Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
445/12.3TALMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: ACTO PROCESSUAL
DATA
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 22.º DO RGIT; ART. 2, N.º 4, DO DL N.º 151-A/13, DE 31-10
Sumário: I - A lei é muito clara ao referir a data da prática do acto processual e não já ao momento em que chega ao conhecimento do destinatário o teor da mesma.

II - Sobre a interpretação da expressão “até á dedução da acusação” já muito se escreveu no que respeita aos prazos de duração máxima da prisão preventiva tendo-se firmado jurisprudência no sentido de que o que releva é a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual.

III - O legislador de 2013, procurando um modo mais expedito de obter receita fiscal, sendo este um dos seus mais imperiosos objetivos, abre mão de uma boa parte do que pelo R.G.I.T. lhe cabia (juros e demais acréscimos legais) e basta-se com o pagamento do montante do imposto em falta efetuado até uma data concreta (20/12/2013).

IV - Sendo esta a intenção do legislador mal se entenderia que excluísse da abrangência da lei uma parte significativa dos contribuintes em falta; todos aqueles contra os quais o Ministério Público tivesse já deduzido acusação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

No Processo Comum, com intervenção do tribunal singular supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:

- Condenou os arguidos A... e B... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, previsto e punido pelo e 107.º, n.º 1 do RGIT, em conjugação com o artigo 26.º, este do Código Penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 10,00 euros, o que perfaz a quantia de €1400,00, cada um.

– Condenou a arguida c... , SA pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, previsto e punido pelo e 107.º, n.º 1 RGIT, com referência aos art. 12.º, e 7.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €15,00, o que perfaz a quantia de €2,250,00.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso os arguidos, C... e A...e B..., sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

(a)        Ao contrário do que considerou o Tribunal a quo, a expressão "dedução da acusação", utilizada no artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do RGIT, refere-se ao momento em que esta é efectivamente notificada aos Arguidos, e não ao momento em que o despacho de acusação é proferido, pois apenas nesse momento os Arguidos tomam conhecimento de que contra eles está a ser movida uma Acusação.

(b)       Ainda que assim não se considere - o que apenas a benefício de patrocínio se admite, sem nunca conceder -, os Arguidos procederam à ordem de transferência dos montantes em dívida à Segurança Social em 01.11.2013, ou seja, no mesmo dia em que foi proferido o despacho de acusação, e não em momento posterior.

(c)        De todo o modo, os Arguidos procederam à regularização da sua situação perante a Segurança Social ao abrigo do regime excepcional previsto no Decreto-lei n.° 151-A/2013, de 31 de Outubro, o que sempre implicaria, por remissão expressamente operada pelo artigo 2.º, n.° 4, do aludido diploma, o preenchimento do requisito previsto no artigo 22.º, n.° 1, alínea b) do RGIT.

(d)       Pelo que, tem o disposto no artigo 22.°, n.° 1, alínea b), do RGIT que se dar como verificado, o que implicará, em virtude de estarem reunidos todos os outros requisitos legais necessários, que se deva determinar a dispensa de pena.

TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. ExAs. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER DECLARADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO, SENDO A MESMA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DETERMINE A DISPENSA DE PENA, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 22.° DO RGIT.

POR ASSIM SER DE JUSTIÇA!

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes no disposto no art. 410º nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. A arguida “ C..., SA.” É uma sociedade anónima, matriculada na C.R. Comercial d e Lamego com o NIPC (...), e tem como actividade principal “gestão e exploração de actividades hoteleiras, alojamento e restauração”.

2. Entre Outubro de 2010 e Dezembro de 2012 foram os arguidos B... e A... os administradores executivos da arguida C..., sendo eles quem tomava as decisões relativas a esta, designadamente no que se reporta a pagamento de vencimentos aos funcionários, retenção das quantias respeitantes às quotizações para a SS e ulterior destino destas quantias.

3. Procederam, assim, os arguidos, entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2012, ao desconto de tais quotizações no montante total de €159.166,76, conforme resulta discriminado nos mapas de fls. 125 a 127, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos o efeitos legais.

4.No entanto, não procederam à entrega de tais montantes até ao 15º dia do mês seguinte a que respeitavam.

5. Assim, entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2012, os arguidos não procederam à entrega ao Estado nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao 15º dia do mês seguinte a que respeitavam nem nos 90 dias seguintes ao terminus deste prazo.

6. Nem nos 30 dias subsequentes à notificação, para efectuar o pagamento dos valores em falta, acrescidos de juros de mora.

7. Acresce que, notificados para efectuar o pagamento das quantias ainda em dívida, bem assim como dos juros e coima aplicável, nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, não as efectuaram os arguidos, por si e em representação da sociedade, nos 30 dias subsequentes, nem até ao presente momento, não obstante advertidos do consequente prosseguimento do processo criminal e de que tal pagamento determinaria o arquivamento do processo qualquer pagamento mais.

8. Em vez disso, utilizaram tais quantias para outras necessidades da gestão corrente da sua actividade comercial.

9. Agiram de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito , conseguido, de fazer suas e utilizar nas necessidades de gestão corrente da arguida C... as quantias de quotizações que tinham descontado para entregar ao Estado e, assim, obter um beneficio que lhes estava vedado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e que assim lesavam os interesses da segurança social.

10. Entretanto, foi celebrado com a Segurança social um acordo de pagamento em prestações de tais montantes, que vigorou de 28.04.2011 a 30.10.2013, ao abrigo do qual os arguidos foram procedendo ao pagamento das prestações acordadas.

11. Em 08.11.2013 os arguidos procederam à regularização da sua situação perante a Segurança Social , saldando os montantes que se encontravam em divida.

12. A sociedade arguida tem enfrentado graves dificuldades económicas e financeiras resultantes, por um lado, da crise que se vem fazendo sentir no nosso país e, por outro, do aumento exponencial dos custos da exploração da sua actividade comercial, mormente aqueles que respeitam a impostos, taxas e outro tipo de contribuições para o Estado, sendo que as suas receitas provenientes da exploração do Hotel têm vindo a decrescer, o que tornou impossível cumprir com os contratos de financiamento bancário celebrados, impossibilitando ainda a reestruturação dos actuais financiamentos e a concessão de financiamentos adicionais;

13. Por estes motivos o não pagamento das quantias descritas na acusação, dentro dos prazos legais, ficou apenas a dever-se à falta de liquidez da sociedade arguida.

14. A sociedade arguida apresentou-se ao processo especial de revitalização que correu seus termos sob o n.º 493/13.6TBLMG, deste Juízo, no âmbito do qual veio a ser aprovado e homologado, por decisão transitada em julgado, o respectivo plano de revitalização, nele se prevendo o pagamento das dívidas à Fazenda Nacional.

15. O arguido B... já foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por sentença de 22 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 21 de Novembro de 2013, no âmbito do processo n.º 1946/11.6IDLSB, do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, 2.ª Secção, na pena 120 dias de multa, substituída por admoestação, por factos praticados em Junho de 2011, pena essa já extinta pelo respectivo cumprimento em 13 de Dezembro de 2013;

16. O arguido A... já foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por sentença de 22 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 21 de Novembro de 2013, no âmbito do processo n.º 1946/11.6IDLSB, do 6.º Juízo Criminal de Lisboa, 2.ª Secção, na pena 120 dias de multa, substituída por admoestação, por factos praticados em Junho de 2011, pena essa já extinta pelo respectivo cumprimento em 13 de Dezembro de 2013.


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III – FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa inexistem factos não provados.

IV – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127º, Código Processo Penal).

O Tribunal norteou a sua convicção, quer quanto à matéria de facto provada quer quanto à matéria de facto não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço sério e empenhado para alcançar a verdade material, analisando dialeticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente entre si de acordo com os princípios da experiência comum, pois, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos).

Na verdade, o princípio da livre convicção constitui regra de apreciação da prova em Direito Penal, e efectivamente, para conduzir à condenação, tal prova deve ser plena, pelo que, na decisão de factos incertos, a dúvida determina necessariamente a absolvição, de harmonia com o Princípio da Inocência que enforma também o direito processual penal e tem consagração constitucional.

Note-se que, como é sabido, a verdade material absoluta é, em regra, inalcançável pela via judicial na sua tarefa de reconstrução dos factos da vida real, logrando-se apenas uma verdade processualmente válida, fundamentada e plausível, sendo que, por outro lado, o relato de um facto pelo ser humano é um processo que comporta diversas etapas, a saber: a perceção dos factos, a memorização – que, muitas vezes, é acompanhada de uma racionalização dos eventos percecionados conducente à sua distorção – e a sua reprodução, sem olvidar que o julgador não é um recetáculo acrítico dos relatos que são produzidos em audiência.

É que esta “verdade” é o resultado de um labor judicial que se baseia nas declarações de quem vivenciou os factos, mas não despreza outros contributos quiçá mais relevantes (documentos, exames periciais e a própria experiência do julgador).

A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Assim, a convicção do tribunal formou-se com base na conjugação:

- as declarações do arguido B..., que confirmou quais as funções que exercia na sociedade arguida à data da prática dos factos; bem como confirmou as dificuldades financeiras por que esta passou; admitiu que os pagamentos à segurança social não foram efectuados na altura devida, e bem assim, que foi celebrado um acordo de pagamento em prestações que foi sendo cumprido; e que actualmente todas as quantias foram liquidadas.

- Conjugado com o depoimento das testemunhas:

- D... , pessoa que afirmou trabalhar para a sociedade arguida desde Março de 2009, tendo esclarecido as dificuldades financeiras que a empresa passou, nomeadamente no que concerne ao pagamento dos salários aos trabalhadores

- E... , gestor de contribuintes da segurança social de Viseu, esclareceu que efectuou a confirmação, através da consulta do sistema informático, dos montantes em divida e dos pagamentos efectuados; confirmou ainda a existência de um acordo de pagamento em prestações e o momento em que a sociedade procedeu à regularização da divida na sua globalidade.

- F... , afirmou ter sido trabalhadora da sociedade de 2008 até Abril de 2013, confirmou a existência de problemas financeiros por parte da empresa, designadamente no pagamento dos salários.

- G... , afirmou ter sido trabalhadora da sociedade de 2007 até Fevereiro de 2014, confirmou a existência de problemas financeiros por parte da empresa, designadamente no pagamento dos salários.

- H... , directora do núcleo de contribuições da segurança social de Viseu, e subscritora da informação constante de fls. 534, tendo esclarecido que até 30.10.2013 a sociedade arguida procedeu ao pagamento das prestações do acordo para liquidação dos montantes em divida e que ao abrigo do regime excepcional introduzido pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro procedeu à regularização das suas dívidas para com a segurança social em 08.11.2013.

- I... , técnica oficial de contas, esclareceu de modo desinteressado, que verificou que a sociedade arguida começou a atravessar dificuldades financeiras, ao ponto de o dinheiro não ser suficiente para fazer pagamento a todos os credores. No que concerne ao cumprimento das obrigações para com a segurança social, referiu que a sociedade ia fazendo planos de pagamento em prestações, mas quando o dinheiro não chegava para tudo, preferencialmente o mesmo destinava-se a dar pagamento aos trabalhadores, por forma a permitir que a sociedade continuasse a laborar.

- J... , gestora financeira da sociedade arguida no período temporal aqui em apreço, de forma convicta, afirmou que os valores em causa nestes autos não foram liquidados por dificuldades financeiras da sociedade, na medida em que, embora entrasse algum dinheiro, o mesmo não era suficiente para pagar a todos os credores, inclusivamente ao Estado/Segurança Social, pelo que a prioridade (com vista a permitir que o hotel continuasse a funcionar) era pagar aos trabalhadores e a alguns fornecedores.

- L... , técnico superior da SS, NIC de Viseu esclareceu que foi quem efectuou as diligências de inquérito, e que o parecer foi elaborado com base nas contas efectuadas pelo núcleo de gestão de contribuintes.

- M... , pessoa que trabalhou para a sociedade arguida no período temporal aqui em apreço, de forma convicta, afirmou que os valores em causa nestes autos não foram liquidados por dificuldades financeiras da sociedade, na medida em que, embora entrasse algum dinheiro, o mesmo não era suficiente para pagar a todos os credores, inclusivamente ao Estado/Segurança Social, pelo que a prioridade (com vista a permitir que o hotel continuasse a funcionar) era pagar aos trabalhadores e a alguns fornecedores.

Ajudaram ainda a formar convicção do Tribunal os documentos juntos aos autos.

Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos aos autos.

Da concatenação destes meios de prova, com os demais supra elencados, mais concretamente com a prova documental acima referida, podemos então afirmar que a prova produzida foi no sentido de confirmar os factos que se deram como provados.


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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questão a decidir:

- Dispensa de pena;

O presente recurso limita-se apenas á questão de saber se no caso vertente há lugar à dispensa da pena nos termos do disposto no artº 22º nº1 do RGIT.

Dispõe este normativo na versão em vigor á data dos factos julgados e por se mostrar mais favorável aos arguidos, atento o disposto no artº 2º nº 4 do CPenal que:

«1 - Se o agente repuser a verdade sobre a situação tributária e o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a três anos, a pena pode ser dispensada se:

a) A ilicitude do facto e a culpa do agente não forem muito graves;

b) A prestação tributária e demais acréscimos legais tiverem sido pagos, ou tiverem sido restituídos os benefícios injustificadamente obtidos, até à dedução a acusação;

c) À dispensa da pena se não opuserem razões de prevenção.

2 - A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.»

Entendeu o tribunal a quo que no caso subjudice não se encontrava preenchido o pressuposto referido no artº 22º nº 1 al b), do RGIT, na medida em que o pagamento das prestações em dívida à Segurança Social terá sido realizado após a dedução da acusação.

Sustentam os recorrentes que o “significado da expressão dedução da acusação só poderá corresponder ao momento em que o arguido efectivamente tomou conhecimento da acusação, o que logicamente, só veio a ocorrer após a notificação da mesma”.

Portanto, o que é discutível é saber se é de ter em conta a data em que a acusação é elaborada ou a data em que chega ao conhecimento do seu destinatário.

Na dicotomia data da prolação da acusação/data da notificação da acusação como elemento aferidor da determinação do momento relevante para se estabelecer o marco que importa ter em atenção na definição do dies ad quem do prazo para regularização da divida à Segurança Social, é de ter como correcta a opção pela data em que é elaborada a acusação.

Desde logo um argumento literal, a extrair da alínea b) do nº 1 do artigo 22º do RGIT, quando refere o decurso do prazo “até à dedução da acusação”. A lei é muito clara ao referir a data da prática do acto processual e não já ao momento em que chega ao conhecimento do destinatário o teor da mesma.

Aliás, se assim não fosse e no caso de pluralidade de arguidos, teríamos datas diferentes consoante os diversos momentos em que a decisão fosse chegando ao destino.

Por outro lado, furtando-se o destinatário ao recebimento da notícia, descoberto estaria o caminho para se prolongar o prazo caso se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente tal estratégia.

Sobre a interpretação da expressão “até á dedução da acusação” já muito se escreveu no que respeita aos prazos de duração máxima da prisão preventiva tendo-se firmado jurisprudência no sentido de que o que releva é a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual.

Neste sentido temos p. ex. os acórdãos do STJ de 11-10-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 186, de 14 e 22 de Março de 2001, in Sumários do Gabinete de Assessores, nº 49, págs. 62 e 81; de 15-05-2002 e de 11-06-2002, ibid., nº 61, pág. 84 e nº 62, pág. 81; de 24-10-2007, processo n.º 3977/07-3ª; de 12-12-2007, processo n.º 4646/07-3ª e de 13-02-2008 no processo n.º 522/08 -3ª e, ainda os ACs de 10/12/2008 e 21/11/2012 em www.dgsi.pt.

Assim, bem andou o Tribunal ao considerar que não se encontrava preenchido o pressuposto formal – o de o pagamento ter ocorrido até á dedução da acusação, encontrando-se, assim, inviabilizada a aplicação da dispensa da pena.

Os recorrentes entendem, ainda que o Tribunal a quo não fez uma correta aplicação do artigo 2.º, número 4 do Decreto-Lei 151-A/2013 de 31 de outubro, um vez que aquele artigo contem uma remissão expressa para o artigo 22.º, número 1, alínea b) do R.G.I.T..

O tribunal entendeu que “a menção efectuada nesta norma legal ao artº 22º, nº 1 al. b) se refere tão só à exigência da reposição da verdade fiscal, ou seja, ao abrigo deste regime excepcional o contribuinte pode beneficiar da dispensa dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal, mas que isso não invalida que possa ser dispensado de pena, desde que tal pagamento tenha sido efectuado antes da dedução da acusação”.

Portanto o que aqui está em causa é saber se o pagamento do imposto em falta efetuado ao abrigo deste regime especial, remetendo este, no seu artigo 2º, número 1, expressamente para o artigo 22º do R.G.I.T., permite a aplicação do regime da dispensa de pena apenas e só quando esse pagamento for efetuado até à dedução da acusação ou se o permitirá sempre, independentemente do momento em que a regularização for efetuada.

Vejamos o que vem referido no preâmbulo do Decreto Lei 151-A/2013 de 31/10:

«A atual eficácia da administração fiscal e da segurança social na cobrança das dívidas fiscais e contributivas, bem como os notáveis progressos observados nos últimos anos, são reconhecidos por toda a sociedade. De facto, o reforço do combate à fraude e evasão fiscal constitui um dos objetivos do XIX Governo Constitucional, tendo já sido aprovadas diversas medidas de elevado alcance, designadamente a reforma dos sistemas de faturação e do controlo de bens em circulação, do controlo da entrega das retenções na fonte e das contribuições para a segurança social.

Contudo, o Governo pretende intensificar e reforçar tais medidas, nomeadamente em sede do Regime Geral das Infrações Tributárias. Assim, exige-se uma intervenção extraordinária e rigorosa do Governo que confira aos contribuintes uma derradeira oportunidade de regularizar a sua situação tributária e contributiva, e que permita recuperar uma parte significativa das dívidas de natureza fiscal e à segurança social.

O regime deverá permitir o reequilíbrio financeiro dos devedores, evitando situações de insolvência deempresas e assegurando a manutenção de postos de trabalho, bem como, no que às pessoas singulares respeita, configurar o acesso a um regime excecional de regularização das suas dívidas à administração fiscal, e à segurança social.

Neste contexto, o Governo, através do presente decreto-lei, aprova um conjunto de medidas excecionaisde recuperação das dívidas à administração fiscal, e à segurança social, permitindo a dispensa ou a redução do pagamento dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal nos casos de pagamento a pronto, total ou parcial, da dívida de capital. (…)» (sublinhado nosso).

Como vem referido no acórdão da Relação do Porto de 17/12/2014 no rec. nº 10/11.2IDAVR.P1, que temos vindo a seguir, do que se acaba de citar emerge evidenciada a intenção do legislador de estabelecer um regime excecional de regularização de dívidas fiscais, cumprindo este um duplo desiderato; desde logo e em primeiro lugar permitir ao Estado arrecadar mais receita fiscal, depois possibilitar aos contribuintes a regularização das suas dívidas em condições mais vantajosas, desonerando-os, perante a administração fiscal, pelo pagamento do valor do imposto em falta.

Daí que tenha estatuído no nº 4 do artigo 2º desse diploma legal o seguinte:

«4 - Considera -se que o pagamento integral da dívida, efetuado nos termos do presente decreto -lei, é enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, nomeadamente para a dispensadepena nos crimes aí previstos.»

Como é bom de ver, o legislador de 2013, procurando um modo mais expedito de obter receita fiscal, sendo este um dos seus mais imperiosos objetivos, abre mão de uma boa parte do que pelo R.G.I.T. lhe cabia (juros e demais acréscimos legais) e basta-se com o pagamento do montante do imposto em falta efetuado até uma data concreta (20/12/2013). Sacrifica assim uma parte substancial de receita que lhe cabia, certo de que, dessa forma, mais facilmente obterá o pagamento de mais impostos; haverá mais devedores a pretenderem saldar as suas dívidas e logo, acabará por receber mais dinheiro – pelo menos num prazo mais curto – o que não é despiciendo, não o sendo seguramente também para os contribuintes devedores, os quais, vendo aqui uma oportunidade de regularização das suas dívidas em condições mais vantajosas, hão-de envidar esforços para o conseguirem.

Sendo esta a intenção do legislador mal se entenderia que excluísse da abrangência da lei uma parte significativa dos contribuintes em falta; todos aqueles contra os quais o Ministério Público tivesse já deduzido acusação. Não se vê razão tratar de modo diverso contribuintes que se encontrem na mesma situação (devedores perante a administração fiscal) sendo que este tratamento diferenciado seria em si mesmo uma entorse ao fim visado com a lei. Se por esta se estabelece um regime excecional, criando, o legislador, uma única oportunidade aos contribuintes para, de modo menos oneroso, poderem solver dívidas fiscais, o que se pretende é que todos os que as tenham, possam beneficiar desse regime de exceção. E di-lo: o pagamento feito nos termos do Decreto Lei 151-A/2013 é enquadrável na alínea b) do número 1 do artigo 22º do R.G.I.T. nomeadamente para a dispensa da pena aí prevista. Ora o pagamento feito nos termos deste diploma legal é o que corresponder ao montante do imposto em dívida efetuado até 20/12/2013.

Ainda seguindo o acórdão citado refere-se que o Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, aprova “um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal, bem como de dívidas à segurança social, cujo prazo legal de cobrança tenha terminado até 31 de agosto de 2013” (artigo 1.º, n.º 1), aplicando-se a “todas as dívidas referidas no número anterior, que sejam declaradas pelos contribuintes, ou pelos seus representantes, nos termos da lei, antes do ato do pagamento, ainda que desconhecidas da administração fiscal e da segurança social” (artigo 1.º, n.º 2).

Ora, em termos estritamente penais, “considera-se que o pagamento integral da dívida, efetuado nos termos do presente decreto-lei” — nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do aludido diploma legal, tal pagamento deverá ser efetuado até ao dia 20 de Dezembro de 2013 — “é enquadrável na alínea b) do n.º l do artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, 5 de Junho, nomeadamente para a dispensa de pena nos crimes ai previstos” (artigo 2.º, n.º 4).

Não há, na lei, qualquer outra referência relativa aos processos crimes, nomeadamente a indicação de qualquer notificação, seja pelo Tribunal seja pela Autoridade Tributária, para que o contribuinte (ou sujeito passivo de imposto) proceda ao pagamento dos impostos em dívida para poder beneficiar do regime da dispensa de pena a que se alude no artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro e no artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Pelo contrário, antes a lei faz várias referências ao facto do pagamento dos impostos ou tributos em dívida serem efetuados por “iniciativa do contribuinte, nomeadamente o artigo 2.º daquele Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 deoutubro.
(…)

Tendo o arguido procedido, voluntariamente, ao pagamento do capital de imposto devido antes daquela data de 20 de Dezembro de 2013, importa perguntar se pode beneficiar da dispensa de pena.

Duas respostas têm sido avançadas.

a) Há quem entenda que o Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro apenas permite a dispensa da pena naquelas situações em que todos os demais requisitos do artigo 21.º se encontram preenchidos, nomeadamente que o pagamento seja feito antes da acusação.

Argumenta-se que o aludido decreto-lei remete para o artigo 22.º, n.º 1 al. b) apenas excecionando da sua aplicação a obrigação do agente proceder ao pagamento dos “demais acréscimos legais”, pelo que o que mais consta do artigo 22.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias, nomeadamente a obrigatoriedade do pagamento ocorrer até à dedução da acusação.

b) Não é esta, todavia, a posição que sustentamos.

Em primeiro lugar, deve lembrar-se que o Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro institui um regime especial que visa, em primeira linha, a cobrança excecional de impostos. Como incentivo à sua adesão a lei prevê a dispensa de juros moratórios, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal — artigo 2.º, n.º 1.

Mas se a intenção do legislador fosse, apenas, dispensar os contribuintes que aderissem a este regime especial de pagamento das dívidas fiscais e da segurança social, por certo que o diploma legal em apreço diria apenas e exatamente isso: “o pagamento por iniciativa do contribuinte, no todo ou em parte, do capital em dívida, até 20 de Dezembro de 2013, determina, na parte correspondente, à dispensa dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal”.

Contudo, o legislador foi bem mais longe, não deixando, no que toca aos crimes fiscais, fazer uma referência à dispensa de pena prevista (artigo 2.º, n.º 4).Depois, e muito importante, importa assinalar que o Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, não se limita a remeter para o regime geral da dispensa da pena previsto no artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias no caso do pagamento do imposto devido. Ele especificamente remete para a alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º e tal expressa remissão não pode deixar de ser prenhe de sentido.
Com efeito, se o legislador apenas tivesse em mente “perdoar” os juros (ou os “demais créscimos legais”, não teria qualquer interesse em expressamente referir a possibilidade de aplicação do regime da dispensa da pena, porquanto a sua aplicação resultaria das regras gerais.

Mas o legislador vai mais longe. Não só tem o cuidado de referir que os contribuintes que procedam ao pagamento da totalidade dos impostos em dívida nos termos do aludido diploma podem beneficiar da dispensa da pena, como remete especificamente para a alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, querendo com tal remissão tornar claro — e, relembre-se aqui que a lei especial derroga a lei geral — que desde que o contribuinte proceda ao pagamento integral do capital de imposto devido, pode, independentemente do momento em que tal pagamento ocorre, beneficiar do regime da dispensa da pena (desde que os requisitos previstos nas alíneas a) e c) e do proémio estiverem preenchidos).

Por fim, esta interpretação é aquela que, além de ser a que se mostra mais consonante com a letra da lei, vai de encontro com a intenção legislativa na aprovação do regime excecionalde regularização de dívidas fiscais e à segurança social: não faria sentido que o legislador, interessado em obter receitas extraordinárias e, com a aprovação do referido decreto-lei, permitir que as empresas e pessoas singulares (numa “derradeira oportunidade”), mesmo depois do pagamento dos impostos em dívida, ficassem à mercê da possibilidade de lhes ser aplicada uma pena, assim comprometendo o objetivo de obter um maior número quanto o possível de adesões a esta excecional oportunidade de regularizar as respetivas situações fiscais. Aliás, é tão notório que a lei pretende um recomeço por parte dos contribuintes que, até ao dia 20 de Dezembro, procedam ao pagamento dos impostos em falta que não deixa mesmo de referir no seu preâmbulo que o diploma legal em apreço tem, além da óbvia intenção de “recuperar uma parte significativa das dívidas de natureza fiscal e à segurança social”, o objetivo de “permitir o reequilíbrio financeiro dos devedores, evitando situações de insolvência de empresas e mantendo os postos de trabalho”.

Conclui-se, pois, que o pagamento do imposto em dívida, independentemente do momento em que tal pagamento ocorre, permite ao agente beneficiar do regime de dispensa da pena.»

Assim sendo para se concluir portanto pela procedência do recurso.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a dispensa de pena nos termos acima expostos.

Sem custas.

Coimbra, 4 de Fevereiro de 2015

(Alice Santos - relatora)

(Belmiro Andrade - adjunto)