Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
268/10.4GCLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: RECURSO PENAL
PODERES DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 402º E 403º CPP
Sumário: 1.- Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu;

2.- Constituindo tais recursos meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral: Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal condenar A... como autor de um crime de ameaças agravadas, previsto e punido pelos artºs 153°, n.º 1 e 155°, n.º l, alíneas a. e c. do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 8,00 Euros no total de 960,00 Euros.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“1.
Dos factos dados como provados na Douta decisão recorrida, mais concretamente em “Outros Factos Provados”, resultou que: “O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia.”
2.
Resulta ainda da leitura dos autos que em 07-06-2011 o Tribunal a quo, veio “tendo em conta a similitude da conduta do arguido imputada nos presentes autos e a pressuposta nos autos n° 252/07.5GCLSA e sendo que nestes autos existe relatório pericial sobre as faculdades mentais do arguido entende o Tribunal ser indispensável para a boa decisão da causa a discussão médica sobre se o referido nesse relatório designadamente as suas conclusões podem ser transpostas para a situação em julgamento nos presentes autos."
3.
Nestes termos solicit[ou]-se ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra análise do relatório realizado em confronto com a matéria da que o arguido vem acusado nestes autos a fim de permitir saber se as conclusões constantes daquele podem ser transpostas para o caso ora em apreço."
4.
No relatório de Exame de perícia médico-legal às Faculdades Mentais na pessoa do arguido A…resultaram as seguintes conclusões:
1. As alterações psicopatológicas observadas inscrevem-se no quadro de um desvio significativo do conjunto de variáveis que enformam a personalidade do doente. Não resulta da nossa análise e à observação transversal do doente um significativo conjunto de anomalias psicopatológicas, particularmente as da linha psicótica.
2. O doente mantém com o sistema do real um capital de relação suficiente que lhe permite apreender o certo e o errado, o bem e o mal, o licito e o ilícito, referências fundamentais do seu percurso histórico-cultural
3. Os factos ocorrem na (e da) intersecção entre as variáveis de personalidade e as traumáticas (patológicas, sobre a estrutura parenquimatosa cerebral), introduzidas pela agressão traumática e traduzidas na hipo funções frontal e temporal (SPECI). É minha convicção que mantém capital na vida de relação capaz de reconhecer e de ser determinar segundo os princípios apontados em 2.
4. O doente é considerado imputável para os factos em análise.
Devendo considerar-se fortes atenuantes dadas as condicionantes patológicas apontadas/discutidas. (negrito nosso)
5.
A incapacidade de avaliação da ilicitude e de determinação de acordo com essa avaliação, tal como a diminuição da capacidade de avaliação da ilicitude e a diminuição da capacidade de determinação de acordo com essa avaliação, elementos consubstanciadores da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída, respectivamente, só poderão integrar estas situações de supressão ou atenuação do juízo de culpabilidade, quando verificadas no momento da prática do facto.
6.
Com efeito, só assim se mostrará justificada a incapacidade ou diminuição da capacidade para o agente se comportar de outro modo, isto é, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico.
7.
O processo penal português segue o modelo acusatório integrado pelo princípio da investigação, através do qual, como ensina Figueiredo Dias no seuy “Direito Processual Penal”, Primeiro Volume (1974), 71 e 72, «se pretende traduzir o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente – i. é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o “facto” sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão».
8.
Todavia, na sentença recorrida, apenas foi dado como provado, nos outros factos provados, que “O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia”', nada mais!
9.
Não existindo qualquer apreciação pelo Tribunal a quo da forma como é que a situação de saúde o arguido poderia ou não ter afectado a sua vontade ou consciência à data e na prática dos referidos factos.
10.
Ora, existindo um estado de dúvida sobre a inimputabilidade do arguido o tribunal tinha o poder-dever, por força do artigo 340°, n.º l do Código de Processo Penal, desencadear o mecanismo previsto no art. 351.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, ou seja, em vista do apuramento da inimputabilidade ou até imputabilidade diminuída da arguida, ordenar a comparência de perito para pronúncia sobre o estado psíquico daquele, medida com eventuais reflexos na pena imposta à arguida ou até requisitar perícia a estabelecimento especializado.
11.
Por isso a omissão de tal diligência, configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e implica o reenvio do processo para novo julgamento a fim de, além do mais, ser decidido se a arguida é inimputável, se tem imputabilidade diminuída ou se é imputável.
12.
Em consequência, estão verificados os necessários pressupostos para que, nos termos do disposto nos art°s 426° e 426°-A do CPPenal, seja reenviado o processo para novo julgamento, desde já se requerendo que tal venha a ser decretado.
13.
Subsidiariamente sempre se dirá que, a escolha da medida da pena foi, na Douta Sentença recorrida, inteiramente desconsiderado o facto de o arguido sofrer do referido quadro patológico, sendo que o que vai disposto nos art°s 71°, n° 2, e 72°, n° 1, do Código Penal impunha decisão diversa, designadamente a aplicação de uma graduação mínima da pena, ou até mesmo a sua atenuação especial, o que não foi feito, pelo que tais normas foram, na douta sentença recorrida, directamente violadas.
14.
Pelo que se requer a va Exas. se dignem ordenar a revogação da douta sentença recorrida, fixando o acima deduzido”

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir:

- Realização de perícia médico-legal

- Medida da pena

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):
“No dia 15 de Outubro de 2010, cerca das 17 horas e 20 minutos, uma patrulha da GNR de ... composta pelo  … deslocou-se ao Centro de Saúde de ..., por ali ter sido solicitada a sua comparência em virtude de o arguido se ter tentado introduzir no gabinete do médico e director daquele Centro, Dr. … .
A patrulha abordou o arguido, que ainda se encontrava no local e se mostrava muito exaltado, e pediu-lhe que moderasse o seu comportamento e tom de voz.
Foi-lhe dada voz de detenção e introduzido no carro-patrulha. Já dentro dessa viatura e no caminho para o Posto de ..., o arguido continuou, dizendo ao … : "Vou-te limpar a família, a começar pelos tens filhos. Não sabes com quem te estás a meter. Vou procurar os teus filhos à escola e matá-los."
Ao actuar como descrito, o arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas criminalmente.
Agiu com conhecimento de que os agentes da GNR se encontravam no exercício das suas funções tendo actuado ainda de forma adequada a que o  … temesse pela sua vida e integridade física, bem como pela da sua família.
O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia.
O arguido é empresário auferindo um rendimento mensal de 1.250,00 Euros É divorciado.
Vive em casa própria
Tem o 4° ano de escolaridade.
O arguido não tem antecedentes criminais.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):
“O arguido dirigindo-se ao  … proferiu a seguinte expressão: "Vou-te destruir a vida, desgraçadito, mais vales fugir".”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
“A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127 do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional "puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação" (prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).
Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana, - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente - aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação - e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio "in dubio pro reo" (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, n° 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).
Deste modo, a formação da convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados, resultou, em primeira linha, do depoimento do ofendido que referiu que no dia mencionado na acusação se dirigiu ao Centro de Saúde e após falar com o Dr.  …(médico do centro de Saúde) dirigiu-se ao pé do arguido e ele mostrou-se exaltado e proferindo expressões injuriosas, tendo sido dada ordem de detenção e colocado na viatura da GNR. No trajecto para o posto da GNR de ..., o mesmo dirigindo-se a esta testemunha referiu "Vou procurar os teus filhos à escola e matá-los ( ... ) Não sabes com quem de estás a meter"
Foi referido pelo agente  … que o mesmo foi conduzido ao posto da GNR de .... Na viatura disse dirigindo-se ao comandante do Posto proferiu as seguintes expressões: "Não sabem com quem se estão a meter"; ameaçou de morte a família e os filhos, que os ia procurá-los à escola.
Esta versão dos factos é a consentânea com o agir do arguido tendo presente o seu quadro clínico. Ainda que o arguido tenha negado tais factos, o tribunal ficou convencido da ocorrência de tais factos tendo por base os depoimentos supra mencionados que pareceram credíveis e coerentes entre si, não suscitando quaisquer dúvidas ao tribunal sobre a sua veracidade.
Por fim, os depoimentos dos agentes da autoridade não foram sequer contrariados por qualquer prova existente ou produzida em sede de audiência de julgamento.
Quanto ao estado clínico do arguido o tribunal atendeu ao teor do relatório de exame de perícia médico legal a fls. 92 a 96.
Quanto às condições económicas do arguido, foram por si relatadas.
No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor de fls. 232.”


