Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
134/09.6GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 06/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 40º45º,50º,58º DO CP
Sumário: 1 A pena de sete meses de prisão aplicada a agente que apesar de ter sido por diversas vezes condenado por conduzir veículo automóvel sem habilitação legal volta a ser condenado por infracção idêntica e posterior, não deve ser substituída por pena de suspensão da execução da pena de prisão ou por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral:



Tribunal da Relação de Coimbra
4ª Secção
6

A - Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – 2º Secção - correu termos o processo abreviado supra numerado, no qual o arguido F, solteiro, mecânico desempregado, nascido a 24/…/87, natural da…, Leiria, filho de J e de MM residente na Rua…., Leiria, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art. 3º, n.º 1 e 2 do DL nº 2/98, na pena de 7 (sete) meses de prisão, pena que deverá ser cumprida por dias livres, em 42 períodos sucessivos de fins-de-semana, entre as 9h de Sábado e as 21h de Domingo, iniciando-se a sua execução no primeiro fim-de-semana após trânsito em julgado da presente decisão; pela prática da contra-ordenação, prevista e punida pelo art. 150.º/1 e 2 do Código da Estrada na coima de € 500 (quinhentos euros) e no mais legal.
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Inconformado, interpôs o arguido o presente recurso pedindo que o mesmo seja considerado provido e que a pena de prisão aplicada seja suspensa ou substituída por outra, apresentando as seguintes conclusões:

Entende o recorrente que, devidamente ponderados e valorados todos os factos e razões invocadas será adequada a suspensão da pena de prisão efectiva aplicada, com a imposição de regras de conduta ou prestação de trabalho da comunidade.
Foram violados os artigos 40°,70°,71°,77° e 78° do C.P..
Pelo que revogando a douta sentença e decretando a suspensão da decretada prisão efectiva ou a sua substituição por outra adequada aos fins de punição.

A Exmª Magistrada do Ministério Público do tribunal de Leiria emitiu resposta defendendo a improcedência do recurso.
O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais.
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B.1 - Fundamentação
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 18 de Agosto de 2009, pelas 12h30m, o arguido conduziu o motociclo matrícula …-DL-…, …Leiria, sem para tal estar habilitado a conduzir veículos daquele tipo, nomeadamente carta de condução, nem contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório relativo ao mencionado motociclo.
2. Nas circunstâncias de tempo e de lugar mencionadas, o arguido foi interveniente em acidente de viação, quando circulava com o motociclo.
3. O arguido agiu de forma consciente, livre e deliberada, ciente de que não podia conduzir o referido motociclo na via pública, por a tanto não estar legalmente habilitado e não ser titular de contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório quanto ao mesmo.
3. O arguido trabalha como repositor de stocks, auferindo cerca de € 300 mensais.
4. O arguido reside com a mãe e avó em casa desta e contribui para as despesas domésticas com o montante de € 150.
5. O arguido encontra-se inscrito numa escola de condução desde 15 de Dezembro de 2009, para obtenção de carta de condução da categoria AP/B.
6. O arguido foi condenado anteriormente:
pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 5, por factos praticados em 10/07/2005;
pelo crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 3, por factos praticados em 15/04/2005;
pelo crime de condução sem habilitação legal na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, por factos praticados em 28/11/2006;
pelo crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa, por factos praticados em 06/06/2006;
pelo crime de furto qualificado, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, por factos praticados em 18/11/2005;
pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, na 10 meses de prisão, suspensa por um ano, subordinada ao cumprimento de entregar uma quantia monetária mensal, durante o período de 10 meses, por factos praticados em 08/04/2007, tendo a decisão transitado em julgado em 18/07/2008.
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Factos não provados:
Não existem factos não provados.
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O tribunal recorrido apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos:
“O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, designadamente:
- nas declarações do próprio arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, tendo ainda esclarecido o Tribunal quanto à sua situação económica, pessoal e profissional;
- no C.R.C. do arguido junto aos autos, no que respeita aos seus antecedentes criminais e documento de fls. 58 quanto à factualidade vertida em 5)”.
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B.2 - Cumpre decidir.
A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
Mas não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.
Não se verifica qualquer das circunstâncias supra referidas, pelo que é, assim, questão a abordar na presente decisão, a natureza e medida da pena imposta ao arguido.
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B.3 - O arguido foi condenado nos presentes autos na pena de 7 (sete) meses de prisão, pena que deverá ser cumprida por dias livres, em 42 períodos sucessivos de fins-de-semana, entre as 9h de Sábado e as 21h de Domingo, iniciando-se a sua execução no primeiro fim-de-semana após trânsito em julgado da decisão pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.


A sentença recorrida faz referência a outros seis processos nos quais o arguido foi condenado, todos da mesma natureza.
Por referência aos processos referidos na sentença recorrida, o arguido tem vindo a praticar os ilícitos penais desde Julho 2005, sendo que o ilícito praticado nestes autos ocorreu pouco mais de um ano após a condenação no último daqueles processos.
E a panóplia de penas aplicadas – desde as simples penas de multa às penas de prisão já por duas vezes suspensas na sua execução – denota a insensibilidade do arguido aos avisos solenes feitos a propósito da prática daqueles ilícitos.
Assim, os factos descritos e a personalidade demonstrada pelo ar­guido, não nos autorizam a concluir que a sua actuação foi ocasional ou que interiorizou o desvalor da sua conduta.
A circunstância de o arguido se encontrar inscrito em escola de condução, sendo o habitual documento que se junta aos autos em casos que tais, apenas demonstra que ele está inscrito na altura do julgamento, não sendo elemento de relevo no apurar da futura conduta do arguido.
Por outro lado, a conduta delituosa do arguido não se limitou à prática do crime de condução ilícita, já que foi, igualmente, condenado pela prática de um crime de furto qualificado. Assim, mesmo a posse do título de condução não alteraria os presentes considerandos.
Por outro lado, o arguido tem beneficiado da patente inoperância do sistema para dar aos tribunais uma adequada e pronta informação sobre os processos pendentes contra cada arguido, tendo o mesmo beneficiado de sucessivas e incompreensíveis aplicações de penas de multa e suspensões de penas, já que se torna patente terem sido, pelo menos, duas as penas de multa impostas, duas as penas de prisão substituídas por multa e duas suspensas na sua execução.
Ou seja, tudo aponta para que a pena de trabalho a favor da comunidade não alcance as finalidades da punição e revela-se ser insuficiente a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da delinquência, satisfazendo as necessi­dades de reprovação e prevenção do crime, já que os factos provados e a personalidade do arguido revelada pelos mesmos, conduziu a um resultado não desejado, a ineficácia das advertências das penas.
Convém ter presente que a decisão de suspender a pena tem na base uma “prognose social favorável” ao arguido, prognose que implica um risco e uma esperança.
Esperança que o arguido não voltará a delinquir, risco na valoração da capacidade do arguido de entender a censura ética que lhe é feita neste momento.
Face ao que se vem de dizer, a esperança de que o arguido sentirá a condenação como uma advertência é escassa. O risco de que o arguido volte a delinquir é elevado.
Tendo presente que se pretende um objectivo de prevenção especial de socialização (apesar de estarmos convencidos de que as preocupações em sede de prevenção geral não deveriam ser afastadas, não obstante o que vai dizendo a doutrina), os autos evidenciam que o arguido não interiorizou as anteriores condenações como uma advertência.
As circunstâncias de o arguido ter confessado os factos e ser de modesta condição e social, económica e cultural e estar inscrito em escola de condução, não afastam aquelas preocupações em sede de prevenção especial.
Pelo que supra ficou exposto, nomeadamente, os factos descritos e a personalidade demonstrada pelo ar­guido, entende o Tribunal que essa prognose é altamente desfavorável, é claramente negativa, pelo que é de confirmar a sentença recorrida, não operando a suspensão da pena imposta nem aplicando ao arguido a pena de trabalho a favor da comunidade.
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C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 4ª Secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmam a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Coimbra, 16 de Junho de 2010

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes