Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
296/04.9TBPMS-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADE
INCIDENTE PROCESSUAL
TAXA DE JUSTIÇA
PRAZO
MULTA
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO EXECUÇÃO (EXTINTO)
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 7 Nº4, 40 RCP, 139 Nº5, 145, 570 CPC
Sumário: I - Se a recorrente invoca a violação de caso julgado formal, a aplicação do artº 139º nº5 do CPC à prática de atros tributários, a compensação do pagamento da taxa de justiça e multa com outras valores já pagos a este título e a violação dos princípios da confiança e do acesso ao direito, tal não se atém à nulidade dos despachos atinentes, mas à sua ilegalidade.

II - A invocação, em processo pendente, da nulidade por falta de citação e notificação, constitui incidente cujo processado está sujeito a tributação – artº 7º nº4 do RCP.

III - Esta responsabilidade tributária pode ser exigida durante a tramitação do incidente até à decisão final nele proferida, pelo que, inexistindo decisão adrede em tal sentido aquando do início do processado incidental, tal não constitui caso julgado quanto à inexigência de tal responsabilidade, nem frustra expectativas e fere o princípio da segurança.

IV - O prazo do artº 139º nº5 do CPC não se aplica, salvo disposição de lei especial em contrário, à prática de atos tributários – artº 40º do RCP.

V – O pagamento do montante de taxa de justiça e multa devidas – vg., ex vi do artº 570º nº 5 do CPC – não é compensável pelo pagamento, não aceite, por extemporâneo, de outras verbas pagas a este título – vg., ex vi do artº 570º nº3 do CPC -, tendo a parte apenas direito à restituição destas – cfr. artº 145º nº 2 do CPC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Nos presentes autos é  executada E (…), Lda.

 Tendo tomado conhecimento da data para abertura de propostas em carta fechada,  apresentou nos autos requerimento de arguição de nulidade por falta da sua citação e notificação.

Foi proferido despacho que mandou notificar os demais intervenientes para se pronunciarem sobre tal requerimento.

Posteriormente foi proferido despacho que qualificou aquela pretensão como incidente processual sujeito a pagamento de taxa de justiça – artº 7º nº4 do RCP – e  que ordenou a notificação da requerente para juntar aos autos comprovativo desse pagamento.

Na sequência, a requerente/executada alegou que tinha requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos.

Sobre tal requerimento incidiu despacho no qual se considerou que o pedido de apoio judiciário e a sua concessão apenas releva para atos a praticar após o pedido, e porque não foi junto o comprovativo do pagamento, ordenou a notificação da requerente para os efeitos do artº 570º nº3 do CPC, ex vi do artº 145º nº3.

Em obediência a tal despacho, a impetrante efectuou o pagamento da taxa de justiça de 51,00 euros e da multa respectiva de 102,00 euros.

Porém, porque tal pagamento se verificou no 2º dia útil posterior ao termo do respectivo prazo, a julgadora, no entendimento de que o prazo do artº 139º nº5 do CPC é aplicável apenas à prática de atos processuais e não à pratica de atos tributários, considerou inexistir pagamento e, consequentemente, ordenou a notificação da requerente para efectuar o pagamento de multa equivalente à taxa de justiça, mas não inferior a 5 UCS, nos termos do artº 570º nº5 do CPC, sob pena de desentranhamento do requerimento.

Esta multa não foi paga pela executada.

Pelo que foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento.

2.

Inconformada recorreu a executada.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do despacho interlocutório ref.ª 86202341 e 83656314, que determinaram o desentranhamento do articulado formulado aos autos em 18.06.2014, sob a ref.ª 17138528, em que foram suscitadas nulidades processuais decorrentes da falta de citação e de falta de notificação de diversos actos processuais, por falta de pagamento da multa que o tribunal a quo entendeu ser devida para permitir a prática do acto do art 570.º, n.º 5 do CPC.

 B. Esse articulado, foi apreciado sumariamente em 20.06.2014, admitido por via do despacho ref.ª 3063452, já transitado e ordenada a notificação aos restantes intervenientes processuais para se pronunciarem, não tendo o tribunal a quo então determinado que o articulado estava sujeito a taxa de justiça, tendo-se formado caso julgado formal, sobre a admissão do requerimento com a prolacção do despacho de 20.06.2014, devidamente transitado em julgado, o que se invoca.

C. Ao abrigo do princípio da confiança e da segurança jurídica, tendo o requerimento sido anteriormente objecto de despacho, a recorrente firmou a convicção de que o articulado não estaria sujeito ao pagamento de qualquer taxa de justiça, pois os despachos que recaíam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. sendo o contrário uma ofensa ao caso julgado formal, decorrente do art. 620.º, n.º 1 do CPC.

D. O tribunal a quo em 10.05.2016 sob a ref. ª 81434432 notificado em 16.05.2016 sob a ref. ª 81724325, (praticamente dois anos após a prolacção do despacho de 20.06.2014 devidamente transitado), decidiu que o articulado anteriormente apresentado, afinal estava sujeito a taxa de justiça de incidente, notificando a parte para proceder ao pagamento da mesma.

E. A recorrente informou aos autos em 27.05.2016 sob a ref. ª 22781864, ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos.

F. Pelo despacho ref. ª 82894122 notificado em 03.10.2016 sob a ref.ª de notificação 83128952, foi a parte, não obstante o apoio judiciário de que beneficiava, que a isentava do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, condenada no pagamento de uma multa por aplicação do art. 570.º n.º 3 do CPC, em violação ao despacho interlocutório ref.ª3063452, já transitado.

G. Tal pagamento, veio a ser satisfeito no 2.º dia útil da tolerância concedida pelo artigo 139.º n.º 5 do CPC, tendo pelo requerimento, remetido a juízo sob a ref. ª 23980080 em 02.11.2016, sido junto aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça do incidente, acompanhada do comprovativo do pagamento da multa do art. 570.º n.º 3 do CPC e do comprovativo do pagamento da multa a que alude o art. 139.º n.º 5 do CPC, num valor total de 191,25€.

 H. Veio o tribunal a quo a entender, por despacho não transitado (ref.ª 83656314), que a recorrente, não podia beneficiar da tolerância concedida pelo art. 139.º n.º 5 do CPC, aplicando-lhe a multa prevista no art. 570, n.º 5 do CPC.

I. O legislador não restringiu, coartou ou limitou, qual o catálogo dos actos processuais em que a parte pode beneficiar da tolerância para a prática do acto nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao dies ad quem do prazo, estabelecido a favor da parte ao abrigo do princípio da confiança e da segurança jurídica,

 J. Não tendo o legislador limitado, não cabe ao intérprete restringir a amplitude da lei, defender-se o contrário, todos os actos em que tivesse de ser paga taxa de justiça estariam fora da previsão do art. 139.º n.º 5 do CPC e não poderiam beneficiar desse prazo de tolerância do legislador a favor das partes para a prática do acto.

K. A prática do acto processual em falta, com aplicação do art. 139.º do CPC é em si mesmo um acto processual, que a lei difere para momento posterior a prática do acto em falta, mediante o pagamento de uma multa, devida pela prática do acto.

 L. Sendo-o, por maioria de razão, ao abrigo do princípio da confiança e da segurança jurídica, dever-se-á entender que, nada na lei coarcta, restringe e impede o regime previsto no art. 139.º n.º 5 do CPC, da tolerância de prazo, estabelecida pelo legislador a favor da parte, na prática de qualquer acto processual.

M. Entender-se o contrário - que o pagamento da taxa de justiça e da multa não pode beneficiar do regime instituído pelo art. 139.º n.º 5 do CPC - quando o legislador não os retirou do elenco dos actos processuais passíveis de aplicação do art. 139.º n.º 5 do CPC, viola os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e o direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, sendo tal interpretação, inconstitucional. Acontece que,

 N. Paga a taxa e justiça, não obstante o apoio judiciário de que a recorrente beneficia, o tribunal decidiu que devia ser aplicado o disposto no art. 570.º, n.º 3 do CPC, como se de uma oposição – que não o é - se tratasse, aumentando em muito o valor do incidente processual, que foi taxado por via do segundo despacho, em 51,00€.

O. Paga a multa de 102,00€, estatuída no art. 570.º, n.º 3 do CPC, o tribunal decide aplicar a multa prevista no art. 570, n.º 5 do CPC, no valor de 510,00€, valor dez vezes superior ao da taxa de justiça devida, que já se encontrava paga há muito, não mandando deduzir o valor já pago.

P. Existindo uma manifesta desproporção entre o valor do alegado incidente (51,00€) – que mais não é do que um requerimento em que a recorrente suscitou nulidades processuais – e o valor da condenação em multa (612,00), como se fôra uma contestação ou oposição com a sua tramitação complexa e por apenso à execução, desconsiderando inclusive o benefício de apoio judiciário concedido à recorrente que a dispensa do pagamento de quaisquer encargos com o processo, bem como os valores já pagos pela recorrente.

Q. Tendo sido paga a multa a que alude o art. 570.º, n.º 3 do CPC, não há lugar ao novo pagamento da multa de 5 UC’s prevista no art. 570.º, n.º 5 do CPC, podendo quanto muito o tribunal a quo, se entendesse que não existia caso julgado formal sobre a admissão do requerimento, e não lhe ser aplicável o disposto no art. 139, n.º 5 do CPC, e mostrando-se paga a taxa de justiça, ter mandado a recorrente proceder ao pagamento da multa a que alude o art. 570.º, n.º 5 do CPC, deduzida do valor já pago, o que não sucedeu. Por outro lado,

 R. Pretender-se que a parte pague multas em duplicado, não possibilitando o pagamento somente do remanescente em falta, viola o mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está inerente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

S. Tendo sido paga a taxa de justiça e multas num valor global de 191,25€, o valor da taxa de justiça considerada devida de 51,00€, mostra-se paga, tendo sido paga em momento anterior ao da prolacção do despacho para proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o montante mínimo de 5 UC, tal multa não era devida.

 T. É inconstitucional, aplicar a um articulado em que foram suscitadas diversas nulidades e omissões por parte do tribunal as regras da contestação/oposição, aplicando-lhe após trânsito em julgado do despacho que o admitiu, taxas de justiça e multas.

U. Ao abrigo do princípio da confiança e da segurança jurídica, tendo o requerimento sido anteriormente objecto de despacho, a recorrente firmou a convicção de que o articulado não estaria sujeito ao pagamento de qualquer taxa de justiça, pois tal não havia sido determinado no despacho que o admitiu, sendo o contrário uma ofensa ao caso julgado formal, decorrente do art. 620.º, n.º 1 do CPC, de que os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

V. O trânsito em julgado, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário (art.º 628.º do CPC), verificada tal insusceptibilidade, formando-se caso julgado, que se traduz, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.

W. O caso julgado formal, vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1), impossibilita qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão de voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, vinculando-o à decisão proferida, valendo em caso de necessidade, a decisão que sobre o mesmo objecto, tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), e in casu, tal decisão foi a prolactada em 20.06.2014.

X. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está inerente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

Y. Tendo o articulado sub judice, sido suscitado ao abrigo do art. 149.º, n.º 1 do anterior CPC, tendo sido arguida quer a falta de citação, quer a falta de notificação para os sucessivos actos processuais que foram praticados, foram suscitadas questões processuais de extrema relevância e importância dentro do processo.

Z. O tribunal, ao invés de apreciar o requerimento e analisar o processado para aferir da bondade do mesmo, decidiu aplicar-lhe taxa de justiça, dois anos após o despacho inicial de admissão, devidamente transitado.

AA. A lei não prevê a aplicação a um articulado em que apenas são suscitadas nulidades processuais gravosas, a aplicação do regime estabelecido para a contestação/oposição, a recorrente não se pronunciou sobre a execução, por dela não conhecer, não tendo ainda sido citada para a execução e cumulação de execuções, que continua a desconhecer.

