Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1773/16.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ( PER)
ACORDO EXTRAJUDICIAL DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITOS FISCAIS
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.17, 17 I, 192, 194, 195, 215, 216 CIRE, 169º, 170º, 177º-A, 196º, 199º DO CPPT E 30º NºS 2 E 3 DA LGT
Sumário: 1 - O acordo extrajudicial de recuperação apenas pode deixar de ser homologado, se oficiosamente, nos termos do artº 215º do CIRE; e se a requerimento dos interessados, apenas nas duas hipóteses do nº1 do artº 216º - cfr. artº 17ºI nº4.

2. A recusa de homologação de plano de insolvência, e, por maioria de razão, de acordo extrajudicial de recuperação - artº 216º nº1 al. a) do CIRE, neste caso aplicável ex vi do artº 17º-I nº4 - apenas tem lugar quando o credor prove que a sua situação ficou desfavoravelmente regulada, por comparação prognóstica com a aplicação das regras gerais supletivas, em termos desproporcionados, excessivos, e, assim, claramente injustos.

3 - A impugnação de execução fiscal sem prova de prestação de garantia não suspende a mesma, pelo que a situação fiscal não pode considerar-se regularizada e, assim, existindo a dívida tributária, mesmo que suspensa fosse, a devedora e os credores não podem, em acordo extrajudicial de recuperação, anuir ao seu pagamento em prestações – artºs 169º, 170º, 177º-A, 196º, 199º do CPPT e 30º nºs 2 e 3 da LGT .

Decisão Texto Integral:



ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

C (…), S.A.  instaurou processo especial de recuperação a si atinente.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo sido aprovado plano de recuperação, com o voto contra do credor N (…) SA.

Seguidamente o plano foi homologado por sentença.

2.

Inconformados recorreram o Credor N (....) e o MºPº.

2.1.

Conclusões do N (....) :

(…)

2.2.

Conclusões do MºPº:

(…)

2.3.

Contra alegou a requerente.

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

4.1.

Do recurso do N (…):

Não homologação do plano de recuperação por violação dos artºs 192º nº2, 194º nº2, 195º nº2 e 216º nº2 al. a) do CIRE

4.2.

Do recurso do MºPº:

Não homologação do plano por violação das regras que impõem a indisponibilidade dos créditos fiscais - artºs 30ºnº 2  e 3 e  36º nº 3  da LGT, e artºs 85º nº 3, 196º e 199º  do CPPT, e  artº 125, da  lei 55-A/2010, de 31/12. 

5.

Os factos essenciais que importa considerar são os seguintes:

1 – Pela devedora (…) foi apresentado acordo extrajudicial de recuperação  no qual foi assumido um passivo global de 8.166.769,54 euros, posteriormente revisto para € 9.476.301,88.

2 -  Ao recorrente N (…) foi reconhecido um crédito no valor de 1.027.386,68 €.

3 – As instalações da devedora e os equipamentos nelas existentes encontram-se escriturados no seu balanço pelo valor de  6.481.809,00 euros.

4 -  Em 20 de Fevereiro de 2004, foi celebrado entre o credor e a devedora um contrato de penhor mercantil, para garantia de mutuo até ao montante de € 750.000,00, bem como todas as obrigações dele decorrentes designadamente juros e despesas.

5. - Ao recorrente foi reconhecido  no acordo um crédito no montante de 689.575,00 euros garantido por hipoteca.

6 - Consta no acordo extrajudicial de recuperação:

I - Em caso de liquidação da devedora a venda dos seus ativos não ultrapassaria 20% do valor total dos passivos o que representaria cerca de 23% do valor total dos créditos garantidos e privilegiados.

II –Credores garantidos – 5.933.510,45 euros.

Aos credores garantidos propõe-se o pagamento da totalidade do crédito no prazo de 15 anos, com prestações trimestrais, vencendo-se a primeira 30 dias após a homologação do plano de pagamentos, com perdão de juros vencidos até á data do início do plano e nas seguintes condições de juros e amortização:

 Taxas de juro (fixas)

 Março de 2016 a Dezembro 2018 – 0,50% - janeiro 2019 a dezembro 2020: 0,75% -janeiro 2021 a dezembro 2025: 1,25% - janeiro 2026 a dezembro 2031 – 1,75%.

Amortização (valor anual)

Até dez 2020: 10% - jan 2021 a dez 2030: 60% - 2031 bullet: 30%.

III - Os montantes serão a repartir proporcionalmente por cada credor garantido.

IV - Conforme expresso no estudo de viabilidade, ponto 5 do presente documento, a empresa irá proceder à liquidação do seu stock de vinho do porto, pelo que o plano prevê a libertação dos penhores mercantis existentes, libertando-se os vinhos em valor igual a cada uma das amortizações de capital efetuadas.

V - Todas as garantias prestadas mantêm-se no âmbito do presente plano de pagamentos.

VI – Créditos condicionados

Estado

Considerando que os dois processos de execução se encontram suspensos, a Casalinho…possui a sua situação tributária regularizada nos termos do nº12  do artº 19º do CPPT, dispensando a homologação de qualquer plano de pagamentos relativo a estas dívidas o Estado.

Na eventualidade de serem decididos desfavoravelmente à empresa, propõe-se que os mesmos sejam pagos em 150 prestações mensais respeitando o previsto no nº6 do artº 196 do CPPT.

7 – O acordo de recuperação e plano de pagamentos foram aprovado pelos credores  de acordo com o  quórum  legal necessário.

8 – A devedora deduziu, em execuções fiscais,  impugnação  ao ato de liquidação.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

6.1.1.

A ratio e teleologia do CIRE, na sua redação matricial, qual seja a liquidação imediata do seu património do devedor com a satisfação dos direitos e interesses dos credores, na mais ampla perspetiva, deu lugar, com a alteração ao processo de insolvência, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que aditou as normas reguladoras do PER, a que o fito primeiro e fulcral  do processo de insolvência, passasse a ser a recuperação do devedor.

Assim, o objetivo do legislador do CIRE, na sua redação inicial, de desjudicializar o processo e perspetivar este, essencialmente, como um processo em que aos  interessados é facultada a possibilidade de modelarem as suas pretensões,  parece ter-se acentuado.

Efetivamente, e como dimana dos seus preceitos atinentes – artº 17º A e segs -, todo o processo do PER, ainda que com intervenção, ativa e atual, do Sr. administrador judicial provisório e uma fiscalização, mais a posteriori, do Juiz, assume-se e consubstancia-se, na sua vertente material ou substancial, como uma negociação entre devedor e credores.

Por conseguinte, é evidente que os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade assumem uma importância acrescida.

Este  primordial objetivo recuperatório é plasmado e evidenciado  nos planos de insolvência e de recuperação.

Aquele constitui uma medida alternativa à  liquidação universal supletiva: «em derrogação das normas do presente código» - artº192º nº1, in fine do CIRE.

A perceção de que esta liquidação pode não acautelar todos os interesses merecedores de tutela, levou o legislador a admitir que os próprios credores, em conjugação de esforços com o administrador de insolvência e com respeito por determinadas regras formais e materiais, procedam à auto-regulação da liquidação do património, sem sujeição ao regime geral e abstrato previsto na lei, ou salvando, se possível, a empresa e, com isso, assegurando a manutenção da sua atividade ou salvaguardando postos de trabalho insolvente – cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, vol. II, págs. 37 e 38.

Assim, foi conferido aos credores o poder de - e respeitados que estejam os limites e exigências formais e materiais legalmente impostos: cfr., vg. artºs 192º nº2  e 193º e sgs. do CIRE -  incluírem no plano uma plêiade de providencias exemplificativamente vertidas no artº 196º, a saber: o perdão ou redução do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionamento de reembolso de créditos; modificação de prazos de vencimento e taxas de juros; constituição de garantias e cessão de bens aos credores; e outras ali não previstas.

Por conseguinte, o plano: «tem uma natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles….A concretização do plano de insolvência permite aos credores a composição dos interesses emergentes do processo, de acordo com a sua própria vontade, revestindo-se, assim, de uma natureza negocial.» -  Gisela Fonseca in Direito da Insolvência – Estudos, Coimbra Editora, 2011, no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”.

E se assim é para o plano de  insolvência, por igualdade ou, até, maioria de razão – argumento a fortiori – o deve ser para o plano de recuperação.

Pois que neste se dá relevância à revitalização da empresa,  fito este que, como se expressou, parece ter substituído como objetivo primordial  da legislação insolvencial o anteriormente assim considerado, qual seja,  a satisfação dos direitos dos credores o mais amplamente possível – cfr. Acs. do STJ, de 10/04/2014, p. 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, p. 6148/12.1TBBRG.G1.C1 in dgsi.pt.

Assim sendo, «esta primazia (mesmo a satisfação dos créditos) não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente» - Menezes Cordeiro, in “Perspetivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, nºs 22/23, 2012, ps 40 a 42.

6.1.2.

Mas não obstante toda a amplitude de atuação que os interessados têm à partida, ex vi  daquele desiderato primordial e destes princípios, é evidente que, como em tudo o mais, ela tem limites.

Pelo que nem os credores podem atuar de um modo desmedido e atribiliário, porventura em conluio, entre si ou com o próprio devedor, para obterem fitos ilegais; nem, correspondentemente e precisamente para obviar a estes riscos, a intervenção do juiz se pode limitar à de um mero e, quiçá, passivo, árbitro que apenas fiscaliza a infração clamorosa e evidente de regras ou procedimentos de elevada magnitude.

Efetivamente, e no que concerne à atuação dos credores aquando gizam e substanciam o plano de insolvência, devem eles respeitar certas regras e princípios, como sejam, vg., o da igualdade  de tratamento dos credores e o da clara definição do seu conteúdo – artºs 194º e 195º do CIRE.

Já no que respeita aos poderes de intervenção  do juiz importa, considerando os termos da lei, distinguir duas situações, a saber:

Se se trata de plano de insolvência ou de plano de recuperação iniciado nos termos do artº 17º -C do CIRE, a recusa de homologação do plano pelo juiz pode verificar-se por violação de qualquer norma do Titulo IX do CIRE, quer respeite a matéria procedimental quer substancial – cfr. quanto ao plano de recuperação o artº 17º-F nºs 5 e 6 com o seguinte teor:

«5 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º

Se se trata de plano de recuperação iniciado nos termos do artº 17º-I do CIRE, ie., já com a apresentação de acordo extrajudicial de recuperação, a não homologação já não poderá alcandorar-se na mais abrangente previsão normativa dos preceitos constantes naquele título – artº 192º e segs do CIRE -, mas antes, mais restritivamente, apenas no estatuído nos artºs 215º e 216º.

Pois que, versus o que sucede com o artº 17º-F nº5, o artº 17º-I nº4 apenas para estes remete, a saber:

«…o juiz procede…à análise do acordo extrajudicial, devendo homologá-lo se respeitar a maioria prevista no nº3 do artº 17º-F, exceto se subsistir alguma das circunstâncias previstas nos artigos 215º e 216º.»

Esta restrição parece justificar-se pelo facto de o plano resultar de um acordo de cariz totalmente extrajudicial, para a obtenção do qual relevou, total e essencialmente, a livre vontade - desde logo porque judicialmente incondicionada como acontece ou pode acontecer nos casos do processado iniciado nos termos do artº 17º-C - dos credores.

Urgindo, pois, e salvo casos excecionalmente intoleráveis, respeitar tal autonomia de vontade, até porque a totalidade ou maioria dos credores que outorgam e aprovam o acordo  extrajudicial são os principais, e porventura únicos atores por ele, e respetivo plano de pagamentos, afetados.

E aqui ainda cumpre distinguir.

Se o  acordo extrajudicial e respetivo plano de pagamentos forem rejeitados por iniciativa do juiz, oficiosamente, os fundamentos da rejeição estão, mais amplamente, estatuídos no artº 215º:

«O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.»

Se a não homologação for requerida pelos interessados, vg. algum credor, ela apenas pode ter lugar nas duas situações previstas no nº1 do artº 216º:

1 - O juiz recusa ainda a homologação do plano de insolvência se tal lhe for solicitado …por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante  nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva suportar.

6.1.3.

No caso vertente.

O Sr. Juiz na sua decisão de homologação, expendeu para além do mais:

«Por se tratar de processo especial nos termos do artigo 17º-I do CIRE, não há lugar a negociações após a entrada do requerimento inicial…

O processo especial de revitalização é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada, que se destina a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.

É assim um processo negocial, tendente à obtenção de um acordo que conduza à revitalização do devedor, e decorre, essencialmente, entre o devedor e os seus credores, com intervenção de um administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal.

Na modalidade prevista no artigo 17º- I é um processo abreviado, ao qual o devedor recorre depois de ter negociado com os seus credores e de ter obtido um acordo extrajudicial e apresentando já a adesão de dois terços dos seus credores. O processado, em moldes abreviados, destina-se apenas a verificar a correção do quórum deliberativo e à homologação do acordo previamente obtido, se esse quórum se mostrar correto.

A intervenção do Tribunal neste processo resume-se, assim, e excluindo os atos de publicidade do processo e depósito dos documentos para consulta, à nomeação inicial do administrador judicial provisório (artigo 17-I nº2), à decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos (artigo 17ºD nº 3, aplicável ex vi art. 17º-I nº3), e à homologação (ou recusa) do acordo extrajudicial (artigos 17º-I n.º 4 e 17º-F).

Está assim em causa, simplesmente, a homologação judicial de um acordo já feito e presente a juízo, para que, no deferimento da pretensão, o acordo se torne vinculativo para a generalidade dos credores, mesmo que não tenham tomado parte nas conversações ou, independentemente disso, não o hajam subscrito, assim ampliando a respetiva eficácia, por força dos artigos 17ºF, n.º 6 e 17ºI, n.º 6 do CIRE (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda; in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado).

O processo inicia-se com um acordo pré-existente entre devedor e credores...

Juntou Acordo Extrajudicial de Revitalização, assinado pela devedora e por credores que representam a maioria dos votos prevista no artigo 17ºF do CIRE,

Pelo N (....) S.A. a fls. 454 a 465 e pela M (....) – Aluguer de Veículos unipessoal, Lda. A fls. 744 a 747, foram apresentados requerimento para a não homologação do plano apresentado. Requerem que se recuse a homologação por causa do perdão de dívida, do prazo de pagamento da dívida, por violação de normas legais imperativas aplicáveis ao plano, desde logo a igualdade da posição dos credores.

No que diz respeito à questão da desproporção ou da violação do princípio da igualdade entre credores, não resulta dos requerimentos dos credores quais os motivos pelos quais estes entendem que foi violado princípio da igualdade entre credores. Na verdade, do teor do plano de recuperação não resulta que existam credores que sejam objeto de um injustificado tratamento diferenciado. Com efeito, todos os credores cujos créditos têm a mesma natureza ou origem são contemplados por forma semelhante (bancos e fornecedores), sendo que também os credores cujos créditos são litigiosos são alvo de uma previsão no plano.

Não se verificam no caso concreto quaisquer das circunstâncias previstas nos artigos 215.º e 216º,…não tendo aqui lugar a aplicação, por não ter sido decretada a insolvência e na falta de expressa remissão para o efeito, do disposto no artigo 192º, n.º 2 do CIRE… impondo-se concluir, através da análise do Plano de Recuperação apresentado, que a situação dos credores não ficaria beneficiada com a declaração de insolvência, por não garantir um pagamento em maior proporção dos créditos identificados.»

(sublinhado nosso).

O decidido mostra-se em consonância com o supra expendido, desde logo no que concerne à impossibilidade de o recorrente pretender insurgir-se contra a homologação do acordo extrajudicial com a invocação uma plêiade de argumentos que, como se viu, apenas poderiam ser aduzidos para o plano de insolvência, ou para o plano de recuperação iniciado nos termos do artº 17º-C.

Ora estando em causa a insurgência quanto a um acordo extrajudicial já gizado anteriormente à instauração do processo, nos termos do artº 17º-I, a mesma apenas poderia sufragar-se nas hipóteses previstas no artº 216º nº1.

6.1.4.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, não procederiam os argumentos nucleares do recorrente aduzidos para além da previsão do artº 216º nº1.

Assim e quanto à invocada violação do nº2 do artº 192º:

Estabelece este preceito:

1 - O pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código.

2 - O plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados.

Como é intuitivo, não é uma qualquer e minudente afetação que queda inadmissível, mas apenas a afetação ilegal ou «indevida» - cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda CIRE, Anotado, II vol.,  2006, p.40.

Acresce que este preceito está gizado para uma situação de insolvência e posterior liquidação, que não para uma situação de recuperação.

Ora perante esta, a afetação ou constrangimento, absoluta e comparativamente equilibrada e equitativa, dos direitos dos credores é, acrescidamente, de conceder, atento o fito recuperatório pretendido e os benefícios que a salvação/recuperação da empresa acarreta para o tecido económico-social.

No atinente à violação do princípio da igualdade ínsito no artº 194º, a saber:

1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.

O que este princípio veda  é sujeitar-se, intoleravelmente, a regimes diferentes credores que se situem em circunstâncias idênticas.

Mas, ao invés e por decorrência,  impõe que devem ser tratados diferentemente os que se encontrarem em circunstâncias distintas.

Efetivamente, tal princípio assume-se nesta lógica dicotomia: tratar igualmente o que é semelhante e  distinguir o que é diferente.

Neste sentido estatuindo o disposto no artº 194º do CIRE devidamente interpretado - cfr entre outros, os Acs. da RC de  17/03/2015, p. 338/13.7TBOFR-A.C1 e de 15.09.2015, p. 5570/14.3T8CBR.C1, in dgsi.pt.

Destarte, no processo de insolvência, e desde logo como dimana do segmento normativo citado, o princípio da igualdade entre os credores, não proíbe que se façam distinções entre os créditos, proibindo tão só diferenciações de tratamento sem justificação razoável, segundo critérios objetivos relevantes.

Constituirão razões objetivas para operar diferenciações, as baseadas da distinta classificação dos créditos (garantidos, privilegiados, comuns e subordinados, nos termos do artigo 47º) e nas suas categorias hierárquicas.

E, inclusive, podem diferenciar-se credores atenta a diversidade das fontes, natureza e finalidade dos seus créditos, nomeadamente nos casos em que os credores tenham contribuído diferentemente para a continuidade da atividade do devedor no giro comercial.

E se assim é para o plano de  insolvência,  mais uma vez por igualdade ou, até, maioria de razão, o deve ser para o plano de recuperação.

Pois que neste se dá relevância à revitalização da empresa,  fito este que, como se expressou, parece ter substituído como objetivo primordial  da legislação insolvencial o anteriormente assim considerado, qual seja,  a satisfação dos direitos dos credores o mais amplamente possível – cfr. Acs. do STJ, de 10/04/2014, p. 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, sup, cit.

Tendo-se, neste aresto decidido:

«Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública.».

Assim sendo, «esta primazia (mesmo a satisfação dos créditos) não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente» - Menezes Cordeiro, in “Perspetivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, nºs 22/23, 2012, ps 40 a 42.

Na verdade: «parece aceitável que um credor que seja fornecedor do devedor tenha um tratamento diferenciado relativamente a outro credor da mesma classe pela importância que detém para a recuperação do devedor, consequentemente, para o sucesso do acordo de recuperação eventualmente alcançado no âmbito do PER» - Filipa Gonçalves  in “Estudos de Direito da Insolvência”, Coordenação de Maria do Rosário Epifânio, Almedina, 2015, p. 84.

Nesta conformidade, a conclusão pela violação, ou não, do princípio da igualdade, mais do que decorrente de uma apreciação apriorística e meramente contabilística, deve emergir de uma ponderação global e concatenada, de sorte a alcançar-se  se a vinculação do credor pelos termos do plano se apresenta, atentos certos elementos objetivos - montante, natureza, origem, finalidade, etc., do crédito -  como justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspetiva, se ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável – cfr. Jorge Reis Novais in Princípios Estruturantes da República Portuguesa, pág. 171,  apud Ac. do STJ de 25/03/14 p. 6148/12.1TBBRG.G1.C1 in dgsi.pt.

No caso vertente o recorrente insurge-se essencialmente quanto ao facto de nele se preverem «a libertação dos penhores mercantis existentes libertando-se os vinhos em valor igual a cada uma das amortizações de capital efetuadas.»

Mas ele não alega, nem do plano se retira ,que apenas ele tenha tal garantia sobre os vinhos, que não outros credores.

Antes a expressão no plural  de tal asserção inculca que outros credores a têm e são pelo plano outrossim afetados.

Ademais, é duvidoso que o plano preveja a eliminação de tal garantia, pois que  ele, logo a seguir, prevê expressamente a manutenção «de todas as garantias prestadas».

Finalmente e mesmo admitindo que a garantia do penhor do recorrente possa ser afetada, não se depreende do plano que tal afetação implique a sua eliminação e que a mesma constitua um prejuízo para o recorrente em  total e completa medida.

Efetivamente, nele se consigna apenas, e algo dubitativamente: «o plano prevê a libertação dos penhores mercantis existentes, libertando-se os vinhos em valor igual a cada uma das amortizações de capital efetuadas»

Ou seja, e numa interpretação admissível, pode concluir-se que a libertação dos penhores apenas incidirá sobre os vinhos que forem vendidos e cujo produto servirá para amortizar o capital das dívidas que garantem.

Assim sendo, tudo visto e ponderado, não pode concluir-se que a afetação do crédito do recorrente seja, na economia dos interesses em presença – estamos perante uma empresa de média dimensão cuja manutenção na economia se apresenta, presumivelmente, benéfica -  intoleravelmente desequilibrada, não equitativa e irrazoável,  e, assim, «indevida» e ilegal, designadamente por violação dos artºs 192º e 194º do CIRE.

6.1.5.

Em todo o caso e bem sintetizada a postura recursiva conclusiva do recorrente, vislumbra-se que  ele centra o seu inconformismo  no nuclear entendimento de que   o acordo violou a al. a) do nº1 do artº 216º, supra referido, a saber:

 «A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.»

Verifica-se, desde logo, que prevendo a lei para o plano de insolvência obtido em processo jurisdicional, ela faz ceder o nele plasmado perante «acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.»

Ora esta previsão rege, senão direta e em toda a sua plenitude, pelo menos, e numa interpretação extensiva ou aplicação analógica, para a situação presente.

Pois que o acordo  ora colocado sub sursis pelo recorrente assume, na sua substancia, o jaez de extra extrajudicial.

Em segundo lugar e perante a letra de tal segmento normativo, verifica-se que sobre o credor incide o ónus de provar a ocorrência da sua fattispecie.

Quanto a tal prova expendem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, 2º, 2006, p.124:

«A prova da eventualidade referida…pressupõe um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria…no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor segundo o modelo legal suplectivo.

Quanto aos credores isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele…

Ora é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade, exactamente porque importa averiguar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal

No caso sub judice a maioria dos credores deu como bom que: «Em caso de liquidação da devedora a venda dos seus ativos não ultrapassaria 20% do valor total dos passivos o que representaria cerca de 23% do valor total dos créditos garantidos e privilegiados.».

Uma vez que tal maioria  é diretamente interessada e afetada por tal entendimento prognóstico,  e considerando ainda as regras da experiencia comum que nos dizem que a venda de bens em processos de insolvência é muito desvalorizada, tem de dar-se como assente que ele reflete, pelo menos aproximadamente, a realidade.

A assim ser, logo por aqui a previsão legal referida não ficaria preenchida.

Pois que a satisfação, com a liquidação e venda, dos créditos garantidos, em 23% - ou até em 33% ou 43%, ou 53% - ficaria sempre aquém do que, previsivelmente e se o plano de recuperação singrar, eles irão receber em função do nele vertido.

Na verdade, por esta via está previsto para os credores garantidos o pagamento da totalidade do crédito, com juros vincendos, no prazo de 15 anos, com prestações trimestrais, vencendo-se a primeira 30 dias após a homologação do plano de pagamentos.

Mas mesmo que se não desse como provada a venda  dos bens da devedora por tal valor depreciativo, sempre ao recorrente incumbia provar factos - vg.  atinentes a valor  superior da venda dos bens, máxime daqueles sobre os quais tem garantia -, dos quais se pudesse concluir  que, fora do acordo e do plano de pagamentos nele consignado, iria receber mais do que previsivelmente irá receber no seu âmbito.

Mas tal prova não foi por ele consecutida.

O recorrente alegou tal, mas não provou.

Por todo o exposto, a sua pretensão não merece acolhimento.

6.2.

Segunda questão.

6.2.1.

Até à entrada em vigor da Lei nº55-A/2010 de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, a questão de saber se os créditos do Estado e da Segurança Social podiam, ou não, ser objeto de alteração ou constrangimento  no âmbito do processo de insolvência, era controvertida, sendo que, porém, uma expressiva maioria da doutrina e jurisprudência, defendiam que a modificação de tais créditos era possível.

Porém com a entrada em vigor, em 01.01.2011, de tal lei, as coisas alteraram-se exatamente no sentido contrário.

Na verdade o artº 123º deste diploma veio aditar um nº3 ao artº 30º da LGT com o seguinte teor: «o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial».

Sendo que o nº2 estatuía: «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária».

Também a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, diploma que, para além de criar o processo de revitalização, introduziu vários ajustamentos ao CIRE, manteve a preocupação de respeitar as disposições da Lei tributária e a não afetação dos créditos fiscais, prevendo o legislador que os acordos celebrados no âmbito do processo especial de revitalização vinculem também os credores que aos mesmos não se vincularam «desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social » - cfr., Exposição de motivos da Proposta de Lei nº 39/XII.

Por outro lado, a conjugação dos artigos pertinentes  da Lei Geral Tributária (LGT): 30º e 36º, 85º, 86º,  169º, 10º 177º-A, 196º, 199º  resulta que:

- o princípio da indisponibilidade e da irrenunciabilidade das dívidas fiscais é imperativo, vinculando a própria administração tributária que não pode dispor livremente dos seus créditos, encontrando-se impedida de anuir na aprovação de um plano que preveja o perdão total ou parcial das dividas fiscais;

- A suspensão da execução até à decisão do pleito, em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial apenas tem lugar se o executado prestar garantia idónea ou provar a concessão da dispensa da mesma – artºs 169º e 170º;

-  Apenas se considera que  existe situação tributária regularizada quando, vg., estando pendente meio de contencioso  da discussão da legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda, o processo de execução fiscal tenha garantia constituída, nos termos legais, ou quando tenha a execução fiscal  sido suspensa, nos termos do n.º 2 do artigo 169.º, havendo garantia constituída, nos termos legais – artº 177º-A.

- a concessão de moratórias encontra-se vedada, a não ser nos casos expressamente previstos na lei - arts. 36º, nº3 e 85º, CPPT -, permitindo-se, em determinadas circunstâncias, que o sujeito passivo requeira o pagamento em prestações das dívidas tributárias   -arts. 86º e 196º CPPT;

- A possibilidade de pagamento das dívidas tributárias em prestações obedece a exigências legais diversas das previstas para os credores comuns, impondo-se que exista um requerimento para o efeito por parte do contribuinte e autorização da autoridade tributária após verificação do cumprimento dos requisitos legais – artºs 196º e 199º do CPPT.

Nesta conformidade é agora meridianamente evidente que a vontade do legislador aponta inequivocamente para a proibição de qualquer afetação ou modificação do crédito tributário em quaisquer processos que não se situem no âmbito estrito da relação jurídica tributária.

Sendo esta a única interpretação possível em face dos elementos da hermenêutica jurídica e o disposto no artº 9º nºs 1 e 2 do CC.

E sendo até vislumbrável a pretensão do legislador de operar uma interpretação autêntica relativamente à querela interpretativa e às dúvidas que no pretérito se suscitavam quanto a esta questão.

Por conseguinte, com este entendimento e neste sentido se vindo agora, posteriormente à vigência da citada Lei, a esmagadora maioria da jurisprudência, desde a segunda instancia até ao STJ, a pronunciar.

A saber:

- Acs. da RG de 04.10.2011, p. 368/10. 0TBPVL-D.G1; de 20.10.2011, p. 4044/10.6TBGMR –F.G1; de 27.10.2011, p. 1046/10.6TBVVD.G1; de 27.02.2012, p. 1659/10.6TBVCT.

- Acs. da RP de 25.10.2011., p. 554/10.3TBPRD-H.P1; de 4.11.2011, p. 1911/09.2TBLSD-H.P1; de 15.05.2012, p. 70/11.6TBSTS-D.P; de 10.07.2013, p. 257/12.4TBMCD-C.P1de 16.09.2013, p. 1060/12.7TBLSD.P1  e de 10.10.2013, p. 4183/12.9TBPRD.P1.

- Acs. da RC. De 29.11.2011, p. 588/08.8TBFND-D.C1; de 17.01.2012, p. 1577/10.8TBPBL-F.C1; de 24.09.2013, p. 36/13.1TBNLS.C1 e de 13.09.2016, p. 499/15.0T8SEI-A.C1.

- e Acs. do STJ de15.12.2011, p. 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1, de 10.05.2012, p. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1;  e de  14.06.2012, p. 506/10.3TBPNF-E.P1.S1.

Todos em  dgsi.pt.

Neste último aresto se expendendo:

«Tendo a Lei n.º 55.º-A/2010, de 31-12, determinado expressamente a aplicação do n.º 3 do art. 30.º da LGT aos processos de insolvência pendentes e com planos não homologados, é por demais evidente que não podem os tribunais deixar de cumprir este comando legal… Esta é a interpretação dos citados preceitos legais que se nos afigura …mais consentânea com a boa hermenêutica, pois, como é sabido, não pode ser considerado pelo intérprete, maxime pelos tribunais, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º. n.º 2, do CC)».

Em sentido contrário, ou seja, da possibilidade, ainda que apenas em certas estritas circunstâncias, do constrangimento dos créditos fiscais na insolvência, podem ver-se os Acs.: - da RG de  18.10.2011, p. 5036/10.0TBBRG-J.G1 de 06.03.2012, p. 631/11.3TBBCL-C.G1 e de  10.04.2012, p. 2261/11.0TBBRG-E.G1.  -Da RP de 12.09.2013, p. 185/11.0TBVLC-E.P1.

6.2.2.

No caso vertente, a devedora e os credores subscritores do  acordo entenderam que  por  aquela ter deduzido impugnação nos processos de execução fiscal, tal implicou a sua suspensão e, assim, ficou com a sua situação fiscal regularizada.

Mas não tem, vincadamente, razão.

Como se viu, a simples impugnação não acarreta a suspensão, pois que esta apenas emerge quando for prestada garantia ou provada a sua dispensa – artºs 169º, 170º e 177-A do CPPT.

Aliás,  a  suspensão do crédito não acarreta a sua irrelevância  ou inocuidade, antes este produzindo efeitos.

Assim, o credor titular de crédito sob condição suspensiva tem direito a voto na assembleia de credores, posto que  o número de votos concedido por tal crédito seja sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição – artº 73º nº2 do CIRE.

Nesta conformidade, e se a suspensão não for decretada em virtude do cumprimento dos assim exigidos legais requisitos, ela não acarreta a regularidade da situação tributária, pelo que a simples impugnação da execução fiscal não permite a afetação/modificação do crédito respetivo pelo plano ou acordo de recuperação.

Mas não está demonstrado no processo que a garantia tenha sido prestada ou a dispensa concedida, pelo que não pode concluir-se pela suspensão e, muito menos, pela regularização da situação fiscal.

 Não estando regularizada a sua situação tributária estavam a devedora e os credores subscritores do plano vinculados a respeitar os créditos tributários em todas as suas vertentes:  impossibilidade da sua redução, concessão de moratória, etc.

Não foi isso que se verificou, pois que no acordo foi consignado o pagamento em 150 prestações mensais.

Moratória esta que, como se viu, estava vedada no âmbito do PER e apenas podendo ser perspetivável no domínio da própria execução fiscal, por estrito chamamento das regras do CPPT, e de acordo com as suas exigências e condicionantes, vg. a prestação da mencionada garantia.

Aqui chegados, cumpre dizer que, como é jurisprudência maioritária, a consequência para um plano de revitalização que preveja a afetação ou condicionamento  de créditos tributários sem o acordo da Fazenda Nacional, vg. o seu pagamento em prestações, acarreta como consequência  não a recusa da sua homologação in totum, mas apenas  uma nulidade parcial ou ineficácia relativa do plano/acordo quanto aos créditos fiscais indevidamente alterados.

É que a opção por tal solução poderia implicar a inviabilização de qualquer plano de recuperação em que figurassem como credores a Administração Tributária e a Segurança Social – Ac. do STJ de 24.03.2015  in dgsi.pt.

Ora «a solução da homologação do plano não obstante as modificações previstas no plano de recuperação para os créditos tributários ou pela segurança social é a única compatível com o princípio do primado da recuperação (enquanto solução preferencial para o problema da insolvência e para todas aquelas situações de crise económica) e com o princípio da universalidade (a recuperação é tanto mais eficaz quanto mais sujeitos envolvidos).  

A ineficácia relativa do plano na parte em que prevê regras especiais para o pagamento dos créditos da Administração Tributária sem autorização desta, não afetando as restantes disposições relativas aos demais créditos ao mesmo tempo que preserva os créditos tributários, permite salvaguardar o plano de recuperação» - Ac. da RC de 13.09.2016 sup. cit , reiterando Catarina Serra  in O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, Almedina 2016, págs. 97 e 98.

Nesta perspetiva, e apenas com tal efeito, procede este recurso.

7.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - O acordo extrajudicial de recuperação apenas pode deixar de ser homologado, se oficiosamente, nos termos do artº 215º do CIRE; e se a requerimento dos interessados, apenas nas duas hipóteses do nº1 do artº 216º - cfr. artº 17ºI nº4.

II -  A recusa de homologação de plano de insolvência, e, por maioria de razão, de acordo extrajudicial de recuperação - artº 216º nº1 al. a)  do CIRE, neste caso aplicável ex vi do artº 17º-I nº4 -  apenas tem lugar quando o credor prove que a sua situação ficou desfavoravelmente regulada, por comparação prognóstica com a aplicação das regras gerais supletivas, em termos desproporcionados, excessivos, e, assim, claramente injustos.

III - A  impugnação de execução fiscal  sem prova de prestação de garantia não suspende a mesma, pelo que a situação fiscal não pode considerar-se regularizada e, assim, existindo a dívida tributária, mesmo que suspensa fosse, a devedora e os credores não podem, em acordo extrajudicial de recuperação, anuir ao seu pagamento em prestações – artºs 169º, 170º, 177º-A, 196º, 199º do CPPT e 30º nºs 2 e 3 da LGT

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda:

i) negar provimento ao recurso do credor N (....) e, neste conspeto, confirmar a sentença;

ii) Julgar parcialmente procedente o recurso do MºPº e, consequentemente, declarar-se e decretar-se a ineficácia da decisão que homologou o  acordo extrajudicial de revitalização  na parte em que afetou os créditos fiscais.

Custas  recursivas pelo recorrente credor N (....) .

Coimbra, 2016.11.08.



Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos