Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
73/13.6TBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
CULPA
PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 27.º DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: 1. O facto de um condutor incorrer em contra-ordenação no momento em que intervém num acidente não o responsabiliza necessária e automaticamente pela produção do mesmo, mas apenas quando, perante dinâmica do acidente, se concluir que o comportamento contravencional correspondeu a uma das condutas possíveis de causarem acidentes do tipo que a lei quis prevenir e evitar ao tipificá-las como infracção e se, em termos de adequação, considerando o desenvolvimento do processo que conduziu ao dano e em face das regras da experiência comum, modificou o “círculo de riscos” da verificação do dano, fazendo acrescer a possibilidade objectiva de produção do resultado verificado.

2. A privação do uso do veículo, traduzindo a perda da sua utilidade, traduz-se num dano autónomo, com valor pecuniário, a calcular ou com base nas despesas feitas pela ocorrência da dita privação ou pelo dano decorrente pela mera perda da disponibilidade da viatura.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

“A..., L.da” sociedade por quotas com sede na Rua (...), Carregal do Sal e B... , residente na Rua (...) , Tábua, intentaram a presente acção comum declarativa sob a forma de processo sumário contra a Companhia de Seguros C..., S.A., com sede no (...) em Lisboa, peticionando a condenação da ré no pagamento da quantia de € 25.534,00, acrescida de juros de mora legais a contar da citação até efectivo e integral pagamento, sendo € 44,00 pela obtenção da participação do acidente de viação, € 23.790,00 pela perda do veículo, € 1.200,00 pela paralisação do veículo e € 500,00 por danos não patrimoniais.

Para tanto alegaram, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo do qual a autora era mutuária e um tractor, segurado na ré.

Ao circular na EN 234, no sentido Carregal do Sal/Santa Comba Dão, o veículo Passat, numa recta, decidiu ultrapassar o tractor que seguia no mesmo sentido e quando se encontrava já ao seu lado, este guinou para a esquerda sem que nada o fizesse prever, pretendendo cortar para um caminho florestal que se encontrava à esquerda, o que provou que o tractor embatesse com a roda esquerda da frente na roda direita da frente do CH. Nessa sequência, o veículo Passat entra em despiste e capota, vindo a imobilizar-se na hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha.

Do acidente resultaram diversos danos para os autores, cujo ressarcimento aqui vêm peticionados e já supra identificados.

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A ré contestou, impugnando os factos alegados e dando a sua versão do acidente de viação, nomeadamente que a condutora do veículo Passat seguia a uma velocidade superior a 90 Km/h e que decidiu ultrapassar o tractor antes do entroncamento que ali existe para o caminho das Carreirinhas e que o condutor do tractor seguia atento ao trânsito e ao chegar próximo do entroncamento acionou o sinal de pisca, olhou à rectaguarda e não tendo avistado qualquer veículo decidiu virar para efectuar a manobra. Termina, pois, declinando qualquer responsabilidade do acidente no veículo por segurado pugnando, assim, pela improcedência da acção.

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A autora respondeu, concluindo nos termos da petição inicial.



            Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, de que reclamou a autora, reclamação, esta, que veio a ser parcialmente deferida, cf. despacho de fl.s 114 e 115.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, após o que foi proferida a sentença de fl.s 139 a 153, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto e nos termos dos artigos e das disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente a presente acção, pelo que condeno a ré C... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora A..., Lda. a quantia de € 24.434,00 (vinte e quatro mil, quatrocentos e trinta e quatro euros).

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Custas por autores e ré na proporção do seu decaimento.”.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré C..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 232), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1ª - Não se conforma, nem se aceita a Douta Sentença sob recurso, porque entende a Recorrente, com todo o respeito pela opinião contrária, que face à prova produzida em sede de Audiência de Julgamento e a existente nos autos, o Tribunal “ a quo” fez uma errada apreciação quer da prova quer do direito aplicável.

2ª - Atentos os depoimentos das testemunhas, D... e E... (gravados em CD com o número 20131011172605_50042_65085 – ao n.º16:43:18 e n.º 15:07:41 respectivamente na sessão de 11-10-2013), deveria o Tribunal ter dado como não provada a matéria constante dos quesitos 6º,10º, 12.º.

3.ª - O condutor do veículo CQ, segurado na Apelante, mediante depoimento coerente, sem contradições e sem hesitações, demonstrou ter cumprido com as normas estradais.

4.ª - O mesmo descreveu com exactidão o percurso que realizou desde que saiu de casa até ao momento do sinistro (conforme depoimento prestadas pelo condutor do veículo CQ gravado em CD com o número 20131011172605_50042_65085, de 11/10/2013 às 16:43:18).

5.ª - Decorre do seu depoimento que tomou todas as precauções exigidas para a realização da manobra de mudança de direcção, tendo para tal, a 40 metros do local onde pretendia efectuar a manobra de mudança de direcção, olhado para trás, não vislumbrando nenhum veículo; ligou o pisca da esquerda; aproximou-se do eixo da via; abrandou quando chegou ao local onde pretendia efectuar a manobra de mudança de direcção; olhou novamente para a frente e não vislumbrou nenhum veículo; voltou a olhar para trás não vislumbrando nenhum veículo; com o pisca da esquerda ligado deu inicio à manobra de mudança de direcção, sendo surpreendido, já junto ao Caminho das Carreirinhas, pelo veículo CH que nele embate violentamente.

6.ª - A sua descrição do acidente é consentânea com o croquis elaborado pela GNR (cfr. com DOC. 1 junto à Petição Inicial) e com os vestígios encontrados no local do acidente (cfr. com DOCs. 5 e 6 juntos à PI).

7.ª - O condutor do veículo CQ revelou não ter tido qualquer culpa no eclodir do acidente, tanto assim foi que a Seguradora do veículo CH, Lusitânia, ressarciu-o, na totalidade, dos danos que lhe foram causados por aquele.

8.ª - Por sua vez, a condutora do veículo CH, respondeu de forma exaltada e com hesitação às perguntas que lhe foram colocadas.

9.ª - O acidente ocorreu em estrada nacional onde o limite máximo de velocidade permitido por lei é de 90 Km/h.

10.ª - Da prova produzida resulta que a condutora conduzia em excesso de velocidade, a uma velocidade entre os 100 e 120 Km/h, conforme facto dado como provado no ponto 34 da douta sentença do Tribunal “a quo”.

11.ª - Mais, confessou-se infractora assídua dos limites de velocidade legalmente impostos, pelo menos no concerne à velocidade praticada no local do acidente (conforme gravação em CD com o número 20131011172605_50042_65085, de 11/10/2013 às 15:07:41).

12.ª - Foi dado como provado que a condutora do veículo CH não só conhecia bem a estrada como sabia da existência de um entroncamento naquele local, confessando até que já tinha parado no largo de acesso ao caminho público junto ao local do sinistro (conforme gravação em CD com o número 20131011172605_50042_65085, de 11/10/2013 às 15:07:41).

13.ª - Aproximando-se do entroncamento em vez de moderar a velocidade, aumentou-a, contrariando as normas estradais no tocante à velocidade a adequar na aproximação de entroncamentos.

14.ª - Tendo plena consciência que circulava em velocidade superior à permitida no local, confessadamente a 120 Km/hora, bem como, que a sua conduta não era permitida por lei e que a mesma era susceptível de a fazer incorrer numa contra-ordenação.

15.ª – Tal comportamento constitui uma violação das normas do Código da Estrada, mormente do art. 27.º e da alínea h), do n.º 1 do art. 25.º, ambos a propósito da velocidade a praticar no local do acidente e, viola ainda, a alínea c) do n.º 1 do art. 41.º, a propósito da proibição de efectuar manobras de ultrapassagem junto a entroncamentos.

16.ª - Foi, na sua conduta temerária que radicou o nexo causal do acidente, pois caso tivesse cumprido as regras estradais ter-se-ia evitado o sinistro.

17.ª - O condutor do veículo CQ não tinha qualquer interesse no desfecho da acção pois, o mesmo já tinha sido indemnizado, na totalidade, pela Seguradora do veículo CQ.

18.ª - Por sua vez a condutora do veículo CH, sendo sócia da Sociedade A... e esposa do seu sócio gerente, Autores nos autos, tinha interesse no desfecho da acção (conforme gravação em CD com o número 20131011172605_50042_65085, de 11/10/2013 às 15:07:41).

19.ª - Ao abrigo do princípio da confiança, não era exigível ao condutor do veículo CQ, esperar que os demais condutores fossem infractores das normas estradais, nomeadamente que os mesmos conduzissem excedendo as velocidades legalmente estabelecidas e efectuassem manobras de ultrapassagem em entroncamentos, tal como o fez a condutora do veículo CH.

20.ª - Tendo a condutora do veículo CH violado as normas estradais, existe uma presunção de culpa na produção do acidente, tal como se pode extrair do acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 01/02/2002 “A inobservância de leis e regulamentos e, particularmente, o desrespeito de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses, como são as regras estradais tipificadoras de infracção de trânsito rodoviário, faz presumir a culpa dos danos daí decorrentes, bem como a existência de nexo de causalidade”.

21.ª - Os Autores não lograram ilidir tal presunção de culpa, nem tão pouco lograram provar que a conduta da condutora do veículo CH, violadora das normais estradais, não foi causal do acidente.

22.ª - Face ao exposto, deverão ser dados como não provados os quesitos 6.º, 10.º e 12.º e, por sua vez, e em consonância com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, deverão ser dados como provados os quesitos, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º e 29.º.

23.ª - Sem conceder, o que se equaciona por mera hipótese, caso se considere que o condutor do veículo CQ não cumpriu as regras estradais, sempre se considerará que a condutora do veículo CH foi co-responsável pela produção do acidente, tendo em conta a velocidade de que animava o seu veículo e demais circunstâncias atrás referidas.

24.ª - Resulta das declarações da Condutora do veículo CH, E... (gravado em CD – 20131011164316_50042_65085, de 11/10/2013 ao n.º 15:07:41 na sessão de 11-10-2013) que o veículo se destinava ao seu uso pessoal, e, que apenas esporadicamente, seria usado pela autora, como tal, considera a apelante, que foram indevidamente dado como provado o quesito 40.º.

25.ª - Os autores não lograram fazer prova de quaisquer danos emergentes da privação da alegada imobilização e privação do veículo, tal como referido na motivação da douta decisão do Tribunal “a quo”, nem tão pouco logrou provar quais as funções do veículo no âmbito da sua actividade comercial.

26.ª - Destinando-se o veículo para a fruição pessoal da condutora, E..., sem poderes de gestão na Sociedade Autora, não poderia o tribunal “a quo”, mediante um juízo de equidade, atribuir qualquer montante indemnizatório à Sociedade Autora a título de paralisação do veículo, aliás, tal resulta da sentença pois são dados como não provados os quesitos 42.º e 43.º; neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra, 86/10.0T2SVV.C1 de 06/03/2012 “Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstracto da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade”.

27.ª - Tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento, considera a apelante, que deverá ser dado como não provado o quesito 40.º.

28.ª - Não podendo ser atribuído à Autora qualquer montante indemnizatório a título de danos pela paralisação e privação do veículo, deverá, a Apelante, ser absolvida de tal pedido.

29.ª - O valor atribuído ao veículo da Autora, foi baseado numa mera factura “proforma” (junta como DOC. 12 da PI) e no respectivo depoimento do seu subscritor, o que constitui, salvo melhor opinião, prova menos consistente e idónea do que aquela apresentada pela Apelante (nomeadamente o DOC. 6 junto à Contestação).

30.ª - O valor do veículo apurado pela Apelante, com recurso a peritos certificados, para além da consulta de revistas da especialidade funda-se, igualmente, na tabela Eurotax elaborada pelo Instituto de Seguros de Portugal, entendendo a apelante, que o “tribunal a quo”, julgou mal, ao dar como provado o quesito 35.º.

31.ª - Pelo que o valor do veículo devia ter sido fixado em consonância com o valor indicado pela Apelante, que atribuiu ao veículo o valor venal de 19.935,00 € e ao salvado o valor de 3.210,00 €, traduzindo-se, assim, o prejuízo da Recorrida em 16.725,00 €.

32.ª – Deve, pois, ser revogada a Sentença sob recurso e decidir-se pela improcedência da mesma, absolvendo a Apelante do pedido, tudo com as devidas consequências legais.

Termina, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva a recorrente do pedido.

            Contra-alegando, os autores pugnam pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada e ter sido correctamente aplicada a lei, atenta a factualidade apurada, designadamente que deve atribuir-se, exclusivamente, a culpa na produção do acidente ao condutor do veículo seguro e manter-se a indemnização fixada em 1.ª instância.

           

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 6.º, 10.º, 12.º, 23.º a 27.º, 29.º, 35.º e 40.º da base instrutória;

B. Culpabilidade na produção do acidente;

            C. Indemnização pela paralisação e privação do uso do veículo da autora e;

D. Valor a atribuir ao veículo da autora.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. No dia 18 de Abril de 2011, pelas 11h05, na Estrada Nacional 234, ao Km 69, Currelos, concelho de Carregal do Sal, ocorreu uma colisão entre as seguintes viaturas: veículo ligeiro de passageiros, marca Volkswagen , modelo Passat, de matrícula CH e o tractor, de marca Ford, modelo 1720, com a matrícula CQ (facto assente A)).

2. A autora A... é legítima detentora do veículo ligeiro de passageiros (doravante designado por CH) – mutuária – competindo-lhe a manutenção e conservação do veículo (facto assente B)).

3. No momento do sinistro o veículo CH era conduzido por E... e o tractor agrícola (doravante designado por CQ) era conduzido por D... (facto assente C)).

4. O veículo CQ é pertença de F... (facto assente D)).

5. O veículo CH circulava na EN 234, no sentido Carregal do Sal – Santa Comba Dão (facto assente E)).

6. Esta via, no local do sinistro, tem duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido de marcha (facto assente F)).

7. Cada um dos sentidos de marcha está dividido por linha longitudinal descontínua (facto assente G)).

8. A via desenvolve-se em recta (facto assente H)

9. O autor B... despendeu a quantia de € 44,00 para a obtenção da participação do acidente de viação (facto assente I)).

10. Dos danos sofridos pelo veículo CH, na sequência do embate, foi orçamentada a sua reparação em € 21.153,54 (facto assente J))

11. A ré concluiu que, em face do valor do veículo, a sua reparação era economicamente inviável (facto assente K))

12. A ré atribuiu ao veículo CH o valor venal de € 19.935,00 e ao salvado o valor de € 3.210,00 (facto assente L))

13. O veículo CH constituía a viatura de representação da autora A..., sendo utilizada tanto pelo seu sócio gerente como nas deslocações de funcionários em grupo quer para as lojas de Carregal do Sal e Tábua, quer nas deslocações a clientes em toda a região Norte do País (facto assente M))

14. Era também a viatura usada nas deslocações ocasionais a fornecedores, feiras e formações (facto assente N))

15. O veículo 65-80-CQ tinha, na altura do acidente, a responsabilidade civil por acidentes de viação ocorridos com o mesmo transferida para a ré, pela apólice n.º 606613737 (facto assente O))

16. O embate deu-se a meio da hemi-faixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de marcha dos veículos (facto assente P))

17. Por força do embate, o veículo CQ ficou sem a roda da frente esquerda (facto assente Q))

18. E o veículo CH sem a roda da frente direita (facto assente R))

19. A via onde ocorreu o sinistro é ladeada de mato (resposta ao quesito 2º)

20. A condutora do CH seguia pela hemi-faixa de rodagem da direita (resposta ao quesito 3º)

21. Decidiu então ultrapassar o veículo CQ que seguia à sua frente (resposta ao quesito 5º)

22. Para tal, a condutora do CH acionou o sinal de pisca da esquerda (resposta ao quesito 6º);

23. E verificou que não vinha nenhum carro em sentido contrário (resposta ao quesito 7º)

24. E que não estava ela própria a ser ultrapassada (resposta ao quesito 8º)

25. Após, a condutora do CH passou a circular pela hemi-faixa de rodagem da esquerda, atento o seu sentido de marcha (resposta ao quesito 9º)

26. Quando o veículo CH estava a par do veículo CQ este guinou, subitamente, para a esquerda (resposta ao quesito 10º)

27. Pretendendo mudar de direcção para o caminho da Carreirinha (resposta ao quesito 11º)

28. Sem ter, previamente, assinalado a manobra com o sinal luminoso de pisca esquerdo (resposta ao quesito 12º)

29. O veículo CQ veio embater com a sua roda esquerda da frente na roda direita da frente do veículo CH (resposta ao quesito 13º)

30. Nessa sequência, o CH entrou em despiste, capotou e imobilizou-se na hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha (resposta ao quesito 17º)

31. No local e no sentido em que seguiam os veículos inexiste sinal indicador de aproximação de entroncamento (resposta ao quesito 18º)

32. O caminho da Carreirinha é em terra batida (resposta ao quesito 20º)

33. Antes do local do sinistro e no sentido em que seguiam os veículos existe sinal de fim da proibição de ultrapassagem (resposta ao quesito 21º)

34. A uma velocidade entre os 100 e os 120 Km/h (resposta explicativa ao quesito 28º)

35. O veículo CH imobilizou-se a 140m do local (resposta ao quesito 30º)

36. O veículo CQ era avistável a uma distância de 150/200m no sentido que trazia o CH (resposta ao quesito 31º)

37. O caminho da Carreirinha, na parte que desemboca com a EN 234 tem um sinal vertical STOP (resposta ao quesito 32º)

38. Na zona da embocadura existe um largo que permite identificar a existência de entroncamento (resposta ao quesito 33º)

39. À data do sinistro o veículo CH tinha um valor de mercado de e 27.000,00 (resposta ao quesito 35º)

40. Tratava-se de uma versão High Line (resposta ao quesito 36º)

41. A autora A... não dispunha, à data, de meios económicos para substituir o veículo CH (resposta ao quesito 37º)

42. Foi o autor B... que adquiriu um veículo para substituição do CH em 30.4.2011 (resposta ao quesito 38º)

43. Desde a data do sinistro até ao dia 30.4.2011 a autora A... esteve privada de um veículo com as características do CH (resposta ao quesito 39º)

44. O veículo CH era utilizado diariamente pela autora A... (resposta ao quesito 40º)

45. Era a única viatura de 5 lugares que a autora A... dispunha (resposta ao quesito 41º)

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Resultaram não provados os seguintes factos:

- O veículo CQ era conduzido por conta, no interesse e sob as ordens de F... (quesito 1º);

- A uma velocidade inferior a 90 Km/h (quesito 4º);

- O caminho da Carreirinha era imperceptível dada a vegetação que ladeia a estrada (resposta ao quesito 19º);

