Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/1982.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: REVISÃO DE PENSÃO
PRAZO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/08/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: BASE XXII DA LEI Nº 2.127, DE 03/08/1965
Sumário: I – A limitação que decorre do nº 2 da Base XXII da Lei nº 2127, de 03/08/1965 (e que passou a ter correspondência no artº 25º da LAT que se lhe seguiu) padece de inconstitucionalidade.

II – O Acórdão do TC nº 147/2006, de 22/02/2006 (in DR II série, de 03/05/2006) não considerou a citada norma totalmente inconstitucional, mas apenas que o era na medida em que não consentia ponderar absolutamente situações de revisão nas situações referidas no mesmo – isto é, considerou inconstitucional a norma do nº 2 da base XXII da Lei 2127, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, mas apenas nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.

III – Com efeito, não reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada.

IV – Tendo o incidente de revisão sido requerido pelo sinistrado em 15/09/2009, tendo o anterior a este sido requerido em 29/10/1993 – ou seja, há mais de dez anos – e sendo que, em relação a ele, o tribunal concluiu pelo não agravamento da situação clínica em 10/01/1994, deveria o dito ter sido indeferido, por extemporâneo.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de sinistrado o identificado autor, este requereu exame de revisão da incapacidade.

O Sr. juiz a quo, aceitando o requerimento, proferiu despacho mandando proceder ao exame.

É deste despacho que a ré veio agravar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[……………………………………….]

O Ministério Público, apresentou contra-alegações pronunciando-se pela procedência do recurso.

O Sr. juiz sustentou o seu despacho.


*

III.  As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se deve ser revogado o despacho que deferiu o pedido de revisão da incapacidade do sinistrado atendendo a que decorreram mais de 10 anos desde a data da fixação da pensão.

Podemos considerar assentes os seguintes factos:

- Por decisão proferida nos autos, de 30.01.1985, foi inicialmente atribuída ao A./sinistrado uma pensão com base numa IPP de 64%.

- Invocando o agravamento das respectivas sequelas, o sinistrado requereu a revisão da incapacidade, em 14.1.1991 após o que, na sequência dos adequados exames periciais, o tribunal concluiu, em 24.05.1991, pelo efectivo agravamento da sua situação clínica (fixando-se IPA para o exercício da profissão habitual com IPP de 64 % para o exercício de outra profissão compatível).

- Também em 29.10.1993, de novo invocando o agravamento das respectivas sequelas, o sinistrado requereu a revisão da incapacidade, após o que, na sequência dos exames periciais, o tribunal concluiu, em 10.01.1994 pelo não agravamento da sua situação clínica.

- Depois, apenas em 15.09.2009, mais uma vez, o sinistrado invoca o agravamento das lesões e requer o presente incidente de revisão.

Vejamos:

A Base XXII da Lei 2.127, de 1965-08-03 (aplicável, no tempo, à situação dos autos), dispõe o seguinte:

1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.

Ao incidente de revisão de incapacidade em questão e que deu origem ao despacho recorrido é, sem dúvida, aplicável a Lei nº 2127 já que o acidente dos autos ocorreu em 1981 e a LAT aprovada pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, só entrou em vigor em 1 de Outubro de 1999, sendo certo também que a essa LAT e o decreto-lei que a regulamentou só são aplicáveis aos acidentes de trabalho que ocorreram após a entrada em vigor destes mesmos diplomas (cf. a alínea a) do nº 1 do artigo 41º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), o mesmo se podendo dizer da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), a qual só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, mas só se aplica (no que toca ao regime de revisão de incapacidades) aos acidentes ocorridos depois dessa data (v. art. 187.º).

Vejamos:

A norma invocada se não fosse desaplicada por interpretação que a julgue inconstitucional daria desde logo sustento à posição da recorrente e o recurso teria de ser julgado procedente. Na verdade, a revisão da incapacidade em causa foi requerida mais de dez anos depois da fixação inicial da pensão e, mesmo, da última alteração dessa pensão subsequente, também ela, de revisão da incapacidade.

Todavia, o Sr. juiz invoca a inconstitucionalidade da norma, partindo parcialmente da posição expressa no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2006 de 22.02.2006 (in DR, II Série, de 03.5.2006).

Na verdade, enquanto que da posição expressa naquele Acórdão resulta que a norma não seria inconstitucional se interpretada no sentido de negar a revisão nos casos em que ela é pedida depois de dez anos sobre a data da decisão do último incidente de revisão, o Sr. juiz defende que os fundamentos de tal acórdão se mantêm no caso em pareço, sendo de a desaplicar de forma a permitir que se reveja a pensão quando haja agravamento das lesões, independentemente de qualquer prazo, só assim ficando assegurado o direito constitucional do trabalhador à justa reparação, previsto no cit. art.º 59º, n.º 1, alínea f) da Constituição.

A solução de permitir a revisão a todo o tempo (com o limite de uma vez por ano) é a que veio a ser acolhida pelo artº 70.º da recente Lei n.º 98/2009, de 4/9, mas como dissemos já o mesmo só se aplica aos acidentes ocorridos depois de 1-1-2010.

Esta Relação já se pronunciou em Acórdão proferido no proc. 89/1988.1.C1, na sequência de várias posições que nos últimos anos têm sido tomadas a este respeito e que culminaram com o Acórdão do TC nº 147/2006, já referido, que a limitação que decorre do nº 2 da Base XXII (e que passou a ter correspondência no artigo 25º da LAT que se lhe seguiu) padece de inconstitucionalidade.

Aquele Acórdão do TC sintetizou ser “inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição, a norma do nº 2 da base XXII da Lei nº 2127,de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado” [sublinhado nosso].

Ou seja, não considerou a norma totalmente inconstitucional, mas apenas que o era na medida em que não consentia ponderar absolutamente situações de revisão nas situações referidas no segmento acima sublinhado.
Tal posição veio a formar corrente jurisprudencial no Tribunal Constitucional, podendo citar-se os Acórdãos nºs 59/07, 612/08 e 341/09, de acordo com a qual o julgamento de inconstitucionalidade normativa só tem lugar quando entre a data da fixação inicial da pensão e o termo do prazo legal de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
Conforme se referiu no Ac. 612/08, não reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. Salientando que diferente é a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada.
E dando nota que, apresentando o direito à justa reparação por acidentes de trabalho natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos na n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, configura um mero requisito relativo ao modo de exercício do direito. E que só as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental. Concluindo que para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa, o que não sucede quando a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados. Por isso, no condicionalismo acolhido, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade.
Reflectindo sobre ela, não podemos deixar de acolher essa posição do tribunal Constitucional.

No caso dos autos, o incidente de revisão requerido pelo sinistrado ocorreu em 15.09.2009, tendo o anterior a este sido requerido em 29.10.1993 – ou seja, há mais de dez anos - e sendo que, em relação a ele, o tribunal concluiu, em 10.01.1994 pelo não agravamento da situação clínica.

O incidente de revisão deveria assim, a nosso ver, ter sido indeferido, por extemporâneo.

Pelo que o agravo procede, em conformidade.


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III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente o recurso de agravo e, em consequência, revogando a decisão agravada, indeferir o incidente de revisão de incapacidade requerido pelo sinistrado em 15.09.2009.

Sem custas.