o contrato cessa por desistência do inquilino, é seguro que o direito indemnizatório não é afastado [cfr. Ac. STJ de 10/04/2014, Proc. 1301/11.8 TBFLG.G1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt ([8])]; mas se, ao contrário, ocorreu extinção contratual (do vínculo locatício) por via de resolução – pelo senhorio, modo de extinção que tem de ser exercitado face à contraparte – fundada na falta de pagamento (das rendas), então a lei exclui, de modo patente, aquela indemnização agravada.

Assim, no caso torna-se essencial saber se o senhorio (ora Exequentes/Apelantes) exerceu, ou não, o direito à resolução do arrendamento com fundamento em incumprimento contratual imputável à contraparte.

Se o exerceu, então, como refere a decisão em crise e resulta do art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv., não tem direito a indemnização a que alude esse preceito legal.

Caso contrário, assiste-lhe esse direito indemnizatório.

Por se tratar, pois, de factualidade decisiva – essencial para verificação da consistência do pedido indemnizatório em causa –, teria a parte exequente de a ter alegado, clarificando qual das duas situações é a dos autos.

Porém, não o fez, primando pela indefinição alegatória.

Como pode ver-se do ponto 3. do requerimento executivo, onde apenas se alude – vagamente – a ter o imóvel locado “sido desocupado e entregue aos exequentes pelos executados”.

Qual, pois, a causa dessa entrega: desistência? Resolução, por incumprimento do locatário? Ou outra?

Salvo o devido respeito, os Exequentes não o dizem, deixando margem para diversas interpretações.

Em suma, nem é caso para, sem mais, lhes reconhecer o direito (como pretendem), nem para lho negar liminarmente, com o fundamento encontrado de a indemnização agravada não ser devida (como entendeu o Tribunal a quo).

Perguntar-se-á, então: seria caso de prévio convite ao aperfeiçoamento?

Vejamos.

Dispõe, quanto ao ora relevante, o art.º 726.º do NCPCiv.:

«2. O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:

a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;

b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;

c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;

d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação.

3. É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.

4. Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.

5. Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.» (itálico aditado).

Ora, in casu não se trata, salvo o devido respeito, de manifesta falta ou insuficiência do título ([9]), nem de exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 577.º e seg. do NCPCiv.), nem sequer de uma manifesta inexistência de factos constitutivos face aos elementos constantes dos autos, entendendo-se que uma coisa é a verificação da inexistência dos factos (estes não têm existência real/material), outra a verificação da sua não alegação (estes, tendo existência, não foram alegados).

E nem se pode falar, a nosso ver, de uma total/absoluta falta de causa de pedir da execução, mesmo nesta parte, conclusão que logo se retira da existência do acervo fáctico alegado em sede de requerimento executivo (muito embora, como visto, haja insuficiência alegatória no concernente a uma parcela do pedido executivo, o aqui em discussão).

Assim, teremos de concluir que, não sendo caso de aplicação de nenhuma das hipóteses da previsão normativa do n.º 2 do dito art.º 726.º do NCPCiv., tem o Tribunal de socorrer-se do n.º 4 do mesmo dispositivo legal, que determina que o juiz convide o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo ([10]), no caso mediante convite ao suprimento da aludida deficiência/omissão alegatória, de molde a ser carreado para os autos o factualismo relevante de suporte do pedido, concretizando-se qual a específica causa de extinção do contrato de arrendamento, para se aferir se o mesmo foi, ou não, objeto de resolução com base na falta de pagamento.

Só no caso de, formulado o convite ao aperfeiçoamento, o vício/falta não ser corrigido pelos Exequentes, estará legitimada, nos termos legais, a opção pelo indeferimento parcial do requerimento executivo (quanto àquele discutido pedido), à luz do disposto no n.º 5 do art.º 726.º do NCPCiv..

Por este motivo, deverá a apelação proceder neste âmbito, com a consequente revogação da decisão impugnada e concessão aos Exequente da oportunidade de aperfeiçoamento da sua peça processual inicial.