- O tractor CQ seguia na hemi-faixa de rodagem direita a uma velocidade inferior a 20 Km/h (resposta ao quesito 22º)

- Ao aproximar-se do entroncamento que dá acesso ao caminho da Carreirinha, reduziu a velocidade para cerca de 4/5Km/h (resposta ao quesito 23º)

- Olhou para a sua retaguarda e não vislumbrou qualquer viatura (resposta ao quesito 24º)

- Em sentido contrário também não circulava qualquer outro veículo (resposta ao quesito 25º)

- Accionou o sinal de pisca esquerdo e virou para a esquerda (resposta ao quesito 26º)

- Quando já se encontrava em plena hemi-faixa de rodagem e na perpendicular à EN 234 é surpreendido pelo veículo CH que circulava naquela hemi-faixa esquerda (resposta ao quesito 27º)

- Tendo o CH embatido com a roda direita na roda esquerda do CQ (resposta ao quesito 29º)

- O veículo CH era conduzido por E... ao serviço da empresa A..., no interesse, sob a orientação e ordens desta (resposta ao quesito 34º);

- Trava-se de um veículo com estofos em pele (resposta ao quesito 36º)

- No período compreendido entre a data do sinistro e o dia 30.4.2011 a deslocação dos funcionários da autora teve que fazer-se em vários outros carros (resposta ao quesito 42º)

- O aluguer de um veículo com características idênticas ao CH custava, por dia, quantia não inferior a € 100,00 (resposta ao quesito 43º)

- Em consequência do sinistro os autores tiveram despesas como o envio de cartas, faxes e telefonemas para a resolução da questão (resposta ao quesito 44º)

- E viram-se na iminência de continuar a pagar renda e o seguro do veículo, sem que dele dispusessem (resposta ao quesito 45º)

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente aos factos constantes dos quesitos 6.º, 10.º, 12.º, 23.º a 27.º, 29.º, 35.º e 40.º da base instrutória.

Alega a ré que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos quesitos 6.º, 10.º, 12.º, 35.º e 40.º, os quais, na sua opinião, devem ser dados como não provados e como não provados os constantes dos quesitos 23.º a 27.º e 29.º, os quais, na sua óptica, devem ser dados como provados, estribando-se, para tal, nos depoimentos das testemunhas D... e E..., condutores dos veículos intervenientes e relativamente ao valor do veículo da autora, considera que não se deve dar relevância ao doc. n.º 12 que acompanha a p.i., mas sim na Tabela elaborada pelo ISP e depoimento dos peritos certificados que quanto a tal foram inquiridos.

            Os autores, com base nos mesmos depoimentos dos condutores, conjugados com o croquis da participação do acidente e fotografias juntas aos autos, consideram serem de manter as respostas que mereceram os quesitos em referência e ainda no depoimento da testemunha G...., quanto à utilização que era dada à viatura dos autores e respectivo valor.

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do nCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, as respostas postas em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração das respostas dadas aos quesitos 6.º, 10.º, 12.º, 23.º a 27.º, 29.º, 35.º e 40.º, da base instrutória.

           

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais quesitos:

“6. Para tal (para ultrapassar o CQ, cf. quesito 5.º), a condutora do CH accionou o sinal de pisca da esquerda?

10. Quando o veículo CH estava a par do veículo CQ, este guinou, subitamente, para a esquerda?

12. Sem ter, previamente, assinalado a manobra (mudança de direcção para o caminho da Carreirinha, cf. quesito 11.º) com o sinal luminoso de pisca esquerdo?

23. Ao aproximar-se do entroncamento que dá acesso ao caminho da Carreirinha, reduziu a velocidade para cerca de 4/5Km/h?

24. Olhou para a sua retaguarda e não vislumbrou qualquer viatura?

25. Em sentido contrário também não circulava qualquer outro veículo?

26. Accionou o sinal de pisca esquerdo e virou para a esquerda?

27. Quando já se encontrava em plena hemi-faixa esquerda e na perpendicular à EN 234, é surpreendido pelo veículo CH que circulava naquela hemi-faixa esquerda?

29. Tendo o CH embatido com a roda direita na roda esquerda do CQ?

35. À data do sinistro o veículo CH tinha um valor de mercado de € 27.000,00?

40. O veículo CH era utilizado diariamente pela autora A...?”.

Como consta de fl.s 142 a 145, a M.ma Juiz deu-lhes as seguintes respostas:

Quesitos 6.º, 10.º, 12.º, 35.º e 40.º: Provado.

Quesitos 23.º a 27.º e 29.º: Não Provado.

Motivou tais respostas da seguinte forma (cf. fl.s 145 a 147):

“O tribunal, para dar por provados os factos constantes da base instrutória e supra elencados teve por base a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento sopesada e analisada criticamente entre si, em conjugação com os demais elementos documentais juntos aos autos.

Assim e quanto à forma como ocorreu o acidente foram devidamente conjugadas as declarações dos dois condutores – E... e D... – com os elementos objectivos existentes nos autos, tais como as fotografias de fls. 55 a 60 e o croquis de fls. 20, explicitado e confirmado pelo militar da GNR que o elaborou e que se deslocou ao local – I..... Assim foi possível determinar que a condutora (pese embora o seu tom exaltado, ainda assim a forma imediata de dar as respostas levou-nos a conferir-lhe credibilidade pois que a mesma, ainda que a seu desfavor - na vertente da sua eventual corresponsabilização no acidente - não se coibiu de responder com espontaneidade. Na verdade, pelo seu depoimento foi possível compreender a sua forma de actuação, circulando numa recta, que conhecia bem por ali passar diariamente (tendo perfeito conhecimento do caminho da Carreirinha e da sua embocadura), admitindo que seguia entre os 100 e os 120Km/h e que após o sinal de fim da proibição de ultrapassar e avistando o tractor, decidiu ultrapassá-lo, certificando-se que não seguia qualquer outro veículo e que quando seguia já ao seu lado, este guinou para a esquerda e invadiu a hemi-faixa de rodagem da esquerda (atento o sentido que ambos levavam), razão pela qual a roda esquerda da frente do tractor embateu na roda direito do seu veículo, o que a fez capotar. O seu relato do sucedido é consentâneo, desde logo, com os danos verificados nos veículos e que ambos os condutores admitem e que são bem visíveis nas fotografias de fls.56 e 57. Por outro lado, a velocidade por si admitida é também compatível como a distância a que, segundo o croquis, se imobilizou o veículo CH – 140 m de distância, sem que tenha embatido em qualquer obstáculo. Neste particular a versão dos factos do condutor do CQ não colhe porquanto o mesmo descreveu que ao aproximar-se do caminho da Carreirinha que olhou para a rectaguarda, tanto pelo espelho, como por cima do ombro e que se certificou de que não vinha ninguém e que quanto já estava com o tractor na perpendicular ao caminho da Carreirinha, em plena hemi-faixa de rodagem esquerda, foi embatido pelo veículo CH. Ora, a ser assim, os danos provocados não poderiam ter sido nas rodas dos dois veículos. Na verdade, se o tractor se encontrasse na perpendicular na hemi-faixa esquerda, o veículo ter-lhe-ia que embater com a sua frente na lateral do tractor o que as fotografias mostram bem que não ocorreu, razão pela qual a versão dos factos do condutor do CQ não colheu.

