Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1979/16.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACTUAÇÃO CULPOSA DO EMPREGADOR
VIOLAÇÃO DE REGRAS SOBRE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
REPRESENTANTE
ENTIDADE CONTRATADA PELO EMPREGADOR
TRABALHO TEMPORÁRIO
EMPRESA UTILIZADORA DE TRABALHO TEMPORÁRIO
EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO
TRABALHOS EM ALTURA
EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 18.º, N.º 1, DA LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO.
ARTIGO 36.º DO DL N.º 50/2005, DE 25 DE FEVEREIRO.
Sumário: I) O conceito “representante” utilizado no art. 18.º, n.º 1, da LAT de 2009, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade patronal e actuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda a quem no local de trabalho exerça o poder directivo, o que significa que os comportamentos da empresa utilizadora de trabalho temporário se traduzem em actos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam pela violação culposa das regras legais de segurança e saúde no trabalho que àquela venham a ser imputáveis.
II) O conceito referido em I) abrange, assim, quer uma entidade contratada pelo empregador (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra no caso de o empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.

III) A execução de trabalhos em altura numa cobertura impõe a utilização de equipamento de protecção apropriado para assegurar condições de trabalho seguras apenas naqueles casos em que a cobertura oferece perigo de queda em altura, seja pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, seja por efeito de condições atmosféricas.

IV) Se os factos provados não fornecem indicações quanto à inclinação, natureza e estado da cobertura ou sobre as condições atmosféricas, não é possível concluir-se no sentido de que era obrigatória a utilização do equipamento de protecção referido em III).

Decisão Texto Integral:


                    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                    O Fundo de Acidentes de Trabalho instaurou a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra a A… – Companhia de Seguros, S.A., pedindo que seja julgada procedente e provada a acção e, por via dela, ser declarado o acidente sofrido por B… como de trabalho, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 25.454,40, correspondente ao triplo da remuneração auferida pelo sinistrado [(€ 530,00 x 14) + (€ 4,40 x 22 dias x 11 meses) x 3].

                    Alegou para tanto, em síntese e tal como consta da sentença recorrida, que, no dia 24.05.2016, B… encontrava-se cedido pela sua entidade empregadora, C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda, à sociedade D…, Lda, sob cujas ordens, direcção e fiscalização se encontrava a trabalhar, tendo sofrido um acidente de trabalho que lhe provocou lesões e de que resultou directa e necessariamente a sua morte, no estado civil de solteiro, o qual não deixou beneficiários legais, tendo o Autor direito ao pagamento da quantia peticionada, estando a responsabilidade do seu pagamento a cargo da Ré, para quem a entidade empregadora do sinistrado havia transferido a responsabilidade infortunística laboral.

                    A Ré - A… – Companhia de Seguros, S.A., deduziu contestação invocando, em síntese, que o acidente ocorreu porque o sinistrado se encontrava em cima da cobertura de um armazém, tendo caído do mesmo de uma altura de 8 metros, o que sucedeu porque o sinistrado não utilizava arnês de segurança. Mais referiu que o sinistrado não foi sujeito a exames de saúde e de admissão, não tendo sido verificada a sua aptidão para trabalhos em altura, não lhe tendo sido ministrada qualquer formação nem informação sobre os riscos a que estaria exposto e respectivas medidas preventivas e sobre a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial para aquele posto de trabalho.

                    Conclui, referindo que a responsabilidade pelo sinistro ficou a dever-se à actuação da entidade empregadora e da empresa utilizadora para quem o sinistrado prestava serviço, sendo estas entidades solidariamente responsáveis pela reparação dos danos emergentes deste acidente, sendo que muito embora caiba à Ré satisfazer, em primeira linha, as prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, tem a mesma direito de regresso contra a entidade empregadora (tomadora do seguro) bem como contra a empresa utilizadora.

                    A final, pediu a intervenção da entidade empregadora do sinistrado, C… – Empresa de Trabalho Temporário, Lda, e da empresa utilizadora, D… , Lda., e que seja declarado que o acidente de trabalho se deveu à violação culposa das normas de segurança pelas intervenientes e, em consequência, que seja declarado que estas deverão reembolsar a Ré das quantias que esta venha a ser condenada na presente acção.

                    Foi, oportunamente, deferida a intervenção da entidade empregadora do sinistrado, C… – Empresa de Trabalho Temporário, Lda, e da empresa utilizadora, D…, Lda.

                    A C… apresentou o respectivo articulado, tendo rejeitado a violação de qualquer regra de segurança e saúde no trabalho e, consequentemente, qualquer responsabilidade pela eclosão do acidente de trabalho em apreço, referindo que a empresa utilizadora actuava ao abrigo de um contrato de subempreitada que havia celebrado com a empreiteira E…, SA e que ambas deveriam ter em obra representantes e coordenadores de segurança e higiene no trabalho durante a execução da obra, a quem o sinistrado devia obediência às ordens e instruções. Mais alegou que a empresa utilizadora tinha conhecimento que o sinistrado não possuía aptidões profissionais ou experiência para realizar trabalhos de construção em altura; sendo um trabalhador não especializado estava apto a desenvolver tarefas que não envolvessem conhecimentos ou aptidões especiais, o que não é o caso de trabalhos de reparação de uma cobertura com a altura de 8 metros.

                    Termina pedindo que o Tribunal não dê provimento ao pedido da seguradora A…, e ainda que no âmbito da presente acção seja proferida sentença que reconheça que a C… não foi culpada na produção do acidente de trabalho e bem assim que não teve condutas omissivas susceptíveis de serem causa adequada na produção do acidente que vitimou o trabalhador B… e, consequentemente, que não seja reconhecido o direito de regresso da seguradora A… no pagamento da indemnização peticionada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho nem no pagamento de outras quaisquer quantias pecuniárias despendidas pela seguradora, decorrentes do acidente de trabalho.

