Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/07.4GAVGS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: SIMÕES RAPOSO
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DA ORALIDADE
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º E 129.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. - Quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.

II. - “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.

III. - O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.

IV. - A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.

Decisão Texto Integral: Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO
O arguido N, solteiro, pedreiro, filho de … e de …, nascido a 25 de Junho de 1984 na freguesia de …, concelho de …, residente na …, foi condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146° n.ºs 1 e 2 em conjugação com os art.s 143° e 132° n.º 2 alínea g) do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; absolvido da prática do crime de coação grave na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 154º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do Código Penal; foi ainda condenado como demandado a pagar aos HUC a quantia de € 3.851,16.
Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. O Recorrente foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 146°, n.º 1 e 2 em conjugação com os artigos 143° e 132°, nº 2, alínea g) do Código Penal.
II. A referida condenação assenta essencialmente nos factos que o Tribunal de Primeira Instância considera provados nos pontos 10 e 11 do acórdão recorrido.
Com efeito,
III. O Tribunal a quo deu como provado nos referidos pontos os seguintes factos:
"10. Enquanto conversavam, o ofendido estava de pé, de costas para o gradeamento que circunda a varanda e o arguido também se encontrava de pé, em posição frontal para aquele e de costas para um pequeno muro aí existente que delimita o terraço do espaço propriamente dito da varanda.
11. A dada altura, na sequência da troca de palavras e sem que nada o fizesse prever, o arguido num movimento muito repentino, agarrou o ofendido pela camisola, à altura do peito, e empurrou-o por cima do gradeamento fazendo-o cair de uma altura de 4 metros e dez centímetros e embater no pavimento cimentado do rés-da-chão"
IV. Para dar como provados estes factos, o Tribunal a quo baseou-se unicamente no depoimento prestado pela testemunha … (cassete nº 1, lado B, rotações 340 a 1374), ao qual deu total credibilidade.
Ora,
V. Embora tentasse apresentar-se como amigo do arguido, a testemunha … não conseguiu disfarçar a hostilidade que nutre por aquele.
VI. E prestou um depoimento comprometido, cheio de contradições e imprecisões.
Assim,
VII. A testemunha … começou por dizer que tinha visto tudo, sendo certo que até à data do julgamento sempre havia afirmado, - tanto perante o ofendido, como perante o irmão do ofendido, (e ainda mesmo em anteriores declarações prestadas neste processo, declarações que não podem servir de prova, mas que não deixaram de existir) - que não tinha visto nada porque estava de costas.
VIII. Além disso, não consegue definir claramente quais as posições (a sua, a do ofendido e a do arguido) na varanda, dando-nos, no mínimo duas versões bem distintas, uma da outra.
IX. Ainda relativamente à sua própria posição na varanda, a testemunha primeiramente diz que está junto do ofendido, para depois acabar por dizer que estava "arredado" do ofendido.
X. Perante todas as incertezas e contradições do depoimento da testemunha …, não se compreende, nem se aceita, que o Tribunal a quo tenha dado total credibilidade a este depoimento.
Refira-se ainda que,
XI. Enredado nestas contradições, o próprio Tribunal recorrido acabou por dar como provados factos que, a lógica e o senso comum, nos demonstram que são contraditórios entre si.
Ou seja
XII. Todos os elementos de prova disponíveis são no sentido de que o ofendido embateu no solo sobre o seu lado direito, lado, aliás, onde se situam todas as lesões que sofreu.
XIII. Se o ofendido tivesse sido empurrado - e caído de uma altura de 4,10 metros - da forma descrita em 10 e 11 do douto acórdão (facto que o Tribunal, repete-se, dá como provado exclusivamente com base no depoimento da testemunha …), então só poderia ter embatido no solo com a cabeça ou com a parte dorsal, mas nunca com a parte lateral direita do seu corpo,
XIV. Hipótese que é excluída pelo facto de, como se disse, as lesões sofridas terem sido todas sobre o lado direito do corpo do ofendido.
Ora,
XV. A condenação do arguido exige uma prova acusatória de inabalável consistência.
XVI. E julgamos ter demonstrado, que a que serviu de base à condenação do arguido não tem essa consistência, bem pelo contrário, é cheia de dúvidas, contradições e imprecisões e é incompatível com as regras da experiência comum.
XVII. Na realidade este é um processo que chegou ao seu terminus com as mesmas ou mais dúvidas do que as que existiam no seu início.
XVIII Assim, um non Iiquet da prova, obrigatoriamente terá de levar à absolvição do arguido, de harmonia com o Princípio in dúbio pro reo
Por outro lado,
XIX. Existem alguns factores, como o passado do arguido, a sua personalidade e até o facto dele estar no local na altura da queda do ofendido, que certamente influenciaram a convicção do Tribunal recorrido na factualidade que deu como provada
XX. Mas a verdade é que o douto Tribunal a quo não podia utilizar esses factores para credibilizar um depoimento repleto de contradições e imprecisões, como o da testemunha Márcio, condenando o arguido pela autoria material de um crime que, efectivamente, não cometeu.
Isto porque,
XXI. Condenando assim o arguido significaria a consagração de um ónus de prova de inocência a cargo do próprio arguido, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja um principio contrário ao da presunção de inocência.
XXII. Refira-se ainda que o Princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127º do Código de Processo Penal, impõe ao Tribunal a apreciação da prova segundo as regras da experiência comum.
