Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
570/10.5TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.156, 192, 249, 250 CIRE
Sumário: Tratando-se de pessoas singulares declaradas insolventes, que não sejam empresários, é-lhes vedado pelo artigo 250º do CIRE apresentar plano de insolvência.
Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

L M (…) e mulher, A P (…), requereram a declaração de sua insolvência, tendo alegado no artigo 42º da petição inicial: «Os requerentes comprometem-se, nos termos do disposto no artigos 192º e seguintes do CIRE, a apresentar plano de insolvência no prazo máximo de 30 dias após a realização da assembleia de credores a que alude o artigo 156º do CIRE». E nos art. 43º e segs alegaram que também pretendem beneficiar da exoneração do passivo restante.

Na sentença proferida, que decretou a insolvência dos requerentes, foi exarado o seguinte a respeito do plano de insolvência: «Não aplicável à situação em concreto por expressa referência do artigo 250º do CIRE».

Os requerentes recorrem de apelação, circunscrevendo o recurso a esta decisão sobre plano de insolvência, para o que apresentaram alegação com conclusões que se dão aqui por reproduzidas.

Correram os vistos.

Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

Trata-se de reapreciar se no caso concreto é admissível ou não a apresentação de plano de insolvência. Esta é a questão fundamental objecto do recurso.

II - Fundamentos:

Na interpretação da lei deve ter-se em conta o elemento sistemático (artigo 9º do Código Civil).

O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) está estruturado em Títulos, que abrangem Capítulos, nos quais se inscrevem Secções, contendo os artigos.

O Título IX, segundo a epígrafe, rege o “plano de insolvência” (artigos 192º a 222º).

O Título X, segundo a epígrafe, rege a “administração pelo devedor” (art. 223º a 229º).

O Título XII, segundo a epígrafe, contém as “Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares” (art. 235º a 266º), desdobrando-se em 2 capítulos:

-Capítulo I – “Exoneração do passivo restante”;

-Capítulo II – “Insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas”.

Este Capítulo II engloba 3 secções:

-SECÇÃO I – “Disposições gerais” (Artigo 249.º - “Âmbito de aplicação”, e Artigo 250.º - “Inadmissibilidade de plano de insolvência e da administração pelo devedor”);

-SECÇÃO II – “Plano de pagamentos aos credores”;

-SECÇÃO III – “Insolvência de ambos os cônjuges”.

Porque os devedores insolventes são, neste caso, pessoas singulares e não empresários, importa considerar o disposto nas “Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares” e, dentro delas, o capítulo da “Insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas” e, mais concretamente, o que consta dos artigos 249.º - “Âmbito de aplicação”, e 250.º - “Inadmissibilidade de plano de insolvência e da administração pelo devedor”.

Preceitua esse art. 250º, sobre a “inadmissibilidade de plano de insolvência e da administração pelo devedor” (em epígrafe):

«Aos processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X».

E os “processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo” são aqueles mencionados no artigo 249º:

1 - O disposto neste capítulo é aplicável se o devedor for uma pessoa singular e, em alternativa:

a) Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;

b) À data do início do processo:

I) Não tiver dívidas laborais;

II) O número dos seus credores não for superior a 20;

III) O seu passivo global não exceder € 300.000.

2 - Apresentando-se marido e mulher à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264.º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges.

Ora, os requerentes são pessoas singulares e não empresários. Conforme alegaram na petição e está assente, não foram titulares da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Consequentemente, é-lhes aplicável o disposto no capítulo em que se inscreve o artigo 250º, segundo o qual «aos processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X», o mesmo é dizer: não é aplicável neste processo o regime do “plano de insolvência” constante dos artigos 192º a 222º (Título IX), nem o regime da “administração pelo devedor”- art. 223º a 229º (Título X).

Plano de insolvência e plano de pagamentos têm pressupostos e conteúdo não coincidentes, obedecendo a regimes legais diferenciados. O que os requerentes se propuseram apresentar foi um “Plano de insolvência”, mas o disposto no artigo 250º do CIRE, conjugado com o seu art. 249º, exclui essa possibilidade.

Argumentam os apelantes que a doutrina de Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao artigo 192º do CIRE, vai em sentido contrário.

Embora o tribunal de recurso não tenha de apreciar todas as razões ou argumentos dos recorrentes mas apenas de conhecer das questões colocadas, e embora a doutrina não seja fonte imediata do direito, sempre se dirá o seguinte.

Na nota 3 a esse artigo, os ditos Autores dizem que «o plano de insolvência assume carácter universal, podendo ser usado independentemente da natureza do devedor, seja ele ou não titular de uma empresa».

Essa afirmação deve ser relativizada e contextualizada. Os Autores estão ali a estabelecer a diferença entre as providências de recuperação da empresa, no âmbito do CPEREF, e o plano de insolvência, no regime inovatório do CIRE. É certo que a admissibilidade do plano de insolvência não depende de o devedor ser empresário, enquanto no CPEREF as providências de recuperação tinham sempre por objecto a empresa. Mas também do âmbito do CPEREF estavam arredadas as pessoas singulares não comerciantes ou não empresárias. O que se passa é que, no âmbito do CIRE, as pessoas colectivas, sejam ou não titulares de empresas, e mesmo as pessoas singulares que sejam titulares de empresas (no sentido do art. 5º) mas que não sejam empresas pequenas (no sentido do artigo 249º nº 1 al. b) podem apresentar o plano de insolvência regulado no Título IX. O que não é o caso dos apelantes.

Convém ter-se presente o que os mesmos Autores referem em anotação ao artigo 250º do CIRE:

«O art. 250º estabelece, pela negativa, o regime particular da insolvência de não empresários e de titulares de pequenas empresas, quando declara não ser aplicável, aos respectivos processos, o disposto nos Títulos IX e X. Quanto ao Título IX, que rege sobre o plano de insolvência, a razão de ser da exclusão reside no facto de, para os devedores aqui em causa, a lei prever uma figura sucedânea: o plano de pagamentos».

Também na doutrina, veja-se a posição doutrinária de Isabel Alexandre, na Revista THEMIS, 2005, ed. especial, p. 61: «Nem em todos os processos de insolvência é admissível a existência de um plano de insolvência: concretamente, nos processos de insolvência de não empresários e [de] titulares de pequenas empresas (artigo 250º do CIRE)».

Em síntese conclusiva:

Tratando-se de pessoas singulares declaradas insolventes, que não sejam empresários, é-lhes vedado pelo artigo 250º do CIRE apresentar plano de insolvência.

III - Decisão:

Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.

Custas pelos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam.


VIRGÍLIO MATEUS ( Relator )
CARVALHO MARTINS
CARLOS MOREIRA