Quanto às características da via, com mato, existência de sinal de fim de proibição de ultrapassagem, inexistência de sinal de aproximação de entroncamento, características do caminho da Carreirinha e da sua embocadura e sinal STOP foram valoradas as fotografias juntas aos autos a fls. 55 a 60.

Já no que respeita à visibilidade, foram valorados os depoimentos dos dois condutores, da testemunha I... (militar da GNR) os quais foram, neste particular, consentâneos entre si.

Quanto ao valor do veículo da autora, foi valorado o depoimento de G..., juntamente com a fatura proforma de fls. 12, o qual depôs de forma isenta, sincera e espontânea, esclarecendo ter estado interessado em adquirir a viatura, por a mesma se encontrar em muito bom estado de conservação e estando equipada com diversos extras, tendo sido o valor ali constante o valor por si proposto para a sua aquisição. No que respeita ao seu modelo foi valorado o documento de fls. 44 dos autos.

Já na parte respeitante à inexistência de outra viatura com aquelas características, o seu uso pela autora, a falta de meios económicos para aquisição de uma outra equivalente e a data da aquisição de uma outra pelo autor, foi devidamente tido em consideração o depoimento da testemunha E..., esposa do autor que, nesta medida, com razão de ciência atendível, soube descrever tal factualidade, conjugado ainda com o documento de fls. 50.

*

Quanto aos factos dados por não provados respeita, a sua resposta deveu-se à prova em sentido contrário que foi feita, pelas razões vindas de expor quanto à dinâmica do acidente. No mais, houve total ausência de prova, nomeadamente na parte respeitante ao equipamento em concreto do veículo CH, qual a qualidade em que os condutores circulavam com as viaturas, o valor do aluguer de veículo equivalente, despesas tidas pelos autores, iminência do pagamento de rendas e deslocações de funcionários, em concreto naquele período, noutros veículos.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelo recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos, na íntegra, todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram acerca desta questão, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A testemunha I..., soldado da GNR que elaborou a participação e respectivo croquis do acidente, confirmou o que destes consta e descreveu o local onde ocorreu o acidente, bem como a sinalização ali existente, designadamente que inexiste sinal de aproximação a entroncamento ou de proibição de ultrapassar.

Mais referiu que o designado “caminho da Carreirinha” é um caminho florestal, em terra batida.

Por E..., condutora do Passat, foi referido que “ia na recta e não viu carro nenhum a vir de frente, que o tractor ia devagar e fez o pisca para o ultrapassar e quando já ia a ultrapassar, o tractor guinou para a esquerda, sem ter feito pisca”, após o que lhe bateu na roda da frente do lado direito.

Referiu, ainda, que quando o condutor do tractor chegou ao pé de si, após o embate, lhe disse “desculpe, que eu não a vi”.

Acrescentou que circulava a uma velocidade de 100/120 kms/h e que quando accionou o pisca estava a cerca de 50 metros do tractor e que sabe da existência do caminho da Carreirinha, porque conhece bem a estrada naquele local, por ali passar quase todos os dias.

Mais disse que a autora não tinha dinheiro para adquirir um veículo como o acidentado e que o mesmo era utilizado “para ir às peças, ir ter com fornecedores e clientes e reuniões, o marido utilizava-o para os assuntos da empresa”.

A testemunha D..., condutor do tractor, disse que provinha de uma estrada que desemboca na EN 234, onde circulava há cerca de 200 metros e quando se encontrava a cerca de 40/50 metros do caminho da Carreirinha, para onde pretendia seguir, olhou pelo retrovisor e como não vinha nenhum veículo atrás de si ligou o pisca, “andou mais para o eixo da via e foi andando e ao virar para a esquerda, pôs-se no eixo da via, não vinham carros e quando as rodas da frente estavam a chegar à terra, a senhora passou-lhe pela frente e bateu-lhe”, após o que entrou em despiste e depois de “grande estardalhaço” foi parar muito mais à frente.

Referiu, ainda, que circulava a cerca de 20 kms/h e quando virou ia a 5 km/h e o carro vinha a 150/160 kms/h.

Reiterou que “das várias vezes que olhou para trás, nunca viu carro nenhum atrás de si” e que o carro lhe bateu com a frente do lado direito, na roda da frente do tractor.

A testemunha G..., vendedor/comprador de automóveis, por conta própria, referiu que estava interessado em comprar o Passat, para o que chegou a fazer a factura proforma de fl.s 42 e que o avaliou pelo valor ali constante (27.000,00 €), porque o “carro estava impecável, como novo” e que a tabela da Eurotax, não toma em conta os “extras” das viaturas e aquela tinha vários.

Esclareceu que pretendia vender uma viatura Mercedes ao autor e, por isso, lhe valorizou o Passat, em face do que lhe fez a proposta que corresponde à factura proforma, “era o valor justo e vendia-o um pouco acima do que estava a propor”.

Pela testemunha H..., perito averiguador, numa empresa que presta serviços, entre outros, a seguradoras, foi dito que se deslocou ao local do acidente duas semanas depois de o mesmo ter ocorrido, descrevendo a via no local e que ainda eram visíveis sulcos na estrada resultantes do despiste do Passat e uma mancha de óleo no local indicado como sendo o do embate.

No que se refere à peritagem do Passat, confirmou o doc. de fl.s 43, designadamente a quilometragem que apresentava o Passat (149787), o mês da matrícula (Outubro de 2206) e que se tratava de “perda total”.

Confirmou, ainda, as verbas indicadas na carta de fl.s 40 e 41, enviada pela ré à autora e em que se indica a verba de 21.153,54 €, como previsível para a reparação, de 19.935,00 €, como sendo o valor do veículo e a de 3.210,00 €, como sendo o valor dos salvados.

Os factos vertidos nos quesitos 6.º, 10.º, 12.º, 23.º a 27.º e 29.º, respeitam à forma como ocorreu o ajuizado acidente, ou seja, têm que ver com a fixação da culpa na produção do mesmo.

Para além dos condutores intervenientes, ninguém o presenciou, sendo que cada um deles apresenta versões completamente antagónicas quanto ao modo como o mesmo ocorreu, referindo cada um deles, em síntese, que o outro não prestou atenção ao trânsito que se fazia sentir, não sinalizando as respectivas manobras que pretendiam efectuar e circulando a condutora do Passat, a uma velocidade excessiva (150/160 kms/h, no dizer do condutor do tractor).

Analisados estes depoimentos, sufragamos a “leitura” que dos mesmos foi feita em 1.ª instância, aceitando os argumentos ali expendidos para justificar as respostas positivas que mereceram os quesitos 6.º, 10.º e 12.º e negativas que mereceram os quesitos 23.º a 27.º e 29.º.

Efectivamente, como o refere a M.ma Juiz a quo, a versão trazida pelo condutor do tractor, não é condizente com o facto de o embate entre ambas as viaturas intervenientes ter ocorrido entre as rodas da frente (lado esquerdo do tractor e direito do Passat) pois que se fosse como referido pelo condutor do tractor, o embate teria que se dar com a frente do Passat (total ou parcialmente) e não apenas com as rodas.

Pelo contrário, a forma como o embate ocorreu, assenta na versão da autora, pois que assim se explica que a zona de embate tenha sido nas mencionadas rodas. Quando a autora estava a proceder à manobra de ultrapassagem, o tractor guina para a esquerda, para tomar o Caminho da Carreirinha, razão pela qual se dá o embate “roda com roda”.

Assim, no que se refere às respostas dadas a estes quesitos, mantêm-se as que lhe foram dadas em 1.ª instância.

A matéria do quesito 35.º, prende-se com o valor do Passat, tendo-se dado por demonstrado que o seu valor de mercado era o de 27.000,00 €.

Como resulta de fl.s 147 e acima já transcrita, a M.ma Juiz a quo, valorizou o depoimento da testemunha G... e a factura proforma de fl.s 42 (doc. 12), nos termos ali mencionados.

No que a esta questão concerne, com o devido respeito, não nos parece que o teor desta factura, conjugada com o depoimento da testemunha em causa, seja de molde a dar como provado o quesito em referência, nos moldes em que o foi.

Efectivamente, como o próprio G... referiu, este queria vender uma viatura Mercedes ao autor e por isso lhe “valorizou” (segundo as suas próprias palavras) a Passat, atribuindo-lhe o valor de 27.000,00 €, sendo que lhe venderia o Mercedes por 28.450,00 €, com a retoma do Passat, pelo referido valor de 27.000,00 €, acrescida da quantia de 1.450,00 € em numerário.

Parece-nos pouco para que, com base nisto, se possa considerar que o Passat valia os referidos 27.000,00 €.

Desde logo porque tal valor é fixado na perspectiva da venda de um outro veículo, com a retoma do Passat, para revenda, com a intenção de o revender com lucro, isto é, poderia o potencial interessado (a testemunha em causa) valorizar o preço da retoma e tentar compensar tal valorização quer com a venda do Mercedes ao próprio autor (valorizava o Passat mas podia, também, fazer subir o preço do Mercedes) quer na futura revenda do Passat.

E, fundamentalmente, porque compulsando o certificado de matrícula, junto a fl.s 21 e 22, se verifica que se trata de uma viatura matriculada em 30 de Outubro de 2006 (sendo a factura proforma datada de Fevereiro de 2011) e com 149.787 kms percorridos.

Ora, atenta a idade do veículo e a quilometragem que ostentava, parece-nos exagerado o valor de 27.000,00 €.

Por outro lado, não obstante as constantes referências da testemunha G... à existência de diversos “extras” que o Passat possuía, o certo é que quanto a isso nada é referido na mencionada factura proforma, nem tal consta da factualidade dada como provada (ao invés não se demonstrou que, contrariamente ao alegado – cf. quesito 36.º - o veículo em questão tivesse estofos em pele).

Os valores apresentados pela ré foram efectuados por uma empresa terceira em relação a ambas as partes, embora, usualmente, a ela recorram as seguradoras e assentam na denominada “tabela Eurotax” adoptada para este fim.

Consequentemente, altera-se a resposta dada ao quesito 35.º de provado para a seguinte:

Quesito 35.º: Provado apenas que à data do sinistro o veículo CH tinha um valor de mercado de 19.935,00 €, valendo os salvados a quantia de 3.210,00 €.

No que se refere ao quesito 40.º, pela fundamentação já exposta a fl.s 147, é de manter a resposta que lhe foi dada.

Efectivamente, quer do depoimento quer dos documentos ali referidos se conclui que a autora teve de adquirir outro veículo, em 30 de Abril de 2011, ou seja, logo após o acidente ter ocorrido e a testemunha E..., explicitou, em termos convincentes qual o uso que era dado ao Passat.

Assim, procede, parcialmente, quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se mantém a factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância, com excepção da resposta dada ao quesito 35.º, que se altera como acima já referido.

B. Culpabilidade na produção do acidente.

Alega a recorrente que em face do depoimento prestado pelo condutor do tractor e que, na sua óptica acarretaria a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, deve ser atribuída a culpa na produção do acidente à condutora do Passat, tendo o seu segurado cumprido todas as regras estradais que estava obrigado a respeitar.

Mesmo assim não sendo, deve ser repartida a culpa por a condutora do Passat seguir a velocidade superior à permitida para o local e ter efectuado a manobra de ultrapassagem na proximidade de um entroncamento.

Ao invés, na sentença recorrida atribuiu-se a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do tractor por este ter efectuado a manobra de mudança de direcção para a esquerda sem se certificar que o poderia fazer, nos moldes regulamentares.

 Como é óbvio, a procedência desta questão do recurso, pelo menos, no que toca à desresponsabilização do condutor do tractor, estava na total dependência do sucesso que a ré obtivesse no que toca ao recurso da matéria de facto.

Improcedendo, como improcedeu, a sua pretensão nesta parte e mantendo-se, em consequência, a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância, tem, em conformidade, de se considerar o segurado na ré como responsável pela produção do acidente de que ora nos ocupamos.

Efectivamente, tendo em linha de conta a factualidade descrita nos itens 16.º e 20.º a 38.º, tem de concluir-se que, como melhor descrito na sentença recorrida, o condutor do tractor violou o disposto nos artigos 35.º, n.º 1 e 44.º, ambos do Código da Estrada, já que efectuou tal manobra sem a assinalar e cortando a linha de marcha do Passat, no momento em que a sua condutora ultrapassava o tractor.

Mas será que o facto de a condutora do Passat circular a uma velocidade entre os 100 e os 120 km/h, a co-responsabiliza pela produção do acidente?

Cremos que não!

De acordo com o disposto no artigo 27.º do Código da Estrada, a velocidade máxima permitida para o Passat era de 90 km/h.

Velocidade, esta, que foi excedida.

No entanto, estamos em crer que o facto de a condutora do Passat seguir a esta velocidade, em nada contribuiu para a produção do acidente, uma vez que o mesmo se daria, ainda que aquela seguisse à velocidade permitida, já que o condutor do tractor guinou, repentinamente, para a esquerda, no momento em que ao seu lado já se encontrava a Passat.

Saliente-se que não é por um condutor incorrer em contra-ordenação no momento em que intervém num acidente que o mesmo é “automaticamente” culpado e responsável pelo mesmo[1].

É da e pela dinâmica do acidente que se deve concluir se o comportamento contravencional é “enquadrável no espectro das condutas possíveis de causarem acidentes do tipo que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções.

Em termos de adequação, o facto apenas pode considerar-se causal na medida em que, considerado no desenvolvimento do processo que conduziu ao dano e em face das regras da experiência comum, modifique o “círculo de riscos” da verificação do dano, fazendo acrescer a possibilidade objectiva de produção do resultado verificado.

Em suma, relevará, no critério de imputação da causalidade, a formulação de um juízo de prognose posterior objectiva que, partindo das concretas circunstâncias conhecidas e das cognoscíveis de um observador experiente, permita afirmar que o acto, mesmo tendo em conta a actuação do lesado, “favorecia aquela espécie de dano, surgindo, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto”[2]

Volvendo ao caso em análise, o que é causal do acidente é o facto de o condutor do tractor ter dirigido o seu veículo para a hemi-faixa da esquerda, do modo como o fez, sem atentar que ali circulava a Passat e o embate ter-se-ia dado ainda que a condutora deste seguisse a 90 km/h.

Por outro lado, também o facto de ali existir o entroncamento constituído pela EN 234 e o caminho da Carreirinha, não obstava a que a condutora do Passat iniciasse a manobra de ultrapassagem.

Trata-se de uma recta, com cerca de 200 metros, precedida de sinal de fim da proibição de ultrapassagem e a condutora do Passat respeitou o estatuído no artigo 38.º, do Código da Estrada, sinalizando tal manobra em conformidade com o que aí se dispõe.

É certo que é proibida a ultrapassagem antes dos e nos entroncamentos – cf. artigo 41.º, n.º 1, al. d), do Código da Estrada.

No entanto, refira-se que não estava sinalizada a existência de tal entroncamento, não obstante na zona da embocadura do citado caminho com a EN existir um largo que permite identificar a sua existência e existir o já referido sinal de fim da proibição de ultrapassar.

Ora, atento este circunstancialismo, não é de considerar como culposa a manobra de ultrapassagem efectuada pela condutora do Passat, uma vez que inexistia sinalização que a proibisse e não sendo exigível a quem ali circule, dada a inexistência de sinalização que para tal advirta, que preveja a existência do entroncamento com o caminho da Carreirinha, para mais tratando-se, como se trata de um caminho em terra batida, ladeado de mato.

Assim, reitera-se, causal do acidente foi a conduta do segurado da ré, sendo, como foi, de atribuir a este, pelas razões expostas, a culpabilidade exclusiva na produção do ora ajuizado acidente.

Consequentemente, no que toca a esta questão, tem, o presente recurso de improceder.

C. Indemnização pela paralisação e privação do uso do veículo da autora.

Relativamente a esta questão, alega a recorrente que não basta para que tal indemnização seja atribuída que se verifique uma privação do veículo em abstracto, mas sim que se esteja em presença de uma diminuição efectiva das necessidades do respectivo proprietário.

Diga-se, desde logo e em primeiro lugar, que o facto de se tratar de um caso de perda total não afasta a responsabilidade da seguradora em indemnizar o dano em apreço, quiçá, torna a sua posição mais gravosa, uma vez que tal obrigação só cessa quando o lesado for indemnizado da sua perda nos termos gerais – cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 09/03/2010, Processo 1247/07.4TJVNF.P1.S1 e de 16/03/2011, Processo 3922/07.2TBVCT.G1.S1, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

No que toca à necessidade ou não da alegação de danos concretos para que tal indemnização seja devida, tal questão não tem vindo a ser decidida de forma unânime pela nossa jurisprudência, designadamente a nível do STJ.

Efectivamente, existem inúmeros arestos com decisões de sentido contrário, relativamente à mesma, podendo a divergência sintetizar-se em duas posições: a dos que entendem que a privação do uso do veículo por virtude de acidente que não implique prejuízo específico na esfera jurídica de quem de direito não confere direito a indemnização, não se podendo dispensar o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afectada (neste sentido, v. g., os Acórdãos do STJ, de 05/07/2007, Processo 07B2111 e de 04/10/2007, Processo 07B1961, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj);

E aquela dos que defendem que a privação do uso de veículo automóvel em consequência dos danos sofridos em acidente de viação, constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável (neste sentido, v. g., os Acórdãos do STJ, de 05 de Julho de 2007, in CJ, STJ, ano XV, tomo 3, a pág. 151 e seg.s, de 10/10/2006, Processo 06A2503, de 24/01/2008, Processo 07B3557, 314/06.6TBCSC.S1, de 12/01/2010 e de 08/05/2013, Processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

E, mais recentemente (do que são exemplo os Arestos do STJ acima ora primeiro citados) tem-se vindo a entender que basta a alegação e prova de que o proprietário daria ao veículo o uso normal, o que até é de presumir, para que tal indemnização seja devida.

