Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
388/16.1TXCBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 61.º DO CP; ART. 173.º DO CEPMPL
Sumário: I - A liberdade condicional – como deixou dito o legislador, no parágrafo 9 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro – não é uma recompensa por boa conduta prisional mas antes, um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.

II - A concessão da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal, havendo que distinguir entre liberdade condicional não obrigatória e liberdade condicional obrigatória.

III - A concessão da liberdade condicional aos dois terços do cumprimento da pena, verificado o consentimento do condenado, depende apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre – presumindo o legislador que, face ao tempo de cumprimento de pena decorrido, a libertação é compatível com a defesa da ordem e da paz social.

IV - Embora exista alguma reflexão do recorrente sobre os factos, a pena e a vítima, mas continuando a existir desculpabilização e limitada interiorização do desvalor da conduta, tendo em conta a natureza do crime praticado, as circunstâncias em que o foi, a propensão para a prática deste crime pelo recorrente e a sua revelada personalidade não permitem, para além do risco aceitável, a formulação de um juízo de prognose favorável sobre a adequação social do seu comportamento futuro em liberdade, sem cometer crimes, designadamente, o de violência doméstica.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


           

I. RELATÓRIO

No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos de concessão da liberdade condicional nº 388/16.1TXCBR-E, relativos ao condenado A... , nos quais, por despacho de 15 de Julho de 2017, foi negada a concessão da liberdade condicional.


*

            Inconformado com o decidido, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            A. Na pendência do processo 136/12.5TASEI que corria contra o condenado, este emigrou para a Alemanha, tendo a companheira e filhos se juntado a ele, viviam em família, perfeitamente integrados e registados em diversas instituições daquele país. O ora recorrente foi condenado a 4 (quatro) anos de pena de prisão efectiva, tendo sido emitido Mandado de Detenção Europeu, foi o ora recorrente detido na Alemanha a 19 de Outubro de 2014 e extraditado para Portugal para cumprimento a pena, a 05 de Março de 2015.

B. A 28 de Setembro de 2016 requereu, o recluso, pela primeira vez, a concessão de licença de saída jurisdicional, a qual lhe foi negada. A 28 de Março de 2017 apresentou um segundo pedido, tendo sido emitidos 3 (três) votos favoráveis, incluindo o do Ministério Público. No entanto, foi novamente recusada a licença de saída jurisdicional ao ora recorrente, decisão da qual interpôs recurso.

C. A 19 de Junho de 2017 atingiu o condenado o cumprimento dos 2/3 da pena. Preparou-se a apreciação da liberdade condicional, tendo sido emitidos os relatórios da Direcção Geral dos Serviços Prisionais e da Direcção Geral da Reinserção Social e dos Serviços Prisionais, sendo ambos os relatórios, extremamente, positivos relativamente à concessão da liberdade condicional.

D. Não obstante o carácter positivo dos relatórios, em reunião do Conselho Técnico foram emitidos 2 (dois) pareceres desfavoráveis, por parte da Equipa de Direcção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e do Director do Estabelecimento Prisional Regional da Guarda e um parecer favorável da Área do Tratamento Penitenciário.

E. É a Área do Tratamento Penitenciário, das três entidades envolvidas, aquela que se encontra mais próxima do recluso e, assim, é aquela que se encontra em melhor posição para averiguar das condições do condenado para ser colocado em liberdade.

F. Não se compreende o fundamento do parecer desfavorável por parte da Equipa de Direcção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, visto que todo o relatório é em sentido favorável.

G. A 28 de Junho de 2017 foi ouvido o condenado, tendo este consentido na sua colocação em liberdade condicional, admitido a prática dos factos, reconhecendo que errou e afirmando que se encontra a ter acompanhamento psicológico, pretendendo mantê-lo quando em liberdade.

H. Mencionou, ainda, que possui habitação própria, na localidade de residência dos pais, que muito o apoiam.

I. Referiu ter colocação laboral na empresa “ S... ”, pretendendo, posteriormente, reactivar a sua empresa de construção civil.

J. O condenado reconheceu que deveria ter sido mais paciente e compreensivo relativamente à doença da companheira.

K. O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional, alegando como fundamento motivos que o ora recorrente não pode aceitar: os antecedentes criminais, a indefinição da situação jurídico-processual-penal do condenado, a inconsistente evolução do comportamento do condenado, o não benefício de medidas de flexibilização da pena e a necessidade de consolidação do processo de interiorização do fim da pena.

L. Em sede decisória não foram correctamente valorados os aspectos favoráveis ao condenado, bem como não foram igualmente devidamente considerados aqueles factores que possam ser vistos como menos favoráveis.

M. Desde logo o condenado, em momento algum, se colocou em paradeiro desconhecido, apenas EMIGROU para a Alemanha, encontrando-se plenamente integrado.

N. A companheira deslocou-se para a Alemanha com os filhos de ambos a fim de se reunir com o ora recorrente, vivendo todos em família.

O. A alteração comportamental do condenado só pode ser vista de forma positiva, como estado de maturidade que o condenado atingiu.

P. A desculpabilização e limitada interiorização que a decisão menciona não constitui requisito para a concessão da liberdade condicional, como bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto de 10-10-2012.

Q. No entanto, a existir interiorização do crime, como sucede na presente situação, tal não pode deixar de ser, positivamente, valorado.

R. O condenado estudou durante o período de reclusão, bem como solicitou colocação laboral, não sendo possível por incompatibilidade de horário. Frequentou, ainda, o programa “Treino de Competência Pessoais e Sociais” e, recentemente, iniciou a frequência do curso “Educação Parental”. Participa em acções de sensibilização na área da saúde e não beneficiou de licenças de saída jurisdicional.

S. Beneficia o recluso de acompanhamento psicológico, que pretende manter na liberdade.

T. O ora recorrente tem casa própria, na localidade de residência dos pais que o visitam e apoiam.

U. O condenado assume a prática do crime, tem reflexão crítica relativamente ao sucedido, colocou-se no lugar da vítima, sente que errou e encontra-se arrependido.

V. E é o próprio Tribunal a reconhecer essa reflexão, esse esforço, essa mudança.

W. O tribunal refere, enquanto aspectos negativos a desculpabilização e limitada interiorização do crime, como já alegámos, tal não constitui requisito para a concessão da liberdade condicional. Por outro lado, na presente situação houve, de facto, interiorização do crime, pelo que deve este factor ser positivamente valorado.

X. Reconhece o Tribunal a evolução na personalidade do condenado e no seu posicionamento relativamente ao crime cometido, contudo, refere que tal não permite sustentar um juízo de prognose favorável, não se encontrando, assim, preenchidos os requisitos da alínea a) do nº2 do artigo 61º do C.P. No entanto, não menciona quais os fundamentos concretos para a formulação desse juízo de prognose desfavorável.

Y. A verdade é que a pena aplicada, bem como o cumprimento de 2/3 da mesma revela-se suficiente para que o condenado se consciencialize da gravidade dos factos por si praticados. E a prova são as declarações por ele prestadas, a elaboração dos relatórios por parte da Direcção Geral dos Serviços Prisionais e da Direcção Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais, bem como o próprio reconhecimento por parte do Tribunal da sua mudança e do seu esforço.

Z. Atendendo a esta mudança comportamental e a todos os apoios e condições que o condenado dispõe no exterior, só pode ser feito um juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional.

AA. Por fim, mas não menos importante, não pode deixar e chamar-se à colação a importância da concessão deste instituto da liberdade condicional, com todos os seus benefícios no sentido da ressocialização do agente e da sua gradual adaptação à nova realidade no exterior, neste mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datados de 25-03-2015 e de 16-12-2015.

Em suma: atendendo à mudança de comportamento do condenado, aos seus apoios e condições no exterior, bem como à finalidade do instituto da liberdade condicional deve ser efectuado um juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional.

Termos em que, e por tudo o mais que V. Exa. Doutamente suprirá, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão de não concessão da liberdade condicional.

Fazendo-se assim Justiça!


*

            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, serem irrelevantes as considerações tecidas a propósito de saídas jurisdicionais e do modo de vida do recorrente na Alemanha e não estar em causa o parecer do Conselho Técnico mas apenas a impreparação do recluso para assumir um comportamento socialmente conforme, mais alegando existirem factores pro e contra a necessária prognose favorável, cuja avaliação tem sempre uma componente subjectiva, não se vislumbrando erros na apreciação dos factos nem na aplicação do direito que permitam concluir pela incorrecção da negada prognose favorável e consequente afirmada falta de condições para a libertação, e concluiu pela improcedência do recurso.

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando a resposta do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Respondeu o recorrente, realçando que o voto do Comissário da Área do Tratamento Penitenciário, por ser a entidade que mais perto está do recluso, deve ter especial qualificação, que é contraditória a existência de relatório favorável à libertação e voto contrário da entidade que o emitiu, que sendo desconhecidas as razões que a tanto conduzem, é afectado o direito ao contraditório, que o parecer e a resposta do Ministério Público não fundamentam validamente a alegada impreparação para a assunção de comportamento socialmente adequado, que existem vários elementos que permitem formular o juízo de prognose favorável que não podem ser ignorados e que acrescem aos efeitos benéficos da liberdade condicional na sua ressocialização e consequente diminuição da probabilidade de reincidência, e concluiu pela procedência do recurso. 


*

            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

            II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.


*

  Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

“ (…).

A. RELATÓRIO

Correm os presentes autos tendo em vista a eventual colocação em liberdade condicional relativamente ao condenado A... , nascido a 7/7/1968.

O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional Regional da Guarda.


*

O processo seguiu a sua normal tramitação, mostra-se devidamente instruído, e nele foram observadas todas as legais formalidades.

Estão juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 1730 do CEP.

O Conselho Técnico, reunido no dia 21/6/2017, prestou os necessários esclarecimentos, tendo emitido parecer maioritariamente desfavorável à colocação em liberdade condicional.

Ouvido o recluso, no dia 28/6/2017 (por a sua audição no dia 21/6 ter sido adiada a seu pedido e com a concordância de todos os sujeitos processuais – fls. 269) o mesmo autorizou a eventual colocação em liberdade condicional (fls. 282 e 283).

O Ministério Público emitiu, posteriormente ao Conselho Técnico e à audição do condenado, parecer desfavorável à colocação do mesmo em liberdade condicional.


*

O tribunal é competente e o processo é o próprio.

Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa


*

B. DE FACTO E DE DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e de reinserção social, as certidões das decisões judiciais e declarações do recluso, sendo que os elementos apurados foram também obtidos através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detêm o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) o recluso cumpre uma pena única de 4 anos de prisão, aplicada no proc. 136/l2.5TASEI, pelo cometimento de um crime de violência doméstica, de que foi vítima a sua então companheira;

2) o meio da pena teve lugar no dia 19110/2016, tendo os 2/3 da pena ocorrido em 19/612017, prevendo-se o seu termo para 19110/2018;

3) o condenado nasceu em Lisboa, onde os pais trabalharam durante cerca de 10 anos; após acidente de trabalho, o pai do condenado passou à situação de reforma por invalidez e o agregado regressou a X... , S... , onde passou a viver desde então; o condenado tem uma irmã mais nova, que trabalha como tradutora em F... e com quem afirma manter um relacionamento positivo; aos 13 anos, o condenado começou a actividade laboral na área a hotelaria, exercendo posteriormente outras actividades, passando depois a trabalhar na área da construção civil por conta de outrem até que se estabeleceu por conta própria em 1999, cessando tal actividade em 2013; na Alemanha, para onde se deslocou, trabalhou na construção civil;

4) o condenado estabeleceu uma primeira relação afectiva, da qual tem um filho com 21 anos de idade e que vive com a mãe em Aveiro e com o qual mantinha contactos regulares até à sua reclusão;

5) a partir de 2000/2001, iniciou relacionamento marital com a ofendida, de quem tem 4 filhos (com idades compreendias entre os 15 e os 6 anos de idade), residindo o agregado na X... ; o relacionamento conjugal era conflituoso e a ofendida apresentou várias queixas nos OPC que depois retirava e chegou a fugir com os filhos em diversas ocasiões, algumas com o apoio da Segurança Social, mas acabava por regressar; por decisão transitada em julgada em 11/6/2010, o arguido foi condenado no proc. 43/06.0GASEI numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa, já julgada extinta, por crime de maus-tratos à companheira; em 2013, o condenado colocou-se em paradeiro desconhecido e passado pouco tempo, a companheira e os filhos também se ausentaram da localidade de residência, reunindo-se com o condenado; o condenado esteve a viver na Alemanha com a família, onde trabalhava até ter sido preso e posteriormente entregue às autoridades portuguesas para cumprimento da pena ora em execução; segundo o condenado e segundo os seus pais, a companheira e filhos continuam na Alemanha, não estando previsto o seu regresso a Portugal, afirmando ainda o condenado que a companheira se foi embora por se sentir muito pressionada pela Justiça Portuguesa, não querendo regressar pelo mesmo motivo;

6) relativamente ao crime pelo qual cumpre pena, o condenado, depois de manter uma postura de não assunção da maioria das condutas delituosas descritas no acórdão da Relação, e em que transferia a responsabilidade nas situações de conflito entre o casal para a doença bipolar extrema da companheira, referindo que se culpabilizava por não ter sabido lidar com tal problema ao mesmo tempo que referia não ter tido qualquer auxílio para tal, assume agora a maioria dos concretos actos pelos quais foi condenado, afirmando ter reflectido sobre o sucedido, depois de se colocar na posição da vítima e afirmando que não soube lidar com a doença da mulher, que a submeteu a um "patamar de inferioridade" e afirmando ainda que na sua anterior audição negou os factos por assim lhe ter sido sugerido por outros reclusos; afirma-se arrependido;

7) denota-se, na actualidade, um esforço no sentido da reflecção sobre os actos praticados e agora assumidos, mas ainda se percepciona desculpabilização e limitada interiorização, tanto que o condenado, nessa reflecção que agora iniciou sobre o seu passado, acaba mesmo por referir que se anteriormente tivesse cumprido a pena de prisão pelo mesmo crime praticado e que ficou suspensa, não teria cometido aquele pelo qual agora cumpre pena;

8) em meio prisional, não há qualquer registo de sanções disciplinares;

9) no EP da Guarda, concluiu o 2º ciclo do ensino básico, tendo este ano lectivo frequentado o 3º ciclo de ensino num curso EF A com dupla certificação em Operador de Manutenção Hoteleira;

10) solicitou colocação laboral, mas a mesma não foi possível, uma vez que o horário escolar é incompatível com o desenvolvimento de actividade laboral;

11) frequentou e concluiu o programa "Treino de competências pessoais e sociais" e iniciou recentemente a frequência do curso "Educação Parental";

12) encontra-se em acompanhamento psicológico, que valoriza e pretende manter mesmo em liberdade;

13) não se encontra integrado em actividades sócio-culturais, mas tem frequentado acções de sensibilização na área da saúde; para além disso, pratica exercício físico;

14) encontra-se em regime comum e ainda não beneficiou de licença de saída jurisdicional;

15) uma vez em liberdade, o condenado perspectiva residir na X... , em casa própria, localidade onde residem os seus pais, que o têm visitado e lhe prestam todo o apoio, mostrando-se receptivos a ajudá-lo no que necessitar;

16) o condenado afirma não pretender voltar a viver com a companheira, apenas querendo ajudar os filhos, por quem evidencia afecto, mostrando-se genuinamente penalizado pelo facto de não contactar com os mesmos;

17) uma vez em liberdade, o condenado tem assegurado trabalho na empresa " S... ", no sector da construção civil e serração de madeiras, para quem já trabalhou anteriormente, sendo considerado trabalhador muito zeloso e cumpridor; mais tarde, o condenado perspectiva a possibilidade de voltar a trabalhar por conta própria, reactivando a sua anterior empresa, tanto que dispõe de material, máquinas e viaturas;

18) na localidade de residência, o condenado é considerado como pessoa com hábitos de trabalho, mas pouco sociável, sendo também conhecido o crime pelo qual cumpre pena e a situação de reclusão, não sendo de prever atitudes de rejeição à sua presença;

19) para além das condenações supra referidas em 1) e 5), o recluso foi ainda condenado em pena de prisão suspensa por crime de injúria agravada, já julgada extinta e em pena de multa, por crime de falsificação de documento, também já julgada extinta; anteriormente e no ano de 1998/1999, cumpriu uma pena de 1 ano e 1 mês de prisão, por crime de tráfico, como referiu;


*

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material, elencados no art. 61º do CP.

Assim, são pressupostos formais da concessão da liberdade condicional:

a) que o condenado tenha cumprido 1/2 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 2), ou 2/3 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 anos (n.º 4);

b) que o condenado consinta ser libertado condicionalmente (n.º 1).

Por seu turno, são requisitos materiais da concessão da liberdade condicional (excepto na situação do n.º 4):

a) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e

b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (excepto, também, na situação do n.º 3).

Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, dúvidas não restarão que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.

Como tal, dado o efectivo relevo concedido à reinserção social por parte da liberdade condicional, haverá para tanto que, no caso em análise, para efeitos da alínea a) – e considerando a prevenção especial – atender-se, fundadamente, às circunstâncias do caso, à consideração da vida anterior, à personalidade do condenado e à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão.

Já para efeitos da alínea b) – e atendendo à prevenção geral – há que assegurar o seu funcionamento através da sua vertente positiva, no sentido em que o legislador institui que a pena serve a defesa da sociedade (art. 42.º, n.º 1 do CP).

Por último, importa referir que, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o n.º 5 do art. 61.º do CP, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.

No caso dos autos, impõe-se agora proceder à apreciação da liberdade condicional já por referência aos 2/3 da pena aplicada ao condenado pelo cometimento de um crime de violência doméstica, de que foi vítima a sua então companheira.

Como acima já se aludiu, e face ao que expressamente resulta do disposto no art. 61º nº 3 do CP, "o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos os dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior", ou seja, quando "for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".

Por isso, prevê o n° 1 do art. 173º nas als. a) e b) do CEP, e precisamente tendo em vista a fundamentação do referido juízo de prognose, que na elaboração dos relatórios por parte dos serviços prisionais e reinserção social, se apure da personalidade do condenado e evolução desta durante a execução da pena, das competências adquiridas no período de reclusão, do comportamento prisional e seu relacionamento com o crime cometido, e bem assim das necessidades subsistentes de reinserção social, perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e necessidades de protecção da vítima, se for o caso.

Ou seja: a liberdade condicional ficará unicamente dependente da possibilidade da formulação de um juízo de prognose positivo relativamente ao condenado.

Assim, e para a concessão da liberdade condicional deverá mostrar-se ser possível concluir que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo então ponderados todos os aspectos referidos na al. a) do art. 61º do CP, que servirão como índices de ressocialização.

Analisando o caso dos autos, continuamos a entender que no presente momento da execução da pena subsistem ainda exigências de prevenção especial, quer de ressocialização, quer de prevenção de reincidência que impedem, por enquanto, a formulação de um juízo de prognose positivo quanto ao comportamento futuro do condenado.

E julgamos assim ser, apesar de estarmos perante um condenado que vem apresentando um percurso investido em reclusão, ao nível da sua formação pessoal, com a conclusão do 2º ciclo e frequência do 3º ciclo, e bem assim de programas de conteúdo ressocializador, e que além do mais, no exterior, dispõe de apoio dos pais e da possibilidade de se inserir laboralmente.

Assim, e começando por analisar a vida anterior do agente, há que atentar que estamos perante alguém que, apesar de manter integração laboral e social durante toda a sua vida, detém já anteriores condenações, tendo até já cumprido uma reclusão no longínquo ano de 1998/1999 por tráfico.

Se o crime que motivou essa reclusão nenhuma relação tem com aquele pelo qual agora cumpre pena, pelo que em sede de prevenção especial de reincidência não assume relevância, o certo é que o recluso já sofreu anterior condenação pelo cometimento do crime de maus-tratos, em pena de prisão suspensa, por factos praticados na pessoa da mesma vítima. Tal circunstância, aporta, com toda a evidência, acrescidas exigências de prevenção de reincidência, pois que apesar da solene advertência em que tal pena suspensa se constituiu, ela foi manifestamente insuficiente para obviar à continuação do mesmo comportamento delituoso do condenado relativamente à mesma vítima.

No juízo de prognose a formular, há ainda que apreciar as circunstâncias do caso, nestas se incluindo a avaliação dos termos em que os factos cometidos ocorreram, já não com o sentido de deles se extraírem consequências conexionadas com o grau de violação do bem jurídico protegido e, portanto, com as exigências de prevenção geral de reafirmação da norma violada, mas sim, tendo em vista percepcionar, num juízo global e integrado, das subsistentes exigências de prevenção especial e em particular, no sentido de apreciar a evolução da personalidade do condenado e o seu posicionamento quanto aos factos concretamente praticados. Ora, neste contexto, não se poderá deixar de constatar que subsistiu, no tempo, um padrão comportamental do condenado dirigido à vítima e integrado por comportamentos verbal e fisicamente violentos, humilhantes e num contexto de afirmação pessoal de superioridade e controlo e até de condicionamento da vítima, no sentido de evitar a intervenção das instâncias formais de controlo.

Fazendo agora a necessária ligação dessas circunstâncias com a personalidade do condenado e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, importa, pois referir que, ao contrário do que anteriormente sucedia, o condenado assume agora a maioria dos concretos actos pelos quais foi condenado, afirmando ter reflectido sobre o sucedido, depois de se colocar na posição da vítima e afirmando que não soube lidar com a doença da mulher e que a submeteu a um "patamar de inferioridade".

É de inteira justiça notar que, na actualidade, o condenado revela um esforço no sentido da reflecção sobre os actos praticados e agora assumidos.

Contudo, também não se poderá deixar de referir que se percepciona desculpabilização e limitada interiorização, já que o condenado, nessa reflecção que agora iniciou sobre o seu passado, e designadamente quando confrontado com o padrão comportamental adoptado no passado e que repetiu novamente, acaba mesmo por referir que se anteriormente tivesse cumprido a pena de prisão que lhe foi imposta pelo mesmo crime praticado e que ficou suspensa, não teria cometido aquele pelo qual agora cumpre pena.

Mais ainda: essa postura, reveladora de desculpabilização e de ainda limitada interiorização, é ainda comprovada pela explicação que o condenado avança agora quanto à circunstância de anteriormente ter negado a maioria dos seus comportamentos delituosos, ao afirmar que tal de sucedeu por assim lhe ter sido sugerido por outros reclusos.

É que nem o condenado cumpre pena de prisão pela primeira vez, nem o condenado revela, por qualquer forma, uma personalidade influenciável e permeável a influências de terceiros, pelo que são ainda notórias as dificuldades na assunção das responsabilidades próprias e inalienáveis que ainda se verificam, a trazerem a lume a limitada interiorização que ainda se constata subsistir.

Julgamos, portanto, que apesar de se notar alguma evolução na personalidade do condenado e no seu posicionamento relativamente ao crime cometido, a mesma não é de molde a sustentar a favorabilidade do juízo de prognose de que depende sempre a concessão da liberdade condicional, mais a mais, quando apreciada no âmbito de um juízo global onde se integram também as circunstâncias do caso e a vida anterior, como se acabou de fazer, e quando estamos na verdade perante um condenado que reincidiu no cometimento do mesmo crime.

Nestas circunstâncias, e uma vez que não se mostram preenchidos os requisitos substanciais da liberdade condicional, ao nível da al. a) do n.º 2 do art. 61.º do CP, não pode a mesma ser concedida nesta fase do cumprimento da pena.

C. DECISÃO

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.


*

Notifique e comunique ao E.P. e serviços de reinserção social.

(…).


*

Da verificação [ou não] dos pressupostos da concessão da liberdade condicional

1. A liberdade condicional – como deixou dito o legislador, no parágrafo 9 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro – não é uma recompensa por boa conduta prisional mas antes, um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.

Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que, basicamente, preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

A concessão da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.

A primeira ideia a reter é a de que ela depende sempre do consentimento do condenado (nº 1, do artigo citado). Depois, há que distinguir entre liberdade condicional não obrigatória e liberdade condicional obrigatória.

A liberdade condicional não obrigatória ou ope judicis é concedida quando:

a) O condenado tiver cumprido metade da pena de prisão e no mínimo de seis meses, se:

- Atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 2, a) do artigo citado; e

- A libertação for compatível com a defesa da ordem e da paz social (nº 2, b) do artigo citado);

b) O condenado tiver cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, desde que, atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 3 do artigo citado).

A liberdade condicional obrigatória ou ope legis é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos (nº 4, do artigo citado).  

Assim, para o que ao presente recurso importa, a concessão da liberdade condicional aos dois terços do cumprimento da pena, verificado o consentimento do condenado, depende apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre – presumindo o legislador que, face ao tempo de cumprimento de pena decorrido, a libertação é compatível com a defesa da ordem e da paz social.

2. O recorrente foi condenado na pena de quatro anos de prisão pela prática de um crime de violência doméstica, no âmbito do processo nº 136/12.5TASEI, atingiu os dois terços de cumprimento da pena no dia 19 de Junho de 2017 e, ouvido em declarações, a 21 de Junho de 2017, consentiu na sua colocação em liberdade condicional.

Estão portanto, verificados os pressupostos formais da aplicação da liberdade condicional.

Pressuposto material de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena é, como já referido, a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima quando disso seja caso (cfr. art. 173º, nº 1 do C. da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, doravante CEPMPL).

Toda a prognose é uma probabilidade, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições portanto, fundada nas regras da experiência. Por isso, também aqui, no âmbito da decisão de concessão da liberdade condicional, não é possível a formulação de um juízo de certeza, nenhuma decisão pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a cometer crimes.

Assim, feita a ponderação dos factores supra enunciados, devidamente conjugados, a liberdade condicional deve ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, criam a expectativa de que, colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade, e deve ser negada quando conclua que não reúne tais condições, quer porque o juízo contrário se revele carecido de razoabilidade, quer porque se revele temerário. E tudo isto sem esquecer que nesta decisão, como em qualquer decisão, existe sempre, por um lado, uma margem de subjectividade do decisor, e por outro, a vantagem decorrente da imediação da prova designadamente, da audição do recluso (art. 176º do CEPMPL), e da qual o tribunal ad quem não comunga.

Dito isto. 

2.1. No que respeita ao teor da conclusão B), como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público na contramotivação, tendo o recurso por objecto a bondade, ou não, da decisão que negou a concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena de prisão, são irrelevantes as considerações feitas pelo recorrente, incluindo as também feitas no corpo da motivação, quanto aos pedidos de licença de saída jurisdicional e respectivas decisões.

Com efeito, esta decisões, para além de processualmente ultrapassadas, nada têm a ver com a decisão recorrida.

2.2. No que respeita ao teor das conclusões C) a F) refere o recorrente que o relatório da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais [serviços prisionais] de 27 de Abril de 2017 [fls. 74 a 78 do presente recurso] – elaborado para os efeitos previstos no art. 173º, nº 1, a) do CEPMPL –, menciona a assunção da prática dos factos, a demonstração de arrependimento, a intenção de pedir perdão à vítima, a suficiência do tempo de prisão cumprido para a prevenção da ‘reincidência’, a motivação para a mudança e o novo projecto de vida com nova residência e trabalho já prometido. E depois de afirmar que a pendência do processo nº 71/13.0TASEI não pode ser considerado factor negativo para a pretendida libertação, conclui que o dito relatório «avalia em sentido extremamente, positivo a conduta do condenado». 

 Refere depois que o relatório da Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais [serviços de reinserção social] de 29 de Maio de 2017 [fls. 87 a 89 do presente recurso] – elaborado para os efeitos do art. 173º, nº 1, b) do CEPMPL –, menciona que fixará residência na X... , onde possui habitação própria e vivem os pais, que irá ter o apoio destes e da irmã, residente no Algarve, que tem saudades dos filhos, que tem o propósito de não voltar a viver com a mãe destes, que tem hábitos de trabalho, que não existem sentimentos de rejeição na comunidade, que tem projecto de colocação laboral definido, que mudou a sua postura quanto à assunção do crime, quanto à gravidade das consequências para a vítima e a aceitação da condenação, que tem remorsos pelo sofrimento causado, nele se lendo que «a recente modificação de postura face ao crime, à pena e à vítima parece indiciar alguma reflexão crítica sobre o seu comportamento delituoso, fundamental para que consiga manter no futuro uma atitude diferente e segundo os padrões normativos», e termina, dizendo que «a conclusão a retirar só pode ser positiva relativamente à avaliação do condenado para a concessão da liberdade condicional».

Da leitura que faz destes dois documentos retira o recorrente a conclusão de que ambos são positivos relativamente a si. Acrescenta que é então contraditório que a equipa da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais venha, depois, a emitir parecer desfavorável à libertação, e que deveria ter sido dado maior relevo ao parecer positivo à libertação dado pela Área do Tratamento Penitenciário por ser, das entidades envolvidas, a que se encontra mais próxima do recluso.

Lidos os ditos relatórios, deles não extraímos, com a linearidade pressuposta pelo recorrente, as mesmas conclusões.

Em primeiro lugar porque o arrependimento e a intenção de pedir perdão à vítima são ali referidos, não propriamente como realidades mas como resultado das suas próprias declarações. Depois, os relatórios qualificam a mudança de atitude como recente, referindo que o recorrente continua a manifestar dificuldade em assumir as suas responsabilidades, atribuindo sempre a terceiros os aspectos negativos e a incompreensão pelas suas acções designadamente, justificando-as com os comportamentos da vítima. E é precisamente neste contexto que devem entender-se as reservas colocadas designadamente, quando no segundo relatório se diz que a modificação recente de posição quanto ao crime, a pena e a vítima parece indiciar alguma reflexão crítica sobre o comportamento delituoso. Parecer indiciar alguma reflexão crítica não é, certamente a mesma coisa que, fazer a efectiva e plena reflexão sobre tal comportamento.

O que, objectivamente, resulta de tais relatórios é que o recorrente passou a manifestar uma visão diferente sobre o crime, a pena e a vítima, mas que tal mudança não foi, pelo menos, integralmente, interiorizada por si.   

Por outro lado, carece de fundamento a afirmação de que o responsável para a área do tratamento penitenciário é quem se encontra mais próximo dos reclusos e tem, por isso, maior capacidade para averiguar das condições dos condenados para serem colocados em liberdade.

Percebe-se a afirmação, pois na reunião do conselho técnico de 21 de Junho de 2017 [acta de fls. 90 do presente recurso], foi a chefia do serviço de vigilância e segurança o único membro a emitir parecer favorável à libertação.

Este membro do conselho técnico cuida exclusivamente das questões de vigilância e segurança no estabelecimento prisional e, como consta do ponto 8 das considerações relevadas em B. De Facto e de Direito, do despacho recorrido, o recorrente não regista sanções disciplinares em meio prisional, o que justifica, pelo comportamento adequado às normas da instituição, o parecer positivo dado. Mas este aspecto tem um peso muito menor do que outros, como a avaliação da evolução da personalidade, das competências adquiridas, do comportamento e da sua relação com o crime praticado, das necessidades de subsistentes de reinserção social e do enquadramento familiar, social e profissional, itens que de forma muito especial contribuem para a densificação do pressuposto material de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena.

Uma nota final para dizer que assiste razão ao recorrente quando diz que a pendência de outro processo criminal, ainda sem decisão final, não pode influenciar a decisão de libertação, sob pena de flagrante violação da presunção de inocência, constitucionalmente consagrada.

Em suma, mostra-se infundada a crítica feita pelo recorrente à emissão de parecer desfavorável à libertação, na reunião do conselho técnico, pela na reunião do conselho técnico, quando os respectivos relatórios apontavam no sentido contrário.

2.3. No que respeita ao teor das conclusões G a K) cumpre apenas dizer, por um lado, que o teor das declarações do recorrente, produzidas em 28 de Junho de 2017, no âmbito do disposto no art. 176º do CEPMPL constituem meio de prova, susceptíveis, enquanto tal, de merecerem maior ou menor credibilidade, e por outro, que são irrelevantes as considerações feitas quanto ao parecer, negativo, do Ministério Público, já que este, não fazendo parte da decisão recorrida, não integra o objecto do recurso.

2.4. No que respeita ao teor das conclusões L) a Z) que comportam a matéria nuclear do recurso, afirma o recorrente não terem sido correctamente valorados, quer os aspectos favoráveis, quer os aspectos desfavoráveis, que concorrem no caso. Assim:

i) Contesta, em primeiro lugar, que se tenha colocado em fuga, antes dizendo que emigrou para a Alemanha, onde a companheira e os filhos depois se lhe juntaram, aí tendo todos vivido em família e devidamente legalizados e integrados.

A este propósito, consta do ponto 5 das considerações relevadas em B. De Facto e de Direito, do despacho recorrido, que o recorrente se colocou em paradeiro desconhecido e passado pouco tempo, a companheira e os filhos de ambos se ausentaram da residência em Portugal, e àquele se reuniram, na Alemanha, passando a família a viver neste país, onde o recorrente trabalhava e foi detido [na execução de um Mandado de Detenção Europeu], para ser entregue às autoridades portuguesas, para cumprimento da pena em que foi condenado. Vale isto dizer que, na pendência do processo que conduziu à sua condenação, o recorrente se ausentou do país, indo para a Alemanha, onde, tempos depois, se lhe reuniu a família.

Emigrar é sair voluntariamente do local onde se vive para se estabelecer noutro (Dicionário da Língua Portuguesa, Edição Revista e Actualizada, 2014, Porto Editora, pág. 582), sendo, pois, de aceitar que o recorrente emigrou para a Alemanha. Mas o acto de emigrar não é incompatível nem excludente do conceito de fuga, com o acto de fugir, entendido este em sentido amplo, como o afastamento precipitado para evitar um perigo, designadamente, o perigo de detenção.

A expressão «(…) o condenado colocou-se em paradeiro desconhecido (…)» constante do ponto de facto provado identificado, não é clara e inequívoca. Lê-se, no entanto, no acórdão da Relação de 3 de Fevereiro de 2016, que integra a certidão que constitui o presente recurso [fls. 32], na parte em que conheceu da questão prévia da omissão de pronúncia sobre a falsidade da assinatura do recorrente que, «7. No interrogatório de 9/5/2013, antes de ser aplicada a medida de coacção o arguido ausentou-se sem justificação, tendo-lhe sido aplicada prisão preventiva, em cuja diligência esteve como defensora oficiosa a Dra. … (…)».  

Assim, sendo um dado de facto objectivo que o recorrente se ausentou, injustificadamente, do tribunal, no decurso do interrogatório a que estava a ser sujeito, no dia 9 de Maio de 2013, antes de lhe ser decretada a medida de coacção de prisão preventiva, uma vez que tal medida não pôde, de imediato, ser executada, nem o foi nos tempos seguintes, é evidente que aquele se colocou em paradeiro desconhecido para as autoridades judiciárias portuguesas.

Sejamos claros. Para evitar a execução da decretada medida de coacção, o recorrente abandonou o país e não consta que tenha informado o processo da sua residência na Alemanha pelo que, é evidente que pôs em fuga para este país. As facilidades de integração que hoje se verificam relativamente ao cidadão de um Estado-membro da Comunidade Europeia que ruma a outro Estado-membro, e os mecanismos instituídos na âmbito da comunidade que possibilitam, com relativa facilidade também, a detecção de cidadãos de Estados-membros que pretendem subtrair-se à acção dos respectivos aparelhos judiciais, não afastam o conceito de «fuga». 

ii) Não se discute  que o recorrente, se libertado, tem asseguradas as condições exteriores necessárias à sua integração social.

Com efeito, e como resulta das considerações relevadas em B. De Facto e de Direito, do despacho recorrido, o recorrente terá casa própria na X... , S... , localidade onde também residem os progenitores, que o têm apoiado e se propõem ajudá-lo [ponto 15], tem assegurado trabalho, logo que libertado, numa empresa de construção civil e serração, para a qual já trabalhou anteriormente, sendo considerado bom trabalhador [ponto 17] e não são previsíveis, sentimentos de rejeição da comunidade com a sua presença, ainda que seja considerado uma pessoa pouco sociável [ponto 18]. 

Por outro lado, o recorrente, durante o período de reclusão, investiu na sua valorização pessoal, adquirindo novas competências. Com efeito, cuidou da sua formação académica e profissional, concluindo o 2º ciclo do ensino básico, e frequentando o 3º ciclo, num curso EFA com dupla certificação em operador de manutenção hoteleira [ponto 9 da factualidade relevada], frequentou e concluiu o programa «Treino de competências pessoais e sociais» [ponto 11 da factualidade relevada] e frequentou acções de sensibilização na área da saúde [ponto 13 da factualidade relevada].  

Estes elementos, cujo contributo para o fim visado é, obviamente, positivo, não podem, no entanto, ser considerados de per si, antes têm que ser conjugados com os elementos endógenos, isto é, com os elementos de natureza subjectiva que estabelecem a relação do recorrente com o facto, a pena e a vítima, tudo em ordem a aferir o grau de probabilidade de, uma vez colocado em liberdade, ser capaz de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

iii) O recorrente discorda do juízo sobre si formulado no despacho recorrido no sentido de que se percepciona desculpabilização e limitada interiorização na reflecção que agora iniciou e corresponde à sua nova postura, afirmando que, pelo contrário, tal interiorização existe e que, por isso, não pode deixar de ser positivamente valorada. Acrescenta que, ainda que assim não fosse, nem a desculpabilização, nem a limitada interiorização constituiriam obstáculos à concessão da liberdade condicional.    

O recorrente, na audição a que se refere o art. 176º do CEPMPL, produziu declarações no sentido de que exerceu violência física e psicológica sobre a mãe dos seus filhos, por se enervar, descontrolar e, por vezes, beber, de que, depois de preso, de ficar sem ver os filhos e de se colocar no lugar da vítima, reconheceu que a tratou de forma humilhante e errada, submetendo-a a um patamar de inferioridade, de que a mudança de posição relativamente ao que disse na audição para a concessão da liberdade ao meio da pena se deveu a uma melhor ponderação da sua posição relativamente aos factos e à mãe dos seus filhos, à sua imaturidade e aos maus conselhos [de não admitir os factos] dados por outros reclusos, de que se a primeira condenação por crime de violência doméstica tivesse sido em prisão efectiva, o que depois se passou não teria acontecido e não estaria a cumprir a actual pena de prisão, de que não mais maltratará ninguém, de que não pretende manter relacionamento com a companheira com a qual não contacta, de que a doença psiquiátrica da companheira teria sido ultrapassável se tivesse sabido ouvi-la e tido compreensão e de que tem tido acompanhamento psicológico, que o alivia e aceita manter.

Já deixámos dito que se trata apenas de declarações cujo conteúdo, em função da maior ou menor credibilidade que mereçam, e em conjugação com outros elementos probatórios disponíveis, pode vir a ser, ou não, considerado correspondente à realidade. Para que se perceba, e a título de exemplo, o que é importante é que o recorrente esteja efectivamente arrependido e não, que como tal se declare, devendo o dito sentimento resultar de condutas concretas e não apenas de meras afirmações. 

Pois bem.

As considerações 6 e 7 relevadas em B. De Facto e de Direito, do despacho recorrido, têm o seguinte teor:

6) relativamente ao crime pelo qual cumpre pena, o condenado, depois de manter uma postura de não assunção da maioria das condutas delituosas descritas no acórdão da Relação, e em que transferia a responsabilidade nas situações de conflito entre o casal para a doença bipolar extrema da companheira, referindo que se culpabilizava por não ter sabido lidar com tal problema ao mesmo tempo que referia não ter tido qualquer auxílio para tal, assume agora a maioria dos concretos actos pelos quais foi condenado, afirmando ter reflectido sobre o sucedido, depois de se colocar na posição da vítima e afirmando que não soube lidar com a doença da mulher, que a submeteu a um "patamar de inferioridade" e afirmando ainda que na sua anterior audição negou os factos por assim lhe ter sido sugerido por outros reclusos; afirma-se arrependido;

7) denota-se, na actualidade, um esforço no sentido da reflecção sobre os actos praticados e agora assumidos, mas ainda se percepciona desculpabilização e limitada interiorização, tanto que o condenado, nessa reflecção que agora iniciou sobre o seu passado, acaba mesmo por referir que se anteriormente tivesse cumprido a pena de prisão pelo mesmo crime praticado e que ficou suspensa, não teria cometido aquele pelo qual agora cumpre pena

E mais adiante, a propósito destas mesmas considerações, escreveu-se:

É de inteira justiça notar que, na actualidade, o condenado revela um esforço no sentido da reflecção sobre os actos praticados e agora assumidos.

Contudo, também não se poderá deixar de referir que se percepciona desculpabilização e limitada interiorização, já que o condenado, nessa reflecção que agora iniciou sobre o seu passado, e designadamente quando confrontado com o padrão comportamental adoptado no passado e que repetiu novamente, acaba mesmo por referir que se anteriormente tivesse cumprido a pena de prisão que lhe foi imposta pelo mesmo crime praticado e que ficou suspensa, não teria cometido aquele pelo qual agora cumpre pena.

Mais ainda: essa postura, reveladora de desculpabilização e de ainda limitada interiorização, é ainda comprovada pela explicação que o condenado avança agora quanto à circunstância de anteriormente ter negado a maioria dos seus comportamentos delituosos, ao afirmar que tal de sucedeu por assim lhe ter sido sugerido por outros reclusos.

É que nem o condenado cumpre pena de prisão pela primeira vez, nem o condenado revela, por qualquer forma, uma personalidade influenciável e permeável a influências de terceiros, pelo que são ainda notórias as dificuldades na assunção das responsabilidades próprias e inalienáveis que ainda se verificam, a trazerem a lume a limitada interiorização que ainda se constata subsistir.

Julgamos, portanto, que apesar de se notar alguma evolução na personalidade do condenado e no seu posicionamento relativamente ao crime cometido, a mesma não é de molde a sustentar a favorabilidade do juízo de prognose de que depende sempre a concessão da liberdade condicional, mais a mais, quando apreciada no âmbito de um juízo global onde se integram também as circunstâncias do caso e a vida anterior, como se acabou de fazer, e quando estamos na verdade perante um condenado que reincidiu no cometimento do mesmo crime.

Como se vê, o que a Mma. Juíza a quo levou àquelas considerações foi, em primeiro lugar, os diversos temas focados pelo recorrente nas declarações que prestou e, em segundo, as impressões pessoais que delas reteve. Com efeito, começando por referir a anterior posição de negação do recorrente perante os factos e a justificação com a doença da companheira e a falta de ajuda de terceiros para lidar com o problema – que, embora não se diga, terá, certamente, tido lugar nas declarações prestadas aquando da apreciação da liberdade condicional ao meio da pena – a Mma. Juíza menciona, a seguir, que o recorrente afirma, agora, assumir a maioria dos factos, afirma ter reflectido sobre o que aconteceu, colocando-se no lugar da vítima, afirma que submeteu a companheira a um ser inferior, afirma estar arrependido e afirma ter antes tido a posição de negação, por ter sido assim aconselhado por outros reclusos. Seguidamente, perante estas afirmações, a Mma. Juíza refere o esforço do recorrente no sentido da reflexão sobre os factos, mas afirma que o que percepcionou no recorrente foi uma atitude desculpabilizadora e uma limitada interiorização do desvalor dos factos, percepção que justifica com a circunstância de o recorrente ter referido que, se tivesse cumprido prisão pelo crime de violência doméstica que praticou em primeiro lugar, não teria praticado aquele cuja pena se encontra agora em execução, e com a circunstância de o recorrente ter justificado a sua primitiva perspectiva de negação com o mau aconselhamento de outros reclusos, quando não revela, de todo, uma personalidade influenciável e permeável à influência de terceiros.

Esta argumentação da Mma. Juíza a quo afigura-se-nos certeira e correcta e por isso, de sufragar.

É claro que a referência feita pelo recorrente à primeira condenação, por crime de violência doméstica, em pena de prisão suspensa na respectiva execução e ao que extrai, comporta o entendimento de que este apenas pretendeu dizer que uma primeira condenação em prisão efectiva teria constituído suficiente incentivo para não ‘reincidir’. Mas também é verdade que não deixa de constituir uma desresponsabilização, considerar como ‘concausa’ do cometimento do novo crime, a ausência da primitiva condenação em prisão efectiva.

Por outro lado, é evidente que o recorrente, como se diz no despacho recorrido, não revela ser portador de uma personalidade fraca e influenciável. Pelo contrário, os factos provados que constam do acórdão da 1ª instância de 9 de Outubro de 2013, mantido pelo acórdão da Relação de 3 de Fevereiro de 2016 [acórdãos que fazem parte da certidão que constitui o presente recurso] antes configuram o recorrente como tendo uma personalidade forte, inflexível, dominadora e, de alguma forma, manipuladora, exercendo completo domínio sobre a vítima, a sua companheira [indicam-se, a título meramente exemplificativo, os pontos 8, 9, 11 a 14, 17, 20 a 22, 23 a 25, 31 e 32 dos factos provados do primeiro acórdão referido].

Numa outra perspectiva, a personalidade do recorrente também se apresenta, digamos assim, em alguns sectores, como avessa ao direito ou seja, indiferente a certos valores da comunidade, tutelados por normas penais. Assim, além de outros, mostra-se em particular, indiferente, ao bem saúde física, psíquica e mental da sua companheira e portanto, indiferente à dignidade pessoal desta enquanto membro da relação, tendo sofrido já duas condenações pela prática de crime de violência doméstica.    

Ora, com estes traços de personalidade e tendo o recorrente propensão para a prática deste crime, como explicar que, em apenas cerca de oito ou nove meses, tenha modificado radicalmente a sua forma de pensar quanto à aceitação dos factos praticados, à pena e à supressão dos direitos fundamentais da vítima? Não sendo razoável aceitar, face às circunstâncias, a existência de uma verdadeira, genuína e incondicional assunção e interiorização da culpa, a mudança do discurso deve-se, pelo menos, em parte, à percepção, pelo recorrente, de que só por esta via, pela completa alteração de perspectiva quanto a tais aspectos, poderia alcançar a concessão da liberdade condicional.

Será, aliás, por também terem considerado que a, pelo recorrente, afirmada alteração de perspectiva, não era genuína e verdadeira ou completamente genuína e verdadeira, que três dos quatro membros do conselho técnico emitiram parecer negativo à concessão da liberdade condicional, sendo certo que, igualmente de alguns pontos dos relatórios juntos, resulta que os serviços de reinserção social não deram total crédito à afirmada mudança do recorrente.

Em suma, consideramos correcta a apreciação feita pela Mma. Juíza a quo de que, embora exista alguma reflexão do recorrente sobre os factos, a pena e a vítima, continua a existir desculpabilização e limitada interiorização do desvalor da conduta.

Finalmente, como supra já referimos, entende o recorrente que, mesmo que se aceitasse que continua a assumir uma conduta desculpabilizante e a revelar limitada interiorização do mal causado, nem uma nem outra constituem obstáculos à concessão da liberdade condicional.   

Vejamos.

Já sabemos que o único pressuposto material de que depende a concessão da liberdade condicional aos dois terços do cumprimento da pena de prisão é a fundada esperança de que, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a sua personalidade e a evolução desta durante a prisão, uma vez em liberdade, o mesmo adoptará um comportamento socialmente responsável, sem cometer crimes. Trata-se, portanto, da possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável, sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade, fundado na análise conjugada dos referidos índices de ressocialização.

O recorrente tem, como vimos, boas perspectivas de enquadramento familiar e profissional, não é previsível a sua rejeição pelo meio social, adquiriu competências escolares, profissionais e sociais durante o período de reclusão já cumprido e não regista sanções disciplinares.

Não obstante, e apesar do período significativo de reclusão, o recorrente persiste, pelas razões sobre ditas, na desculpabilização e limitada interiorização do desvalor da conduta. Sucede que esta circunstância, conjugada com os traços da sua personalidade e com a indiferença que revela para com a dignidade da vítima e a consequente apetência para a prática do crime de violência doméstica, torna elevado o risco de que venha a retomar a relação de domínio sobre a vítima.

É que, apesar de esta, aparentemente [cfr. consideração 5 relevada em B. De Facto e de Direito, in fine], continuar a residir na Alemanha, e de o recorrente afirmar que não pretende mais voltar a viver com ela, sempre vai dizendo que a companheira para lá foi e não pretende regressar, por se sentir pressionada pela justiça portuguesa. Ora, não se percebe como poderia a vítima sentir-se pressionada pela justiça quando, como se provou e o recorrente, agora, diz admitir, a maltratou e humilhou de forma inaceitável e muito menos se percebe que, para se afastar de uma pressão, inexistente, se desloque precisamente para o país onde, então, se encontrava a residir, o companheiro e agressor. E muito menos se percebe que, como diz o recorrente, continue a sentir-se pressionada.

Na verdade, o que é razoável concluir é que a vítima foi para a Alemanha com os filhos comuns, porque o recorrente a chamou e de lá não veio ainda, por indicação do mesmo.   

Em suma, a natureza do crime praticado, as circunstâncias em que o foi, a propensão para a prática deste crime pelo recorrente e a sua revelada personalidade não permitem, para além do risco aceitável, a formulação de um juízo de prognose favorável sobre a adequação social do seu comportamento futuro em liberdade, sem cometer crimes, designadamente, o de violência doméstica.

Deste modo, tendo este sido também o entendimento sufragado pelo despacho recorrido, impõe-se a sua manutenção.


*

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.


*

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 153º, nºs 1 e 6 do CEPMPL, e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).

*

Coimbra, 27 de Setembro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)