XXIII. E é essa experiência comum que nos leva a não poder dar como credível um depoimento cheio de contradições, tanto com ele mesmo, como com as afirmações anteriormente prestadas pela mesma testemunha - conferir declarações para memória futura do ofendido … (cassete 1, lado A e lado B, rotações até 1300) e depoimento da testemunha … (cassete nº 2, lado A, rotações 1908 a 2244)
XXIV. Ao dar como provados os factos referidos em 10 e 11 do acórdão recorrido, unicamente com base no referido depoimento, o douto acórdão viola a norma do artigo 127º do Código de Processo Penal.
XXV. Na verdade, a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta do acórdão recorrido, e consequente absolvição do arguido em obediência ao Princípio in dúbio pro reo.
Diga-se ainda que,
XXVI O Tribunal recorrido considerou, para reforçar a credibilidade dada ao depoimento da testemunha … a tese de que o empurrão fora um acto voluntário e não ocasional, os depoimentos das testemunhas …, …, … e …, as quais, que tal como refere o douto acórdão, não assistiram ao momento da agressão, mas que todas disseram ter ouvido vozes a dizer que tinham atirado um rapaz lá baixo ou que tinham dito que o N... tinha atirado um rapaz lá baixo
XXVII. Pelo que estas testemunhas depuseram de forma indirecta sobre o alegado empurrão ao ofendido.
Ora,
XXVIII. Utilizando tais depoimentos para alicerçar e credibilizar a fundamentação da condenação do arguido, o douto acórdão está assim a violar o Princípio do contraditório, bem como as normas dos nº 1 e 3 do artigo 129° do Código de Processo Penal
Por todo o exposto,
XXIX. Ao condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, o douto acórdão recorrido viola as normas do artigo 127°, dos artigos 129°, nº 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal e o nº 2 do artigo 32° da Constituição da Republica Portuguesa.
XXX. Bem ao contrário a prova produzida impõe a absolvição do arguido.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se o arguido da prática do crime de ofensas à integridade física qualificada, bem como do pedido cível constante dos autos, com o que se fará JUSTIÇA!
Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, sintetizando a sua posição com as seguintes conclusões:
1. O depoimento do testemunho … não tem nem de perto, nem de longe a importância que o recorrente lhe atribui, nem contribuiu de forma decisiva para a fixação da convicção do Tribunal Colectivo.
2. Com efeito, toda a prova produzida (todas as testemunhas e o próprio arguido) colocam o arguido na varanda, junto do …, a falar/discutir com este, após o que o … galgando a grade da varanda com 1 metro de altura cai desamparado no solo de uma altura de mais de 4 metros.
3. Mostra-se igualmente provado que o arguido tem uma personalidade agressiva e que o arguido e o … tinham tido um desentendimento por causa de uma rapariga.
4. Apesar do ofendido S…. não se lembrar dos exactos acontecimentos que precederam a queda (amnésia traumática) este afasta a hipótese de tentativa de suicídio.
5. O arguido apresentou versões contraditórias e destituídas de credibilidade, embora nas suas declarações iniciais perante o juiz de instrução tenha reconhecido que andou agarrado ao ofendido imediatamente antes de este ter sido projectado da varanda.
6. Neste contexto e independentemente do teor do testemunho do …, a prova produzida aponta de forma concludente para responsabilidade do arguido na produção da queda do ofendido ….
7. Face à gravidade das consequências do ilícito, à indiferença do arguido perante os valores protegidos pela lei penal bem andou o Tribunal Colectivo em fixar pena de prisão efectiva, se bem que em medida diminuta
Face a todo o exposto sou do parecer que se deve declarar totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido.
Com o que Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA
Nesta instância, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (arts. 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).
II – FUNDAMENTAÇÃO
Como consta da acta da audiência procedeu-se à documentação das declarações prestadas oralmente, nos termos dos art.s 363º e 364º nº 1 do Código de Processo Penal, o que permite a este tribunal conhecer de facto e de direito conforme o art. 428º nº 1 do Código de Processo Penal, tudo, de resto, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410º do mesmo diploma.
É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação[i] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).
Sintetizando, são as seguintes as questões a decidir:
1. Os factos não provados nos pontos 10 e 11 devem ser julgados não provados com base na prova produzida em julgamento.
2. Valoração de depoimentos indirectos em violação do art. 129º do Código de Processo Penal e consequente violação do princípio do contraditório.
3. Violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo (art.s 127º do Código de Processo Penal e 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada e subsequente motivação:
1. Na noite de 31 Dezembro de 2006, pelas 20 horas, o arguido dirigiu-se ao Bar denominado … existente no primeiro andar de um prédio sito na Rua Principal, em …, para aí festejar a passagem de ano 2006/2007.
2. Durante a noite, o arguido ingeriu algumas bebidas alcoólicas e revelou alguma agitação, tendo chegado a provocar desacatos no interior do estabelecimento e a tentar agredir um outro indivíduo bem como a empurrar a funcionária …, que inclusivamente chegou a cair ao chão.
3. Mais tarde, já na madrugada do dia 1 de Janeiro de 2007, por volta das 3h00, o ofendido …, acompanhado de um amigo, dirigiu-se àquele bar para aí continuar a festejar a passagem do ano.
4. Aí chegado, o ofendido cumprimentou algumas pessoas suas conhecidas que se encontravam no interior do bar, conviveu durante algum tempo e, a dada altura, decidiu ir embora.
5. Contudo, antes de abandonar o local, ainda foi ao terraço existente na varanda conversar com uns amigos.
6. Essa varanda é exterior ao bar, circunda a frente e o lado esquerdo (onde existe o terraço) do primeiro andar do prédio, considerando quem se encontra na Rua Principal virado para o edifício.
7. Na frente, à direita, a varanda tem uma escada de acesso e, sensivelmente a meio, existe um portão que impede o acesso directo de quem vem das escadas à restante varanda e ao referido terraço, aos quais só se acede pelo interior.
8. A varanda é ainda circundada por um gradeamento, com um metro de altura, sendo que a altura total da varanda, desde o solo até ao limite superior do gradeamento, é de quatro metros e dez centímetros.
9. Quando já se encontrava no referido terraço, o ofendido encontrou o arguido, cumprimentou-o, desejou-lhe bom ano e ambos acabaram por entabular conversa sobre um desentendimento que tiveram há uns tempos atrás por causa de uma rapariga, deslocando-se para a parte da frente da varanda e ficando perto do aludido portão.
10. Enquanto conversavam, o ofendido estava de pé, de costas para o gradeamento que circunda a varanda, e o arguido também se encontrava de pé, em posição frontal para aquele e de costas para um pequeno muro aí existente que delimita o terraço do espaço propriamente dito da varanda.
11. A dada altura, na sequência da troca de palavras, e sem que nada o fizesse prever, o arguido, num movimento muito repentino, agarrou o ofendido pela camisola, à altura do peito, e empurrou-o por cima do gradeamento, fazendo-o cair de uma altura de 4 metros e dez centímetros e embater no pavimento cimentado do rés-do-chão.
12. Em consequência directa e necessária dessa agressão e queda, o ofendido sofreu traumatismo craneo-encefálico da região frontal, edema generalizado da face, fractura orbito-zigomato-malar direita, parésia incompleta do 3° e 6° pares craneanos, hematoma periorbitário direito, feridas palpebrais direitas, oftalmoplegia direita sem diplopia e sem alteração da acuidade visual, oclusão conservada sem mobilidade do andar médio da face, fractura da asa do ilíaco direito sem envolvimento do acetábulo nem do anel pélvico, lesões que demandaram para curar 178 dias, sendo 90 dias com afectação da capacidade para o trabalho, ficando com uma cicatriz cirúrgica rosada, em forma de T invertido, estendendo-se da cauda do supracílio direito à pálpebra superior homolateral, medindo o ramo maior 2 cm x 5 cm e o menor 1 cm x 5 mm.
13. Ao actuar nas circunstâncias descritas, o arguido agiu com o propósito alcançado de ofender o corpo e a saúde do ofendido S…. e de lhe causar as mencionadas lesões, bem conhecendo as características e a altura da varanda e sabendo que, ao empurrar o ofendido e o faze-lo cair desse local e dessa altura, era um meio adequado e especialmente perigoso para o agredir fisicamente, o que efectivamente quis.
14. Após a prática de tais factos e no âmbito do presente processo, por despacho proferido a 11 de Janeiro de 2007 (fls. 101 a 112), foi aplicada ao arguido a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica.
15. Nessa habitação, situada na …, …, Vagos, residiam igualmente a mãe do arguido, o seu irmão, as suas irmãs, entre elas a ofendida …, e a sua sobrinha.
16. No dia 23 de Abril de 2007, pelas 21h00, o arguido, no âmbito de uma discussão, desferiu uma bofetada na face esquerda da sua irmã ….
17. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
18. O arguido reside com a mãe, três irmãos e um sobrinho, num contexto familiar onde são visíveis os laços de solidariedade e coexão entre os seus membros. Regressou de Espanha em Julho de 2006, após 9 meses de trabalho na construção civil naquele país. Posteriormente, as suas últimas ocupações laborais foram pontuais, na área da construção civil e a progenitora que garante a subsistência económica do agregado. No agregado familiar, apenas um irmão do arguido desenvolve uma actividade laborai regular mas o seu salário não reverte para as despesas domésticas; a situação económica do agregado é muito débil. O arguido é analfabeto, sabendo, apenas, assinar o nome. Frequentou o sistema escolar até aos 13 /14 anos de idade, não conseguindo aprender a ler, não obstante tem o diploma da 4ª classe. Apresenta um atraso ao nível do desenvolvimento mental.
19. O arguido demonstra um padrão de comportamento caracterizado por agressividade e impulsividade que se vai repetindo apesar de ter sido condenado por a experiência; não revela qualquer ressonância afectiva face as consequências da violência exercida sobre a vitima; o arguido revela uma forte probabilidade de eclosão súbita de comportamento violento em situações de possível confronto.
20. O arguido padece de perturbação anti-social da personalidade e de funcionamento intelectual estado limite.
21. O arguido não demonstrou arrependimento pelos actos que praticou.
22. O arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- condução sem habilitação legal, praticado em 13-10-2001, por sentença de 16-5-2002, transitada, na pena de 60 dias de multa (proc. abreviado 94/01.1GBMIR);
- condução sem habilitação legal, praticado em 24-10-2002, por sentença de 21-5-2003, transitada, na pena de 80 dias de multa (proc. abreviado 583/02.0GAVGS);
- ofensa à integridade física simples, praticado em 7-10-2003, por sentença de 9-10-2006, transitada, na pena de 150 dias de multa (proc. sing. 640/03.6GAVGS);
- ofensa à integridade física simples, praticado em 3-8-2005, por sentença de 5-1-2007, transitada, na pena de 160 dias de multa (proc. sing. 439/05.5GAVGS);
- ofensa à integridade física simples, praticado em 1-4-2006, por sentença de 6-7-2007, transitada, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos (proc. sing. 50/06.3GAMIR).
Factos não provados:
· Que na sequência do referido em 2 tenham intervindo clientes para serenar os ânimos do arguido.
· No dia 23 de Abril de 2007, pelas 21h00, o arguido e a sua mãe pediram dinheiro emprestado à ofendida, o que esta recusou, justificando que não o podia fazer porque estava a trabalhar havia pouco tempo.
· Que o arguido tenha desferido a bofetada porque se envolveram todos numa discussão por causa deste assunto e, porque a ofendida persistia na sua recusa.
· De seguida, a ofendida saiu de casa e dirigiu-se ao posto da GNR para apresentar queixa contra o arguido pela agressão que tinha sofrido, o que este desconhecia.
· Minutos depois, quando a ofendida regressou a casa, o arguido disse, em tom sério e bastante exaltado, que se ela apresentasse queixa às autoridades a matava, visando dessa forma intimidá-la e levá-la a não o denunciar.
· Ao agir nestes termos, o arguido sabia que a sua conduta era adequada a causar receio na ofendida, como efectivamente causou, de que viesse a sofrer acto atentatório da sua vida ou da sua integridade física, visando, dessa forma, constrangê-la a não o denunciar criminalmente, o que quis e conseguiu, porquanto esta acabou por apresentar desistência da queixa e deixou mesmo de viver naquela casa.
Motivação da decisão de facto
A convicção do tribunal relativamente à factualidade que veio a ser dada como provada resultou da análise critica da prova testemunhal produzida, conjugada com a prova documental junta aos autos. 
Assim, o arguido admitiu ter bebido algumas bebidas alcoólicas, bem como a situação referente ao empurrão que deu à funcionária de nome …
Contudo, no que respeita à agressão ao ofendido … negou que o tivesse atirado propositadamente pela varanda ou sequer que este tivesse caído no decurso de alguma agressão sua. Afirmou, antes, que a queda terá ocorrido porque o ofendido tropeçou nuns suportes de guarda sol, quando se dirigia para si (depois de o arguido o ter empurrado a cerca de 2 metros). Tal como referiu tais suportes não estavam encostados ao varandim, mas antes à parede da varanda, portanto não estavam na rota que o ofendido estaria a seguir, nas palavras do arguido.
O arguido foi confrontado com as declarações que prestou perante o JIC, documentadas a fls. 102 e 103, que lhe foram lidas em audiência. Nessa altura o arguido prestou um relato totalmente distinto dos acontecimentos. Nas suas palavras: “O arguido empurrou-o para trás, ficando o S…. a uma distância de si de cerca de 1 metro e, porque este se lhe dirigiu, novamente, agarraram-se os dois, mutuamente, pelos braços, encontrando-se, ambos, encostados de lado à grade da varanda, que o arguido diz ter cerca de 80 centímetros de altura. O arguido, mais declarou que, não sabendo como, o S…. estava sentado de lado em cima do gradeamento, enquanto ambos se mantinham agarrados e, de repente, apercebe-se que o S…. está a cair e tenta largar-lhe os braços e agarrar-lhe a camisola junto aos colarinhos para evitar que ele caísse, o que não conseguiu.”
A contradição entre os dois depoimentos prestados pelo arguido (sem que a mesma fosse explicada) contribuiu para que se desacreditasse a explicação dada pelo mesmo, sendo certo que aquela que foi dada em audiência era, em si mesmo, inverosímil. 
Por outro lado, o modo como os factos ocorreram e que vieram a ser dados como provados, no tocante à agressão, foi cabalmente explicada pela testemunha …, que a explicou de um modo que mereceu a total credibilidade do Tribunal. Esta testemunha relatou as circunstâncias em que a agressão aconteceu e o modo com o arguido pegou no ofendido e o atirou a varanda abaixo.
Para além desta testemunha nenhuma outra assistiu ao momento da agressão (em que o arguido atirou o ofendido pelo varandim), sendo certo que presenciaram o comportamento de ambos antes daquele momento ocorrer.
Está nesta situação a       testemunha …, que chegou a tentar acalmar o arguido e que afirmou ter-lhe sido dito pelo … que o …tinha atirado o S..... pela varanda abaixo. A testemunha … também ouviu tal afirmação a pessoas que não consegue identificar.
…, presente naquele bar naquele dia, não assistiu aos factos referentes à agressão ao …, aludiu à natureza conflituosa da personalidade do arguido.
A testemunha …, não se encontrando no bar, não presenciou os factos.
…, funcionária do bar na noite dos factos, explicou as circunstâncias em que o arguido lhe deu um empurrão (negando que outros clientes tivessem que intervir, daí a não prova desse facto). Quanto ao demais apenas relatou a discussão que ocorreu entre ambos na varanda (prévia à agressão) e que levou à sua intervenção, não tendo assistido a outras ocorrências. Também ouviu dizer que tinham atirado um rapaz da varanda abaixo (o que concorre para que se dê credibilidade a que se tratou de um acto voluntário e não ocasional).
O cabo da GNR … relatou o modo como encontrou o ofendido no chão e por baixo da varanda. 
A testemunha …, irmão do ofendido, referiu as consequências provocadas pelas lesões sofridas pelo seu irmão, concretamente o esquecimento total do que antecedeu a queda, situação que se encontra patente nas declarações prestadas pelo ofendido (para memória futura, lidas em audiência).
Em sede documental valorou-se o relatório fotográfico junto a fls. 156 a 158, bem como o auto de inspecção (fls. 136). As informações clínicas estão documentadas a fls. 20 a 26, 76, 191 a 195, 204 e 205, 236, 247 a 249, 353 a 355, 498 e 499, 543 a 553, 562 e 563, 656 a 658. Os relatórios elaborados pelo IRS a fls. 259 a 261, 295 a 298 e 478 a 481. O exame às faculdades mentais do arguido a fls. 372 e 375.
De forma distinta, dos factos relativos ao dia 23 de Abril de 2007 apenas se provou o referido por …, sobrinha do arguido, a que a mesma assistiu. Quanto ao demais nenhuma prova se produziu.
Por outro lado, o elemento subjectivo retira-se de todo o modo de actuação do arguido e ainda de regras de experiência.
Os antecedentes criminais estão documentados nos autos.
Finalmente, a situação pessoal e familiar do arguido resulta dos relatórios elaborados e a que já se mencionou. 
Questões de Facto
Importa analisar as questões relativas aos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida salientando que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2007 (processo 07P2304,  em www.dgsi.pt) “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
Como se exarou no acórdão deste STJ de 12-06-2005, proferido no Proc. n.º 1577/05, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão-só a sindicação da já proferida, sendo certo que no exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal recorrido.
Se da análise do acórdão recorrido se constata que o Tribunal da Relação examinou as provas produzidas na audiência, quer por via do recurso à transcrição dos depoimentos das testemunhas, quer por via do exame dos documentos constantes do processo, tendo concluído que a prova foi valorada e apreciada em obediência às regras e princípios do direito probatório, de forma correcta e de acordo com as regras da experiência, concretamente sem violação do princípio in dubio pro reo, e se, por outro lado, resulta também do exame do acórdão encontrar-se o mesmo correctamente fundamentado na parte em que se pronunciou sobre as questões de direito submetidas à sua apreciação pelo arguido, é manifestamente improcedente o recurso ao arguir a nulidade do acórdão impugnado por falta de fundamentação e de exame crítico da prova e por omissão de pronúncia”[ii].
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”[iii], confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)[iv].
Com a alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei 48/07 de 29.8, mantém-se actual a jurisprudência supra aludida com a ressalva de que o Tribunal da Relação deve agora proceder ao exame das provas produzidas em audiência pela audição através da audição das passagens indicadas (art. 412º nº 6 do Código de Processo Penal), constantes, no caso dos autos, da gravação magnetofónica efectuada (art. 364º nº 1 do Código de Processo Penal).
Vejamos então as questões de facto em apreço.
Factos provados 10 e 11
Ouvida a gravação verifica-se que, tal como se afirma na motivação de facto, a prova dos factos resulta da descredibilização das declarações do arguido em audiência e do seu confronto com as que prestou em primeiro interrogatório judicial e do depoimento da testemunha … que foi o único a assistir aos factos.
Note-se, aliás, que do depoimento da testemunha … e das declarações do arguido em 1º interrogatório resulta evidente que o ofendido … caiu quando estava envolvido fisicamente com o arguido. Esta circunstância confere sustentabilidade à factualidade tal como veio a ser considerada assente.
A testemunha … ao afirmar que na varanda existiam apenas um ou dois suportes de janela mas “mais encostados à janela”[v] – e, portanto em zona afastada do caminho do ofendido …– retira credibilidade à versão de tropeção acidental que o arguido quis afirmar em audiência. Nesse sentido, também aponta o facto de, conforme confronto efectuado, o arguido, no 1º interrogatório, não ter referido qualquer tropeção “porque só se lembrou depois”[vi]
Aliás, ressalta da audição da prova gravada a perplexidade do Tribunal perante a possibilidade de, estando a um ou dois metros de distância do arguido, o ofendido … ter tropeçado “nuns coisos de cimento”[vii] quando avançava para si. Essa perplexidade fica patente na necessidade das perguntas então formuladas, sobre o facto do ofendido avançar para si mas desequilibrar-se e virar para a esquerda, vir a correr mas estar a menos de dois metros de distância, dar só um passo e tombar para a esquerda…
A incredibilidade da versão do arguido aumenta quando este afirma que o ofendido ia a cair de cabeça e ainda o agarra (e por isso é que o ofendido não caiu de cabeça) pela camisola mas, depois, quando lhe é salientado que se ia a cair de cabeça, a seguir a esta vinha todo o corpo (que poderia ser agarrado) acaba por referir que o ofendido ia a cair de cabeça mas de lado[viii]
Por outro lado, ao contrário do que o Recorrente afirma, não se vê qualquer razão para descredibilizar o depoimento da testemunha MM.
Ao contrário do que o Recorrente afirma, a testemunha nunca afirmou ser amigo do arguido. Não podia ser mais claro: Disse que já foi amigo do arguido, que já não é, por causa destes e de outros acontecimentos que não está zangado com ele mas que não se falam ultimamente[ix]. A declaração efectuada nada escamoteia e permite ao Tribunal apreciar criticamente o depoimento tendo em atenção o seu relacionamento tanto com o arguido como com o ofendido, sendo certo que nada impede que o Tribunal, ponderando devidamente esse circunstancialismo, acredite na veracidade do depoimento que se mostre sério e isento de alguém que não sendo amigo do arguido, nem lhe falando, seja amigo do ofendido.
Não se vislumbra a existência de contradições no depoimento desta testemunha que justifiquem que a instância de recurso ponha em causa a livre convicção formada em audiência de julgamento. Da audição do depoimento gravado não resulta qualquer contradição clamorosa quanto à posição relativa do arguido, do ofendido e da testemunha no local onde os factos ocorreram.
Como o próprio Recorrente sabe e reconhece, as anteriores declarações da testemunha prestadas em inquérito não podem, nesta sede, ser invocadas (art. 355º nº 1 do Código de Processo Penal) para pôr em causa a credibilidade da testemunha.
Porém, em parte crucial do seu depoimento que o Recorrente não refere, a testemunha explica porque é que nas declarações para memória futura do ofendido consta que a testemunha em causa lhe disse que não tinha visto quem o tinha empurrado.
Efectivamente, a instâncias do Ilustre Defensor a testemunha MM explica com uma veemência significativa que se regista, perceptível pela simples audição do seu depoimento gravado:
- Eu vi! Eu não queria dizer quem tinha sido, você percebe isso? Porque não lhe queria dizer…
- Interrompendo, pergunta o Sr. Procurador: Tinha medo ali do …, era?
- Responde a testemunha: eu? Eu gosto do meu cabedal, eu não o quero estragar.
- E, logo a seguir, à pergunta: porque é que não queria dizer ao Sr. S..... antes?
- Respondeu: porque queria que ele viesse do hospital e ficasse bem e depois a gente depois aí dizia-lhe, contava o que é que se tinha passado[x].
Tais explicações, mostram-se credíveis e fundamentam cabalmente a livre convicção formada pelo tribunal a quo.
Não se compreende a argumentação do ora Recorrente[xi] no que respeita à forma como o corpo embate no solo.
Por um lado, uma queda é um processo dinâmico em que, não estando em causa um corpo inerte mas um ser vivo e consciente, são possíveis movimentos de protecção de tal forma que se torna impossível afirmar que um ser humano consciente que cai de cabeça seguramente embate 4,10 metros abaixo também de cabeça.
Por outro lado, como se referiu supra, o próprio arguido apresentou explicações para o arguido não ter caído de cabeça: porque o tentou agarrar… porque ia a cair de cabeça mas de lado…
Refere ainda o Recorrente o depoimento da testemunha …, irmão do ofendido … como elemento probatório relevante para descredibilizar o depoimento da testemunha ….
Porém, analisando o seu depoimento[xii] verifica-se que o mesmo afirma que não estava no local e quem o avisou foram o … e o …, tendo sido este que lhe ligou.
- Depois, a instâncias do Sr. Procurador: E quando chegou lá o que é que lhe disseram? Que ele tinha mesmo caído ou que o tinham atirado?
- Testemunha …: Que o tinham atirado.
- Procurador: E disseram-lhe quem? (tinha atirado)
- Testemunha …: O ….
- Procurador: Que o … tinha atirado o seu irmão da janela abaixo. Quem é que lhe disse isso?
- Testemunha …: Foi um colega.
- Procurador: Qual?
- Testemunha …: Foi o … e, acho que é o …, o … é que me ligou.
- Procurador: O … e o … disseram-lhe que tinha sido o … a atirar o … da varanda abaixo?
- Testemunha …: Sim.
Posteriormente, a instâncias do Ilustre defensor, disse primeiro:
- Defensor: O … disse-lhe “eu vi”?
- Testemunha …: Ele a mim disse-me que tinha visto.
- E depois do I. Defensor ter afirmado e questionado a testemunha sobre o facto de até àquele momento não ter dito isso, questiona novamente:
- Defensor: Você garante-me que o Sr. … lhe disse que viu?
- Testemunha …: Sim ele disse que viu.
- Para, a seguir, dizer: Ele viu quando se virou e, após o I. Defensor ter afirmado “não foi isso que ele disse aqui” se ter desdobrado em explicações:
- Testemunha …: “Não viu o momento em que atirou … sentiu qualquer coisa, percebeu quando o meu irmão já estava quase a cair.
- Defensor: Então não viu?
- Testemunha …: Não viu atirar, se calhar, agarrar e atirar, não posso afirmar…
Trata-se de um depoimento indirecto que, nesta parte, incide sobre o que determinada pessoa lhe disse que viu ou deixou de ver e essa outra pessoa prestou depoimento.
O depoimento da testemunha … é valorável. “De acordo com o disposto no art. 129.°, n.º 1, do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer”[xiii].
Assim, cabia ao tribunal valorar o depoimento da testemunha …, de acordo com o princípio da livre valoração da prova e apreciando todos os elementos que contribuem para a sua credibilidade ou incredibilidade, designadamente o teor do depoimento da testemunha ….
Mas… que parte do depoimento da testemunha é que deve merecer credibilidade, se é que alguma? A parte em que confirma que o … disse que viu ou a parte em que já não garante que isso lhe tenha sido dito?
Da sequência das perguntas e respostas no depoimento da testemunha N... supra resumida, resulta a permissão de uma inquirição que prejudicou a espontaneidade e a sinceridade das respostas (art. 138º nº 2 do Código de Processo Penal): Permitiu-se a repetição exaustiva da mesma pergunta (o … disse que viu o arguido a atirar o ofendido?) formulada de forma praticamente idêntica para depois, com a permissão de uma informação capciosa (...não foi isso que ele disse aqui...) se obter uma afirmação que põe em dúvida tudo o que antes havia sido dito pela testemunha.
Assim, bem andou o tribunal a quo ao limitar a credibilidade conferida a esse depoimento a aspectos relacionados com as consequências das lesões sofridas [a testemunha …, irmão do ofendido, referiu as consequências provocadas pelas lesões sofridas pelo seu irmão, concretamente o esquecimento total do que antecedeu a queda, situação que se encontra patente nas declarações prestadas pelo ofendido (para memória futura, lidas em audiência)] e em centrar a fundamentação da forma como os factos ocorreram no depoimento da testemunha … (por outro lado, o modo como os factos ocorreram e que vieram a ser dados como provados, no tocante à agressão, foi cabalmente explicada pela testemunha …, que a explicou de um modo que mereceu a total credibilidade do Tribunal. Esta testemunha relatou as circunstâncias em que a agressão aconteceu e o modo com o arguido pegou no ofendido e o atirou a varanda abaixo. Para além desta testemunha nenhuma outra assistiu ao momento da agressão (em que o arguido atirou o ofendido pelo varandim), sendo certo que presenciaram o comportamento de ambos antes daquele momento ocorrer), não pondo em causa este depoimento crucial apenas com base numa parte escolhida das declarações do irmão da vítima que não é bastante para pôr em causa um depoimento intrínseca e extrinsecamente coerente e conforme com as regras da experiência.
Por fim, o tribunal a quo fundamenta a sua convicção quanto ao elemento subjectivo em todo o modo de actuação do arguido e ainda nas regras de experiência.
Conforme escreve o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira[xiv], se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Importa recorrer a regras de experiência para se aferir ou não da intenção criminosa e para retirar os elementos confirmativos da sua verificação da matéria fáctica dada como provada.
Como ficou provado, o arguido agarrou o ofendido pela camisola, à altura do peito, empurrando-o por cima do gradeamento, fazendo-o cair. A intencionalidade dessa conduta decorre das regras da experiência, sendo manifesto que um comportamento desse jaez é propositadamente procurado e obtido. 
Como ficou patente na fundamentação da matéria de facto o tribunal a quo recorreu adequadamente às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste Tribunal.
Verificação da existência dos vícios do art. 410º do Código de Processo Penal
O Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois e se for o caso, dos vícios do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
Cumpre, então, agora, apreciar da existência de algum desses vícios. 
Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[xv].
Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas[xvi]. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão[xvii].
Existe o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão[xviii].
Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[xix]. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
No caso vertente, não se verificam quaisquer dos mencionados vícios da sentença.
Valoração de depoimentos indirectos
Invoca o Recorrente[xx] que para reforçar a credibilidade dada ao depoimento da testemunha … e a tese de que o empurrão fora um acto voluntário e não ocasional, o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas …, …, … e … que não assistiram ao momento da agressão, mas disseram ter ouvido vozes a dizer que tinham atirado um rapaz lá baixo ou que tinham dito que o … tinha atirado um rapaz lá baixo
Vejamos.
O Código de Processo Penal surgiu animado do propósito explícito de “emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico”, bem como de “emprestar ao recurso maior consistência procura contrariar-se a tendência para fazer dele um labor meramente rotineiro, efectuado sobre papéis” – cfr. v. ponto III 7 do respectivo preâmbulo.
Assim, “o direito probatório, abrangendo as normas relativas à produção e valoração de provas, constitui o verdadeiro cerne da qualquer processo”... “a arte do processo não é essencialmente senão a arte de administrar as provas”[xxi].
Salvas as referidas limitações em que a apreciação da prova é normativizada, vigora como princípio geral, no âmbito da apreciação das provas, o princípio fundamental da livre apreciação das provas, acolhido, de forma expressa, no art. 127º do Código de Processo Penal.
Nesta matéria, apesar da minuciosa regulamentação das provas, continua assim a vigorar o princípio fundamental de que na decisão da “questão de facto”, a decisão do tribunal assenta na livre convicção do julgador, ainda que devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do art. 127º do Código de Processo Penal.
Nos termos do art. 129º nº 1 do Código de Processo Penal, na parte que aqui importa, “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova…”.
Do teor da norma resulta que pode ser valorado o depoimento por ouvir dizer se a pessoa a quem se ouviu dizer depuser.
Como se disse supra, citando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o disposto no art. 129° nº 1 do Código de Processo Penal, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.
No caso dos autos, a testemunha … afirmou em audiência que tinha visto o arguido a atirar o …. Por isso, e nessa limitada medida – porque o … foi um daqueles a que se “ouviu dizer” – esses depoimentos podem ser valorados.
Aliás, importa precisar que apenas no que respeita à testemunha … é que o Tribunal afirma que o facto dela ter ouvido dizer que tinham atirado um rapaz da varanda abaixo “concorre para que se dê credibilidade a que se tratou de um acto voluntário e não ocasional”.
Relativamente às testemunhas … e … que também ouviram dizer que o arguido tinha atirado o … pela varanda a valoração desses depoimentos resulta de terem presenciado o comportamento de arguido e vítima antes daquele momento ocorrer. Em parte alguma se afirma que, quanto a eles, eram valoradas as suas declarações na parte em que constituem depoimento indirecto
Quanto à testemunha …, como se afirmou supra, o depoimento não foi valorado nessa parte.
De qualquer forma essa prova por ouvir dizer limitada apenas à parte em que se ouviu dizer à testemunha … é apenas um relativamente pouco importante elemento probatório ao dispor do Tribunal. Por isso, a ponderação do valor desta prova foi criteriosamente analisada, com o suporte de outras provas corroborantes.
A avaliação conjunta da prova produzida é que permitiu ao Tribunal concluir da forma que o fez e com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, não merecendo qualquer censura. O tribunal de recurso está em condições de afirmar o inequívoco respeito pelo aludido princípio, uma vez que o recurso também versou sobre matéria de facto. 
Não se verifica, desta forma e com as restrições supra apontadas, a valoração de prova inadmissível, a merecer a censura do tribunal de recurso.
Violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo
Importa referir que a discordância dos Recorrentes se limita a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada. Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”[xxii].
No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme deste Tribunal da Relação: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”[xxiii].
Como se procurou demonstrar, não é esse o caso.
Consequentemente, não pode merecer crítica a convicção do tribunal a quo resultante da livre apreciação da prova produzida em julgamento. 
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[xxiv].
Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”[xxv].
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias[xxvi] “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n.º 2 do Código de Processo Penal.
Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
Como ficou patente o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste Tribunal. Na realidade, o tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum[xxvii], mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova. O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova[xxviii].
Ora, como se viu, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Defende ainda o arguido na Motivação apresentada que deveria ter funcionado o princípio in dubio pro reo, e na dúvida o tribunal devia tê-lo absolvido.
Cumpre acentuar que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos, porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e, ficou seguro do juízo de censura dos arguidos.
No caso vertente, tal princípio só teria sido violado “se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar os arguidos com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos”[xxix].
Ora, se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
Como vimos, no caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio do in dubio pro reo.
Com a devida vénia transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, proc. 07P4198, em www.dgsi.pt[xxx], citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio:
“De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador»)”.
Face ao exposto, não se verifica qualquer violação do princípio invocado nem da sua consagração constitucional (art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).

III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs. (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 87º nº 1 al. b) do Código das Custas Judiciais).

Coimbra, 1 de Outubro de 2008


[i] Com algumas especificidades no que respeita à impugnação da matéria de facto, como afirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005 “a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhecia da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convidava o recorrente a corrigir aquelas conclusões” (proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577, no mesmo site) Esta posição mantém a sua actualidade com a versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8 ao Código de Processo Penal que manteve a divergência entre a redacção dos nºs 2 e 3 do art. 412º do Código de Processo Penal. De qualquer forma, no caso dos autos o Recorrente especificou nas suas conclusões os pontos de facto que no seu entender foram incorrectamente julgados e quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
[ii] Neste sentido, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça exige que o Tribunal de recurso “demonstre que, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionados da matéria de facto, tem efectivo suporte na fundamentação, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa»”, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2007,  processo 07P1498 em www.dgsi.pt; cfr. ainda o aresto do mesmo Tribunal de 05-07-2007, processo 07P1776; e afasta as fórmulas genéricas (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2005 e 29-06-2005, respectivamente processos 05P768 e 05P2035 no mesmo site).
[iii] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232
[iv] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, em www.dgsi.pt
[v] Cassete 2, lado A
[vi] Cassete 1, lado A.
[vii] Na expressão do arguido (cassete 1, lado A)
[viii] Cassete 1, lado A.
[ix] Cassete 1, lado B, tal como consta da transcrição genericamente fidedigna que o Recorrente efectua nas suas alegações.
[x] Parte final do lado B da cassete 1
[xi] Conclusões XII a XIV
[xii] Cassete 2, lado A.
[xiii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.9.07, no proc. 07P2596, em www.dgsi.pt 
[xiv] Direito Penal Português - Parte Geral -I Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa
[xv] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 77 e ss.
[xvi] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212, em www.dgsi.pt.
[xvii] Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69.
[xviii] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., pg. 340 e ss.
[xix] Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, Proc. nº 045267, www.dgsi.pt.
[xx] Conclusão XXVI
[xxi] Marques Ferreira (Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1988, p. 221).
[xxii] Acórdão do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24.03.2004, DR, II S, de 02.06.2004
[xxiii] Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.....Comarca de Coimbra -1º Juízo Criminal; no mesmo sentido, os acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 16.11.05, recurso penal 1793/05, em www.dgsi.pt    
[xxiv] Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211.
[xxv] Rev. Min. Públ., 19°,40.
[xxvi] Direito Processual Penal I, 202.
[xxvii] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pg. 294
[xxviii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt.
[xxix]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.98, na CJ 1998, T. 1, pg. 199.
[xxx] No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.07, no proc. 07P3170, em www.dgsi.pt.