Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
266/17.7T8CDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L DE CONDEIXA A NOVA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 188.º, N.º 1, DO CE; ARTS. 27-A.º E 28.º DO RGCOC
Sumário: Tendo a contra-ordenação rodoviária sido praticada em 27 de Janeiro de 2015, tendo a decisão administrativa sido proferida em 17 de Junho de 2015 e notificada ao recorrente em 29 de Julho de 2015, tendo este impugnado judicialmente a decisão administrativa em 10 de Agosto de 2015, e tendo a autoridade administrativa remetido os autos ao Ministério Público em 18 de Agosto de 2017, em 29 de Julho de 2017 esgotou-se o prazo normal de prescrição de dois anos previsto no art. 188º, nº 1 do C. da Estrada pelo que, quando foi notificado ao recorrente, em 18 de Setembro de 2017, o despacho judicial que procedeu ao exame preliminar do recurso de impugnação, já se encontrava extinto, por prescrição, o procedimento por contra-ordenação.
Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



I. RELATÓRIO

Por decisão de 17 de Junho de 2015 da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [doravante, ANSR], do Ministério da Administração Interna, o arguido A... , com os demais sinais nos autos, foi condenado, pela prática de uma contra-ordenação rodoviária muito grave, p. e p. pelos arts. 21º e 23º, a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito (Dec. Regulamentar nº 22-A/98, de 1 de Outubro) e pelos arts. 138º e 146º, n) do C. da Estrada, na sanção acessória, especialmente atenuada, nos termos do art. 140º do C. da Estrada, de inibição de conduzir pelo período de trinta dias.

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial que, por despacho datado de 10 de Outubro de 2017 [proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova], foi julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão administrativa.


*

            De novo inconformado com a decisão, recorreu o arguido para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            a) O Recorrente veio interpor Recurso de impugnação, referente ao auto de contraordenação nº (... ), que decidiu aplicar-lhe a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, todavia, proferida sentença, foi decidido pelo Tribunal recorrido manter a referida sanção.

b) Ora, o Recorrente não se pode conformar com esta decisão, uma vez que, atento o disposto no artigo 188º, nº 1 do Código da Estrada, o qual refere que "O procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação tenham decorrido dois anos.", e tendo o ilícito sido praticado no dia 27 de janeiro de 2015, na presente data a sanção acessória encontra-se já prescrita.

c) Esta é uma questão prévia de que o Tribunal recorrido deveria ter conhecido oficiosa e previamente às demais, sendo certo que, mesmo que se aceite a tese da contagem do prazo máximo de suspensão legalmente previsto (6 meses), o procedimento prescreveu em 27 de julho de 2017.

d) Pelo que, mesmo seguindo tal interpretação, temos que, tendo já decorrido dois anos e 10 meses sobre a prática do facto, em conformidade deve ser apreciada esta questão e, em consequência, ser declarada a extinção do procedimento de contraordenação, pelo decurso do prazo de prescrição legalmente estabelecido.

e) A acrescer a isto, resulta da impugnação apresentada que o Recorrente é médico e que a inibição de condução o impede de realizar as deslocações necessárias para assegurar os seus compromissos profissionais.

f) De facto, a ser aplicada a sanção de inibição de conduzir, o Recorrente ficará impedido de poder continuar a exercer a sua atividade profissional, o que, como é bom de ver, colocará em perigo a subsistência do seu posto de trabalho e bem assim o sustento do seu agregado familiar.

g) Sucede que, dos factos supra descritos, alegados pelo Recorrente no seu articulado, nenhum deles é referido e/ou valorado, sendo certo que o Tribunal recorrido os deveria ter considerado, ainda que os não valorasse.

h) Salvo melhor opinião, a omissão do Tribunal recorrido quanto à indicação dos aludidos factos, referentes à situação socioprofissional do Recorrente, factos que deveria conhecer, constitui nulidade da sentença, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais, nos termos dos artigos 379º e 374º do CPP.

i) Assim, deverá também a sentença de fls. ser declarada nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 379º e 374º do Código de Processo Penal.

j) A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 379º e 374º do CPP, artigo 58º da Constituição da República Portuguesa e artigo 188º do Código da Estrada.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve dar-se provimento ao presente Recurso, com as devidas consequências.

Assim se fazendo JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            A) O procedimento contra-ordenacional não se encontra prescrito, o mesmo acontecendo com a sanção acessória de inibição de conduzir, porque o prazo de prescrição foi interrompido, com a comunicação ao recorrente dos despachos e, designadamente com a notificação da decisão da autoridade administrativa;

B) O prazo de prescrição ocorreria em 27 de Janeiro de 2018, a que será adicionado o prazo de suspensão do procedimento, tudo de conformidade com o disposto nos art.s 27º-A, 28º nº 1 e nº 3 do Dec. Lei 433/82 de 27 de Outubro e art. 188º nº 1 do Cód. da Estrada.

C) A douta decisão não enferma de qualquer nulidade, por não ter sido produzida prova sobre as condições pessoais e situação profissional do Recorrente, uma vez que estava em causa a possibilidade, ou impossibilidade de suspensão da sanção acessória, o que é legalmente inadmissível por estar em causa uma contra-ordenação muito grave.

D) A Douta decisão impugnada não viola qualquer norma, substantiva ou adjectiva, e, designadamente as referidas nas conclusões do recurso apresentado.

Nos termos expostos, Deverá ser negado provimento ao Recurso, como é de JUSTIÇA!


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não estar verificada a prescrição do procedimento contra-ordenacional por terem ocorrido causas de interrupção e de suspensão do prazo respectivo, não padecer a decisão da apontada nulidade, quer porque, dando-se por provada a qualidade de médico do recorrente, é do conhecimento geral a necessidade de título de condução para as respectivas deslocações, quer porque é legalmente inadmissível a pretensão do recorrente, quer quanto à admoestação, quer quanto à suspensão da execução da sanção acessória, e concluiu pela manutenção da decisão recorrida.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [doravante, RGCOC], as questões a decidir, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, são:

- A prescrição do procedimento contra-ordenacional;

- A nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia.


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            Importa ter presente, para a resolução destas questões, o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

            “ (…).

            Relatório

A... , casado, anestesiologista, residente na Rua (... ), (... ), titular do cartão de cidadão nº (... ), não se conformando, veio interpor recurso de impugnação referente ao auto de contra-ordenação nº (... ), concluindo que:

«-Considerando a reduzida gravidade da infracção e ausência de culpa ou mesmo negligência na violação das regras estradais, sempre seria suficiente a simples admoestação;

Contudo caso assim se não entendesse, - Atento o facto do requerente não ter praticado à data qualquer infracção grave ou muito grave, a sanção acessória de inibição de conduzir podia e devia não ser aplicada Ou,

Caso assim se não se entendesse, suspensa a sua execução já que preenche todos os requisitos legais para tanto, circunstâncias que a decisão impugnada desconsiderou e que, subsidiariamente, se requer;

Contudo, Na eventualidade de ser aplicada a sanção acessória de inibição de condução, como foi, sempre a mesma poderia ter sido suspensa na sua execução, nomeadamente condicionada à prestação de caução de boa conduta, o que subsidiariamente se requer;

Assim, Requer-se a V.Exª que a decisão que venha a ser proferida declare

- A não aplicação de sanção acessória de inibição de condução,

Ou, caso assim se não entenda,

- A dispensa da sua aplicação, no caso da mesma vir a ser decretada, o que não se espera;

Contudo,

Para a eventualidade de vir a ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir que seja a mesma seja condicionada à prestação de caução de boa conduta, nos moldes e montantes julgados necessários e mais ajustados;

-Devendo em todo o caso, se aplicada a sanção acessória de inibição, ser suspensa na sua execução.»

Juntou um documento e arrolou uma testemunha a apresentar.


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Foi recebido o recurso.

Para efeitos do disposto no artº 64º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, o Ministério Público e o arguido não se opuseram a que seja proferida decisão por simples despacho, na sequência da notificação do despacho de fls. 22, do expediente de fls. 1, 23 e 24 dos autos.

A instância mantém-se válida e regular, nada obstando a que seja proferida decisão sobre o mérito do recurso de impugnação.


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Fundamentação de facto

Em face dos elementos documentais constantes dos autos e ainda das regras da experiência comum e da normalidade social prevalente, considero assentes os seguintes factos, com vista à projectada decisão:

1. No dia 27-01-2015, pelas 17:10 no local: Praça da República, em Condeixa-a-Nova, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula X (... ), o arguido desrespeitou a obrigação de parar imposta pelo sinal de cedência de passagem –B2/STOP-Paragem Obrigatória na Intersecção.

2. Ao atuar da forma descrita, o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado, agindo livre e conscientemente, bem sabendo que a conduta descrita em 1. é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.

3. O arguido é médico.

4. O arguido prestou depósito de valor igual ao mínimo da coima prevista para a infracção em causa.

5. O arguido não tem averbado no seu registo de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave.

Fundamentação de direito

O objecto do presente recurso é condicionado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente. E por isso, começando pela eventual aplicação da admoestação, desde logo, se dirá que a contra-ordenação cometida pelo arguido/recorrente é classificada de muito grave, nos termos do artº 146º, alínea n) do Código da Estrada.

Com efeito, a factualidade dada como assente preenche os elementos objectivos e subjectivos da contra-ordenação imputada ao arguido – cfr. artºs 21º e 23º, al. a) do DR 22-A/98 de 01 Out (alt. DL 44/2005 de 23 Fev), pelo que o mesmo incorreu na prática da mesma, a título de negligência.

Ora, sendo um dos pressupostos da admoestação a reduzida gravidade – cfr. artº 51º, nº 1 do DL 433/82, de 27 de Outubro – concluísse que o Tribunal não pode optar pela aplicação de tal sanção em substituição da coima, uma vez que estamos, no caso concreto, perante uma contra-ordenação que é legalmente classificada de muito grave.

Quanto à questão de eventual inaplicabilidade da sanção acessória da inibição ao caso “sub iudice”, a mesma também não pode proceder, pois que tratando-se de uma infracção qualificada como muito grave, para além de ser sancionável com coima a lei também fulmina a sua prática com a sanção acessória de inibição de conduzir, como de resulta de resto, dos termos conjugados dos artigos 136º, 138º e 146º, todos do Código da Estrada.

Por último, cumpre apreciar se a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de trinta dias, aplicada ao arguido, deve ser suspensa na sua execução, mormente condicionada à prestação de caução de boa conduta, nos moldes e montantes julgados necessários e mais ajustados.

Como acima se deixou exposto, as contra-ordenações muito graves, no aqui importa, são puníveis com sanção acessória de inibição, a fixar entre o período de 2 a 24 meses, por força dos artigos 138º, 146º, alínea n) e 147º, nº 2 do Código da Estrada.

No caso concreto, como vimos, a contra-ordenação cometida pelo arguido é classificada de muito grave pelo artº 146º, alínea n) do Código Estrada.

Todavia, a possibilidade de suspender a sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor apenas se encontra legalmente prevista para as contra-

ordenações graves, não sendo aplicável às contra-ordenações muito graves – cfr. artº 141º do Código da Estrada.

Quanto às contra-ordenações muito graves, a lei prevê apenas a atenuação especial da sanção acessória, caso o infractor não tenha praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contra-ordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima, atenuação com redução para metade no que concerne aos limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para a contra-ordenação muito grave, conforme o disposto no artº 140º do Código da Estrada.

Ora, compulsados os autos, mormente o teor da decisão recorrida, constata-se que a autoridade administrativa procedeu à atenuação especial da sanção acessória, tendo para o efeito, ponderado os elementos determinantes da medida de sanção constantes do artº 139º do Código da Estrada, a saber e com interesse para os autos: nomeadamente, o facto do arguido, ora recorrente, ter atuado com negligência, não ter averbado no seu registo individual de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a que acresce a circunstância de ter efectuado o pagamento da coima.

Além disso, verifica-se ainda que a autoridade administrativa aplicou ao arguido a sanção acessória pelo limite mínimo, com a referida atenuação especial, no caso, 30 dias.

Por conseguinte, por impossibilidade legal, não se procederá à suspensão da sanção acessória aplicada ao arguido, não sendo por isso passível de ser condicionada à prestação de caução de boa conduta, pelo que nenhuma censura merece a decisão administrativa recorrida também quanto a esta questão.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, manter a execução da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias aplicada ao recorrente pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, devendo o recorrente entregar o seu título de condução, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, após o trânsito em julgado desta decisão, na entidade competente, nos termos do art. 160º, nº 3 do Código da Estrada, sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência.

Custas do processo pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.

Comunique à ANSR, após trânsito.

Notifique e deposite.

(…)”.


*

            Com relevo, dos autos colhem-se ainda os seguintes elementos:

            i) A decisão de 17 de Junho de 2015 da ANSR foi notificada ao recorrente por carta registada com aviso de recepção, mostrando-se o aviso assinado por terceiro, em 24 de Julho de 2015, considerando-se feita ao recorrente no dia 29 do mesmo mês (art. 176º, nº 8 do C. da Estrada) [fls. 9];

            ii) O recurso de impugnação judicial foi interposto em 10 de Agosto de 2015 [fls. 17] e deu entrada na ANSR em 11 de Agosto de 2015 [fls. 10];

iii) Em 12 de Junho de 2017 a ANSR, nos termos do disposto no art. 62º, nºs 1 e 2 do RGCOC, considerando não existir motivo para revogar a decisão, determinou a remessa dos autos ao Ministério Público [fls. 18];  

iv) Os autos deram entrada nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova, em 18 de Agosto de 2017 [fls. 2] e foram apresentados pela Digna Magistrada do Ministério Público em juízo, em 1 de Setembro de 2017 [fls. 1];

v) Os autos foram conclusos ao Mmo. Juiz a quo em 11 de Setembro de 2017 que, na mesma data, proferiu despacho, saneando tabelarmente o processo, recebendo o recurso de impugnação judicial e determinando a notificação do recorrente para os efeitos previstos no nº 2 do art. 64º do RGCOC, com a expressa menção de, nada dizendo, se considerar aceite a decisão por mero despacho [fls. 22];

vi) O despacho referido em v) foi notificado ao recorrente por via postal, com prova de recepção, estando assinado o respectivo aviso, pelo destinatário, em 18 de Setembro de 2017 [fls. 24].


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            Da prescrição do procedimento por contra-ordenação

            1. Alega o recorrente – conclusões b) a d) – que nos termos do art. 188º do C. da Estrada o procedimento por contra-ordenação rodoviária se extingue por prescrição logo que sobre a prática da infracção tenham decorrido dois anos pelo que, tendo a contra-ordenação que lhe é imputada ocorrido no dia 27 de Janeiro de 2015, já decorreu este prazo, acrescendo que, mesmo aceitando a tese da contagem do prazo máximo de suspensão de seis meses, a prescrição ocorreu em 27 de Julho de 2017, questão esta que deveria ter sido conhecida pelo tribunal recorrido.

            Contrária é, como se disse, a posição do Ministério Público para quem a prescrição só ocorrerá em 27 de Julho de 2018.

            Vejamos.

            Nos autos foi imputada ao recorrente a prática, em 27 de Janeiro de 2015, de uma contra-ordenação rodoviária muito grave, p. e p. pelos arts. arts. 21º e 23º, a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 138º e 146º, n) do C. da Estrada.             

            Estabelece o art. 188º do C. da Estrada, no seu nº 1, que o procedimento por contra-ordenação rodoviária se extingue, por efeito da prescrição, logo que, sobre a sua prática tenham decorrido dois anos.

            Dispõe o art. 28º do RGCOC, com a epígrafe «Interrupção da prescrição», na parte em que agora releva:

            1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

 a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para o exercício da do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; 

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

(…).

3 – A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.       

            Por sua vez, dispõe o art. 27º-A do mesmo regulamento, com a epígrafe «Suspensão da prescrição»:

            1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

            a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

            b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40º; 

            c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima até à decisão final do recurso.

            2 – Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

            Como é sabido, o que distingue os efeitos da interrupção da prescrição dos efeitos da suspensão da prescrição é que, no primeiro caso, iniciando-se o prazo com a prática da infracção, ocorrendo uma causa de interrupção, o prazo até aí decorrido fica inutilizado, começando então a correr um novo prazo, enquanto no segundo caso, ocorrendo uma causa de suspensão, o prazo que estava em curso não fica inutilizado, apenas deixa de correr durante o período fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo legalmente previsto, voltando a partir daí a correr.

             Dito isto.

            O termo a quo do prazo de prescrição do procedimento é, portanto, a data da prática do facto que constitui a contra-ordenação. No nosso caso, 27 de Janeiro de 2015.

            Sendo de dois anos o prazo normal de prescrição do procedimento por contra-ordenação rodoviária (art. 188º, nº 1 do C. da Estrada), este prazo terminaria, in casu, em 27 de Janeiro de 2017.

            Acontece que em 17 de Junho de 2015 a ANSR proferiu a decisão administrativa impugnada o que, nos termos do disposto no art. 28º, nº 1, d) do RGCOC, interrompeu o prazo de prescrição em curso [iniciado em 27 de Janeiro de 2015], começando a contar um novo prazo. Porém, em 29 de Julho de 2015 a decisão administrativa da ANSR foi notificada ao recorrente o que, nos termos do disposto no art. 28º, nº 1, a) do RGCOC, interrompeu o prazo de prescrição em curso [iniciado em 17 de Junho de 2015], começando a contar um novo prazo de prescrição.

            Sucede que, a partir de 29 de Julho de 2015 e até 29 de Julho de 2017, não ocorreu qualquer nova causa interruptiva da prescrição. Com efeito, após a notificação ao recorrente da decisão administrativa, este interpôs recurso de impugnação judicial junto da ANSR em 10 de Agosto de 2015 e a autoridade administrativa só em 18 de Agosto de 2017 fez chegar os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova que, por sua vez, os apresentou em juízo em 1 de Setembro de 2017, vindo o Mmo. Juiz a quo a proferir despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso, em 11 de Setembro de 2017, despacho que veio a ser notificado ao recorrente 18 de Setembro de 2017.

Ora, esta última notificação teria efeito interruptivo (art. 28º, nº 1, a) do RGCOC) e efeito suspensivo (art. 27º-A, nº 1, c) do RGCOC) da prescrição, não fora a circunstância de já em 29 de Julho de 2017 e portanto, bem antes de 18 de Setembro de 2017, se ter esgotado o prazo norma de prescrição de dois anos [iniciado em 29 de Julho de 2015]. 

E sendo assim, como cremos que é, são inaplicáveis à situação sub judice, quer a causa de suspensão da prescrição prevista no citado art. 27º-A, nº 1, c) do RGCOC, quer a norma do nº 3 do art. 28º do RGCOC [que, estabelecendo um limite ao número de interrupções do prazo de prescrição a fim de impedir a eternização da viabilidade do procedimento contra-ordenacional, impõe a prescrição do procedimento sempre que, desde o seu início, e com ressalva da suspensão, tenha decorrido o prazo normal, acrescido de metade], invocadas pelo Ministério Público.

Em suma, tendo a contra-ordenação rodoviária sido praticada em 27 de Janeiro de 2015, tendo a decisão administrativa sido proferida em 17 de Junho de 2015 e notificada ao recorrente em 29 de Julho de 2015, tendo este impugnado judicialmente a decisão administrativa em 10 de Agosto de 2015, e tendo a autoridade administrativa remetido os autos ao Ministério Público em 18 de Agosto de 2017, em 29 de Julho de 2017 esgotou-se o prazo normal de prescrição de dois anos previsto no art. 188º, nº 1 do C. da Estrada pelo que, quando foi notificado ao recorrente, em 18 de Setembro de 2017, o despacho judicial que procedeu ao exame preliminar do recurso de impugnação, já se encontrava extinto, por prescrição, o procedimento por contra-ordenação.


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            Da nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia

            2. A prescrição do procedimento contra-ordenacional torna ociosa a discussão sobre a omissão de pronúncia suscitada pelo recorrente.

Em todo o caso, sucintamente, sempre diremos por que não lhe assiste razão.

Admitindo que o regime de nulidades previsto no art. 379º do C. Processo Penal deve considerar-se aplicável às decisões do juiz que, sendo formalmente despachos, são substancialmente, sentenças, e considerando que a omissão de pronúncia deve ter por objecto questão relevante para a decisão, certo é que, saber se o título de condução é ou não necessário para que um médico exerça a sua actividade profissional, é indiferente, quando as pretensões jurídicas do recorrente não são legalmente possível, quer porque a admoestação é insusceptível de ser aplicada em contra-ordenações rodoviárias muito graves precisamente porque é seu pressuposto de aplicação, a reduzida gravidade da infracção (art. 51º, nº 1 do RGCOC), quer porque o art. 138º, nº 1 do C. da Estrada impõe a aplicação da inibição de conduzir ao autor de contra-ordenação rodoviária grave e muito grave, quer porque o art. 141º, nº 1 do C. da Estrada só admite a suspensão da execução da sanção acessória nas contra-ordenações graves quer, porque, a medida da inibição de conduzir aplicada na decisão administrativa impugnada, corresponde ao mínimo legal depois de efectuada a atenuação especial (arts. 140º e 147º, nº 2 do C. da Estrada).


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido e declaram extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional que nos autos era exercido contra o arguido.


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Recurso sem tributação (arts. 92º, nº 1 do RGCOC e 513º, nº 1 do C. Processo Penal)

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Coimbra, 21 de Fevereiro de 2018


Heitor Vasques Osório (relator)


Helena Bolieiro (adjunta)