2. - Quanto à indemnização por incumprimento contratual, para reposição do locado no estado anterior ao arrendamento

Foi entendido na decisão em crise que esta espécie de indemnização não se integra nos conceitos de encargos ou despesas previstos no art.º 14.º-A do NRAU ([11]), os quais visam o cumprimento do contrato e não indemnizações por incumprimento.

Contrapõem os Apelantes que do contrato de arrendamento junto – é neste que se baseiam – consta que, caso os arrendatários fizessem obras que não pudessem ser removidas por causarem elevada deterioração do locado, passariam tais obras a fazer parte integrante do mesmo, tal como ficou acordado que as obras necessárias passavam a correr por conta dos arrendatários.

Acrescentam que os locatários, para além de incorrerem em incumprimento do contrato de arrendamento, removendo as obras e deixando este totalmente destruído, não se responsabilizaram pelo pagamento das obras necessárias.

Ancoram-se na interpretação, que elegem, de estar contratualmente definido que as obras seriam despesas a correr por conta dos arrendatários, isto é, na mencionada “cláusula nona” do contrato de arrendamento celebrado.

Esta dispõe serem da responsabilidade dos arrendatários «todas as obras a efectuar, assim como o licenciamento dos projectos de arquitectura, electricidade e rede de águas.» (cfr. fls. 5 v.º).

Em termos de inserção sistemática no clausulado contratual, segue-se a cláusula (a “oitava”) que se refere à execução de obras ou benfeitorias, reportando que aos locatários não será permitido, sem autorização prévia, “executar quaisquer obras ou benfeitorias, exceptuando-se as de conservação e limpeza, ficando as obras que tiverem sido autorizadas e que não possam ser removidas sem causar deterioração na fracção arrendada, a fazer parte integrante do mesmo, não podendo exigir por elas qualquer indemnização ou alegar o direito de retenção”.

Ora, aquela “cláusula nona” trata, assim, das obras a efetuar – com referência ao início/desenvolvimento da relação locatícia –, tal como de licenciamento(s) necessário(s), não fixando qualquer dever indemnizatório, mas apenas a “responsabilidade” pelas “obras a efectuar” e pelo “licenciamento”, isto é, a quem cabia diligenciar nesse sentido e suportar os respetivos custos, e não mais.

Tratar-se-á, pois, das obras e procedimentos de instalação do locatário, que ficaram a cargo dele (designadamente, licenciamento de projetos de arquitetura, eletricidade e rede de águas), com reporte, assim, ao início da relação contratual (e não no seu terminus).

Não se tratará, por isso, de cláusula indemnizatória atinente a danos causados no locado pelo arrendatário, aqueles que são averiguados aquando da restituição do locado ao senhorio.

E ainda que o fosse, sempre se trataria de indemnização pelo dano, em sede de incumprimento contratual, para reposição do locado no estado anterior ao contrato, o que sempre obrigaria a uma fixação indemnizatória, à luz dos danos que fossem de ter por verificados e por imputáveis ao arrendatário, demandando inerente verificação/fixação judicial, na sede própria.

Isto é, um tal direito indemnizatório não poderia prescindir de uma prévia fase declarativa, onde fossem verificados os pressupostos do direito e determinado o montante do dano, com condenação no pagamento.

Sem isso, estaria aberta a porta para, no âmbito executivo – sem prévia declaração judicial do direito e condenação no pagamento –, se peticionar gravosas indemnizações (no caso, no montante já elevado de € 12.300,00, mas que poderia ser significativamente maior), contra o arrendatário, em termos de atingimento coativo iminente/imediato do seu património, sem uma prévia averiguação judicial da dívida indemnizatória, de molde a sindicar-se a sua existência e montante.

Assim, concorda-se, nesta parte, com a decisão recorrida, inexistindo título executivo neste particular.

Em suma, a apelação procede parcialmente, com revogação da decisão liminar recorrida apenas quanto ao indeferimento relativo ao montante de € 1.743,75, a título de indemnização agravada, determinando-se nessa parte, em substituição ao Tribunal recorrido (art.º 665.º do NCPCiv.), que a parte exequente seja notificada para, querendo, aperfeiçoar, em dez dias, o seu requerimento executivo de acordo com o disposto no art.º 726.º, n.º 4, do NCPCiv. e nos moldes supra explicitados.

No mais, subsiste inalterada a decisão liminar em crise.

***

IV – Sumário (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Se, em execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo composto o contrato de arrendamento urbano e o comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida (art.º 14.º-A do NRAU), o exequente vem formular pedido de indemnização agravada a que alude o art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv., cabe-lhe alegar, no requerimento executivo, o modo de extinção do vínculo contratual, de molde a afastar a hipótese de resolução do contrato com base em falta de pagamento.

2. - Não tendo procedido a tal alegação, mediante factos concretizadores do modo de extinção do contrato, ocorre insuficiência de alegação fáctica necessária, justificativa do convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, para que seja suprida a falta, nos termos do disposto no art.º 726.º, n.º 4, do NCPCiv..

3. - Em tal caso, o indeferimento parcial do requerimento executivo só se justifica se a falta de alegação não for corrigida no prazo fixado (n.º 5 do mesmo art.º), não sendo caso de indeferimento liminar parcial (cfr. n.º 3 daquele art.º).

4. - Se do contrato de arrendamento consta uma cláusula sobre “todas as obras a efectuar” e licenciamento a obter, sem fixação de qualquer dever indemnizatório, mas apenas a “responsabilidade” por tais obras e licenciamento, tal não constitui título para execução por crédito indemnizatório relativo ao custo de reposição do locado no estado anterior ao arrendamento, crédito esse que não poderia ser unilateralmente fixado por uma das partes, mas que teria de ser objeto de fixação judicial prévia.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão liminar recorrida relativamente ao pedido de € 1.743,75 (indemnização agravada), para que seja observado o disposto no art.º 726.º, n.º 4, do NCPCiv., com convite aos Exequentes para aperfeiçoamento, em dez dias, do requerimento executivo, mediante a alegação dos necessários factos de suporte quanto ao modo de extinção do vínculo contratual locatício, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do mesmo dispositivo legal.

Custas pela parte vencida a final.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 26/02/2019

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 13/06/2017.
([2]) Em quantia certa.
([3]) Cfr. requerimento executivo e respetiva liquidação da obrigação, conforme certificado a fls. 1 e segs. dos autos em suporte de papel.
([4]) Que se deixam resumidas, quanto ao essencial.
([5]) Ocorreu também liminar indeferimento quanto ao montante de € 500,00 (a título de despesas com honorários e demais encargos com o processo), matéria decisória com que se conformaram os Apelantes.
([6]) Dispondo este normativo legal que “Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base em falta de pagamento”.
([7]) Insiste mesmo que a não renovação não resultou do não pagamento de rendas, não podendo ser afastado o direito indemnizatório por o senhorio não ter recebido as rendas em tempo útil.
([8]) Aresto – aliás, citado pela parte recorrente – com o seguinte sumário: «1. O senhorio tem direito à indemnização agravada prevista no nº 1 do art. 1041º do CC, correspondente a 50% das rendas em dívida, quando, não tendo exercido o direito à resolução do arrendamento com fundamento em incumprimento contratual imputável à contraparte, a iniciativa e o interesse prioritário na cessação da relação locatícia são próprios e pessoais do inquilino que, ao entregar as chaves do locado, manifestou claramente a sua desistência na manutenção da relação de arrendamento em curso. // 2. Na verdade, constituiria solução arbitrária e desprovida de fundamento material bastante a que se traduzisse, neste quadro factual, em onerar a posição do senhorio, postergando o específico direito à indemnização conferido ao locador num caso em que este opta por não resolver o contrato, cessando a relação contratual com base exclusivamente em acto da iniciativa e interesse do locatário.».
([9]) O Tribunal recorrido adotou este fundamento legal atendendo a um pressuposto/circunstancialismo (resolução contratual por falta de pagamento) que não pode, por ora, ter-se por demonstrado.
([10]) De acordo até com os adotados princípio do máximo aproveitamento possível dos atos processuais e dever de gestão processual (cfr. art.º 6.º, n.º 2, do NCPCiv.), de molde a concorrer para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (cfr. art.º 7.º, n.º 1, do mesmo Cód.).
([11]) Prevendo que: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.