BB. A falta de prolacção de despacho interlocutório que, determinasse a notificação à parte para proceder ao pagamento da multa, deduzida do valor já pago, constitui uma nulidade que tem influência na decisão da causa, por não terem sido cabalmente assegurados os direitos de defesa que a lei prevê – mormente - como sucede quando se pretende decidir questões, sem prévia audição das partes, proferindo-se depois uma decisão lesiva dos legítimos interesses dos ora recorrentes.

CC. Tendo a omissão da notificação à parte para pagar o diferencial da multa, sido cometida, a coberto da decisão judicial recorrida, nada obsta a que a nulidade processual daí decorrente, seja suscitada em sede de recurso nas respectivas alegações, cfr. entre outros, Ac. da R.L. de 11/01/2011, proc. 286/09.5T2AMD-B.L1-1; Ac do STJ de 13/01/2005, proc. 04B4031, da RP de 18/06/2007, proc. 0732861, daí que a presente arguição de nulidade, deva ser considerada tempestiva.

 DD. Tal decisão, consubstancia, não só a nulidade prevista no art. 195º/1 e 2 do CPC, mas também a nulidade prevista no art. 615º/1-d-2ª parte, do CPC, tendo o juiz conhecido de questões que não podia conhecer.

EE. Tendo o despacho ora recorrido sido proferido, sem ter sido previamente conferido direito à parte, para poder pagar o remanescente da multa em falta, foi violado o direito de defesa, formando uma decisão surpresa, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, geradora da nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

FF. Ambos os despachos recorridos, violam os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e o direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Normas violadas

 Nos termos e para os efeitos do art. 639.º n.º 2 al. a) do CPC por erro de interpretação e/ou aplicação foram violados, entre outros: · art. 139.º do CPC; · art. 570.º, n.º 3 e 5 do CPC; · art. 620.º, n.º 1; art. 625.º, n.º 1 e art. 628.º todos do CPC; · art. 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. · o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos; · art. 195.º, n.º 1 e 2 do CPC; · art. 615.º, 1 al. d) do CPC.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º e 639º-A  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção -, o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão  essencial decidenda é  a seguinte:

Ilegalidade dos despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento por não pagamento da taxa de justiça e multas atinentes.

4.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

5.

Apreciando.

5.1.

A executada apelida as decisões de nulas por não poderem ser proferidas – nulidade processual – artº 195º do CPC -  e por conhecerem de questões de que não podiam conhecer – artº 615º nº1 al. d).

Mas tais nulidades inexistem.

As decisões, máxime as duas últimas que são objecto do recurso, foram proferidas por quem tem poder jurisdicional para o efeito, e, em tese/abstracto, não são vedadas por lei.

Acresce que nelas não se conheceu  mais do que, nuclearmente, está em causa desde o início do iter em dilucidação, a saber: se é devida taxa de justiça pelo mesmo e se ela deve considerar-se não paga, ou não paga atempadamente, com as legais consequências do artº 570º nºs 3 e 5 do CPC.

Mas, bem vistas as coisas, mais do que a invocação de um  vício meramente formal- processual, a recorrente insurge-se substantivamente contra as decisões, assacando-lhes a violação de lei.

Por conseguinte, a questão  não é, ou essencial e determinantemente, não é, de nulidade, mas de ilegalidade.

5.2.

Perscrutemos, pois, o cerne.

5.2.1.

Desde logo a decisão não merece censura quanto qualificou o processado despoletado pelo requerimento como incidental e, assim, sujeito ao pagamento de taxa de justiça.

Aquela qualificação advém-lhe da sua natureza anómala por contraponto e na consideração de uma normal e desejavelmente  escorreita - em abono de uma celeridade propiciadora de decisão temporã e  com economia de meios -, tramitação da acção executiva.

Efetivamente, nela, como em qualquer outra acção, não se suscitam, por via de regra, questões de falta de notificação ou falta de citação, as quais é suposto serem, e serem adequadamente, efectivadas.

Se assim não acontece e a sua inexistência ou irregularidade são despoletadas, é obvio que nos encontramos perante uma questão não prevista na normal tramitação dos autos, a qual, assim, neles inicia um processado de jaez anómalo e, decorrentemente, incidental, com afectação dos supra aludidos benefícios

Atingida esta natureza, ao mesmo deve ser atribuído um valor processual – artº 304º do CPC -  e, consequentemente, uma tributação própria dimana de lei expressa, qual seja o artº 7º nº4 do RCP.

5.2.2.

Diz a insurgente que o primeiro despacho que ordenou a notificação dos demais interessados para se pronunciarem quanto ao teor do requerimento, e porque nada mencionou quanto à qualificação da pretensão como incidental e sujeita a taxa de justiça, fez caso julgado formal, pelo que esta questão ficou arrumada e ela não podia ser posteriormente trazida à colação.

Mas não  lhe assiste razão.

Primus porque não houve decisão adrede quanto a tal matéria.

E a omissão quanto à mesma no despacho não tem o efeito ora pretendido.

É que tal requerimento iniciou apenas um processado cujos efeitos finais, não estavam ainda, à data da prolação do despacho, consecutidos.

Assim, e até à data da prolação da decisão final quanto à matéria incidental, a responsabilidade tributária da requerente estaria sempre  potencialmente presente  e poderia ser activada/despoletada, como o foi.

É que inexiste norma preclusiva de tal responsabilidade,  implicando inclusive, o seu não cumprimento atempado, sancionamento com multa.

Ademais, aquando do chamamento da executada para pagar a taxa de justiça, o incidente estava ainda numa fase liminar ou quasi liminar.

Finalmente, a delonga do seu despoletamento não prejudicou ninguém; antes pelo contrário, permitiu à executada ainda mais tempo para poder solver a sua responsabilidade tributária.

Por aqui se alcança que a insurgente não poderia acalentar expectativas no sentido de se considerar definitivamente desonerada de cumprir as suas responsabilidades tributárias; e assim inexistindo violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança.

Secundus porque, notificada do despacho que ordenava o pagamento da taxa de justiça com multa, nos termos do artº 570º nº3 do CPC, a executada acatou-o e cumpriu-o.

Logo, se alguma nulidade, ilegalidade ou irregularidade houvesse, a recorrente aceitou-as, pelo que elas estariam sanadas e a decisão atinente transitou em julgado, assim emergindo válida, eficaz e, consequentemente, vinculativa para a executada/ requerente.

Nesta conformidade se alcançando a intermédia conclusão – até por anuência da executada, como se viu -  de que: a questão suscitada assume o cariz de incidental; que está sujeita a taxa de justiça; que esta foi atempadamente exigida; que a executada a não satisfez; e que ela ficou sujeita à cominação do disposto no artº 570º nº3 do CPC.

5.2.3.

Destarte, resta apreciar a legalidade do fundamento do penúltimo despacho, qual seja, que o artº 139º nº5 do CPC não é aplicável ao cumprimento das obrigações  tributárias.

E a resposta é, inequivocamente afirmativa.

Tal dimana de lei expressa, a saber, o artº 40º do RCP, o qual estatui:

«Salvo disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente Regulamento não se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil».

A letra da lei não deixa margem para dúvidas, pelo que na interpretação deste preceito sempre se imporia o estatuído no artº 9º nº2 do CC, o qual prescreve que, aquando da postura exegética do interprete: «…não pode… ser considerado… o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal…».

Ora no caso vertente tal mínimo inexiste para se concluir no sentido propugnado pela recorrente.

Sendo este o entendimento da jurisprudência e da doutrina, como se expende na decisão: Ac. da RC de 24/03/2015, p.  9/10.6TBSJP-A.C1; da RL de 08/02/2011 in dgsi.pt; e Salvador da Costa  RCP Anotado, 5.ª Ed., Almedina, 2013, pág. 407.

A interpretação  do artº 40º não «viola os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e o direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa», como defende o requerente.

É que, como se viu,  ela emerge, quasi inelutavelmente, da letra do preceito.