                    A empresa utilizadora, D…, Lda, apresentou também o respectivo articulado, alegando que a entidade empregadora do sinistrado com quem celebrou um contrato de utilização de trabalho temporário conhecia a área de actividade da utilizadora e sabia qual era o perfil de trabalhador pretendido, tendo rejeitado a violação de qualquer regra de segurança e saúde no trabalho, porquanto forneceu a todos os trabalhadores, incluindo ao sinistrado, equipamento de protecção individual apropriado, incluindo arnês de segurança para se amarrarem às linhas de vida montadas na cobertura, tendo ainda prestado formação e informação acerca dos riscos associados às funções a desempenhar e das medidas preventivas a adoptar.

                    Termina pedindo a sua absolvição da instância, procedendo as excepções por si alegadas quanto ao erro na forma do processo e à ilegitimidade passiva da Ré, devendo ainda a acção ser julgada totalmente improcedente, devendo ser negada procedência ao pedido da seguradora relativo ao direito de regresso sobre a Ré – D… a em relação a quaisquer quantias decorrentes do sinistro em apreço.

                    Requereu ainda a intervenção da respectiva companhia de seguros, a F… – Companhia de Seguros, S.A., para a qual se encontrava transferida a responsabilidade infortunística laboral.

                    Por despacho proferido nos autos, foi indeferida a intervenção da F… – Companhia de Seguros, S.A.

                        Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                        “Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência:

                        1. Condena-se a Ré, “A… – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar, desde já e a título principal, ao Autor, Fundo de Acidentes de Trabalho, a quantia de € 25.454,40 (vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros e quarenta cêntimos) sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09;

                        2. Condena-se a entidade empregadora C… – Empresa de Trabalho Temporário, Lda. e a empresa utilizadora de trabalho temporário, D… , Lda. A pagarem, solidariamente, nos termos do disposto no art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, ao Autor, Fundo de Acidentes de Trabalho, a mencionada quantia de € 25.454,40 (vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros e quarenta cêntimos).

                                                                       *

                                                                       *

                        Custas a cargo da entidade empregadora C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda., da empresa utilizadora de trabalho temporário, D…, Lda. e da Ré, A… – Companhia de Seguros, S.A. na proporção dos decaimentos (art.º 527º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).

                                                                       *

                        Fixa-se o valor desta acção, nos termos do art.º 120º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, em € 25.454,40 – art.º 120.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho”.      
                                                           x
                    Inconformada, vieram as Rés- C… e D…interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

                        (…)

                        A Ré- seguradora contra-alegou em relação ao recurso da C…, pugnando pela manutenção do julgado.

                    Foram colhidos os vistos legais.

                    O Exmº PGA emitiu parecer fundamentado no sentido da improcedência das apelações.

                                                           x
                    Definindo-se o âmbito dos recursos pelas suas conclusões,  temos, como questões a decidir:
                 - a impugnação da matéria de facto;
                  - se o acidente se deve considerar ocorrido devido a violação de regras de segurança por parte das Rés- apelantes.
                                                        x
                    A 1ª instância fixou da seguinte forma a matéria de facto:

                        Factos provados:

                        1) O Sinistrado, B…, no dia 24 de Maio de 2016, e em …, trabalhava sob ordens, direcção e fiscalização da sociedade C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda., com a categoria profissional de trabalhador não especializado, mediante a remuneração de € 530,00 x 14 meses, acrescida de € 4,40 x 22 dias x 11 meses, num total anual ilíquido de € 8.484,80 – alínea A) dos factos assentes.

                        2) Na referida data, o Sinistrado havia sido cedido pela sua Entidade Empregadora, C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda., à sociedade D…, Lda. E encontrava-se numa obra de construção de um pavilhão industrial da empresa G…, Lda., a cargo da sociedade D…, Lda., em cima da cobertura de um armazém em construção, quando se desequilibrou e caiu da mesma para o solo, de uma altura de cerca de 8 metros – alínea B) dos factos assentes.

                        3) Em consequência desse evento, o Sinistrado B…, sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 107 a 111 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos, nomeadamente lesões traumáticas crânio-meningoencefálicas, toraco-abdominais e dos membros superior e inferior direitos, de que resultou a sua morte, em 17 de Junho de 2016 – alínea C) dos factos assentes.

                        4) Na data referida em A), e quando foi encontrado no solo, o Sinistrado não tinha arnês de segurança colocado e esse equipamento não estava na cobertura.

                        5) O Sinistrado e o seu irmão, I…, foram cedidos pela empresa C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda. à empresa utilizadora D…, Lda., tendo sido destacados para a obra mencionada em 2), por iniciativa da empresa utilizadora, tendo o Sinistrado entrado ao serviço desta no dia 23 de Maio de 2016.

                        6) O Sinistrado não tinha experiência em trabalhos em altura.

                        7) O Sinistrado não foi sujeito a exame de saúde e de admissão nem antes nem após ter iniciado actividade nessa obra.

                        8) Tinha sido agendada a realização de exame médico ao Sinistrado para o dia 28 de Maio de 2016.

                        9) Não lhe tendo sido ministrada, nomeadamente pela empresa utilizadora, D…, Lda., qualquer formação nem prestada informação sobre os riscos a que estaria exposto e respectivas medidas preventivas.

                        10) A Entidade Empregadora do Sinistrado, antes da cedência deste à empresa utilizadora, D…, Lda., não o informou dos resultados da avaliação de riscos para a segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho que iria desempenhar nem sobre a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial relativa ao posto de trabalho.

                        11) A empresa utilizadora, D…, Lda., não facultou, por escrito, tais informações à Entidade Empregadora do Sinistrado, nem esta lhas solicitou.

                        12) O Sinistrado B… faleceu no estado de solteiro, não tendo deixado familiares com direito a pensão por morte – alínea D) dos factos assentes.

                        13) A entidade empregadora do Sinistrado, C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda. tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º… , em vigor na data referida em 1), para a R. “A… – Companhia de Seguros, S.A.”, pela totalidade da retribuição auferida pelo Sinistrado – alínea E) dos factos assentes.

                        14) Relativamente aos trabalhos de construção do pavilhão industrial da empresa G…, Lda., mencionados em 2), a empresa D… Lda. celebrou, na qualidade de subempreiteiro, com a empresa E…, S.A, na qualidade de empreiteiro, em 02.05.2016, um contrato que denominaram de “Contrato de Subempreitada”, tudo conforme consta de fls. 231v.º a 233 do processo em papel, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido para os legais efeitos.

                        15) Entre a Entidade Empregadora do Sinistrado, “C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda.” e a empresa “D…, Lda.” foi celebrado, em 09.05.2016, um contrato que denominaram “contrato de utilização de trabalho temporário n.º 09/2016”, mediante o qual “os trabalhadores temporários cedidos ao utilizador ao abrigo do presente contrato destinam-se a preencher os postos de trabalho inerentes às seguintes categorias profissionais e envolvendo o desempenho das correspondentes funções: 4 (Quatro) Trabalhadores não Especializados” (Cláusula Segunda) sendo que “Os trabalhadores temporários cedidos ao abrigo do presente contrato deverão prestar trabalho nas instalações do Utilizador em Caxarias-Ourém ou em qualquer outro local em território nacional onde este venha a exercer actividade” (n.º 1 da Cláusula Terceira), tudo conforme fls. 184 a 186, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido para os devidos efeitos.

                        16) Ainda de acordo com o clausulado no referido “contrato de utilização de trabalho temporário n.º 09/2016” e, concretamente quanto ao regime de prestação de trabalho, ficou a constar, na Cláusula Décima-Segunda, o seguinte:

                        “1. Durante a permanência dos trabalhadores temporários no Utilizador, este obriga-se a respeitar todas as obrigações legais e contratuais face àqueles relativas à prestação de trabalho, nomeadamente no que respeita ao modo, lugar, duração do trabalho e suspensão da prestação de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho e acesso aos seus equipamentos sociais.

                        (…)

                        4. Todos os equipamentos de protecção e segurança inerentes à prestação e trabalho pelos trabalhadores temporários serão fornecidos pelo Utilizador, devendo os trabalhadores proceder à sua devolução finda a sua permanência no Utilizador.

                        5. O Utilizador obriga-se a não utilizar os trabalhadores temporários em postos de trabalho particularmente perigosos para a segurança e saúde dos mesmos.”.

                        17) No dia 23 de Maio de 2016, entre o Sinistrado, na qualidade de trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, “C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda.” foi celebrado um contrato denominado “Contrato de trabalho temporário”, tendo o Sinistrado sido contratado com a categoria profissional de Trabalhador não Especializado, a fim de exercer a sua actividade para a empresa Utilizadora,  D…, Lda., tudo conforme consta de fls. 24 a 25, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido.

                        18) A Entidade Empregadora “C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda.” deu conhecimento ao Sinistrado do teor da “Informação” constante de fls. 26, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte: (…) Segurança, higiene e saúde no trabalho – (…) Chamamos a atenção para a avaliação dos riscos mais frequentes e correspondentes medidas preventivas, que vos serão transmitidas pelo responsável no local de trabalho, e para o uso de EPI’s (...)”.

                                                                       *

                        Factos não provados

                        Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que:  

                        a) A Entidade Empregadora do Sinistrado ou a Empresa Utilizadora haviam cedido ao Sinistrado arnês de segurança para se amarrar às linhas de vida.

                        b) A empresa utilizadora, D…, Lda. prestou formação e informação ao Sinistrado quanto ao modo de funcionamento da plataforma elevatória e o uso do arnês de segurança.

                        c) Na obra em questão havia um encarregado de obra e um coordenador de segurança relativamente aos trabalhos a desenvolver pelo Sinistrado.

                        d) O Sinistrado subiu à cobertura por sua iniciativa e de livre vontade.

                                                                       x

                    O direito:
                    - a primeira questão- a impugnação da matéria de facto:

                    Amas as Rés vieram pugnar pela reapreciação da matéria de facto:

                    Começando pela Ré C…, temos que  a mesma pretende que:

               - se deem como  provados os factos seguintes:

                              a) A Ré C… forneceu ao Sinistrado o equipamento básico de segurança (capacete, luvas e botas).

                        b) O Sinistrado subiu para a cobertura (telhado) em cumprimento de ordem ou indicação de terceiro.

                        c) No dia seguinte ao acidente a empresa Ré D… acrescentou mais linhas de vida na cobertura.

                        d) Na data do acidente, e quando foi encontrado no solo, o Sinistrado não tinha arnês de segurança colocado.

                    - e como não provado:

                    e)  o arnês de segurança não se encontrava na cobertura na data do acidente.

                    Deu cumprimento aos ónus previstos no artº 640º do CPC.
                    Contudo, a apreciação dos factos elencados sob as citadas als. a), c), d) e e) apresenta-se como inútil.

                    Como é sabido, o âmbito dos recursos  define-se pelas suas conclusões.

                    O Tribunal de recurso não tem de apreciar todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pela parte, mas tão só as questões objecto do mesmo recurso, entendidas as mesmas como aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as (reais) excepções porventura aduzidas.
                    Da mesma forma, só deve este Tribunal apreciar a  impugnação da matéria de facto quando esta, segundo a própria argumentação levada às conclusões do recurso, possa conduzir à alteração do decidido, em termos de direito, pela primeira instância.
                    Como se considerou no acórdão desta Relação e secção social de 13/11/2019, proc. 10132/15.5T8CBR.C1, relatado pelo aqui 1º adjunto, só “os factos que tenham interesse para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito devem ser objecto de prova e da sua reapreciação.

                    Se de determinado facto não resultarem quaisquer efeitos jurídicos segundo aquelas soluções, ou seja se o facto se revelar absolutamente inócuo para a decisão de direito, saber se esse facto deve ser considerado provado, não provado ou provado apenas, redundará na prática de um acto perfeitamente inútil”.

                    Tendo em conta o exposto, sempre se revelaria, como se adiantou, como completamente inútil a reapreciação factual dos aludidos pontos, pela seguinte ordem de razões: como se desenvolverá, com mais detalhe, mais adiante, a partir quer dos factos dados como provados quer da alterações propostas  por esta recorrente não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre violação ou inobservância de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho e a produção do acidente, sendo que, igualmente, se desconhece se era o arnês de segurança colocado e/outro equipamento o adequado para evitar quedas em altura, qual era o equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
                    Assim, e por inútil, não se conhecerá da impugnação factual, nesta parte.