Neste sentido e, por último, vejam-se os Acórdãos de tal Tribunal, de 15/11/2011, Processo 6472/06.2TBSTB.E1.S1 e de 16/03/2011, Processo 3922/07TBVCT.G1.S1, também, disponíveis no sítio da dgsi, referindo-se no primeiro deste que “Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usava e usufruía normalmente para que possa exigir-se do lesante uma indemnização autónoma a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos quantificados.”.

Sendo que, no caso em apreço, demonstrou-se que a autora dava à viatura acidentada o uso referido nos itens 13, 14 e 44, dos factos provados.

Por nós, entendemos que a privação do uso do veículo, traduzindo a perda da sua utilidade, se traduz num dano autónomo, com valor pecuniário, a calcular ou com base nas despesas feitas pela ocorrência da dita privação, p. ex. despesas com aluguer de uma viatura de substituição, de táxi ou de outro meio de transporte utilizado ou pelo dano decorrente pela mera perda da disponibilidade da viatura.

Efectivamente, a utilidade propiciada pela propriedade de uma viatura automóvel, é a sua imediata disponibilidade para o uso que, em cada momento, o respectivo proprietário dela necessita.

Até se podem passar dias sem lhe dar uso efectivo. No entanto, o proprietário de uma viatura automóvel sabe que a detém e que a poderá usar quando e como lhe aprouver ou necessitar.

Com o devido respeito, negar a indemnização daí decorrente só porque o lesado não alugou outra viatura ou não se deslocou de táxi, parece-nos ser um prémio para o lesante, a quem incumbe a reparação da viatura sinistrada, se a mesma for viável e economicamente rentável ou, propiciar-lhe uma viatura de substituição, semelhante à imobilizada.

O que está em causa é a limitação do uso da viatura sinistrada, o qual é uma qualidade decorrente do direito de propriedade sobre a viatura imobilizada, direito esse que é posto em causa em resultado de uma conduta ilícita de outrem e que ao lesante incumbe reparar.

Ou seja, ainda que não demonstrada a existência de específicos prejuízos derivados da privação do uso de uma viatura, a simples privação do uso deve ser autonomamente indemnizada, por corresponder a um valor pecuniário, a calcular, se necessário, com apelo a regras de equidade.

E a prova de que o uso existe, decorre, desde logo da ocorrência do facto que desencadeia o processo indemnizatório, em que tem relevo a participação do veículo seguro.

Esta conclusão, parece-nos a mais consentânea com os princípios gerais da indemnização, no domínio da responsabilidade civil, de acordo com os quais, como refere Pereira Coelho, in O Nexo De Causalidade Na Responsabilidade Civil, Separata do Vol. IX do Suplemento ao Boletim da FDUC, a pág.s 53 e 54, respectivamente:

“O fim do dever de indemnizar é pôr, portanto, a cargo do lesante a prática de certos actos, cuja finalidade comum é criar uma situação (uma nova situação) que se aproxime o mais possível daquela outra situação (hipotética, irreal, imaginária, situação em que o lesado efectivamente nunca esteve) em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria a existente de acordo com a sucessão normal dos factos, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa”.

“… o juiz, ao decidir uma questão de responsabilidade, deve ponderar que o que está a cargo do lesante é criar uma situação que se aproxime o mais possível daquela que, no momento em que a acção é julgada, seria a existente, seria provavelmente a existente se não fosse o facto …”

            Ora tal desiderato, cremos, só será atingido se se considerar que a perda da disponibilidade da viatura, por si só, constitui um dano indemnizável.

            No mesmo sentido, se pronuncia, Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, Indemnização Do Dano Da privação Do Uso, 2.ª edição, Almedina, Março de 2005, entre outras, a pág.s 72 e 73, de acordo com o qual, a indemnização pela privação do uso de uma viatura:

deve ser calculada de acordo com a aplicação directa da teoria da diferença, abrangendo os lucros cessantes e os danos emergentes, se houve actividades que deixaram de ser exercidas, receitas que deixaram de ser auferidas ou despesas acrescidas;

em caso de veículo automóvel utilizado como instrumento de trabalho ou no exercício de actividade lucrativa, a existência de um prejuízo material decorre normalmente da simples privação do uso;

tratando-se de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, há que atentar na mera indisponibilidade do bem, sem embargo de se apurar, quanto aos lucros cessantes, que a paralisação nenhum prejuízo relevante acarretou e;

devendo, sempre, quantificar-se tal indemnização, com recurso às regras da equidade, sem esquecer as circunstâncias de cada caso em concreto, designadamente, a natureza, o valor ou a utilidade do veículo, os reflexos negativos da esfera do lesado ou aumento das despesas ou redução das receitas e sem postergar os princípios da boa fé.

Como acima já referido, a autora usava a viatura em causa, nos descritos moldes, o que deixou de poder fazer em consequência do acidente, pelo que tal indemnização é devida (sendo de referir que a recorrente não coloca em crise a quantia atribuída mas tão só que a indemnização, em si mesma, não era de conceder).

Assim, também quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

D. Valor a atribuir ao veículo da autora.

Defende a recorrente que o valor a atribuir à viatura em causa não pode ser o de 27.000,00 €, mas sim o de 19.935,00 €, descontados os salvados.

Esta questão dependia da resposta que fosse dada ao quesito 35.º.

Consta desta resposta que o valor da viatura era de 19.935,00 € e o dos salvados o de 3.210,00 €.

Assim, por força de tal alteração da matéria de facto dada como provada, no que respeita ao valor do veículo, consigna-se que o mesmo se cifra na quantia de 19.935,00 €, descontando o valor dos salvados, tal como propugnado pela recorrente.

Pelo que, quanto a esta questão tem o presente recurso de proceder.

Nestes termos se decide:       

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se altera a decisão recorrida, na parte em que fixou o valor da viatura sinistrada, que se fixa na quantia de 16.725,00 € (dezasseis mil setecentos e vinte e cinco euros), mantendo-a quanto ao mais nela decidido.

Custas por apelante e apelados, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 24 de Junho de 2014.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco Santos

Catarina Gonçalves

[1] Cfr. Ac. STJ de 07-02-2008, in site DGSI (documento SJ20080207045981) em que se considerou que a velocidade instantânea superior à permitida não foi concausa do acidente ali em análise.
[2] Ac. acabado de citar, em que, a tal propósito, se menciona outra jurisprudência concordante do nosso mais alto tribunal.