Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
763/21.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: SEGURO MULTIRRISCOS HABITAÇÃO
FRACÇÃO AUTÓNOMA EM PROPRIEDADE HORIZONTAL
DANOS OCORRIDOS NO INTERIOR DA FRACÇÃO
CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 607.º, N.º 5 E 640.º, 1, B), DO CPC
Sumário: I – Considerando que a imediação e oralidade conferem ao julgador um plus na avaliação da verdade e eticidade do verbalizado, a sua convicção probatória, quando alicerçada, ou essencialmente alicerçada, em prova pessoal, apenas pode ser censurada em casos excecionais de patente erro de tal apreciação, em si mesma ou em concatenação com outros meios de prova.

II – Em contrato de seguro multirriscos habitação, incidente sobre fração autónoma em propriedade horizontal e efetuado sobre o valor do seu custo de mercado de (re)construção, a indemnização por danos, se estes se verificaram no interior da fração e inexistir  no contrato qualquer tipo de restrição, não deve apenas ser satisfeita em função da permilagem da fração, mas antes pela totalidade dos prejuízos provados por referência a tal valor.

Decisão Texto Integral:
Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2.º Adjunto: Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA instaurou contra A..., S.A., ambos melhor identificados nos autos, ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu:

Que  a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 6.929,54€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 26/02/2021 até integral pagamento.

Alegou:

É dono de um apartamento sito na Rua ..., ..., e celebrou com a R. contrato de seguro de responsabilidade civil, ramos reais, denominado Multiriscos habitação, que, entre outros, cobre os danos provocados por inundações, mediante apólice nº ...94.

Devido a forte precipitação, chuvas intensas no mês de fevereiro de 2018, o A. no dia 01 de março de 2018, ao deslocar-se ao seu apartamento deparou que tinha o terraço e interior inundado.

Perante esta situação, participou o sinistro à R.

Atenta a inundação, o A., ficou com as paredes cheias de bolor, bem como nos colchões e  roupeiros, sofás.

De igual modo, as portas, camas, roupeiros, bengaleiro, as madeiras, ficaram inchadas, Deformadas.

O A. informou a R. dos danos provocados, tendo a R. deslocado ao local.

O A., a pedido da R., facultou orçamento de reparação dos danos. No entanto, a R., por carta datada de 21 setembro de 2018, pretendeu indemnizar o A. em 204,03€.

Assim, o A. voltou a contactar a R. facultou orçamentos, bem como, posteriormente, as respetivas faturas.

No entanto, a R. por carta de 11 março de 2019, continuou a oferecer 204,02€.

Os montantes dos danos decorrentes da inundação foram os seguintes: roupeiros 1.163,00€; cabide 170,00€; portaro 465,00€; sofá 530,00€; pintura 1.200,00€; limpezas 500,00€, no valor global de 4.954,44€ (4.028,00€ + 926,44€ IVA) .

De igual modo, ficaram danificados, camas, estrado, mesas cabeceira, cómoda, moldes, colchões, proteção, maple, tudo no valor de 1.592,00€.

Os danos decorrentes do sinistro somam o montante global de 6.546,44€, que a R. devia ter liquidado este valor no prazo de 30 dias uteis após a participação do sinistro, pelo que são devidos juros que contabiliza apenas desde 07/09/2020 e somam 383,10€.

A Ré contestou.

Admitiu a propriedade do imóvel pelo Autor, da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº apólice nº ...94, cujas condições contratuais junta, bem como a participação do sinistro e contatos havidos entre ambos.

Mais disse que ordenou a averiguação do sinistro, tendo, para tal, contratado a B..., Ld.ª, que o perito averiguador designado deslocou-se ao bem seguro, a fim de verificar a ocorrência do sinistro e extensão dos danos, o que não lhe foi possível, já que o Autor havia já ordenado a reparação dos mesmos.

O mediador de seguros do Autor, presente aquando da visita ao local, informou o averiguador que a inundação teria tido por origem uma rotura de uma caleira do telhado do prédio, tendo entregue documentos fotográficos correspondentes alegadamente ao estado do bem seguro anteriormente à reparação, assim como orçamentos do custo da reparação, e o pedido formulado pelo Autor do pagamento da quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros), para a limpeza e lavagem de  roupa que se encontrava no roupeiro e nas camas e 200,00€ (duzentos euros), para a limpeza do apartamento - cfr. documento nº 5-, tudo perfazendo 3.629,00 (três mil, seiscentos e vinte e nove euros).

Perante o invocado pelo Autor e o seu mediador de seguro, acreditando a Ré nas suas palavras, esta procedeu à análise dos factos comunicados à luz das condições contratuais outorgadas, declinando o seu enquadramento na cobertura Inundação, mas aceitando a sua integração na cobertura Danos por água, uma vez que os danos teriam por origem a rotura da caleira do telhado do prédio.

Mais diz que com base nos orçamentos apresentados pelo Autor, procedeu ao pagamento da quantia de 204,03€ (duzentos e quatro euros e três cêntimos), correspondentes ao valor de 254,03€, deduzida a franquia de 50,00€, por referência à permilagem da fração autónoma em questão - 70,0000 - por se tratar de danos originados por rotura de caleira do telhado, ou seja, de uma das partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal onde se inclui o apartamento do Autor (ou seja, € 3.629,00 x 0,70) - cfr. documento 16 junto com a PI.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Por todo o exposto julgo a ação parcialmente procedente e condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de 201,78€ (duzentos e um euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento, absolvendo a Ré do mais peticionado.

Condeno o Autor e a Ré no pagamento das custas na proporção do respetivo decaimento.»

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A – Vem o presente recurso interposto da D. sentença a qual julgou parcialmente procedente por provada e condenou a Apelada a pagar ao apelante a quantia de 201,78€ acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.

B – O Apelante não se conforma com a D. sentença na parte em que condena a R. a pagar ao A. apenas 201,78%, por entender que julgou incorretamente a prova produzida, o que levou a erro de julgamento de facto, e consequentemente na interpretação de direito aos factos.

C – O sinistro inundações, água no apartamento do Apelante originou bolor nas paredes bem como colchões, sofá, madeiras, portas, cama, mesas de cabeceira, comoda, roupeiro, bengaleiro, ficaram inchados, deformados – factos provados sob n.º 4.

D – Já quanto ao valor da reparação dos danos ocorridos pelo sinistro, assiste a divergência.

E – A sentença considera apenas os orçamentos apresentados pela R. ora Apelada e desvalorizou os apresentados pelo A. na P.I.

F – Os orçamentos apresentados pela R., não foram analisados com o devido merecimento, pois, não foram criticados, não foram valorados quer quanto à quantidade quer quanto ao preço.

G – Os orçamentos da C... e D... global foram elaborados porque o sinistrado necessitava de saber o valor das reparações e, pediu a mais do que um empreiteiro.

H – Além do mais, estes orçamentos C... e D... são parciais, mas incluem todos os trabalhos.

I – Veja-se e constata-se por exemplo o orçamento/proposta da C... considerou a cama no valor de 526,00€ mais IVA, e a Apelante requereu o valor apenas de 178,80€ + 50,41€, conforme fatura E....

J – O mesmo se diga em ralação ao colchão, C... Santos350,00€ e E... 286,18 €…

L – Já o orçamento da D..., não apresenta apenas a pintura do quarto, e outras restantes peças do apartamento, daí a divergência de valores.

M – Mas mais, a Apelante não considerou o orçamento da D..., o global, porque o seu valor era superior ao da empresa que efetuou o serviço, F....

O orçamento global da D... era de 4.600,00€ e da F... era de 4.028,00€.

O – Face a estes facto relevante, preço, era natural e normal a Apelante socorrer do mais acessível.

P – Mais, não só mais económico como de facto D... não podia executar a obra.

Q – A obra foi executada pela F....

R – Ao valor do orçamento elaborado pela F... foi emitida a respectiva factura.

S – A Meritíssima Juíza “a quo” nem sequer considerou a fatura. Sintomático!

T – Mas vejamos se o orçamento e fatura da F... devia ou não ser considerado, atento o depoimento das testemunhas:

Para tanto, Meritíssima Juíza “a quo” considerou relevante o número do orçamento.

O número do orçamento apresentado nos autos tinha o número 16, e como a Apelada referiu, num outro processo existia um orçamento com data posterior e número inferior. Mas as G..., informaram e esclareceram de forma cabal tal lapso, pois, referiu que ao numerarem o orçamento por lapso em vez de indicarem 46, escreveram 16, e isto porque, ao digitarem o número, em vez de carregar no 4, carregaram no 1, e assim surgiu o lapso! Carregaram no 1 em vez do 4 porque no teclado um surge em cima do outro.

Mais esclareceu e para justificar o lapso de numeração, juntaram aos autos o orçamento anterior e posteriormente, ambos com a menção correta.

Assim, nenhuma dúvida se pode colocar, devendo tal lapso ser considerado por justificado.

Também a Meritíssima Juíza “a quo” refere que o orçamento das Construções F..., inclui no mesmo um sofá, que ninguém referiu.