                    E, no que respeita ao facto b)- “o Sinistrado subiu para a cobertura (telhado) em cumprimento de ordem ou indicação de terceiro”, estamos perante, com a utilização da expressão “cumprimento de ordem ou indicação de terceiro” perante um conceito claramente vago e abstracto, e, primordialmente, conclusivo.  Sendo à parte que compete indicar a redacção para cada um dos factos que pretende ver dado como provado, e não ao Tribunal de recurso escolher qual das redacções pretende o recorrente, de entre as possíveis em face da prova produzida, competiria à apelante concretizar quem era esse terceiro e em que consistiram essas ordem e indicação.

                    Num primeiro momento de apreciação do recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, importa não perder de vista que de uma decisão dessa natureza não devem constar factos conclusivos ou matéria de direito.

                    Por imposição do artº 646º, nº 4, do anterior CPC tinham-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou, o que é o mesmo, conclusivas. O mesmo deve considerar-se no quadro do actual CPC, na medida em que o juiz deve considerar apenas os factos que considera provados ou não provados (artº 607º, nºs 3, 4 e 5 do Novo CPC), do que resulta dever ser afastada a matéria notoriamente conclusiva ou de direito. Se apenas a matéria de facto releva para a decisão final, ela deve apresentar-se isenta de considerações jurídicas ou conclusivas que apenas devam ter leitura na apreciação de direito.

                    Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/10/2015, proferido no processo 544/13.4TTGDM.P1, e citado no Ac. desta Relação de Coimbra de 20/10/2017, proc. 187/12.0TTCLD.C1, “… embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado – de acordo com o qual se têm "por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes" – a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos.
                    Apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
                     Por isso o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que "[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
                    Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07 (Processo n.º 488/08.1TBVPA.P1, in www.dgsi.pt)    esta questão “resolve-se nos mesmos termos no domínio da lei processual que vigorou até 31.08.2013 ou aplicando o novo diploma adjetivo: antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos”.
                    Assim, não podem os tribunais deixar de continuar a enfrentar a sobejamente conhecida dificuldade da destrinça entre os factos (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito (actividade perceptiva do dever ser)[1], entre o saber o que constitui um puro facto ou o que se traduz já numa conclusão que apenas se pode afirmar perante a análise e valoração de factos concretos[2].
                    Segundo o artigo 663º, n.º 2 do Código de Processo Civil de 2013, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto.

                    Apenas podem equiparar-se aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes[3].” – no sentido propugnado pelo acórdão acabado de transcrever, decidiu igualmente este Tribunal da Relação, por exemplo, nos acórdãos de 28/4/2017, proferidos na apelação 2283/16.5T8LRA.C1 e na apelação 2282/16.7T8LRA.C1, e de 2/6/2017, proferido na apelação 2281/16.9T8LRA.C1.

                              Improcedendo, nesta parte, a impugnação.

                    Quanto à impugnação da Ré- D… há que dizer o seguinte:
                        Nas conclusões do recurso, esta apelante desenvolve aquilo que qualifica como errada apreciação da matéria de facto pela 1ª instância, misturando, até, impugnação de facto com impugnação de direito.

                    Contudo, verifica-se que, nas conclusões do recurso,  esta recorrente se limita a uma manifestação meramente genérica da discordância, não especificando, todavia, os concretos pontos da matéria de facto que, em sua opinião, foram mal julgados.

                    Prescreve o art. 640º, nº 1, do mesmo diploma que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

                    a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

                    b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

                    c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

                    “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;” – art. 640º, nº 2, al. a).

                    Conjugando as exigências legais referentes ao ónus de alegar e formular conclusões com as exigências enunciadas no artº 640, nºs 1 e 2, do CPC, relativamente ao recurso incidindo sobre a matéria de facto, facilmente se depreende que nas conclusões do recurso o recorrente tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

                        Em caso de recurso com impugnação da decisão sobre a matéria de facto e uma vez que também nesse domínio são as conclusões que delimitam o seu âmbito, delas têm de constar proposições que delimitem o seu objecto, fixando, pelo menos: i) o âmbito fáctico do recurso, por indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados (artºs 639º, nº 1, e 640º, nº 1, al. a)  do CPC); ii) o objectivo recursivo visado, por indicação da decisão que deve ser proferida em substituição da impugnada e quanto a cada ponto de facto que se considere incorrectamente julgado (artºs 639º, nº 1, e 640º, nº 1, al. a), do CPC).

                    No acórdão da secção social do STJ de 01/10/2015 (procº 824/11.3TTLRS.L1.C1), consultável em www.dgsi.pt , afirmou-se que “não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação (…) o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”

                    Assim, apenas a inobservância das alíneas a) e c) supra transcritas acarreta a rejeição do recurso.

                 No sentido de que para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto (respostas alternativas) vejam-se os acórdãos do STJ (Secção Social) de 7/7/2016, Proc. 220/13.8TBCL.G1.S1, de 13/10/2016, Proc. 98/12.9TTGMR.G1.S1,  de 3/11/2016, Proc. 342/14.8TTLSB.L1.S1, e de 27/10/2016, Proc. 3176/11.8TBBCI.G1.S1.

          No caso e como se referiu, a apelante- D…  não indicou, desde logo, o âmbito fáctico do recurso, e, consequentemente,  não delimitou, rigorosamente e em termos de matéria de facto, o objectivo recursivo visado.

                    Não tendo sido devidamente cumprido o ónus de impugnação previsto no mencionado artigo 640º e não sendo caso para prolação de despacho de aperfeiçoamento,  há que rejeitar o recurso da Ré – D… quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matésaneador, nele caho rmar a senteça recorrida.

o CPC.

nte éria de facto (cfr. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, de António Santos Abrantes Geraldes, 2013, págs. 128/129), o que se decide.

                    - a segunda questão- se o acidente se deve considerar ocorrido devido a violação de regras de segurança por parte da Rés – C… e D…:

                    Dúvidas não há da existência de um acidente caracterizado como de trabalho, como as próprias apelantes sempre aceitaram, desde logo  em sede de contestação, designadamente a Ré- D…, que só agora, no seu recurso, vem levantar a questão da descaracterização do acidente ao abrigo do artº 14º da LAT, sendo que o não fez no lugar próprio, a sua contestação.

                    Assim, essa questão da descaracterização aparece como uma questão nova, não sujeita à apreciação da 1ª instância, que, naturalmente, e no despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, não incluiu essa mesma descaracterização.

                    As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal de 1ª instância, não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.

                    Tal contrariaria a função dos recursos, que é a de proceder ao reexame das decisões da instância a quo e não a de criar decisões sobre matéria nova, não ponderada pelo tribunal recorrido. 

               Aliás, tem sido este o entendimento unânime da nossa jurisprudência- cfr., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, Proc. 09P0308 e de 18/06/2006, proc. 06P2536

                    Residindo a questão em discussão unicamente sobre se a ocorrência do acidente se deveu à violação de regras de segurança por parte das Rés C… e D….

                    A sentença recorrida respondeu afirmativamente a tal questão, discorrendo, essencialmente, o seguinte:

                        “Em matéria de prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o art.º 281.º do Código do Trabalho estatui que:

                        “1. O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.

                        2. O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.

                        3. Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa. (…)”

                        Dispõe o art.º 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10/09, na redacção conferida pela Lei n.º 3/2014, de 28/01, que “1 – O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho. 2 – O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção: a) Evitar riscos; b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições do trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais; c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção; e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção (…)”.

                        Por outro lado, ao art.º 16.º que regula as actividades simultâneas ou sucessivas no mesmo local de trabalho, dispõe o seguinte:

                        “1. Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respectivos empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção da segurança e da saúde.

                        2. Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades:

                        a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário

                        (…)”.

                        Nos termos do disposto no art.º 19.º, n.º 1, “O trabalhador, assim como os seus representantes para a segurança e para a saúde na empresa, estabelecimento ou serviço, deve dispor de informação actualizada sobre:

                        a) As medidas referidas na alínea j) do n.º 1 do artigo anterior”, ou seja, sobre os riscos para a segurança e saúde, bem como as medidas de protecção e de prevenção e a forma como se aplicam, quer em relação à actividade desenvolvida quer em relação à empresa, estabelecimento ou serviço.

                        E o art.º 20.º dispõe, no seu n.º 1, que “1. O trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de actividades de risco elevado”.

                        Por outro lado, o D.L. n.º 50/2005, de 25/2, transpondo para a ordem jurídica interna a identificada Directiva/CEE, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, dispõe no art.º 3.º (“Obrigações gerais do empregador”) que este deve (a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; (b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; (c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; (d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; (e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores”.

                        (…)

                        Importa agora aferir se houve neste caso violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora do sinistrado e/ou da empresa utilizadora de trabalho temporário e se se verifica um nexo de causalidade adequada entre tal violação e o acidente, atento o disposto nos artigos 18.º e 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09.

                        No caso vertente provou-se que o sinistrado, B… , no dia 24 de Maio de 2016, e em …, trabalhava sob ordens, direcção e fiscalização da sociedade C… – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., com a categoria profissional de trabalhador não especializado, o qual havia sido cedido pela sua Entidade Empregadora à sociedade D…, Lda. mediante a celebração de um contrato de utilização de trabalho temporário. Por ocasião do acidente o sinistrado encontrava-se numa obra de construção de um pavilhão industrial da empresa G…, Lda., a cargo da sociedade D…, Lda. (sendo que esta sociedade havia celebrado, na qualidade de subempreiteira, um contrato de subempreitada com a empreiteira da obra, a empresa E…, S.A.).

                        O sinistrado encontrava-se em cima da cobertura de um armazém em construção, quando se desequilibrou e caiu da mesma para o solo, de uma altura de cerca de 8 metros.

                        O Sinistrado e o seu irmão, I…, foram cedidos pela empresa C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda. à empresa utilizadora D…, Lda., tendo sido destacados para a referida obra, por iniciativa da empresa utilizadora, tendo o Sinistrado entrado ao serviço desta no dia 23 de Maio de 2016.

                        Ficou provado que quando foi encontrado no solo, o Sinistrado não tinha arnês de segurança colocado e esse equipamento não estava na cobertura. Por outro lado, o Sinistrado não tinha experiência em trabalhos em altura, não foi sujeito a exame de saúde e de admissão nem antes nem após ter iniciado actividade nessa obra (tinha sido agendada a realização de exame médico ao Sinistrado para o dia 28 de Maio de 2016).

                        Resultou também provado que não havia sido ministrada ao sinistrado, nomeadamente pela empresa utilizadora, D…, Lda., qualquer formação nem prestada informação sobre os riscos a que estaria exposto e respectivas medidas preventivas.

                        Por outro lado, a Entidade Empregadora do Sinistrado, antes da cedência deste à empresa utilizadora, D…, Lda., não o informou dos resultados da avaliação de riscos para a segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho que iria desempenhar nem sobre a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial relativa ao posto de trabalho, sendo certo também que a empresa utilizadora, D…, Lda., não facultou, por escrito, tais informações à Entidade Empregadora do Sinistrado, que também não os solicitou.

                        Em consequência do acidente em apreço, o Sinistrado B… sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia, de que veio a resultar a sua morte, em 17 de Junho de 2016.

                        Ora, se é verdade que naquele momento a empresa utilizadora de trabalho temporário D…, Lda. tinha sobre o sinistrado o poder de direcção imediata quanto às tarefas, ao modo, duração, ao local a executar os trabalhos, à segurança e saúde no trabalho (nos termos do disposto no art.º 185.º, n.º 2, do Código do Trabalho) é também certo que o sinistrado sempre esteve subordinado jurídica e economicamente à entidade empregadora, C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda.. De salientar que a esta cabia, desde logo, a realização dos exames de saúde de admissão ao sinistrado, antes do início da prestação do trabalho (cfr. art.º 186.º, n.º 4 do Código do Trabalho em conjugação com o disposto no art.º 108.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 102/2009, de 10/09), o que não foi efectuado, tendo por certo que não se demonstrou urgência na admissão que justificasse a sua realização em momento posterior.

                        Por outro lado, e conforme decorre do disposto no art.º 186.º, n.º 2, do Código do Trabalho “Antes da cedência do trabalhador temporário, o utilizador deve informar, por escrito, a empresa de trabalho temporário sobre:

                        a) Os resultados da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho a que vai ser afecto e, em caso de riscos elevados relativos a posto de trabalho particularmente perigoso, a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial;

                        b) As instruções sobre as medidas a adoptar em caso de perigo grave e iminente;

                        c) As medidas de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação dos trabalhadores em caso de sinistro, assim como os trabalhadores ou serviços encarregados de as pôr em prática;

                        d) O modo de o médico do trabalho ou o técnico de higiene e segurança da empresa de trabalho temporário aceder a posto de trabalho a ocupar.”.

                        Decorre também do n.º 3 deste artigo que à entidade empregadora do sinistrado enquanto empresa de trabalho temporário, competia comunicar ao trabalhador temporário a informação prevista no número anterior. Ora tal não sucedeu. Nem a utilizadora prestou as informações previstas no n.º 2 à entidade empregadora do sinistrado, antes da cedência, nem esta, por não dispor dessas informações, as comunicou ao trabalhador.

                        Podemos, assim, concluir que o sinistrado não tinha sido informado dos riscos a que estava exposto e das respectivas medidas preventivas nem da necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial relativa ao posto de trabalho que, no caso, era particularmente perigoso por implicar trabalhos em altura, com risco de queda.

                        Se é verdade que a empresa utilizadora de trabalho temporário não havia prestado as informações à empresa de trabalho temporário, também não é menos verdade que esta não deveria ter cedido o trabalhador sem solicitar da empresa utilizadora tais informações.

                        A factualidade provada evidencia que a empresa utilizadora, D…, Lda., não observou regras basilares de segurança e saúde no trabalho, desrespeitando deveres gerais e especiais a que estava obrigada, desde logo por não ter disponibilizado equipamento de segurança adequado ao sinistrado, nomeadamente arnês de segurança; também não prestou ao sinistrado qualquer formação nem informação sobre os riscos a que estaria exposto e respectivas medidas preventivas, tendo por certo que o sinistrado não tinha qualquer experiência em trabalhos em altura.

                        Além disso, não se provou que a empresa utilizadora tivesse nomeado um coordenador de segurança e também não se provou que a mesma tivesse um encarregado de obra, o que possibilitaria uma maior fiscalização e supervisão do trabalho desempenhado pelos trabalhadores, incluindo o sinistrado.

                        Ou seja, nenhuma medida preventiva foi implementada pela empresa utilizadora e, por outro lado, a entidade empregadora do sinistrado também não exigiu a observância dessas medidas nem procedeu a qualquer fiscalização relativamente ao seu trabalhador. Deste modo, consideramos que se verifica a existência de uma relação de causalidade entre a violação de regras de segurança e saúde no trabalho e a eclosão do acidente já que este apenas se deu pela não utilização do arnês de segurança pelo sinistrado (nada se dando como provado que esse equipamento havia sido cedido ao trabalhador e que podia ter evitado a queda já que existiam linhas de vida), pela falta de identificação, avaliação e divulgação dos factores de risco inerentes aos trabalhos e das medidas preventivas a adoptar, sendo que a entidade empregadora do sinistrado não exigiu, antes da cedência, as informações legalmente previstas à empresa utilizadora e também não diligenciou pela realização dos exames médicos de admissão, como lhe competia.

                        Temos, pois, que se verifica o necessário nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança no trabalho pela utilizadora e o acidente. Por outro lado, a entidade empregadora do sinistrado tinha o dever de obstar a que o seu trabalhador exercesse actividade na obra enquanto não fossem observadas as necessárias medidas de segurança.

                        Em face do supra exposto, temos que ambas (entidade empregadora e empresa utilizadora) actuaram sem observância das regras de segurança e saúde no trabalho, inobservância essa que foi causal deste acidente pelo que deverão ser responsabilizadas solidariamente nos termos do disposto no art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, pelo pagamento da importância peticionada nestes autos.

                        Concluindo, a responsabilidade pelo sinistro ficou a dever-se à actuação da entidade empregadora e da empresa utilizadora para quem o sinistrado prestava actividade, sendo estas entidades solidariamente responsáveis pela reparação dos danos emergentes deste acidente sendo que, muito embora caiba à Ré, “A…– Companhia de Seguros, S.A”, satisfazer, em primeira linha, as prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, tem a mesma direito de regresso nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09”.

                        Não subscrevemos este entendimento, no sentido de que a matéria de facto é claramente insuficiente pra suportar a conclusão, retirada pela sentença, de que se verificou o nexo de causalidade entre a observância das regras de segurança e saúde no trabalho e a produção do acidente.

                    Da conjugação entre o disposto no nº 1 do artº 18º e no nº 3 artº 79º nº 1 da LAT  resulta que, quando o acidente resultar da falta de observância pelo empregador das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

                  Sem preocupação de desenvolvimento exaustivo, mas porque interessa para situar a questão da responsabilidade das Rés- apelantes, e seguindo o estudo de Luís Azevedo Mendes, publicado no Prontuário de Direito de Trabalho do CEJ, n.º 88/89, é de salientar que uma das diferenças entre as LAT de 1997 e 2009, no que toca aos sujeitos da responsabilidade, é que o sistema anterior da Lei 100/97 apenas indicava que os chamados “casos especiais de reparação”, ou seja os casos em que houvesse culpa na produção do acidente, ocorriam “quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho,”; na Lei de 2009, indica que tal ocorre “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho”.

                        Decidiu-se no Ac. do STJ de 29/3/2012, in www.dgsi.pt,  que  o “termo “representante” a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade patronal e actuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder directivo, o que significa que os comportamentos da empresa utilizadora se traduzem em actos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam pela violação culposa das regras legais de segurança no trabalho que àquela venham a ser imputáveis”.

                        E por acórdão do Pleno do STJ, de 6 de Fevereiro de 2013, DR de 5/3/2013, foi unificada a jurisprudência sobre a responsabilização das empresas de trabalho temporário pelos acidentes de trabalho derivados do incumprimento de normas de segurança, quando o trabalho seja prestado por trabalhadores em regime de trabalho temporário, nos seguintes termos: “A responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho prevista na Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, resultante da violação de normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte de empresa utilizadora, e de que seja vítima trabalhador contratado em regime de trabalho temporário, recai sobre a empresa de trabalho temporário, na qualidade de entidade empregadora, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos gerais”.

              O que veio a ser reafirmado no, entre outros, Ac. do STJ de 14/1/2015.

              Quer se considere que o artº 18º da LAT abarca um alargamento ou não constitui mais do que uma clarificação interpretativa, o certo que é que “entidade por aquele contratada” e “empresa utilizadora de mão-de-obra” são, também, representantes do empregador. Ou seja, o conceito de representante do empregador inclui quer uma entidade por ele contratada (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra no caso do empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.

              Segundo a posição de Luís Menezes Leitão (“A Reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, in Temas Laborais, Volume I, Almedina, 2006, pág. 47), no âmbito da Lei 100/97 o que estava em causa não era uma verdadeira representação em sentido jurídico; tratava-se antes das situações em que o empregador admite um terceiro a exercer os poderes de autoridade e direcção a que o trabalhador se sujeita e se obrigou pelo contrato de trabalho, abrangendo os casos em que ocorre

              - “delegação dos poderes de direcção noutro membro da empresa por força da normal hierarquia de funções dos seus membros

              e em que ocorre

              - “transferência dos poderes de direcção para outro empresário, como no caso de cessão de mão de obra, ou trabalho em comum sob a direcção de outrem”.

              Nesta última situação deverão estar as agora designadas na lei como entidades contratadas pelo empregador e como empresas utilizadoras de mão-de-obra. Em ambos os casos, o empregador só pode ser responsabilizado pela reparação do acidente se se verificar ter ocorrido transferência de poderes de direcção do empregador, o que, no caso concreto, é inquestionável, não tendo sido posto em causa pelas partes o que, esse respeito, se afirmou na sentença.

                  Feito este necessário introito, temos que para que se possa atribuir a eclosão do evento infortunístico à inobservância das regras sobre segurança no trabalho por parte do empregador (ou, em casos como o presente, da empresa de trabalho temporário e da empresa utilizadora) é necessário que cumulativamente se verifiquem os seguintes pressupostos:
                     - violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho (não bastando a violação de regras genéricas ou programáticas sobre esta segurança)

                    - estabelecimento de um nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente (sendo que a prova deste nexo cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidentes de trabalho, bem como às entidades seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística), como uniformemente se tem vindo a entender, pelo que, adoptando o nosso ordenamento jurídico a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, é necessário demonstrar que se tivessem sido adoptadas as medidas de prevenção o acidente não teria ocorrido) - cfr. Ac. desta Relação de 16/1/2014, proferido no proc. 32/09.3TTCVL, e em que foi relator o aqui primeiro adjunto, onde também se escreveu:
                    “É preciso ter em conta que os acidentes acontecem, na quase totalidade da maioria dos casos, porque alguém fez algo que não devia ou omitiu algo que devia fazer; a isto acrescem circunstâncias imprevisíveis ou dificilmente previsíveis que alteram o curso dos acontecimentos. Mas isto não significa, designadamente em matéria de acidentes de trabalho, que se possa sempre falar em culpa, em culpa que fundamente o agravamento da pensão nos termos previstos no art.º 18.º da Lei n.º 100/97. A única forma de culpa que a lei admite é a violação de regras de segurança pois que a falta de observância dessas regras é a omissão de um dever especial de cuidado.
                    Por isso afasta-se, como fundamentador do agravamento da pensão, a violação de um dever genérico de cuidado. Esta faz parte do risco do trabalho, como do risco da vida, e é absorvida pela regulamentação desta responsabilidade por acidentes de trabalho como responsabilidade objectiva. A entender-se que a violação de um dever geral de cuidado, mesmo que não tenham sido violadas específicas disposições legais relativas à segurança no trabalho, permite imputar à entidade patronal, a título de culpa, o acidente, significa terminar com a responsabilidade objectiva nesta matéria”.

                    No caso em análise,  o sinistrado encontrava-se em cima da cobertura de um armazém em construção, quando se desequilibrou e caiu da mesma para o solo, de uma altura de cerca de 8 metros.

          O art 36.º do DL nº 50/2005, de 25/02 (Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura), estipula:

          Nº 1- “Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.

          Nº 2- Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual. (..)»

          No âmbito deste DL não há aqui qualquer imposição de um determinado meio de segurança específico. O que se determina é a utilização do “equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras”.

          Trata-se assim de saber se, antes de mais, a cobertura em causa oferecia perigo pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, que exigissem medidas especiais de segurança.

                    Mas a matéria de facto estabelecida como provada não dá indicações quanto à inclinação, estado da cobertura ou condições atmosféricas. Não se sabendo, igualmente, sequer o seu grau de resistência.

                    Ou seja, a matéria de facto não nos dá indicações concretas sobre as características da cobertura - apenas se conhecendo a sua altura, de modo a aferir do grau de representação pelo sinistrado ou pela entidade utilizadora das concretas circunstâncias de perigo e da necessidade de adoptar medidas especiais de segurança.

                    Nem é possível determinar se era o arnês de segurança e/ou outro equipamento o adequado para evitar quedas em altura, qual era o “equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras”. Nem sendo de todo irrelevante saber se a Ré- D…pôs ou não esse arnês à disposição da vítima ou se foi esta que optou por não o utilizar.

                    E nem de perto nem de longe é possível concluir que a queda se ficou a dever à falta de experiência do sinistrado em trabalhos em altura, ou à não sujeição do mesmo a exame de saúde e de admissão nem antes nem após ter iniciado actividade nessa obra, ou ao facto de lhe não lhe ter sido ministrada, nomeadamente pela empresa utilizadora, D…, Lda, qualquer formação nem prestada informação sobre os riscos a que estaria exposto e respectivas medidas preventivas, ou à circunstância de a entidade empregadora do sinistrado, antes da cedência deste à empresa utilizadora, não o ter informado dos resultados da avaliação de riscos para a segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho que iria desempenhar nem sobre a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial relativa ao posto de trabalho, ou, ainda, àquela outra de  a empresa utilizadora não ter facultado, por escrito, tais informações à entidade empregadora do sinistrado, nem esta lhas ter solicitado.

                    Assim, e ainda que se concluísse pela violação de uma norma concreta de segurança por parte da Rés- apelantes, ficaria sempre a faltar o estabelecimento do aludido nexo de causalidade.

                    Quanto a este,  temos que, e segundo Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, 229, no direito civilístico português vigora a doutrina da causalidade adequada: "determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar"

                    No Ac. do STJ de 23/9/2012, proc. 289/09.0TTSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:

                    “Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “... cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam actuado” (in “Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1 a 72, reedição, página 389).

                    Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuinidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respectivo agente, da obrigação de indemnizar.

                    O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

                    Como a transcrita previsão legal logo sugere, a adequação relevante não é aquela que se basta com o simples confronto entre o facto e o dano isoladamente considerados mas, pelo contrário, aquela que atende a todo o processo causal que, na prática, conduziu efectivamente ao dano.

                    E, nessa medida, exige-se “... que o efeito danoso tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo”, como salienta o mesmo professor que, logo a seguir, explicita:

                    “Pode, na verdade, suceder que o comportamento do agente seja adequado (por si e em abstracto) a provocar o dano, mas este se produza segundo um processo diferente daquele que leva a considerar tal comportamento como causa adequada desse dano”, o que leva a excluir da reparabilidade “... não só os prejuízos que este normalmente não produziria, como também aqueles que normalmente produziria, mas por processo diferente do que realmente se deu “ (obra citada, páginas 395 e 396)”.

                        Assim, dado que a responsabilização “agravada” da entidade empregadora tem como consequências um agravamento, em benefício do sinistrado ou demais beneficiários previstos na lei, da base de cálculo das prestações indemnizatórias, por um lado, e que as seguradoras só respondem solidariamente pelas prestações que seriam devidas em caso de actuação não culposa, assistindo-lhe sub-rogação legal em face da empregadora, para que essa dupla consequência possa operar, mister é que sobre o sinistrado/beneficiários e sobre as seguradoras ou outras entidades que dele possam beneficiar recaia o ónus de alegarem e provarem, não só a inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, como ainda que foi essa inobservância a causa adequada do acidente- cfr., entre muitos outros, o Ac. do STJ de 6/5/2015, disponível em www.dgsi.pt.

          De sublinhar aqui também o referido no Ac. desta Relação de 10/11/2017, proferido no processo 1088/15.5, e relatado pelo aqui 1º adjunto:

            “Podemos ainda acrescentar que conforme se lê no AC. STJ de 28-03-2007, procº 06S3956 “in” www.dgsi.pt/jstj, o artº 563º do Cód.Civil “consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa, não exigindo a exclusividade do facto condicionante do dano.

          Neste contexto, é configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, do mesmo passo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeia um outro que suscite directamente o dano.

          Apesar disso, o facto condicionante já não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção. É o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal”.

          E a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu a este, pressupondo que o facto cuja causalidade se discute tenha sido uma das condições do dano, ou seja, que esse facto integre o processo causal que conduziu ao dano.

          E este requisito da adequação causal ou imputação objectiva, conforme se escreveu no acórdão desta Relação de, 20/11/2014 procº 306/12.6TTCVL.C1, relatado pelo ora 1º Adjunto “deve ser examinado numa dupla vertente, a saber:

                    1º) em primeiro lugar, o resultado tem de ter como causa natural a acção, tal como aquela é definida pela teoria da equivalência das condições, ou seja, é necessário poder afirmar-se que o resultado se não verificaria se não fosse a conduta do agente ;
                    2º) em segundo lugar, é necessário que a acção seja, de entre as várias condições que concorrem para a verificação do resultado, a causa específica (rectius, a causa adequada) que produziu o resultado , sendo certo que, por sua vez, esta relação de adequação será aferida mediante dois juízos, também a saber:
                    a) um juízo abstracto de adequação, através do qual se vai aferir, no momento da prática do facto, da previsibilidade do resultado descrito no tipo;
                    b) um juízo concreto de adequação que permite determinar a previsibilidade, no momento da prática da acção, da verificação do resultado concreto que esta teve por consequência e nas circunstâncias em que se verificou”.
                    c) Finalmente, que se demonstre que a violação das regras de segurança que emergiram de condutas dolosas ou negligentes das entidades empregadoras, ou seja, em relação às quais possa afirmar-se, no mínimo, que tal violação emergiu, em concreto e face às circunstâncias do caso, da violação de deveres objectivos de cuidado interno e/ou externo que constitui o pressuposto mínimo de afirmação da negligência”.

                    Tendo em conta tais exigências, facilmente se constata que, no caso dos autos, não é possível estabelecer o nexo de causalidade, pelas razões que tivemos oportunidade de explanar.

                    Daí que a responsabilidade pelas consequências do acidente apenas tenha de ser assacada, em termos objectivos, à Ré- seguradora, por virtude do contrato de seguro celebrado.

                    Procedendo, na estrita medida do exposto, as apelações, com o natural prejuízo dos restantes aspectos (para além da invocada descaracterização do acidente, já devidamente apreciada como constituindo uma questão nova) vertidos nas conclusões dos recursos.

                                                           x

                    Decisão:

                    Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedentes as apelações, alterando-se a sentença recorrida, no sentido de que se julga parcialmente procedente a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, condenando-se a Ré- “A…– Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor- Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de € 25.454,40, e revogando a mesma sentença na parte em que condenou a Ré- entidade empregadora C…– Empresa de Trabalho Temporário, Lda, e a Ré -empresa utilizadora de trabalho temporário, D…, Lda, a pagarem, solidariamente, nos termos do disposto no art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, ao Autor, Fundo de Acidentes de Trabalho, a mencionada quantia de € 25.454,40.
                    Custas, em ambas as instâncias, pela Ré- seguradora.

                                                 Coimbra, 08/09/2021


[1] Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 410, nota 1, e as obras aí citadas.
[2] Lançando mão da palavra do referido douto Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07, “pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo”.
[3] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.03.12, Recurso n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1 - 4.ª Secção.