Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
424/08.5JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONFISSÃO
Data do Acordão: 09/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA, 2ª SECÇÃO, DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 344º Nº 1 CPP
Sumário: I - A confissão integral e sem reservas implica a aceitação pela arguida de todos os factos que lhe são imputados na acusação.
II- Se a recorrente reconhece que a confissão não foi integral relativamente aos factos da acusação, não faz uma confissão "sem reservas".
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra os arguidos:
A..., solteira, vendedora ambulante, residente no Bairro … , actualmente em prisão domiciliária com V.E. desde 10 de Janeiro de 2011,
B..., residente no Bairro …, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Coimbra, desde o dia 11 de Outubro de 2010, à ordem do Pr. 2362/09.5PCCBR do 3º Juízo Criminal de Coimbra, a cumprir uma pena de 20 meses.
D......, residente no Bairro …,
F…, residente na Rua …, Granja do Ulmeiro.
Sendo decidido:
I-Condenar a arguida A... como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.01., com referência à tabela anexa I-A e I-B, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
II-Condenar o arguido B... como autor material do crime de traficante-consumidor, p.e p. pelo art. 26º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.01., com referência à tabela anexa I-A e I-B, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
III-Condenar o arguido D...... como autor material do crime de detenção para consumo, p.e p. pelo art. 40º, nº 2 do DL nº 15/93 de 22.01., com referência à tabela anexa I-A, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
IV-Condenar o arguido F… como cúmplice do crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelos arts. 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.01., com referência à tabela anexa I-A e I-B, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
V-Suspender a execução das penas de prisão aplicadas a ambos os arguidos D...... e F… por período de tempo igual ao das respectivas penas (6 (seis) meses de prisão para o 1º deles e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o 2º deles) mediante a sua sujeição a um regime de prova, assente num plano de reinserção social a ser elaborado e fiscalizado pelo Instituto de Reinserção Social, o qual relativamente ao arguido D...... deverá ser adequado a facilitar a recuperação da sua situação de toxicodependência;
VI-Absolver a arguida A... como autora material de um outro crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. no art. 21º, nº1 e 24, al. h) do D.L. nº 15/93 de 22.1., por referência à tabela I-B., mandando-a totalmente em paz nessa parte;
VII-Declarar perdidos a favor do Estado a balança decimal, o 2 telemóveis Nokia (conjuntamente melhor identificados a fls 592), a quantia monetária total de € 1.045,00 e os produtos estupefacientes apreendidos e recortes plásticos;
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Inconformada, do acórdão interpôs recurso a arguida A..., formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e que, delimitam o seu objecto:
1.A ora Recorrente confessou integralmente e sem qualquer reserva os factos que praticou e pelos quais foi condenada, e colaborou ao longo de todo o julgamento com a descoberta da verdade material,
2.O Douto Tribunal Recorrido deveria ter dado como provado a confissão integral da arguida, ora Recorrente!
3.A pena concretamente aplicada à ora Recorrente "peca por excesso"
4.O Tribunal a quo aplicou à ora Recorrente a pena de prisão de 6 anos, o que se revela, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, inteiramente desproporcional, desadequado e injusto.
5.Atendendo às circunstâncias concretas do caso em apreço, revela-se inteiramente proporcional, adequado e justo cominar a arguida/Recorrente na pena concreta de 4 (anos) anos de prisão.
6.Ou, pelo menos, jamais deveria ser aplicada à ora Recorrente pena superior a 5 anos de prisão.
7.Assim, impõe-se que se considere a possibilidade de suspensão da execução daquela pena.
8.No caso da ora Recorrente, perante uma situação especial, em que a ilicitude do facto se mostra diminuída e o sentimento de reprovação social se mostra esbatido, sendo admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
9.De facto, entende a Recorrente que os factos recolhidos pela 1.ª instância, relativamente: à personalidade da ora Arguida, às condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste - permitem, a formulação do tal prognóstico social favorável, devendo a mesma ser suspensa a execução da pena de prisão que em concreto for aplicada à ora Arguida por V. Exas.
10. Perante tal personalidade, condições de vida, comportamento global e as circunstâncias fins/motivos que a determinaram a Recorrente a praticar o crime pelo qual vem condenada, entendemos ser possível confiar em que a simples ameaça da pena, sujeita a regime de prova e com imposição de regras de conduta, tenha reflexos sobre o comportamento futuro da Arguida, ora Recorrente, evitando a repetição de comportamentos delituosos (prevenção especial).
11. Por todo o exposto, o Tribunal a quo deveria ter-lhe aplicado uma pena de prisão não superior a 5 anos e deveria, ainda, porque é ainda possível fazer um juízo de prognose favorável, suspender aquela pena de prisão por igual período sujeita a regime de prova.
12. Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 71 e 50 ambos do Código Penal
Deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que:
a) Declare que a ora Recorrente, em sede de Julgamento, confessou integralmente e sem reservas os crimes pelos quais foi condenada em primeira instância;
b)Condene a ora Recorrente a pena de prisão não superior a 5 anos, sendo esta suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova que V. Exas. entenderem como adequada.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
Nesta Relação, a Ex.mº PGA emitiu parecer fundamentado, no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
2 – FUNDAMENTAÇÃO
A – FACTOS PROVADOS
I – Os arguidos A…, B... e D...... são familiares e viviam todos, à data da prática dos factos na residência sita no Bairro …, em Coimbra.
II – O arguido B... é tio da arguida A... sendo o arguido D...... meio-irmão do arguido B...e igualmente tio da A… .
III – Desde data não concretamente apurada mas situada, desde pelo menos Setembro de 2008, a arguida A... passou a dedicar-se à venda de heroína e cocaína a diversos toxicodependentes, actividade que desenvolvia habitualmente a partir da residência e junto à sua residência, sita no Bairro …, e ruas adjacentes, nesta cidade e comarca de Coimbra.
IV – Para tanto, essa arguida adquiria previamente a heroína e a cocaína, após o que dividia a heroína e a cocaína, em doses individuais de peso não determinado, as quais vendia aos consumidores que a procuravam, pelo preço unitário de cerca de € 10,00.
V – Com tais vendas, essa arguida obtinha um lucro monetário na medida em que o preço recebido pelos produtos vendidos era superior ao valor dispendido com a respectiva aquisição.
VI – Era privilegiado o contacto directo com os consumidores para mais facilmente ser iludido o controlo policial.
VII – Em 25.11.2008 no período compreendido entre as 8:47 horas e as 17:45 horas deslocaram-se ao Lote 3, do Bairro …, 53 condutores das viaturas descritas a fls.13 a 20, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, com vista à aquisição de produto estupefaciente.
VIII – No dia 14.01.2009, no período compreendido entre as 10:00 horas e as 16:45 horas, deslocaram-se ao Lote 3, do Bairro da Rosa, em Coimbra, os condutores dos veículos de matrículas ……………………………..; todos se deslocando ao Bloco 3, directamente ou depois de contactar o arguido F...... com vista à aquisição de produto estupefaciente, o qual lhes indicava onde podiam proceder a tal aquisição.
IX – Também em 6.11.2009, a arguida A... que se encontrava junto do Lote 1, do Bairro …, procedeu à venda de produto estupefaciente em quantidade não apurada a …, tendo recebido montante pecuniário não determinado, mas entre € 10,00 a € 20,00.
X – Assim, no período compreendido entre Setembro de 2008 e Dezembro de 2010, a arguida A... vendeu produto estupefaciente (heroína e cocaína) a diversas pessoas, numa média diária de pelo menos 12 pacotes, tendo-o feito, por algumas vezes, designadamente a …e a … .
XI – Também em datas não concretamente apuradas desse mesmo período de tempo, por algumas vezes, e com o objectivo de conseguir produto estupefaciente para o seu consumo pessoal junto da arguida A..., o arguido B... vendeu doses individuais de heroína e/ou cocaína a consumidores que a esse local se dirigiam, designadamente a … .
XII – Os consumidores dirigiram-se, todos, sem excepção ao Bairro …, em Coimbra, a fim de adquirirem produto estupefaciente, designadamente Heroína e Cocaína.
XIII – Sendo que em datas não concretamente apuradas do período que decorreu entre Setembro de 2009 e Junho/Julho de 2010, o arguido F......encaminhou rotineiramente os compradores de droga para o interior do Lote … do Bairro …, nomeadamente para a residência da arguida A...e para esta.
XIV – A fim de serem cumpridos os Mandados de Detenção de fls. 423 e seguintes, em 6 de Dezembro de 2010, foi montado pela PJ dispositivo de vigilância à porta da residência da arguida sita no dito Bairro …, Coimbra.
XV – No decurso da busca efectuada na residência dos arguidos A…, B... e D......, no dia 6 de Dezembro de 2010, pelas 11:15 horas foi apreendido dois gramas de HEROÍNA dissimulados na caixa do estore do quarto do arguido D...... e pertencente igualmente a este uma balança de precisão com capacidade de pesagem decimal.
XVI – Também no âmbito dessa mesma diligência, foi encontrada e apreendida, dissimulada por baixo do assento de um dos sofás da sala, a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) em notas do BCE, sendo esta quantia constituída por notas de vinte e dez euros, quantia esta pertencente a um dos moradores daquela residência com envolvência nos produtos estupefacientes, não concretamente identificado.
XVII – O produto estupefaciente apreendido, depois de submetido à competente perícia no LPC da Polícia Judiciária revelou tratar-se de HEROÍNA, produto incluído na Tabela I-A anexa ao DL 15/93 de 22 de Janeiro.
XVIII – De igual forma, no decurso da revista pessoal efectuada à arguida A…, foi-lhe apreendida a quantia de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros) em notas do BCE, composta essencialmente por notas de vinte e dez euros, sendo de referir que são notas de baixo valor facial, usualmente utilizadas para pagamento dos “pacotes” de estupefaciente vendidos pela arguida.
XIX – O arguido D...... destinava a heroína apreendida ao seu consumo pessoal.
XX – No dia 1/12/2010, cerca das 14:30 horas, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, a arguida A..., tinha na sua posse 6 doses de um produto estupefaciente que submetido ao teste rápido tipo “A” resultou tratar-se 4 deles de cocaína e os restantes 2 de heroína, com o peso, respectivamente, de 0,85 g e 0,40 g, bem como € 90,00 em notas do BCE.
XXI – A arguida ocultava o produto estupefaciente junto do seu corpo e pretendia entregá-lo ao seu companheiro G...... que se encontra preso no dito EP de Coimbra, sendo seu propósito ceder a este aqueles produtos estupefacientes.
XXII – A arguida A... sabia que não lhe era permitido consumir, deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem as substâncias estupefacientes vindas de referir, cujas características bem conhecia.
XXIII – A Arguida A... agiu livre e conscientemente, procurando com isso a obtenção de um lucro económico o maior possível.
XXIV – Sabia a arguida A... que a sua conduta era e é proibida e punida por lei.
XXV – Os arguidos A…, B... e D...... não tinham trabalho, nem fontes de rendimento para além do pequeno montante do RSI, vivendo aquela dos lucros que retirava da diferença entre o preço de compra da heroína e cocaína e o maior preço que obtinha na sua venda a retalho, sendo certo que na mesma residência habitam pelo menos mais seis pessoas.
XXVI – Contudo, a arguida A... sabia que não lhe era permitido consumir, deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem as substâncias estupefacientes vindas de referir, cujas características bem conhecia.
XXVII – Por sua vez, o arguido B... sabia que não podia vender, ainda que exclusivamente para conseguir produto estupefaciente para o seu consumo pessoal, as doses individuais de heroína e/ou cocaína.
XXVIII – Também o arguido D...... sabia que não podia deter, mesmo para consumo pessoal, a dita quantidade de 2 gramas de heroína, cuja natureza e características bem conhecia, por tal ser punido por lei.
XXIX – Finalmente, o arguido F......também sabia que não podia auxiliar materialmente a venda de produto estupefaciente a que se procedia no Lote … do Bairro …, nomeadamente na residência da arguida A... e por esta, por tal ser punido por lei, produto estupefaciente cuja natureza e características bem conhecia.
XXX – Todos sabiam que estas suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei.
XXXI – Agiram, os arguidos, livre, voluntária e conscientemente, nas suas respectivas actuações.
XXXII – A arguida A... já respondeu e foi condenada, pela prática dos crimes de condução sem habilitação legal; confessou parcialmente os factos e mostrou-se arrependida.
À data dos factos ajuizados e na medida em que o companheiro se encontra em reclusão, encontrava-se integrada numa família numerosa, sem rendimentos de trabalho conhecidos, e sem concretas perspectivas de actividade laboral, tanto mais desde que está sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica, o que se vem configurando como factor condicionante do seu futuro, pois que tem a alfabetização mínima.
XXXIII – O arguido B... já respondeu e foi condenado pela prática dos crimes de resistência, resistência e coacção sobre funcionário, tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida, roubo, furto simples, furto de uso, furto qualificado e falsificação ou contrafacção de documento.
Sendo toxicodependente desde há 9/10 anos a esta parte, tal vem determinando o seu percurso de vida desviante, tanto mais que não tem tido ocupação laboral contínua nem demonstra motivação para o efeito, sendo que à data dos factos ajuizados integrava o mesmo agregado da arguida A…, sua sobrinha; encontrando-se em reclusão desde Novembro último, aderiu no meio prisional ao controlo aditivo através de metadona, ao que se apura com evolução positiva.
XXXIV – O arguido D...... já respondeu e foi condenado pelos crimes de condução sem carta e condução sob o efeito do álcool.
Teve um percurso de vida relativamente estruturado até que em 2006 se separou da companheira, aparentemente por motivo de consumos alcoólicos do próprio, sendo que desde aí passou a ter uma vida errática, com reflexo negativo no plano laboral, iniciando-se nos consumos de produtos estupefacientes, o que vem determinando a sua actual situação de toxicodependência, sendo que à data dos factos ajuizados integrava o mesmo agregado da arguida Ana Sofia, sua sobrinha; de referir a sua adesão, há cerca de 2 meses a esta parte, ao controlo da toxicodependência com antagonista/metadona, o que constitui um processo ainda em aberto.
XXXV – O arguido F......já respondeu e foi condenado pela prática do crime de receptação.
Teve ele um início de vida estruturado e dentro das regras, no contexto de um casal de progenitores funcionários da CP, onde o arguido também ingressou laboralmente na idade adulta, só surgindo os primeiros problemas a partir do momento em que lhe foi diagnosticada uma esquizofrenia aos 21 anos de idade; a evolução desta doença e descompensações pessoais que lhe advieram vieram a marcar a sua realidade desde então, acabando por determinar a respectiva reforma antecipada por invalidez, por via do que lhe é processado uma reforma que ronda os € 460,00 mensais; os factos ajuizados ocorreram precisamente num período de descompensação psicótica; na actualidade encontra-se compensado e tem acompanhamento médico, sendo que o apoio familiar tem sido constante e se configura como estruturante do seu quotidiano.
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B – FACTOS NÃO PROVADOS :
- que os arguidos D...... e F......desde pelo menos Setembro de 2008 passaram a dedicar-se à venda de heroína e cocaína a diversos toxicodependentes, actividade que desenvolviam habitualmente a partir ou junto à residência, sita no Bairro …., e ruas adjacentes, nesta cidade e comarca de Coimbra;
- que esses arguidos adquiriam previamente a heroína e a cocaína, após o que a dividiam em doses individuais para venda pelo preço unitário de cerca de € 10,00, com tal auferindo lucro monetário;
- que em concreto, qualquer dos 53 condutores das viaturas a que se reporta o facto VII tivesse adquirido produto estupefaciente aos arguidos D...... e F......;
- que se deslocaram a casa da arguida A... para adquirirem produto estupefaciente, em 17.2.2009 … e, em 26.2.2009, …que ali comprou inúmeras vezes, mais de cinquenta vezes produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína;
- que em concreto, no período temporal ajuizado, …, tivessem adquirido produto estupefaciente – Cocaína e Heroína - aos arguidos A...e B...;
- que no período temporal ajuizado o arguido D...... abordasse ou fosse abordado no sentido de encaminhar clientes toxicodependentes para o interior do Lote … ou de qualquer outro, do Bairro …, o que tivesse feito numa rotina diária e constante;
- que os 2 gramas de heroína apreendidos no decurso da busca do dia 6 de Dezembro de 2010 no interior da residência ajuizada, fossem da arguida A..., ou que fossem destinados por qualquer do arguidos à venda a toxicodependentes;
- que no dia 1/12/2010, no EP de Coimbra, a arguida A..., tinha na sua posse um total de 5 doses de heroína e de 8 doses de Cocaína;
- que os arguidos B..., D...... e F......vivessem do lucro da venda de produtos estupefacientes;
- que no período temporal ajuizado tivessem sido vendidos produtos estupefacientes pelo conjunto dos quatro arguidos, na sequência de um plano acordado e aceite por todos, tendo assim actuado de comum acordo e em comunhão de esforços;
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Conhecendo:
Recorre a arguida A... da matéria de facto, alegando deveria ter sido dado como provado que a sua confissão foi integral e sem reservas.
Que deveria ser-lhe aplicada pena de prisão não superior a 5 anos e suspensa na sua execução.
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Matéria de facto:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
É isso mesmo que efectuaram os julgadores como consta da motivação do acórdão.
No facto XXXII apenas se refere a confissão parcial dos factos, mostrando arrependimento.
Não se indica que a confissão foi integral e sem reservas, nem o podia ter sido, já que a confissão integral e sem reservas se reporta a todos os factos da acusação que lhe são imputados. Sobre a matéria explana o art. 344 nº 1 do CPP quando o arguido pretende confessar os “factos que lhe são imputados” e não apenas alguns, nomeadamente os que vêm a ser dados como provados.
A própria recorrente reconhece na motivação que a confissão não foi integral relativamente aos factos da acusação, mas sim relativamente aos factos “que praticou e pelos quais foi condenada”, o que é coisa diferente.
E acrescenta, “a recorrente confessou todos os factos de que vinha acusada, com excepção de que…”.
E tanto assim é que a arguida foi absolvida de um dos crimes que lhe era imputado.
Assim, que não se pode dar como provado que a confissão tenha sido integral e sem reservas.
“Se da gravação das declarações prestadas em audiência de julgamento não resulta inequivocamente que o arguido tenha confessado a totalidade dos factos que lhe são imputados, as declarações que prestou não podem qualificar-se como uma confissão integral e sem reservas e darem-se como provados os factos com base em tais declarações” – Ac. desta Relação, de 15-12-2010, proferido no proc. 44/10.4EALSB.C1.
“A confissão integral e sem reservas implica, por parte de quem confessa, a aceitação de todos os factos que lhe são imputados e não admite condições ou alterações aos factos admitidos, tal como constam da acusação.
É contraditório afirmar-se que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação e, depois, considerar-se como não provado um dos factos que lhe eram imputados” –Acórdão nº 718/06-1 da Relação de Évora de 20 de Junho de 2006.
Assim, que se considera improcedente o recurso neste segmento, mantendo-se na integra a matéria de facto apurada.
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Medida da pena:
Entende a recorrente que a pena em concreto aplicada se mostra exagerada sendo justa pena inferior e suspensa na sua execução.
Na determinação concreta da pena da arguida foi tido em conta a confissão parcial e o arrependimento manifestado.
Não sendo confissão integral e sem reservas, a mesma é relevante relativamente aos factos em concreto confessados e, nessa medida foi tida em conta.
Relativamente aos restantes também se torna irrelevante uma vez que foram julgados não provados.
Na determinação da pena em concreto, são relevantes as necessidades a nível da prevenção geral atenta a frequência com que vêm sendo praticados crimes do jaez daquele praticado pela arguida, assim como não deve descurar-se a necessidade de prevenção especial, pois que é da experiência comum a recaída na prática deste tipo de actividade ilícita.
Nos termos do art. 71 n° 1 e 40 n° 1 e 2 a determinação concreta da medida da pena é realizada em função da culpa do agente, das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
A medida da culpa do arguido impõe (a pena da culpa é que impõe a medida, nos termos do art. 40 nº 2 do CP –cfr. Ac. desta relação, de 17-01-1996, in Col. Jurisp. Tomo I, pág. 38) alguma severidade.
Tem de se atender ao sentimento público vigente na sociedade em relação aos crimes relacionados com tráfico ou consumo de estupefacientes.
Trata-se de "crime (tráfico) muito grave que, para bem da sociedade, urge ser combatido com alguma severidade. Mais: a necessidade de se evitar por todas as formas que a Lei e o Estado permitam o aparecimento de novos traficantes e de fomentar, em contrapartida, a desmotivação dos que ainda se dedicam a esta actividade, deplorável (a todos os títulos impõe ou reclama um especial rigor na punição do tráfico de estupefacientes" Ac. do STJ de 21-09-94, in local já referido.
Tem pois, de se ter em conta a necessidade de prevenção da ocorrência deste tipo de ilícitos.
Pondera-se a situação económica social e familiar da arguida.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71 nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta todos os considerandos e a moldura abstracta da pena aplicável ao crime pelo qual a arguida responde, tem-se a pena em concreto aplicada como correcta, mostrando-se bem doseada (nada exagerada, tendo em conta a moldura abstracta) e bem merecida face á conduta da arguida.
A pena aplicada encontra-se pouco acima do mínimo da moldura abstracta.
E, porque é intenso o dolo, bem como a ilicitude. Para além das considerações tecidas em relação às exigências de prevenção geral, é também acentuado o dolo, na sua modalidade de directo, bem como a ilicitude, decorrente do modo de execução.
Assim, que se tenha como ajustada a pena em concreto aplicada.
Improcedendo neste segmento o recurso.
Suspensão da execução da pena:
Face à pena em concreto, a mesma não é susceptível de ser suspensa na execução.
Mas não basta que a pena aplicada seja não superior a 5 anos de prisão para que a mesma seja suspensa.
Diremos que a suspensão se aplica em todos os casos em que se verifiquem os requisitos formal e material previstos no art. 50 do CP.
In casu, temos que não se verifica o requisito formal (pena não superior a 5 anos).
Mas, mesmo que se verificasse esse requisito era necessário que se verificasse o requisito material, ou seja ter havido factos que permitissem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O que não aconteceu.
E não bastaria a confissão e o arrependimento manifestado. Era necessário que se pudesse concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizassem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A actuação da arguida é grave e por isso se integra no crime de tráfico e não no de menor gravidade, sendo que este implica uma ilicitude consideravelmente diminuída.
Independentemente da pena em concreto ser superior a 5 anos, não se verificam os pressupostos materiais que podem determinar a suspensão. A finalidade político-criminal que a lei visa com este instituto é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, estando aqui em causa uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime”, pág.343).
Estamos assim diante de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, que terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão – medida de conteúdo reeducativo e pedagógico – sempre que concorram os mencionados requisitos, mas apenas se estes se verificarem.
Para este efeito, é necessário que se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento da arguida, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
No caso vertente, afigura-se-nos que esse juízo de prognose favorável não era possível de fazer.
Assim que, não tem razão a recorrente ao alegar que se verifica o requisito material de aplicação do instituto da suspensão.
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E nos termos expostos se julga improcedente o recurso apresentado nos autos.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso apresentado pela arguida A... e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Coimbra,
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