E este alcança-se ainda dentro margem de conformação atribuir ao legislador ordinário  quanto à matéria em causa, alcançando-se, assim, admissível.

O pagamento de um tributo é quid, substancial e  teleologicamente, diverso da prática de um ato processual, hoc sensu considerado.

Por conseguinte, a ratio que esteve subjacente à concessão do prazo  adicional do artº 139º nº5 -  o qual, em si mesmo já se alcandora a um jaez especial ou, até, excepcional -, não é extensível, necessariamente, à prática dos atos tributários.

E para que dúvidas não houvesse, o legislador do RCP dissipou-as.

Sendo, porém, de atentar que o artº 40º citado não é inelutavelmente impositivo, no sentido de impedir a aplicação, em todo e qualquer caso ou situação, do segmento normativo do artº 139º nº5 aos atos tributários, pois que admite exceções consagradas em lei especial.

Por aqui também se alcança que aqueles «pecados», de insegurança e de denegação do acesso ao direito,  assacados pela recorrente à redacção do artº 40º do RCP e à sua interpretação, não colhem.

A parte praticante de ato tributário tem conhecimento, ou é  suposto que tenha, sendo que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, da  proibição da aplicação do artº 139º nº5 aos atos tributários.

E, obviamente, o acesso ao direito não é - por princípio e em termos de normalidade, que é, aqui como em muitos  outros conspetos, o qb – na economia de um prazo, de dez ou mais dias, para a prática do ato, vedado ou intoleravelmente afectado, pela não concessão de mais três dias.

Até porque em casos de prova de facto grave impeditivo de tal prática sempre pode ser invocada a figura do justo impedimento.

E finalmente não colhendo o argumento de que o cumprimento das responsabilidades tributárias  por imposição do artº 570º nº5 do CPC deveria ser compensado com o já anteriormente satisfeito a quando da aplicação do nº 3 do mesmo preceito.

Efetivamente, inexiste norma que tal permita.

E ainda que, de jure constituendo, tal opção seja discutível, de jure constituto é a consagrada.

Tal interpretação  da recorrente não pode ser retirada de outra similar ou análoga.

Antes pelo contrário, normas existem que apontam no sentido oposto.

É o caso do artº 145º nº 2 do CPC, a saber:

« A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.»

Nesta conformidade, e quanto mais não seja pela aplicação, mutatis mutandis, deste preceito, no caso vertente impunha-se que a recorrente satisfizesse os valores  em dívida no âmbito  do nº5 do artº 570º, sendo depois, oficiosamente ou, no limite, a pedido, reembolsada do anteriormente pago.

Assim não tendo atuado, a decisão não merece censura.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº 7 do CPC.

I - Se a recorrente invoca a violação de caso julgado formal, a aplicação do artº 139º nº5 do CPC à prática de atros tributários, a compensação do pagamento da taxa de justiça e multa com outras valores já pagos a  este título e a violação dos princípios da confiança e do acesso ao direito, tal não se atém à nulidade dos despachos atinentes, mas à sua ilegalidade.

II - A invocação, em processo pendente, da nulidade por falta de citação e notificação, constitui incidente cujo processado está sujeito a tributação – artº 7º nº4 do RCP.

III - Esta responsabilidade tributária pode ser exigida durante a tramitação do incidente até à decisão final nele proferida, pelo que, inexistindo decisão adrede em tal sentido aquando do início do processado incidental, tal não constitui caso julgado quanto à inexigência de tal responsabilidade, nem frustra expectativas e fere o princípio da segurança.

IV - O prazo do artº 139º nº5 do CPC não se aplica, salvo disposição de lei especial em contrário, à prática de atos tributários – artº 40º do RCP.

V – O pagamento do montante de taxa de justiça e multa devidas – vg., ex vi do artº 570º nº 5 do CPC – não é compensável pelo  pagamento, não aceite, por extemporâneo, de outras verbas pagas a este título – vg., ex vi do artº 570º nº3 do CPC -, tendo a parte apenas direito à restituição destas – cfr. artº 145º nº 2 do CPC.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Coimbra, 2019.07.10

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos