Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
806/13.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: RETRIBUIÇÃO MISTA
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
EMPREGADOR
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO DO TRABALHO.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 21º, Nº 1, AL. C) DA LCT; 122º, AL. D) DO CT/2003.
Sumário: I – Ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por determinadas prestações retributivas complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade, ...), pelo rendimento, mérito, produtividade ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades, ...).

II – No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos artºs 21º, nº 1, al. c) da LCT e 122º, al. d) do CT/2003, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.

III – Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

IV – Estando em causa uma determinada prestação pecuniária que vinha sendo regularmente paga e que integra a retribuição devida ao trabalhador, impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova dos factos que permitam concluir no sentido da cessação lícita da situação que fundamentou a atribuição daquela prestação retributiva e, portanto, da licitude da decisão de cessar o seu pagamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que esta seja condenada a: a) reconhecer o direito da autora beneficiar, a título de prestação retributiva, da quantia que até Agosto de 2012 recebeu como Isenção de Horário de Trabalho emergente da sua ilícita retirada; b) pagar a este título desde Agosto de 2012 e enquanto permanecer o contrato de trabalho o montante de € 700,00 mensais, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal; c) pagar à autora € 864,00 devido à necessidade de utilizar veículo próprio aquando da transferência de z... para a k... durante 20 dias efectivos de trabalho; c) pagar à autora por cada dia efectivo de trabalho, a título de comparticipação emergente da sua transferência para w... por interesse exclusivo da ré, a quantia de € 9,90 diários, correspondente ao custo dos transportes colectivos (camioneta e transportes municipais); d) reconhecer à autora direito a que lhe seja concedida prioridade no preenchimento de vagas para o reingresso no exercício efectivo das funções e tarefas inerentes à sua categoria profissional.

Alegou para tanto, em síntese, que foi admitida no dia 20.4.1983 ao serviço do Banco C... e que, em 22.1.1996, celebrou contrato de trabalho com o “D..., S.A.” com a categoria profissional de responsável de UOAR classificada no Grupo I, nível 10 da tabela retributiva do ACT aplicável. Em complemento de tal contrato de trabalho foi consagrado ser-lhe atribuída uma verba correspondente a uma hora de isenção de horário de trabalho, crédito pessoal até determinado valor e transferência do crédito à habitação. Na execução de tal contrato, foi colocada nas agências de x... , y... e z... , desempenhando as funções de subgerente, sendo que a partir de 24.4.2007, atentas as suas qualidades de trabalho, as deslocações que fazia diariamente e o aumento de responsabilidades que lhe foram cometidas, decidiu o D... atribuir a esta a isenção total de horário de trabalho, a qual foi paga com regularidade desde 2007 até Agosto de 2012, integrando o subsídio de férias e o subsídio de Natal e mantendo a mesma após a sua transferência para z... , localidade onde residia e onde a agência era recém aberta e cujo volume de negócios era inferior à de y... , de onde provinha. Mais alega que em Abril de 2011 foi celebrado um contrato entre o D... e a ré, tendo aquele transmitido os trabalhadores a esta, o que foi comunicado à autora com a garantia de que se manteria o contrato de trabalho, sem perda ou diminuição de direitos, no que se refere à antiguidade ou retribuição. Em 20.1.2012, a ré procedeu ao encerramento do balcão de z... onde trabalhava e transferiu-a para k... , tendo sido retirado o exercício efectivo das funções inerentes à categoria que detinha como subgerente, distante da sua residência em cerca de 40 kms, durante 20 dias úteis e que não havia transportes entre as duas localidades, tendo de utilizar veículo próprio, sendo então transferida para w... , apesar de haver vagas para agências da ré mais próximas da sua residência, sempre mantendo inalterado o pagamento mensal da isenção de horário de trabalho. Todavia, em 20.4.2012 recebeu uma comunicação da ré retirando a dita isenção de horário, o que considera ilegítimo, por ter natureza retributiva e, por isso, impeditiva de retirada unilateral pela ré. Por outro lado, a ré não suportou as despesas inerentes às transferências e deslocações da autora nem lhe concedeu prioridade no preenchimento de vagas pelo que conclui pelo peticionado, conforme o ACT aplicável ao sector.

Contestou a ré, alegando, também em síntese, que entende que, na sequência da entrada em vigor do Código do Trabalho, foi celebrado entre autora e ré um acordo de isenção de horário de trabalho que vigoraria por um ano, renovável por iguais períodos enquanto se mantivessem os pressupostos e requisitos que fundamentam o acordo ou até que uma das partes o denunciasse, acordo esse que foi sendo sucessivamente renovado por escrito até 2008, pelo que a ré assumiu apenas esse compromisso com a autora, que já derivava da sua relação com o D... . Assim, quando comunicou à autora que deixaria de estar sujeita ao regime de isenção de horário de trabalho a partir de 1.8.2012, estava no uso legítimo de faculdades que, como empregador, integram o seu poder de direcção. Quanto às despesas da deslocação, entende que a autora podia ser chamada a desempenhar funções em qualquer localidade do distrito de w... e distritos limítrofes, conforme decorre do ACT e que não teve necessidade de mudar de residência, pelo que não tem direito a quaisquer despesas, não tendo a autora solicitado qualquer horário especial. Por fim, refere ainda que a autora não tem necessidade de formação profissional para o exercício de funções e que a figura do subgerente tem hoje em dia um contexto diferente do que se verificava no sector, contribuindo para tal o facto de nos últimos dois anos ter encerrado dezenas de balcões, não negando que a autora tenha prioridade no preenchimento de vagas para o ingresso no exercício efectivo de funções de subgerente, não tendo existido até agora vagas.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência; a) declarou que a quantia que a autora recebia a título de isenção de horário de trabalho tinha natureza retributiva, tendo sido retirada ilicitamente pela ré, condenando esta a pagar à autora desde Agosto de 2012, a esse título e enquanto permanecer o contrato de trabalho que liga a autora à ré, tal quantia no seu montante mensal, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, em montante a liquidar em execução de sentença com o limite do pedido; b) condenou a ré a pagar à autora quantia a liquidar em execução de sentença, referente às deslocações efectuadas pela autora durante o período em que esteve a exercer funções na k... , em transferência temporária, conforme alíneas G), I), J), K), N) e P) dos Factos Assentes, com o limite do pedido; c) condenou a ré a pagar à autora quantia a liquidar em execução de sentença, referente às deslocações efectuadas pela autora durante o período em que esteve a exercer funções em w... , em transferência definitiva, conforme alíneas G), I), K), S), T) e U) dos Factos Assentes, com o limite do pedido; d) condenou a ré a reconhecer à autora o direito a que lhe seja concedida prioridade no preenchimento de vagas para o reingresso efectivo das funções e tarefas inerentes à sua categoria profissional; e) absolveu a ré do demais peticionado pela autora.

É desta sentença que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, conclui:

[…]

A autora apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:

[…]

A Sr.ª Juíza do tribunal a quo pronunciou-se quanto às nulidades da sentença arguidas pela ré do seguinte modo:

«A Ré arguiu a nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que se devessem apreciar, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC, porquanto invocou na Contestação que o subsídio por isenção de horário de trabalho não integra a retribuição da Autora, mas que, ainda que assim fosse, a partir de 1.10.2004 tal acordo havia sido alterado, passando tal acordo a vigorar dali em diante pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos. A Autora havia alegado que tal subsídio integrava o contrato de trabalho celebrado em 22.1.1996. Considera a Ré que se trata de excepção peremptória que não foi objecto de resposta pela Autora e que a sentença não se pronunciou sobre a questão.

Em resposta à arguição de nulidade, a Autora entende que a sentença se pronunciou sobre a questão, não decidindo no sentido pretendido pela Ré, considerando que as sucessivas assinaturas em escritos intitulados de acordo de isenção de horário de trabalho em nada modificaram o acordo original, sendo destinados à então autoridade administrativa fiscalizadora da matéria.


*

O art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.º parte do CPC dispõe que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.”

A nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC (por omissão de pronúncia) traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no artº 608.º, n.º 2 do CPC, que é o de serem resolvidas todas as questões submetidas a apreciação do julgador, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.


*

Cumpre pois apreciar.

Segundo o disposto no art. 60.º do CPT, se o valor da causa exceder a alçada do Tribunal e o Réu se defender por excepção, o Autor pode responder.

Dispõe o art. 571.º do CPC que o réu se defende por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção.

Defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da causa (excepções dilatórias) ou que determinam a improcedência parcial ou total do pedido por configurarem uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado (excepções peremptórias).

A distinção entre a defesa por impugnação motivada e por excepção peremptória nem sempre é evidente. Na realidade, o facto de na primeira se acrescentarem factos que não constam da petição inicial dificulta a averiguação da natureza da defesa alegada. Pela excepção peremptória são aceites os factos invocados, sendo acrescentados outros que impedem, modificam ou extinguem os efeitos jurídicos que o Autor pretende retirar da sua versão.

Da Contestação resulta manifestamente que a Ré não aceita esses factos (arts. 23.º e 24.º da Contestação), considerando que o contrato nunca integrou como cláusula essencial a isenção de horário de trabalho, pelo que se trata de impugnação motivada da Ré.

De todas as formas, depois de se efectuar a subsunção factual da matéria dada como provada, entendeu-se que aquela verba resultava de estipulação individual estabelecida no contrato de trabalho, por via do escrito que o complementava, pelo que não poderia ser reduzida pela entidade patronal. E fez-se ainda constar quanto à específica alegação da Ré: “Diga-se, por fim, que as sucessivas assinaturas subscrevendo escritos intitulados de acordo de isenção de horário de trabalho em nada modificam o acordo original subscrito por Autora e D... , escritos esses destinados à então autoridade administrativa decisora da possibilidade de estabelecimento de tais acordos, pelo que têm de ser entendidos unicamente nesse âmbito e não no âmbito da relação interna que ligava a Autora ao D... .”, assim afastando as consequências que a Ré pretendia retirar da outorga de tais escritos.


*

Pelo exposto, não se deixou de conhecer de qualquer questão que devesse ser conhecida, razão pela qual não se verifica a apontada nulidade.

Notifique.


*

Fls. 178-182:

A Ré arguiu a nulidade da sentença por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, porquanto a sentença, acerca da (ir)reversibilidade do complemento de isenção de horário de trabalho, porquanto se haveria dito ser possível a reversibilidade e depois o contrário e ainda que a mesma é ambígua por o subsídio de isenção de horário corresponder a uma hora ou a duas.

Em resposta à arguição de nulidade, a Autora entende que não se verifica nenhuma das apontadas nulidades pois que a sentença entendeu que se tratavam de complementos retributivos, que não poderiam ser retirados à Autora, tanto a 1.ª hora como a 2.ª hora.

A nulidade prevista na primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC (fundamentos em oposição com a decisão) verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão.

A nulidade prevista na segunda parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC trata de uma causa de nulidade da sentença não prevista na Lei Processual Civil precedente, que admitia, ao invés, a possibilidade, perante obscuridades ou ambiguidades da decisão, de dedução de pedido de esclarecimento ou aclaração do decidido.

Na Exposição de Motivos da Reforma (in Novo Código de Processo Civil, Porto Editora, 2013, p. 38) esclarece-se que foi intenção do legislador na Reforma do Processo Civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho eliminar o incidente de aclaração ou esclarecimento de pretensas e, nas mais das vezes, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou ambiguidades da decisão reclamada – apenas se consentindo ao interessado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença que seja efectivamente ininteligível.

Cumpre apreciar.


*

Quanto à oposição de fundamentos, entendemos que a mesma não se verifica porquanto pretendeu-se apenas explicitar o quadro legal, o entendimento doutrinal e jurisprudencial acerca da questão controvertida, concluindo-se, todavia, que face ao quadro normativo legal e convencional a atender, as verbas que vinham sendo pagas à Autora são de ser enquadradas como retribuição e, como tal, irredutíveis.

No que refere à ininteligibilidade, por via de obscuridade ou ambiguidade, dizemos desde já que uma decisão ininteligível é uma decisão incompreensível, inacessível ao intelecto, o que manifestamente não é o caso da decisão cuja nulidade vem arguida.

A Ré compreendeu-a, poderá não concordar com ela, o que é questão diversa, mas alcançou que a sentença considerou retribuição as duas horas pagas como subsídio de isenção de horário de trabalho.


*

Pelo exposto, não se verifica que os fundamentos da decisão estejam em oposição com esta ou que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, razão pela qual não se verifica a apontada nulidade.

Notifique.»

 Em parecer, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de se negar procedência ao recurso interposto pela ré.


*

II- Factos considerados como provados na 1.ª instância:

[…]


*

III. Apreciação

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se ocorreram nulidades da sentença;

- se a autora tem ou não direito a que lhe continue a ser paga prestação complementar que lhe foi paga como sendo referente a retribuição de isenção de horário de trabalho, até 01.08.2012.

Vejamos:

1. Quanto à questão das nulidades da sentença:

A ré recorrente arguiu nulidades da sentença. A arguição teve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente (“a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”).

Essencialmente, a apelante defende que:

- a sentença é nula por omissão de pronúncia, uma vez que alegou na contestação que o contrato inicial de trabalho “foi alterado, em 01.10.2004, quando, entre as partes, foi celebrado o Acordo a que se refere o Facto HH, nos termos do qual o acordo sobre isenção de horário de trabalho passou a vigorar pelo período de um ano renovável por iguais períodos – enquanto se mantiverem os pressupostos e requisitos que fundamentaram esse mesmo acordo – ou até que uma das partes o denuncie”, sendo que tal constitui matéria de excepção e, por isso, deveria ser objecto de pronúncia na sentença e não o foi;

- a sentença é nula porque se verifica oposição entre os “fundamentos da decisão em matéria de isenção de horário de trabalho” e “a decisão propriamente dita”;

- a sentença é nula “ambígua, obscura e até ininteligível”, dado que, atentos os factos estabelecidos, nela se afirma que a ré «ao retirar à Autora a retribuição por i.h.t. violou o princípio da irredutibilidade da retribuição prevista na al. d) do nº 1 do artº 129º do CT, mas não diz se a retribuição por i.h.t. que a Ré “seria” obrigada a pagar à Autora era a retribuição correspondente a uma hora suplementar – como vem referida no contrato de trabalho inicial – ou a correspondente a duas horas suplementares, que vem referida nos acordo de i.h.t. de 01.04.2007 e de 01.10.2008».

A primeira das nulidades arguidas teria fundamento no artigo 615º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do Código de Processo Civil e que se reporta à situação em que o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

Analisada a sentença recorrida, verificamos que na mesma se apreciou a relevância das ditas alterações aos contratos de trabalho, considerando que as mesmas não tinham efeitos modificativos, pois apenas se destinavam a instruir comunicação à administração pública. Na verdade, nela se afirmou:

“Diga-se, por fim, que as sucessivas assinaturas subscrevendo escritos intitulados de acordo de isenção de horário de trabalho em nada modificam o acordo original subscrito por Autora e D... , escritos esses destinados à então autoridade administrativa decisora da possibilidade de estabelecimento de tais acordos, pelo que têm de ser entendidos unicamente nesse âmbito e não no âmbito da relação interna que ligava a Autora ao D... .”

 

Podendo-se discutir se a apreciação foi ou não correcta ou suficiente, a verdade é que não se pode dizer que a sentença não o fez. Por isso, não consideramos padecer, nesta parte, da nulidade invocada.

A segunda das nulidades arguidas teria fundamento no artigo 615º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do Código de Processo Civil e que se reporta à situação em que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Trata-se aqui de uma situação, como diz o Conselheiro Amâncio Ferreira (in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed., pag. 55), da contradição real entre os fundamentos e a decisão - à situação em que os próprios fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.

Sustenta a apelante que na sentença se referiu que “… é permitido ao empregador retirar aos trabalhadores determinados complementos salariais, se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição”, indicando a seguir que “…em face do quadro normativo legal e convencional a atender, é de considerar que as quantias efectivamente pagas à Autora a título de isenção de horário de trabalho, por virtude do trabalho prestado ao longo dos anos referidos na matéria de facto em que exerceu a sua actividade ao serviço do D... e, depois da Ré, são devidas como contrapartida do trabalho prestados, no concreto condicionalismo em que a Autora o desenvolveu” e concluindo que “[p]or todo o exposto, poderia o Réu modificar o título de tal atribuição patrimonial, mas não retirar a mesma, já que ela resultava de estipulação individual estabelecida no contrato de trabalho, por via do escrito que o complementava”. E por isso, notar-se-ia oposição entre os fundamentos e a decisão.

Todavia, não notamos essa oposição, considerando toda a fundamentação expressa e decisão contida, evidentemente, no dispositivo de condenação, ainda que a argumentação não seja toda ela linear e de absoluta clareza.

Percebe-se que a sentença considerou que a situação de isenção do horário de trabalho, com o seu regime próprio de remuneração, é reversível, só não sendo assim quando as partes o tenham clausulado no contrato individual de trabalho. Neste caso, a supressão da isenção depende do acordo do trabalhador e, não sendo dado, tem que ser mantida, nomeadamente quanto às prestações remuneratórias. Mais se disse que a ré poderia modificar, afinal, a estrutura das atribuições patrimoniais complementares, mas já sem diminuir o valor pago se ela constasse do contrato estabelecido. Por isso, a sentença concluiu pela condenação da ré nos termos acima já indicados.

Ou seja, a fundamentação dada – correcta ou incorrecta – não conduzia a decisão necessariamente diversa.

Assim, também aqui, consideramos não se verificar a nulidade arguida.

A terceira das nulidades arguidas teria fundamento também no artigo 615º, n.º 1, alínea c), agora na 2.ª parte, do Código de Processo Civil e que se reporta à situação em que a sentença contenha alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A apelante considera que a sentença não esclarece devidamente se a quantia que considera ser devida à autora, correspondente ao que era pago a título de isenção de horário de trabalho, é a correspondente à retribuição de uma hora suplementar por dia – como lhe que foi atribuída inicialmente de acordo com o Facto C) – ou a correspondente à retribuição de duas horas suplementares por dia que lhe passou a ser paga em 01.04.2007 – de acordo com o Facto JJ).

Todavia, a nosso ver, compreende-se bem que a quantia em causa se refere, como se depreende do dispositivo da condenação, à “quantia que a autora recebia a título de isenção de horário” retirada pela ré, só podendo ser a correspondente à retribuição de duas horas suplementares por dia.

Deste modo, a decisão não é ininteligível em consequência de qualquer ambiguidade ou obscuridade.

Por isso, mais uma vez, também aqui consideramos não se verificar a nulidade arguida.

2. Quanto à questão da prestação complementar que foi paga a título de retribuição de isenção de horário de trabalho:

Como se disse, a autora formulou o pedido de reconhecimento do direito da autora beneficiar, a título de prestação retributiva, da quantia que até Agosto de 2012 recebeu como isenção de horário de trabalho, bem como o pedido de condenação da ré a pagar-lhe o montante correspondente desde Agosto de 2012 e enquanto se mantiver o contrato de trabalho com a mesma ré. Para tanto alegou que no contrato de trabalho ao qual a ré sucedeu na qualidade de empregadora foi estabelecido, em complemento ao mesmo, o direito a receber uma verba correspondente a uma hora de isenção de horário de trabalho, para além de outros benefícios como crédito pessoal até determinado valor e crédito à habitação. Mais tarde, a partir de 24.4.2007, considerando as suas qualidades de trabalho, as deslocações que fazia diariamente e o aumento de responsabilidades, foi-lhe atribuída “isenção total de horário de trabalho”, cuja compensação (correspondente a duas horas de “isenção”) foi paga com regularidade desde 2007 até Agosto de 2012, integrando o subsídio de férias e o subsídio de Natal, sendo que desde Outubro de 2008 deixou de se justificar na previsão dos arts. 218.º e 219.º do ACT para o sector bancário.

A ré, na sua contestação, aceitou ser exacto o que a autora alegou quanto ao estabelecido para o direito a receber uma verba correspondente a uma hora de isenção de horário de trabalho, assinalando que a mesma em 1997, 2000, 2001 e 2002 apôs a sua “concordância com a isenção de horário de trabalho” em documentos a apresentar na Inspecção Geral do Trabalho (mais tarde IDICT). Defendeu que, na sequência da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, foi celebrado em 01.10.2004, por escrito e entre as partes do contrato, um “acordo de isenção de horário de trabalho” que vigoraria por um ano, renovável por iguais períodos enquanto se mantivessem os pressupostos do acordo ou até que uma das partes o denunciasse, o mesmo sucedendo em 2005. E em 2007 firmaram novo acordo de isenção sujeito ao regime da cláusula 54.º do ACT em vigor, pelo que o regime de isenção poderia cessar mediante denúncia das partes com a antecedência de um mês. Semelhante acordo foi celebrado em 2008. E, assim, quando comunicou à autora que deixaria de estar sujeita ao regime de isenção de horário de trabalho a partir de 1.8.2012, fê-lo licitamente.

Na sentença recorrida foi declarado que “a quantia que a autora recebia a título de isenção de horário de trabalho tinha natureza retributiva, tendo sido retirada ilicitamente pela ré”, condenando esta “a pagar à autora desde Agosto de 2012, a esse título e enquanto permanecer o contrato de trabalho que liga a autora à ré, tal quantia no seu montante mensal, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, em montante a liquidar em execução de sentença com o limite do pedido”.

No recurso, a apelante insurge-se quanto a esta decisão sustentando, em síntese, que em face das alterações contratuais firmadas quanto ao acordado regime da isenção de horário de trabalho, poderia ter procedido à sua denúncia e, cessando o mesmo, poderia ter cessado o pagamento da respectiva retribuição adicional.

Cumpre apreciar duas distintas questões: a) a questão da irredutibilidade da retribuição; b) a questão da licitude da cessação do regime de isenção do horário de trabalho.

No que toca à redutibilidade, em geral, da retribuição específica por isenção de horário de trabalho, a sentença recorrida enunciou bem a sua possibilidade.

Ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por determinadas prestações retributivas complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade…), pelo rendimento, mérito, produtividade (individual ou por equipa) ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades…) – v. Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, p. 387.

No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos arts. 21.º, n.º 1, al. c), da LCT e 122.º, al. d), do CT/03, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido – v- Acórdãos do STJ de 20/2/2002, revista nº 2650/01, de 25/9/2002, revista nº 1197/02, de 16/6/2004, revista nº 837/03, de 4/5/2005, revista nº 779/04, de 17/1/2007, revista nº 2188/06, de 9/1/2008, revista nº 2906/07, e de 16/1/2008, revista nº 3786/07.

Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

No mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina. Como escreve Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, p. 595), “… os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”. E Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, p. 472), quando escreve a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os “aditivos” específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, que “… os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento…”. De igual modo, Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, p. 100), escrevem que “… a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (…) ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações.”.

Daqui se retira que o empregador pode retirar ao trabalhador determinados complementos salariais, como é o caso do que vise compensar a isenção de horário de trabalho, contanto que cesse, licitamente, a situação que fundamentou a sua atribuição; nesses casos não ocorre qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.

Mas estando em causa uma determinada prestação pecuniária que vinha sendo regularmente paga e que integra a retribuição devida ao trabalhador, impende sobre o empregador o ónus de alegação e prova dos factos que permitam concluir no sentido da cessação lícita da situação que fundamentou a atribuição daquela prestação retributiva (art. 342.º n.º 2 do Código Civil) e, portanto, da licitude da decisão de cessar o seu pagamento.

No caso dos autos estaremos, contudo, um caso de cessação da situação de isenção de horário de trabalho e do seu pagamento?

A autora na petição e nas contra-alegações do recurso distingue duas situações. Uma primeira que se refere à atribuição no contrato inicialmente celebrado «de uma “verba” correspondente a uma hora de isenção do horário de trabalho» e que nada tem a ver com a estipulação do regime de isenção de horário de trabalho, mas sim de uma prestação retributiva de montante igual (indexado) à retribuição de uma hora de isenção de trabalho, ou seja – traduzindo – à remuneração de uma hora de trabalho suplementar por dia.

E nesta parte afigura-se-nos que tem razão.

De acordo com o facto C), a empregadora, em 22.1.1996, no mesmo dia da celebração do contrato de trabalho, indicou à autora que: “em complemento do contrato de trabalho hoje celebrado com V. Exª integrando-a na nossa instituição D... , S.A. informamos o seguinte: a) à remuneração prevista no Contrato ser-lhe-á atribuída uma verba correspondente a uma hora de Isenção de Horário de Trabalho; b) Crédito pessoal até ao montante de +- 3.000 (três mil) contos; c) transferência do crédito à habitação no valor de +- 5.700 (cinco milhões e setecentos mil escudos) contos. (…)”. De acordo com o texto do contrato indicado em B), o contrato só teve início em 15/2/1996.

Da leitura dessa declaração, só pode inferir-se que o que estava em causa era apenas uma prestação retributiva de montante igual à “retribuição de uma hora de isenção de trabalho”, integrando o sistema retributivo fixado, juntamente com outras prestações complementares e sem indicação de correspondência a um modo específico de prestação do trabalho.

Só mais tarde, cerca de um ano depois, surge uma nova referência a “isenção de horário de trabalho”. Assim, conforme indicado no facto Z), em 6/2/1997, no escrito intitulado “Declaração de Concordância com a Isenção de Horário de Trabalho”, datado de 6.2.1997, subscrito pela autora, consta que esta “declara concordar com a concessão de isenção de horário de trabalho a requerer em 1/3/97, por motivo da qual e das funções que exerce, aufere a retribuição mensal de 192.920$00 (…) acrescida de 41.346$61 (…), de retribuição adicional pela isenção. (…)”. Declaração essa que instruiu o requerimento que a empregadora apresentou em 23.4.1997 na Delegação do IGT de Coimbra e que foi deferido em 29.4.1997 (Facto AA)), sendo que essa isenção correspondia a uma hora de trabalho suplementar por dia (facto BB)).

Esse documento e todos os documentos seguintes referidos nos factos provados e que contêm declarações da autora, no que toca ao regime de isenção do horário de trabalho, não surgem contextualizados como tendo ligação com qualquer isenção do horário de trabalho fixada e praticada inicialmente em 1996.

Daí que tenha de concluir-se, como sustenta a autora, que tais declarações se inserem em acordos para o início da prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.

Dito isto, cumpre assinalar, para além do mais, que a ré não provou como lhe competia que a atribuição de 1996, integrada no contrato de trabalho, e respeitante a prestação retributiva de montante igual à “retribuição de uma hora de isenção de trabalho” estivesse ligada na realidade ao modo específico de exercício da actividade em isenção de horário de trabalho. Deste modo, não poderia determinar a cessação do correspondente pagamento por motivo de cessação do regime de isenção.

E, naturalmente, perante a matéria de facto fixada, devemos concluir que, na falta de melhor especificação da efectiva natureza da atribuição patrimonial em causa, ela deve presumir-se integrar a retribuição -  a correspondência entre tal atribuição e a real causa justificativa, como pertinente à isenção de horário, não está apurada. Nessa medida, a presunção que constitui retribuição, referida no n.º 3 do art. 82.º da LCT (e, também, 249.º n.º 3 do Código do Trabalho/2003) opera, devendo considerar-se essas atribuições como integrando a retribuição, designadamente para efeito da imposição da sua irredutibilidade.

Ou seja, nesta parte, temos que concluir que a ré não podia retirar o pagamento que vinha sendo regularmente satisfeito e integrava o contrato, no que se refere à quantia equivalente à remuneração de uma hora de trabalho suplementar por dia.

A segunda das situações que a autora distingue, como acima se disse, reporta-se aos comportamentos declarativos que tiveram lugar a partir de 1997 no que toca à isenção de horário de trabalho.

Retira-se dos factos provados que, como alega a ré, a autora em 1997, 2000, 2001 e 2002 apôs a sua “concordância com a isenção de horário de trabalho” em documentos a apresentar na Inspecção Geral do Trabalho (mais tarde IDICT) – factos Z), CC), FF) e GG). E que, em 01.10.2004, por escrito, as partes do contrato firmaram um “acordo de isenção de horário de trabalho” que vigoraria por um ano, renovável por iguais períodos enquanto se mantivessem os pressupostos do acordo ou até que uma das partes o denunciasse, o mesmo sucedendo em 2005 (HH) e II)). E em 2007 firmaram novo acordo de isenção sujeito ao regime da cláusula 54.º do ACT em vigor, pelo que o regime de isenção poderia cessar mediante denúncia das partes com a antecedência de um mês (JJ)). Semelhante acordo foi celebrado em 2008 (KK)).

Analisadas tais declarações, como já deixámos antevisto antes e ao contrário do considerado na sentença recorrida, entendemos que se tratam da consubstanciação de verdadeiros acordos para a consagração do regime de isenção de horário de trabalho, tal como se depreende da sua leitura.

A autora considera, no entanto, que a atribuição de uma “segunda hora de isenção” foi feita pela ré a partir de Abril de 2007, no ano do acordo supra mencionado, sem que se verificassem os pressupostos para o regime de isenção do horário de trabalho, o que, a seu ver, se retiraria dos factos E) (“a partir de Abril de 2007 o D... SA decidiu atribuir à A. atentas as suas qualidades de trabalho o Regime de Isenção Total de Horário de Trabalho”), M) (“a segunda hora foi mantida à A. independentemente de não ter justificação assente no acréscimo de trabalho ou no tempo gasto em viagens ou mesmo na dimensão da carteira de clientes que geria e que tinha determinado a sua atribuição”), F) (“a isenção total de horário de trabalho foi paga com regularidade à A., desde Abril de 2007 até Agosto de 2012”) e I) (“em 20 de Janeiro de 2012 a R. procedeu ao encerramento da agência de z... ” – onde a autora prestava serviço).

Dos factos invocados, contudo, não podemos concluir pela descaracterização do regime de isenção de horário. Na verdade, a circunstância de ter sido atribuído “atentas as suas qualidades de trabalho” não colide com os pressupostos indicados no acordo de 2007 e que se reportam (de acordo com o facto ZZ)) às “situações previstas no artigo 177.º do Código do Trabalho, na alínea a) do n.º 1 – exercício de cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos”. As particulares qualidades de trabalho, em cargo de confiança, podem bem conduzir à opção da isenção de horário e diversamente a falta delas pode conduzir à sua não atribuição como parece evidente. Por outro lado, a circunstância de estar provado que “a segunda hora foi mantida à A. independentemente de não ter justificação assente no acréscimo de trabalho ou no tempo gasto em viagens ou mesmo na dimensão da carteira de clientes que geria e que tinha determinado a sua atribuição”, também não pode levar a concluir por aquela descaracterização. Nas mesmas circunstâncias, como bem se compreende, a atribuição da isenção de horário a trabalhador que não tenha acréscimo de trabalho ou no tempo gasto em viagens ou uma grande dimensão da carteira de clientes a gerir não conduz a retirar automaticamente aquele regime, já que se está perante uma opção gestionária que pode, inclusive, ter boa justificação em critérios de qualidade. E as mesmas razões podem ser convocadas perante a mudança de agência onde a autora trabalhava, ainda que haja alteração de tarefas.

Deste modo, consideramos que se estava na realidade perante diversos acordos de prestação em regime de isenção, substituindo o último sempre o anterior.

O último acordo que a ré fez cessar, por denúncia, foi o celebrado em 1.10.2008 e mencionado no facto KK) do seguinte modo:

“No escrito intitulado “Acordo com a Isenção de Horário de Trabalho”, datado de 1.10.2008, subscrito pelo D... e pela Autora, consta: “Considerando estarmos perante uma das situações previstas no artigo 177.º do Código do Trabalho, na alínea a) do n.º 1 – exercício de cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos (…) é celebrado o presente acordo entre D... , S.A. (…) e a Srª D. A... (…) com a categoria profissional de subgerente, a qual sendo o 2º elemento de estrutura do balcão, tem a seu cargo a responsabilidade pela coordenação e gestão das tarefas administrativas, apoiando ainda o gerente em tarefas de âmbito comercial substituindo-o nas suas ausências e impedimentos, situação que comporta exigências não compatíveis com a observância do horário normal, e que julgamos em conformidade com as disposições legais que estabelecem o enquadramento deste tipo de horário. Colocado no nível 10 do ACTV celebrado entre esta instituição e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários com a retribuição base de € 1.286,60, acrescida do valor das diuturnidades de € 199,00, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob o regime de isenção de horário de trabalho, nos termos da alínea assinalada: alínea b) – a possibilidade de alargamento da prestação 10 horas por semana (…) pela isenção de horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 700,35, a ser paga com a mesma periodicidade com que é paga a retribuição base. A isenção de horário de trabalho ora acordada, no respeito pela disciplina dos vários números da Cláusula 54.ª do Acordo Colectivo de trabalho vertical do Sector Bancário, não prejudica o direito do trabalhador aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, nem ao descanso diário previsto no artigo 176.º do Código do Trabalho. (…)”.

O acordo nada refere quanto à sua cessação, apenas mencionando que a “isenção” é acordada “no respeito pela disciplina dos vários números da Cláusula 54.ª do Acordo Colectivo de trabalho vertical do Sector Bancário”.

Esse IRCT é o ACT celebrado entre várias instituições de crédito e a FEBASE - Federação do Sector Financeiro, cuja última versão consolidada está publicada no BTE, 1.ª série, n.º 3 de 22/1/2011. Ambas as partes estão de acordo em que o mesmo é aplicável ao contrato de trabalho entre elas.

Ora o n.º 4 da sua cláusula 54.ª refere o seguinte: “4- O regime de isenção de horário de trabalho cessará nos termos acordados ou, se o acordo for omisso, mediante denúncia de qualquer das partes feita com a antecedência mínima de um mês”. Mais refere o seu n.º 5 que “[s]e a denúncia for da iniciativa da instituição, é devido o pagamento da retribuição adicional até três meses depois de a mesma ter sido comunicada ao trabalhador”.

Assim, nada referindo o acordo quanto à sua cessação, como se disse, importa concluir que a ré podia denunciá-lo com a antecedência de um mês.

Ora, de acordo com o facto L) a ré por escrito, datado de 20.4.2012, enviado à autora, comunicou-lhe o seguinte: “(…) Cumpre-nos informar que nos termos de deliberação do Conselho de Administração, deixou de beneficiar do regime de isenção de horário de trabalho. Mais se informa que para cumprimento do preceituado no n.º 5 da Cláusula 54.ª do ACTSB, a retro-indicada deliberação produz efeitos a contar de 2012-08-01 (…)

Operou assim a denúncia do acordo com um mês de antecedência e, com a antecedência concedida, garantiu o pagamento da retribuição adicional até três meses depois de a mesma ter sido comunicada.

Podemos, assim, concluir que a denúncia foi lícita, bem como lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível nos termos já acima indicados.

Deste modo, a apelação deve proceder parcialmente, sendo apenas de manter a condenação da ré na parte em que se refere à parte da atribuição da quantia equivalente à remuneração de uma hora de trabalho suplementar por dia, nos termos acima indicados, sendo essa parte abrangida pela garantia da irredutibilidade.


*

IV- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que declarou “que a quantia que a autora recebia a título de isenção de horário de trabalho tinha natureza retributiva, tendo sido retirada ilicitamente pela ré” e condenou esta a “pagar à autora desde Agosto de 2012, a esse título e enquanto permanecer o contrato de trabalho que liga a autora à ré, tal quantia no seu montante mensal, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, em montante a liquidar em execução de sentença com o limite do pedido”, substituindo essa decisão pela condenação da ré pagar à autora, desde Agosto de 2012, a quantia equivalente à remuneração de uma hora de trabalho suplementar por dia, no seu montante mensal, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, em montante a liquidar em execução de sentença com o limite do pedido.

Custas no recurso pelas partes, na proporção de 50% para cada uma das partes.


*

 (Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)