Uma vez mais não foi assim, pois, a testemunha BB referiu-se ao mesmo, assim como a testemunha H...

17.45-  Test.- O que eu vi quando me chamaram, houve uma infiltração no andar superior numa varanda e as águas, aquilo já tinha acontecido acho que algum tempo, e as águas correram pelo teto do Senhor AA, paredes, estragou um roupeiro lá num quarto, uma porta…estragou um cabide de guardar chapéus, tinha lá camas estragadas, colchão, na altura, pronto, pediu um orçamento, fez-se orçamento.

18.50- Teto mantinha-se branco mas notava-se lá com as pintinhas de água, aquele coisinho amarelado e uns pingos nas paredes por a água gemer… A cama tinha… arrancou a folha de cima devido à humidade, água… arrancou a pelicula, o colchão tinha manchas.

20.10- O que se fez lá foi retirar roupeiro que estava danificado… por trás, folha fica manchado e a folha arrancada e a porta desse quarto também estava toda preta, o cabide da parede do corredor também estava danificado e era um sofazito que lá estava, idêntico ao colchão, aquilo era tecido, todo manchado… Adv.- Aquilo dava para reparar ou era lixo? Test.- O sofá podia dar para reparar, mas não justificava se calhar a reparação. Adv.- Porquê? Test.- Porque ele estava estragado e o tecido aquilo estava todo manchado, era lixo e a esponja, na altura falou-se nisso e não justificaria…recordo-me disso, até correu mal na altura, a entrega do sofá, encomendou-se…

21.40- Adv.- Não, então não fez nada nas paredes? Test.- Pintura, o apartamento foi todo pintado. Adv.- Pintura? Test.- Pintura do interior do apartamento. Nota: Exibidas as fotografias

27.16- Havia um colchão estragado.

27.25- Adv.- Portaro, é aquela porta que o sr. vinha? Test.- sim Adv- E como é que estava? Test.- Nota-se manchazinha preta da humidade, o aro estava igual e isso não tem reparação. Adv.- Isso não tem reparação? Test. Não. Adv.- Outra Test.- Cabide que estava no corredor. Adv.- E o que é que lhe aconteceu? Test.- Apanhou água por trás, a madeira inchou, nota-se assim empenado. Adv.- Da água, não é? Test.- sim senhor. Adv.- Isto aqui o que é? Test.- E o roupeiro? Adv.- E o que é que aconteceu? Test.- Incha, até se nota pintinhas da água, escuras…

29.10- Test.- Porta toda danificada, escura. Adv.- Olhe, qual foi o preço da reparação? Test.- O preço da reparação é 4.000, está 4.028 mais IVA.

29.50- Adv.- Esta fatura corresponde ao orçamento que o senhor fez? Test.- Precisamente. Nota- Exibido Doc. 19

30.15- Adv.- O que é que o senhor procedeu à reparação, foi do quê? Test.- Retiramos o roupeiro e substituímos por um novo, foi o cabide de madeira, a porta, a porta de madeira, o sofasinho, a pintura do interior e a limpeza. Adv. A. - E isso dá os tais 4.028 mais Iva? Test.- Sim.

32.13- Adv. R.- Conhece uma D...? Test.- Uma! Adv. R.- Uma sociedade que se chama D...? Test.- Não Adv. R.- No processo está um orçamento que refere para a pintura de interior, alegadamente deste apartamento, bastavam 950€, no seu orçamento tem 1200€, consegue justificar a diferença? Juíza- Onde é que está a ver Sr.Drª … espere um bocadinho.. Adv. R.- Doc. nº 3 junto à contestação. Juíza- Espere um bocadinho, senão ficamos a falar no abstracto… 950€ mais IVA… Test.- Poderia ser marca de tinta, pronto, não sei precisar… Adv. R.- E os móveis? Test.- O roupeiro foi a CC, mas atenção, ele só fabrica, depois tenho o carpinteiro chamado DD via fazer a montagem. EE, montou roupeiro e portaro. Porta foi comprada na I... e cabide comprado na J.... Adv. R.- Conhece uma empresa C...? Test.- C..., não.

Outra questão refere Meritíssima Juíza “a quo” não compreende porque é que as construções F... só faturaram em 2020 quando obra é de 2018.

Também quanto a este foi bem esclarecida a razão de ser, pelo próprio beneficiário, gerente da H... ao referir que só o fez porque primeiro não conseguia fechar a fatura por atraso na entrega do sofá, e depois porque o cliente, ora Apelante, solicitou que aguardasse o pagamento pela seguradora ora Apelada.

O normal é liquidar as facturas a 30 a 90 dias, mas, atenta a situação e bem sabendo que o valor seria a liquidar pela seguradora, a construtura aguardou resposta da seguradora a pedido do Apelante.

Atitude esta que é usual, pelo que não se compreende como a Meritíssima Juíza “a quo” duvida, colocando em causa a credibilidade da fatura. O orçamento e factura apresentados pelo A. ora Apelante, faz na descrição dos trabalhos efetuados, descrimina-os e indica o valor dos mesmos, que sem criticar a Meritíssima Juíza “a quo”, desconsidera, desvaloriza-o.

U – Assim não restam dúvidas que coloquem em crise a factura e orçamento apresentado pela F....

V – Ainda, o valor da reparação corresponde à fatura da F..., deve ser adicionada a também a fatura dos E..., pois os móveis que este considerou não estar incluído naquela primeira fatura, como aliás a D. sentença considera.

X – assim o valor efectivo de reparação do sinistro é de 6.546,44€.

Z – A Meritíssima Juiz “a quo” considerou também que o valor da reparação dos danos deve ser atribuído em função da permilagem do apartamento.

AA – Ora, no nosso modesto entender não deve haver qualquer redução, pois,

AB – O contrato de seguro, é multirriscos habitação, seguro de responsabilidade civil, danos reais, conforme tudo provado no n.º 2 e apólice junto aos autos.

AC – É um seguro que tem por objecto o apartamento do Apelante, no que obviamente inclui também as partes do apartamento que são consideradas comuns ao edifício, pilares,…

AD – É um seguro que protege os danos decorrentes na fração, e da própria fração na sua globalidade e totalidade, e aí sim em percentagens das partes comuns.

AE – Os danos ocorridos no apartamento não foram nas partes comuns do edifício, mas sim na própria fração, paredes interiores e no recheio bens móveis.

AF – assim, não tem de haver qualquer redução em função da permilagem do apartamento.

AG – Também o contrato de seguro, apólice, em lado algum considerou a redução da indemnização dos danos ocorridos por qualquer sinistro esteja dependente da permilagem do apartamento.

AH – Antes pelo contrário a apólice refere e bem que garante as indemnizações devidas por danos nos bens móveis e ou imóveis designados, art. 2.º,

AI – bem como art. 50.º da mesma apólice refere ter direito de ser indemnizado nos termos do presente contrato, e,

AJ – logo se no contrato não se considera qualquer redução relativa à permilagem, a mesma não pode ser efetuada.

AM – Ainda, como interpretação poderá também o art. 90.ºda mesma apólice se refere que o valor do seguro tem em consideração o valor do imóvel.

AN – Nunca a apólice se referiu a qualquer permilagem. Sintomático.

AO – A permilagem interessa e tão só nos danos provocados e seguros das partes comuns. O que não se verificou no caso.

AP – Assim não deve a indemnização ser sujeita a qualquer redução face à permilagem.

AQ – Quanto à origem dos danos considerou a D. sentença danos provados por água, ao contrário do alegado na P. I., danos provocados por inundação.

AR – Danos por água, art. 24.º da apólice, refere rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e de esgotos de águas pluviais.

AS – Já inundações – art.º 41.º da apólice, consideram tromba d’água ou queda de chuvas torrenciais, isto é quando a precipitação atmosférica for de intensidade superiora a 10 milímetros em 10 minutos.

AT – A Meritíssima Juíza “a quo” considera danos por água devido a ter dado como provado, n.º 4, que em consequência da precipitação e entupimento das caleiras e saída de água no terraço do prédio ocorreram as infiltrações.

AU – Os danos por água têm subjacente as condutas de água do imóvel e nas suas ruturas ou insuficiência. AV – Ora, no caso não foi o que se verificou, pois, apesar da caleira não escoar foi devido à grande quantidade de água decorrente da forte chuvada que ocorreu.

AX – As caleiras não têm dimensão suficiente para caso excecionais, como é do senso comum.

AZ – Ora, a inundação foi provocada atenta a intempérie que ocorreu, a chuva foi tão intensa que inundou o apartamento do último piso, ... andar e desceu ao ... andar, do Apelante, e ainda ao ... andar.

BA – Este facto da intempérie foi do conhecimento geral, foram noticiadas e amplamente divulgadas pela comunicação social.

BB – Inundação existe quando uma tromba d’água ou queda de chuva torrencial, o que se verificou.

BC – Não se pode deixar de justificar como inundação, quando ainda que não prove 10 milímetros em 10 minutos. AC STJ de 26.1.2022 Processo n.º 296/19 in www.dgsi.pt

BD – assim deve-se enquadrar o sinistro como inundação.

BE – Face ao exposto deve a decisão sobre o n.º 19 na parte referente aos valores ser considerada por não provada e, ser considerada por provado o n.º 2 e 3 dos factos não provados, revogando assim a decisão da matéria de facto.

BF – Sem conceber, se assim não entender, deve, face aos factos provados, e aos factos provados, e os danos não evidenciados nos orçamentos considerados pela Meritíssima Juíza “a quo” que serviu de base para fixar os valores dos danos, o que se revela manifestamente insuficiente,

BG – pelo que devem os prejuízos sofridos pelo Apelante ser relegados para execução de sentença.

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Procedência, in totum,  da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac, do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

No caso vertente o recorrente pugna pela prova de que teve um prejuízo de mais de seis mil euros.

O que, entende, se prova pelos orçamentos por si apresentados,

Criticando a decisão recorrida porque ela considerou apenas os orçamentos apresentados pela ré, desvalorizando os seus.

Já a julgadora desvalorizou estes orçamentos nomeadamente porque foram apresentados muitos tempo depois do sinistro e das alegadas obras e por discrepâncias e ilogicidades quanto à sua numeração.

Perscrutemos.

Ainda que se admita que a decisão sobre a matéria de facto não se assume como um modelo a seguir, pois que, para além do mais, em sede de factos provados,  misturam-se meios probatórios com factos concretos, e expõe-se este acervo, nem sempre factual, de um modo algo confuso, esta vertente recursiva está votada ao insucesso.

Perscrutemos.

Quanto ao orçamento da C... ser apresentado cerca de dois anos depois tal não se compreende.

Mesmo que o autor estivesse à espera que a seguradora pagasse, o orçamento e a fatura das obras deveriam ser apresentadas mais atempadamente.

Quanto à explicação de que o lapso na numeração da fatura, com o nº16, quando deveria ser  o 46, se deveu ao facto de em vez de carregar no 4, carregaram no 1, e isto porque no teclado um surge em cima do outro, não é assim, ou não é bem assim.

Pelo menos num teclado normal o nº 1 surge ao lado do nº4 e bem desviados, pois que ainda têm os nºs 2 e 3 no meio.

Por outro lado, os orçamentos apresentados pela ré são mais próximos da data alegada como sendo a do sinistro, pelo que, assim, são mais fidedignos porque supostamente atinentes aos danos que ainda eram recentes e, destarte, mais visíveis e percecionáveis.

Acresce que a julgadora fundamentou a sua convicção em toda a prova produzida, vg. a testemunhal, valorizando uma e desvalorizando outra – vg. o depoimento da testemunha FF, gerente da sociedade emissora da referida fatura apresentada pelo autor.

Ora como já acima referido, a imediação e a oralidade fornecem ao julgador elementos para aferir da veracidade e eticidade do verbalizado que escapam ao julgador do tribunal ad quem, pelo que a valoração díspare  de tal meio de prova por este tribunal apenas pode ocorrer em casos excecionais de erro patente, o que, in casu, não se alcança ter existido.

Finalmente, existiu um largo lapso temporal entre a alegada ocorrência do sinistro e a sua participação, o que outrossim não foi bem e convincentemente explicado, e que, de alguma sorte, lança no processo algumas dúvidas sobre a amplitude e gravidade dos danos provocados pela água.

Ora a prova apresentada pelo recorrente não pode limitar-se a sugerir no sentido por ele propugnado, antes, como exige a lei – artº 640º nº1 al. b) do CPC – sendo mister  que ela imponha uma decisão diversa  da tomada pelo julgador neste particular conspeto.

Por conseguinte, tudo visto e ponderado, concluiu-se que a prova invocada pelo recorrente e a exegese dela por ele efetivada ainda que possa sugerir no sentido por ele desejado não assume a força e dignidade suficientes para impor a censura da convicção da Srª Juíza.

.

5.1.3.

Decorrentemente, e no indeferimento desta pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. O A. é dono de um apartamento sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artº ...47... da freguesia ... e descrito na CRP ... sob nº ...45, com permilagem de 70,0000, cfr. doc. 1 junto com a p.i. .

2. O A. celebrou com a R. seguro de responsabilidade civil, ramos reais, denominado Multiriscos Habitação que, entre outros, cobre os danos provocados por inundações e danos por água, mediante apólice nº ...94, junta como doc. 1 da contestação, que aqui se dá por reproduzida.

3. O A. participou um sinistro à R., conforme Doc. 2 junto com a p.i. em que é indicada como data do sinistro 01/03/2018 e quanto à forma como ocorreu o sinistro consta que: “Uma forte precipitação inundou o terraço e entupimento das caleiras e saídas de água, provocando inundação”.

4. Em consequência da precipitação e entupimento das caleiras e saídas de água no terraço do prédio ocorreram infiltrações no apartamento do A. que causaram nas paredes bolor, bem como em colchão, sofá, e as madeiras de porta, cama, mesas de cabeceira, cómoda, roupeiro, bengaleiro ficaram inchadas, deformadas.

5. O A. informou a R. dos danos provocados, tendo a R. deslocado ao local perito.

6. O A., a pedido da R., facultou orçamentos de reparação dos danos.

7. A R., por carta datada de 21 setembro de 2018, pretendeu indemnizar o A. em 204,03€, conforme consta do documento que junta como doc. 16 da p.i..

8. O A. não aceitou aquele valor e voltou a contactar a R.

9. A R. por carta de 11 março de 2019, apesar de lamentar aspetos menos positivos que eventualmente tenham ocorrido, continuou a oferecer 204,02€, conforme documento 17 junto com a p.i.

10. O perito averiguador designado deslocou-se ao bem seguro, a fim de verificar a ocorrência do sinistro e extensão dos danos, o que não lhe foi possível, já que o autor havia já ordenado a reparação dos mesmos.

11. O mediador de seguros do Autor, presente aquando da visita ao local, entregou documentos fotográficos correspondentes alegadamente ao estado do bem seguro anteriormente à reparação.

12. Assim como entregou orçamentos do custo da reparação, sendo um com data de 15/05/2018, da sociedade D..., com sede na Rua ..., loja ..., ... ..., correspondente à pintura interior do apartamento pelo valor de 950,00€ (novecentos e cinquenta euros), a que acresce IVA e outro com data de 17/04/2018 da sociedade C... Unipessoal, Ld.ª, com sede na Rua ..., ... ..., referentes a bens ali melhor descritos, pelo valor de 2.329,00€ (dois mil, trezentos e vinte e nove euros) mais IVA.

13. O Autor por escrito com data de 14/05/2018 formulou também à Ré o pedido de pagamento da quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros), para a limpeza e lavagem de roupa que se encontrava no roupeiro e nas camas e 200,00€ (duzentos euros), para a limpeza do apartamento.

14. Os valores de capital dos referidos orçamentos e pedido do A. de 14/05/2018 perfazem o total de 3.629,00€ (três mil, seiscentos e vinte e nove euros), sem IVA.

15. Perante o invocado pelo Autor e o seu mediador de seguro, a Ré procedeu à análise dos factos declinando o seu enquadramento na cobertura Inundação, mas aceitando a sua integração na cobertura Danos por água, uma vez que os danos teriam por origem a rotura da caleira do telhado do prédio.

16. Nas Condições Gerais do seguro contratado pelo Autor seguindo definem a cobertura inundação da seguinte forma:

“Artigo 41.º — Inundações

1. A cobertura de inundações cobre os danos provocados pelos riscos a seguir definidos:

a) tromba-d’água ou queda de chuvas torrenciais, isto é, quando a «precipitação atmosférica for de intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos, no pluviómetro»;

b) rebentamento de adutores, colectores, drenos, diques ou barragens;

c) enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.

2. Constituem um único e mesmo sinistro todos os danos ocorridos nas 48 horas seguintes ao momento em que os bens seguros sofram o primeiro dano.

3. Exclusões — Para além das exclusões previstas no Art.º 7.º destas Condições Gerais, ficam ainda excluídos do âmbito da presente cobertura as perdas ou danos:

a) causados por subidas de marés, marés vivas e, mais genericamente, pela acção do mar e outras superfícies marítimas, naturais ou artificiais;

b) verificados em construções de reconhecida fragilidade (tais como placas de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, e em quais quer objectos que se encontrem no interior dos mesmos edifícios ou construções, e, ainda, quando os edifícios se encontrem em estado de reconhecida degradação no momento da ocorrência;

c) em dispositivos de protecção (tais como persianas e marquises), muros, vedações, portões, estores exteriores, os quais ficam, todavia, cobertos se forem acompanhados da destruição total ou parcial do edifício onde se encontram os bens seguros;

d) provocados por infiltrações através de paredes e/ou tectos, humidade e/ou condensação, excepto quando se trate de danos resultantes do risco contemplado nesta cobertura.

4. Franquia — Em cada sinistro abrangido por esta cobertura, será sempre deduzida à indemnização, que couber ao Segurador pagar, uma franquia cujo valor será calculado na base de 5% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de 50,00 euros.

17. Por sua vez, a cobertura Danos por Água, corresponde aos seguintes riscos:

“Artigo 24.º — Danos por água

1. A cobertura de danos causados por água funciona quando esta, com carácter súbito e imprevisto, provenha de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e de esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais, no local onde se encontrem os bens seguros, assim como os aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água do mesmo edifício e respectivas ligações.

2. Exclusões:

2.1. Para além das exclusões previstas no Art.º 7.º destas Condições Gerais, ficam ainda excluídos do âmbito da presente cobertura as perdas ou danos:

a) originados por torneiras deixadas abertas, salvo quando se tiver verificado uma falta de abastecimento de água;

b) provocados pelo refluxo de águas provenientes de canalizações ou esgotos não pertencentes ao edifício;

c) provocados pela entrada de águas das chuvas através de telhados, janelas, clarabóias, terraços e marquises, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do Art.º 23.º — Tempestades;

d) provocados por infiltrações através de paredes e/ou tectos, humidade e/ou condensação excepto quando se trate de danos resultantes de risco contemplado nesta cobertura.

2.2. Ficam ainda excluídas desta cobertura as despesas, perdas ou danos resultantes de pesquisa e/ou reparação de roturas, defeitos ou entupimentos, sem prejuízo do disposto no Artigo seguinte, para os seguros cujo objecto seja o imóvel.

3. Franquia — Em cada sinistro abrangido por esta cobertura, será sempre deduzida à indemnização, que couber ao Segurador pagar, uma franquia cujo valor será calculado na base de 10% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de 50,00 euros.”

18. Com base nos orçamentos apresentados pelo Autor e pedido deste, referidos em II. 1 A) 12 e 13, procedeu a Ré nos termos que constam em II. 1 A) 7. propondo o pagamento da quantia de 204,03€ (duzentos e quatro euros e três cêntimos), correspondentes ao valor de 254,03€, deduzida a franquia de 50,00€, por referência à permilagem da fração autónoma em questão – 70/1000, ou seja, 3.629,00€ x 0,07.

19. Com a substituição da cama, estrado, mesas cabeceira, cómoda, moldura, colchão, proteção e maple (correspondentes a bens considerados no orçamento referido em II. 1 A) 12. de C... Unipessoal, Ld.ª no valor de 1.649,00€ mais IVA, totalizando 2.028,27€) o Autor despendeu o valor de 1.592,00€, cfr. fatura e recibo juntos como docs. 21 e 22 da p.i. (sendo 1.294,31€ de capital e 297,69€ de IVA), restando assim daquele orçamento o valor de 680,00€ de capital relativo a roupeiro, cabide e portaro e 156,40€ de IVA, no total de 836,40€.

5.2.

Segunda questão.

A julgadora decidiu, de jure, invocando o seguinte, sinótico e essencial, discurso argumentativo:

«…dos factos provados resulta que foi contratado pelo Autor com a Ré seguro Multirriscos Habitação, a que respeita a Apólice n.º ...94, em que é tomador do seguro o Autor e que respeita ao apartamento deste descrito em II.1.A) 1., apólice junta aos autos e respetivas condições particulares, gerais e especiais. Tal contrato em sede de Proteção de Edifício e de Recheio cobre, além do mais, os riscos de Inundações e na Cobertura Base o risco “Danos por Água”.

De acordo com as Definições Gerais entende-se por “Sinistro: o evento ou série de eventos resultantes de uma mesma causa suscetível de fazer funcionar as garantias deste contrato” (art. 1º).

Invocou o autor infiltrações de água no seu apartamento pretendendo ser ressarcido ao abrigo da cobertura inundações, prevista no art. 41º das Condições Gerais, descrito em II. 1 A) 16.

Todavia, os factos provados – cfr. II. 1 A) 3. e 4. - não permitem enquadrar a situação no nº1, als. a), b) e c) daquele art. 41º, mas antes, como fez a Ré, no art. 24º, nº1 das Condições Gerais, descrito em II. 1. A) 17., pois que está-se perante danos por água resultantes do entupimento de caleiras e saídas de água no terraço do prédio onde se situa o apartamento do Autor, terraço que constitui parte comum nos termos do art. 1421º, nº1, b) do Cód. Civil.

Assim, importa considerar o risco correspondente à permilagem da fração do autor (70/1000) – art. 1424º, nº1 do Cód. Civil – e os valores necessários à reparação dos danos causados no apartamento do autor, referidos em II. 1. A) 12. (950,00€ e IVA, no valor de 218,50€ correspondente ao valor do 1º orçamento da D...) e 19. (1.592,00€, correspondente a 1.294,31€ e IVA no valor de 297,69€ da fatura de ... – GG + 680,00€ e IVA no valor de 156,40€ relativos a roupeiro, cabide a portaro do orçamento de C... Unipessoal, Lda.

Refira-se que é também devido pela Ré o valor do IVA…

Assim, por força do contrato de seguro celebrado entre as partes é devido ao autor o valor de 251,78€ (1.168,50€ + 1.592,00€ + 836,40€ =3.596,90€ x 0,07), ao qual deve ser descontado, a franquia contratual - de 50,00€ - cfr. Anexos ao Contrato, pág. 2 relativo ao art. 24º - , o que dá o valor final de 201,78€.»

Sdr, esta argumentação menos curial se apresenta, desde já se adiantando que procedem os argumentos recursivos.

Desde logo quanto à classificação dos danos quanto à sua origem: se são  por danos  provocados por água, se são provocados por inundações.

Há que interpretar devidamente o teor do contrato.

Diz ele:

“Artigo 24.º — Danos por água

1. A cobertura de danos causados por água funciona quando esta, com carácter súbito e imprevisto, provenha de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e de esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais, no local onde se encontrem os bens seguros, assim como os aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água do mesmo edifício e respectivas ligações.

“Artigo 41.º — Inundações

1. A cobertura de inundações cobre os danos provocados pelos riscos a seguir definidos:

a) tromba-d’água ou queda de chuvas torrenciais, isto é, quando a «precipitação atmosférica for de intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos, no pluviómetro»;

b) rebentamento de adutores, colectores, drenos, diques ou barragens;

c) enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.

Provou-se:

4. Em consequência da precipitação e entupimento das caleiras e saídas de água no terraço do prédio ocorreram infiltrações no apartamento do A.

Verifica-se, pois, que os danos por água se referem apenas a defeitos, rutura ou entupimento, da rede interna de distribuição de água, ou seja, canos, torneiras, etc.

Não é o caso dos autos, pois que os danos foram provocados pela precipitação que originou o entupimento das caleiras.

Ora caleiras são o mesmo que drenos, entendidos estes dois termos  no seu sentido prático e útil corrente, ou seja, como meios ou utensílios para escoar, controlar e gerir os excedentes de água causados por chuvas.

Obviamente que este meio/modo de controlo e escoamento de água não é interno mas externo.

E, ademais, para que a caleira/dreno tenha transbordado e a água inundado a casa do autor e até, ao que parece, pisos inferiores, certamente que se deveu a uma pluviosidade acrescidamente fora do normal.

Por conseguinte, mais e melhor a presente situação quadra na previsão do iten «inundações» do que previsão dos simples «danos por água».

Depois, e no atinente à abrangência do quantum indemnizatório.

Também aqui procede o recurso e, outrossim, pela exegese operada pelo recorrente.

Efetivamente:

O art. 90.ºda mesma apólice refere que o valor do seguro tem em consideração o valor do imóvel, tido este como o custo de mercado da respetiva reconstrução.

 Os danos ocorridos no apartamento não foram nas partes comuns do edifício, mas sim na própria fração, paredes interiores e no recheio.

E, pelo menos para estes danos, em lado algum  do contrato de seguro e respetiva  apólice se considerou que a  indemnização dos prejuizos ocorridos por qualquer sinistro seria calculada em função da permilagem do apartamento no âmbito da propriedade horizontal.

O que, aliás, é natural, lógico e intuitivo, pois que se assim não fosse, o segurado não obteria a devida e justa contrapartida do pagamento do quantum do respetivo prémio de seguro: este é calculado em função do seu  valor próprio e específico, mas, em caso de dano a indemnização apenas incidiria sobre uma pequena, quase ínfima parte, correspondente à permilagem da fração no âmbito da totalidade da propriedade horizontal.

Não pode ser: obviamente que a fração do autor é, no regime da propriedade horizontal, e por definição legal, autónoma das restantes e, assim, para ela, como para todas as outras, pode/deve ser contratado um seguro que cubra os danos pelo seu completo valor segurado, e sem redução por reporte à respetiva permilagem.

Por conseguinte, ao autor assiste jus a ser indemnizado pela  totalidade dos danos provados de 3.596,90, descontada a franquia de 50,00 euros, ou seja, pelo montante líquido de 3.546,90 euros.

Procede, em parte, o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e, agora, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 3.546,90 euros acrescida dos juros legais nos termos decididos na sentença.

Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2023.04.12.