Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL PRESSUPOSTOS QUEIXA CRIME DIREITO À HONRA OU AO BOM NOME | ||
Data do Acordão: | 05/16/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 70º E 483º DO C. CIV. | ||
Sumário: | I – O direito à honra ou ao bom nome é um direito fundamental, devidamente protegido no artº 70º, nº 1, do C. Civ., sendo aplicável à responsabilidade civil por ofensas à personalidade física ou moral, em termos gerais, os artºs 483º e segs. do C. Civ. . II – São pressupostos do direito da responsabilidade civil extracontratual ou delitual, o facto ilícito ligado ao agente por nexo de imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto . III – A mera violação do direito ao bom nome de alguém, na medida em que este direito se impõe a todas as pessoas, contém já em si a antijuricidade do comportamento do agente, sendo necessariamente ilícito, salvo se tal ilicitude estiver afastada por qualquer causa justificativa . IV – Não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito (causa de exclusão de carácter geral), pelo que, sendo o direito de denúncia ou de acusação particular, com vista à instauração de procedimento criminal, uma concretização do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, o exercício desse direito não deve gerar responsabilidade, a menos que ocorra abuso de direito, pois nesta situação já o acto não é justificado . V – O direito de queixa, desde que legitimamente exercido, constitui causa de exclusão da ilicitude, o que basta para afastar uma indemnização de natureza civil . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO A Autora – A... –instaurou, na Comarca de Aveiro, acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a Ré – B.... Alegando, em resumo, que a Ré deduziu acusação particular em processo crime imputando à Autora factos que sabia serem falsos, com o propósito de a humilhar e atentar contra o seu bom nome, causando-lhe danos não patrimoniais, pediu a condenação a pagar-lhe a quantia de 10.000,00 euros. Contestou a Ré, defendendo-se, em síntese, que ao fazer a denúncia criminal actuou no exercício de um direito, devendo a acção ser julgada improcedente. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância. Realizado julgamento, seguiu-se sentença a julgar improcedente a acção, absolvendo a Ré do pedido. Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as conclusões que se passam a resumir: 1º) - A presente acção visa a defesa do direito de personalidade (direito ao bom nome), garantido constitucionalmente, já que a Ré imputou factos incriminadores através da queixa crime, causando-lhe danos à sua saúde. 2º) – A sentença recorrida reconheceu que a imputação feita na queixa crime configura um facto capaz de prejudicar o seu bom nome. 3º) – O facto de ter sido apresentada queixa contra a recorrente imputando-lhe a prática de factos altamente desonrosos que não se vieram a provar, é suficiente para lesar o seu bom nome e consideração social. 4º) – Poderia alegar-se que a recorrida apenas exerceu o seu direito de queixa, recorrendo ao tribunal para o exercício desse direito, mas este uso não pode ser abusivo, nem exceder os limites impostos pela boa fé. 5º) – A recorrida tinha ao seu dispor formas de agir que, garantindo o seu direito ao sossego, não ofendiam no seu direito ao bom nome. 6º) – A recorrida não tinha qualquer motivo para crer que as mensagens fossem remetidas pela recorrente, pelo que devia ter adoptado atitude mais cautelosa. 7º) – Sucede que a recorrida, com a apresentação da queixa crime, actuou com o único propósito de magoar, humilhar e difamar a recorrente mediante a sujeição desta a um processo crime sempre estigmatizado negativamente pela comunidade. 8º) – Tal objectivo encontra-se expresso nos factos provados da sentença, ao afirmar que a Ré desistiu da queixa crime “ por estar convicta que a autora e Ana Paula haviam recebido uma lição, tendo ambas arrepiado caminho “. 9º) – Contrariamente ao afirmado na sentença, é irrelevante para a pretensão da Autora a prova de que a recorrida não recebeu as mensagens em apreço, pois o que se discute é se a imputação de factos realizada pela Ré lhe causou danos, o que resulta evidente da matéria de facto provada. 10º) – Estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, devendo a recorrente ser indemnizada na quantia de 10.000,00 euros, porquanto se apurou na sentença que a imputação de factos causada pela queixa crime da recorrida foi apta a lesá-la no seu bom nome, consideração e saúde. 11º) – A sentença recorrida violou o art.26 da CRP e arts.70, 342, 483 e 494 do CC. Não foram apresentadas contra-alegações. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - Os factos provados: 1) - A Ré, na qualidade de assistente, deduziu acusação particular contra a Autora, então arguida, nos seguintes termos: A arguida passou a enviar para o telemóvel da assistente as seguintes mensagens: a) – No final do mês de Maio de 2001, antes do filho nascer, "É bom que saibas que estás fodida, basta de foderes os outros, nem o que trazes na barriga te faz pensar, tens os dias contados"; b) – No mês de Junho, mês do nascimento do bebé – “"Fica sabendo que aquele que dizes que é o pai do teu filho não te quer ver mais, tem nojo de ti, ele anda se encontrando com uma pessoa maravilhosa, que sabes"; c) – No mês de Julho – “ És tão puta, como podes fazer isso? Vais pagar bem caro, só tenho pena do bebé; vê lá se paras senão vais arrepender-te, olha que não te aviso mais, grande vaca"; d) – Em 16 de Outubro, pelas 23:18:10 – “puta rota só é pena que haja criança envolvida nesta guerra e pagar pela merda que a mãe faz, porque só pensas em destruir mas a destruição cairá sobre ti"; e) – Em 21 de Outubro, pelas 11:10:29 - “estragaste a vida de várias famílias mas a tua nunca mais irá ter sossego, lésbica, nem vibradores de duas pontas te chegam, já nem com anúncios no jornal porno" ( A/ e r.q.1º ). 2) - Em virtude dos factos aludidos no quesito 1.º a autora socorreu-se de tratamento e acompanhamento médicos ( r.q.4º ) 3) - A autora sentiu vergonha quando foi inquirida no âmbito da aludida apresentação de queixa crime ( r.q.7.º) 4) - À data dos factos - 2001 - a ré estava grávida e vivia uma situação de conflito com o pai do filho ( r.q. 8.º ). 5) - - E estava incompatibilizada com a autora e com Ana Paula ( r.q.9º) . 6) - A autora e a Ana Paula tinham sido amigas da ré ( r.q.10º) 7) - As relações sociais, afectivas e de amizade existente entre autora, ré e Ana Paula começaram a degradar-se quando a ré ficou grávida ( r.q.11º ). 8) - Após a quebra das relações de amizade existente entre as três amigas, a ré começou a receber mensagens de conteúdo não apurado mas que a incomodaram emocionalmente ( r.q.12.º). 9) - A ré encontrava-se fragilizada face ao rompimento da sua relação com pai do seu filho e ainda, com perda da amizade das duas amigas ( autora e Ana Paula) ( r.q.13º ). 10) - Por essa altura a ré começou a receber as aludidas mensagens ( r.q.14º ). 11) - Por essa altura a ré andou emocionalmente perturbada e deprimida, chorando com frequência ( r.q. 15.º). 12) - A ré acreditava que as mensagens eram enviadas pela autora e pela Ana Pauta em virtude da quebra da amizade entre o grupo - ré, autora e Ana Paula - ter sido conflituosa ( r.q.16.º). 13) - A partir do momento da denúncia ao Ministério Público de Aveiro e após a tomada de declarações por parte da autora e da Ana Paula cessou o envio das ditas mensagens para o telemóvel da ré ( r.q.17.º). 14) - A Ré, mediante requerimento apresentado na secretaria, desistiu da queixa, bem como do pedido de indemnização cível formulado ( B/). 15) - A ré desistiu do processo crime pelo facto das mensagens terem cessado ( r.q.18º). 16) - E por estar convicta que autora e Ana Paula "haviam recebido uma lição, tendo ambas arrepiado caminho” ( r.q.19º). 17) - As mensagens foram enviadas em dias em que a ré estava no hospital para parir o filho ( r.q.20º) . 18) - A ré teve problemas com a gravidez também por virtude do seu referido estado de espírito ( r.q.22º ). 2.2. – De Direito: A questão submetida a recurso, cujo objecto é delimitado pelas respectivas conclusões, contende com os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual ( art.483 do CC ), designadamente quanto a saber se a Ré, com a apresentação da queixa crime contra a aqui Autora, violou o seu direito fundamental ao bom nome. A sentença recorrida, não obstante considerar que a imputação nela formulada é susceptível de atentar contra o bom nome da Autora ( então arguida ), desatendeu a pretensão indemnizatória com base em dois fundamentos: a) - A Ré, agiu no exercício legítimo do direito de denúncia dos crimes de injúrias ( arts.181 e 182 do CP ) e de ameaças ( art.153 do CP ), configurando uma causa de exclusão da ilicitude; b) – Não ficou provado que a Ré ( queixosa ) não houvesse recebido as mensagens injuriosas, designadamente por parte da Autora. Em contrapartida, objecta a apelante que o direito de denúncia se mostra abusivo, visto ter agido com o propósito de prejudicar deliberadamente a Autora e, por outro lado, é irrelevante a prova de que a Ré não recebeu as mensagens. Antes da análise de cada um dos argumentos, vejamos o quadro geral em que se insere a pretensão da Autora. O direito à honra ou ao bom nome é erigido como direito fundamental ( art.26 nº1 CRP, art.12 da DUDH ), salientando ADRIANO DE CUPIS que a honra é “ a dignidade pessoal reflectida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa “, e sendo pressuposto da sua personalidade é um “ direito inato “ ( Direitos de Personalidade, 1961, pág.112 ). No mesmo sentido, CAPELO DE SOUSA, para quem “ a honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção de valores de dignidade humana que é inata, ofertada pela Natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem, em qualquer circunstância (…). Em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político “ ( O Direito Geral de Personalidade, 1995, pág.303 ). Sobre a tutela geral da personalidade, dispõe o art. 70 nº1 do CC que a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.2) Condenar a apelante nas custas.+++ Coimbra, 16 de Maio de 2006. |