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Diz o recorrente

“(…) existindo um estado de dúvida sobre a inimputabilidade do arguido o tribunal tinha o poder-dever, por força do artigo 340°, n.º l do Código de Processo Penal, desencadear o mecanismo previsto no art. 351.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, ou seja, em vista do apuramento da inimputabilidade ou até imputabilidade diminuída da arguida, ordenar a comparência de perito para pronúncia sobre o estado psíquico daquele, medida com eventuais reflexos na pena imposta à arguida ou até requisitar perícia a estabelecimento especializado.
11.
Por isso a omissão de tal diligência, configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e implica o reenvio do processo para novo julgamento a fim de, além do mais, ser decidido se a arguida é inimputável, se tem imputabilidade diminuída ou se é imputável.
12.
Em consequência, estão verificados os necessários pressupostos para que, nos termos do disposto nos art°s 426° e 426°-A do CPPenal, seja reenviado o processo para novo julgamento, desde já se requerendo que tal venha a ser decretado.”

Não percebemos em que é que se fundamenta o recorrente para considerar que existia “um estado de dúvida sobre a inimputabilidade do arguido”.  

O que resulta dos autos é que, ainda antes de o arguido ter prestado declarações em julgamento, o tribunal teve conhecimento de que num outro processo em que a sua conduta era similar à dos presentes autos, havia sido elaborado relatório pericial às suas faculdades mentais e por isso solicitou ao CHPC “a análise do relatório realizado em confronto com a matéria de que o arguido vem acusado nestes autos a fim de permitir saber se as conclusões constantes daqueles podem ser transpostas para o caso ora em apreço”.

O CHPC respondeu esclarecendo que perante os dados de que dispõe, “parece lícito transpor as conclusões factuais da perícia [efectuada no processo nº 252/07.5GCLSA] para a circunstância descrita nos autos”, nada impedindo “que se apliquem as mesmas conclusões até porque o relatório é posterior aos factos[[2]]” ou seja, que “o doente mantém com o sistema do real um capital de relação suficiente que lhe permite apreender o certo e o errado, o bem e o mal, o licito e o ilícito, referências fundamentais do seu percurso histórico-cultural (…), que mantém capital na vida de relação capaz de reconhecer e de ser determinar segundo [estes] princípios”, que “é considerado imputável para os factos em análisemas que devemconsiderar-se fortes atenuantes dadas as condicionantes patológicas apontadas/discutidas”.

Perante esta resposta, o tribunal a quo nada mais determinou quanto ao assunto, considerando-se esclarecido e realizou o julgamento sem que ordenasse a realização de qualquer outra diligência específica relativamente ao mesmo, tendo considerado provado que “O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia.”.

Ora, não resulta da sentença que, aquando da decisão, o tribunal tenha tido qualquer dúvida quanto à imputabilidade do recorrente.

E parece que o recorrente também não tinha, pois que se a tivesse, teria requerido a realização de perícia em sede de contestação, ou então, teria jogado mão do disposto no artº 340º, nº 1, disposição legal que tanto se aplica ao tribunal, como a si próprio (aliás, como bem chama à atenção a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, ao referir que “na contestação, [não] se faz qualquer referência à inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido”).

Por isso, tendo sido tal questão suscitada apenas em sede de recurso, estamos perante uma questão nova.

Ora, visando os recursos ordinários o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e sendo eles meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.

Aliás, a jurisprudência é unânime neste sentido, citando-se por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2008 (“O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – cf. Acs. do STJ de 27-07-1965, BMJ 149.º/297; de 26-03-1985, BMJ 345.º/362; de 02-12-1998, BMJ 482.º/150; de 12-07-1989, BMJ 389.º/510; de 09-03-1994, Proc. n.º 43402; de 01-03-2000, Proc. n.º 43/00, SASTJ n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, Proc. n.º 160/00; de 06-06-2001, Proc. n.º 1874/02 - 5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01 - 5.ª; de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01 - 3.ª; de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01 - 3.ª; de 30-10-2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 22-10-2003, Proc. n.º 2446/03 - 3.ª, SASTJ n.º 74, pág. 147; de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª; de 02-05-2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª; e de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª.”) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 (“os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.”).

Por isso, esta questão apenas poderia ser abordada como vício da sentença, nomeadamente, como insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410, nº 2, alínea a.).

Talvez por ter tido essa percepção, o recorrente também o invoca a este respeito.

Porém, a sentença não padece de tal vício, pois que o mesmo apenas ocorre “quando da actualidade vertida na decisão em recurso, se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição” (Ac. do STJ de 97-05-08, Ac.s STJ V, 2, 200).

Como se diz em “Código de Processo Penal Anotado”, de M. Simas Santos e M. Leal Henriques, pág. 738, parafraseando o acórdão do STJ de 99/06/02, processo n.º 288/99, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º do Código de Processo Penal, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa. Os factos que ficaram por apurar têm, portanto, de ser factos que, num juízo de prognose, se admita virem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis e que, vindo a ser provados, determinarão ou a alteração da qualificação jurídica da matéria de facto ou da medida da pena ou de ambas”([3]).

Ora, do texto da sentença não decorre tal insuficiência e a sua invocação pelo recorrente mais não é do que um disfarçar de vício da sentença aquilo que na realidade mais não é do que uma questão nova.

Aliás, se atentarmos bem no texto recursivo, o recorrente nunca afirma que deve ser considerado imputável ou que tenha uma imputabilidade diminuída: apenas queria que em sede de recurso fosse ordenada a realização de uma perícia para detectar “se a arguida (sic) é inimputável, se tem imputabilidade diminuída ou se é imputável”, esquecendo-se que dos autos consta um “esclarecimento pericial” que considera que o mesmo “mantém com o sistema do real um capital de relação suficiente que lhe permite apreender o certo e o errado, o bem e o mal, o licito e o ilícito, referências fundamentais do seu percurso histórico-cultural (…), que mantém capital na vida de relação capaz de reconhecer e de ser determinar segundo [estes] princípios”, que “é considerado imputável para os factos em análiseembora devamconsiderar-se fortes atenuantes dadas as condicionantes patológicas apontadas/discutidas”.

Por isso, nenhuma razão assiste ao recorrente quanto à questão acima analisada.

Diz também o recorrente:

“(…) na sentença recorrida, apenas foi dado como provado, nos outros factos provados, que “O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia”, nada mais!
9.
Não existindo qualquer apreciação pelo Tribunal a quo da forma como é que a situação de saúde o arguido poderia ou não ter afectado a sua vontade ou consciência à data e na prática dos referidos factos.

A questão prende-se, mais uma vez com a imputabilidade do arguido.

Por isso, tendo o tribunal considerado que é imputável, ou seja, que não sofria à data dos factos de qualquer diminuição da imputabilidade e muito menos que era inimputável, não teria qualquer razão que averiguar e pronunciar-se sobre se “a situação de saúde [d]o arguido poderia ou não ter afectado a sua vontade ou consciência à data e na prática dos referidos factos”.

Por isso, também neste aspecto não merece reparo a sentença.

Diz ainda o recorrente:

Subsidiariamente sempre se dirá que, a escolha da medida da pena foi, na Douta Sentença recorrida, inteiramente desconsiderado o facto de o arguido sofrer do referido quadro patológico, sendo que o que vai disposto nos art°s 71°, n° 2, e 72°, n° 1, do Código Penal impunha decisão diversa, designadamente a aplicação de uma graduação mínima da pena, ou até mesmo a sua atenuação especial, o que não foi feito, pelo que tais normas foram, na douta sentença recorrida, directamente violadas.

Ao contrário do que é afirmado, na determinação da medida da pena o tribunal teve em conta que “o arguido sofre de um estado depressivo que o leva a estados de ansiedade e exaltação”.

Consta da fundamentação tal ponderação e por isso foi considerado aquando da reflexão sobre dosimetria da pena.

Por outro lado, não vislumbramos que tenham sido violados ou que tenham sido mal aplicados os critérios do artº 71º do Código Penal.

Aliás, para além da sempre presente questão sobre a inimputabilidade/imputabilidade diminuída, o recorrente não concretiza qualquer erro do tribunal nesta parte.

Nesta conformidade, e porque consideramos que a aplicação daqueles critérios levam a que a medida da pena se deva situar a 13 da moldura penal, não merece censura a pena aplicada.

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Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

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Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.

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Luís Ramos (Relator)

Olga Maurício


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos mos demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] O relatório, executado no âmbito do processo nº 252/07.5GCLSA, foi elaborado em 29 de Março de 2011
([3]) Em complemento e por serem linearmente claros, reproduzimos os sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 1998 e de 18 de Novembro de 1998 (processos n.º 310/98 e 855/98), dizendo-nos o primeiro que “só existe insuficiência da matéria de facto provada para a decisão quando o tribunal deixa de investigar, podendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante, de tal forma que os factos declarados provados não permitam, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador” e o segundo que “a insuficiência da matéria de facto para a decisão, como vício previsto pela al. a) do n.º 2 do art.º 410.°. do C.P.P. verifica-se quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe se o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídico-criminal, pressupondo a existência de factos constantes dos autos ou derivados da causa que ainda seja possível apurar, sendo este apuramento necessário para a decisão a proferir”.