Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
278/15.5T8GVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
REJEIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
FACTO COMPLEMENTAR
CONTRADITÓRIO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GOUVEIA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.5 Nº2 B), 615, 640, 662 CPC, 227 CC
Sumário:
1. Se a recorrente impugna factos provados dizendo que o tribunal apreciou de forma incorrecta a prova produzida, e ao mesmo tempo que a decisão padece de vício de omissão de fundamentação incorre num raciocínio ilógico, pois havendo falta de fundamentação do tribunal a quo relativamente à decisão da matéria de facto não poderá haver incorrecta apreciação da prova produzida; até as consequências são diferentes, pois naquele caso, importaria eventualmente determinar a fundamentação respectiva (art. 662º, nº 2, d), do NCPC) e na segunda hipótese, face a eventual incorrecção na apreciação da prova haveria lugar a alteração da matéria de facto (mesmo artigo, seu nº 1).
2. Quando se impugna a matéria de facto, deve afirmar-se e especificar-se as respostas que, na óptica do recorrente, devem ser dadas em concreto aos respectivos pontos de facto que tal recorrente pretende ver alterados; a omissão desse ónus de especificação imposto pelo art. 640º, nº 1, c), do NCPC, implica a rejeição do recurso em matéria de facto.
3. Se o recorrente não especificar quais os concretos meios probatórios, contantes do processo ou de registo da gravação realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos que impugnou, e por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa, a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada, nos termos do referido art. 640º, nº 1, b).
4. O sofrimento moral e psíquico do ser humano e o modo de reposicionamento de um tubo subterrâneo são factos e não meras conclusões de facto ou simples opiniões.
5. Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem, porventura, a natureza de concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório.
6. Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
7. Não deve confundir-se uma nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC), com eventual vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre pontos desta matéria ou erro de julgamento da mesma, ou erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou interpretação desta.
8. Os casos padrão da culpa in contrahendo correspondem ao seguinte: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros.
9. Integra a responsabilidade civil por culpa in contrahendo, a situação em que nas negociações para a venda de uma propriedade, em que a mesma está sujeita a um direito de servidão de passagem de águas subterrâneas, a vendedora R. não informou deste facto, que dela era conhecido, os AA compradores, devendo a R. indemnizar os AA de todos os prejuízos que a sua conduta lhes provocou.
Decisão Texto Integral: Proc.278/15.5T8GVA

I – Relatório

1. R (…) e mulher A (…), residentes em …, intentaram acção declarativa contra M (…), residente em …, peticionando a condenação da mesma:
- a reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 1º da p.i.;
- a proceder à retirada do tubo identificado no artigo 11º da p.i., ou proceder à execução dos trabalhos de recolocação e reorientação na forma indicada no art. 23º da p.i., ou a pagar a quantia de 4.680 €, correspondente aos trabalhos necessários à recondução do tubo;
- a pagar 5.000 € a título de damos morais;
- a pagar 3.000 € de danos patrimoniais.
Para tanto, alegaram, em suma, que celebraram com a R. é um contrato de compra e venda de um prédio misto e que não foram informados da existência de um tubo de esgoto que atravessa o prédio comprado. Que a R. sabia desse facto e que propositadamente lhes ocultou. Estão agora inibidos de cultivar parte do terreno e de colocar a calçada de acesso à garagem. Que têm vivido um estado emocional de nervosismo e tristeza com o sucedido.
A R. contestou, negando a versão dos autores, referindo não ter ocultado a informação premeditadamente. Que jamais viveu no prédio e que não acompanhou as obras de colocação do tubo que apenas autorizou ao …. Propôs-se afundar o tubo, mas os AA recusaram.
Os AA foram convidados a esclarecer e aperfeiçoar, a p.i. e o 2º pedido, o que fizeram.
A R. deduziu incidente de intervenção principal provocado, relativamente ao A (…) e mulher M (…), residentes em ..., como associados da R., o que foi admitido,
Os chamados apresentaram articulado, alegando ter direito de servidão, traduzido no uso do subsolo daquele terreno desde Abril de 1991. Mais referem ter colocado o tudo com o acordo da então proprietária, a ré.
Os AA responderam que desconhecem qualquer direito de servidão.
*
A final foi proferida sentença que julgou procedente a acção, e, em consequência:
a) Condenou a R. a:
i. Reconhecer os autores como donos e legítimos possuidores do prédio identificado em A. dos factos provados;
ii. Pagar aos AA a quantia de 4.680 €, correspondente ao valor das obras a realizar, acrescido do valor do I.V.A. devido à taxa legal em vigor;
iii. Pagar ao A R (…) a quantia de 1.200 € e à A. A (…) a quantia de 1.200 €, ambos, a título de danos morais.
b) Absolver os chamados do pedido.
*
2. A R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
3. Os AA contra-alegaram, concluindo que:
(…)

III - Factos Provados

A. Por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca, datada de 04/02/2015, a ré M (…) vendeu e os autores compraram, pelo preço global de € 90.000,00, “livres de ónus ou encargos”, o prédio misto, sito em …, na Freguesia de …, ..., composto de casa de habitação de rés-do-chão amplo e primeiro andar, inscrita na matriz urbana …, casa de habitação de rés--do-chão, inscrita na matriz urbana …, e terra de cultura de árvores de fruto, inscrita na matriz rústica …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …, freguesia de ….;
B. O mencionado prédio possui terreno de cultura com árvores de fruto, que os autores pretendem afectar o mesmo a cultivo;
C. Os autores pretendem, nesse terreno, calcetar uma parte do mesmo;
D. Os autores pretendem deixar um espaço livre para que sirva de acesso à garagem existente;
E. Após a compra e venda mencionada em A., os autores foram residir para o prédio identificado em A.;
F. Em meados de Março, o autor contratou uma retroescavadora para que aplainasse o terreno e removesse parte da terra, sendo que ao verificar a permanência da retroescavadora no terreno, A (…), proprietário de um terreno confinante com a parte rústica do prédio identificado em A., apareceu e avisou os autores que:
a. Aquela terra não podia ser removida, porquanto passa o cano de esgotos da sua casa com destino à via pública;
b. E que tal facto era do conhecimento da ré como anterior proprietária;
G. O dito tubo de esgotos é um tubo em P.V.C. de 90 mm, de comprimento não apurado e encontra-se, em parte não concretizável, mas não em toda a sua extensão, a 06 a 08 centímetros de profundidade do solo pisável;
H. O tubo atravessa os dois prédios urbanos dos autores e o terreno de cultivo;
I. Esse tubo impede os autores de fazerem uma entrada para acederem à garagem, de cultivarem e aplanarem o dito terreno;
J. Os autores enviaram, pelo menos, uma carta à ré com vista à resolução amigável da situação;
K. A ré acordou com A (…) a colocação do tubo;
L. A ré sabia de antemão da existência do dito tubo, e não informou os AA da existência do mesmo.
M. De forma a poderem levar a cabo as suas obras, o tubo deve ser retirado do local onde se encontra a dividir o seu terreno rústico em duas partes e à superfície;
N. O tubo deve ser recolado, da seguinte forma, partindo do início onde o mesmo se encontra no muro poente, seguir a direcção norte-sul em torno desse muro cerca de 40 metros;
O. Daí e já na sua extrema deverá o tubo flectir no sentido poente nascente em redor do muro a sul que serve de vedação da quinta;
P. No final do dito muro, o tubo deverá seguir até à estrada municipal que fica a nascente onde existe a ligação pública;
Q. E colocado ao redor do muro externo da vedação do quintal;
R. Executando as obras constantes do orçamento da S (…) Lda.;
S. Num total de € 4.680,00 a que acresce o imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor;
T. Os autores já tinham adjudicado o calcetamento da entrada para a garagem e tiveram de o cancelar e de paralisar as obras de retro escavação, tendo de pagar o dia ao dono da mesma que deixou de ir trabalhar para outro local;
U. Desde o mês de Março até à presente data, os autores têm andado nervosos e desgastados com esta situação;
V. Os autores sentem-se desgostosos e tristes com a situação;
W. Tal facto tem feito com que o autor ande preocupado e nervoso;
X. Tal facto tem feito com que a autora se sinta triste;
Y. A ré soube a que profundidade estava o tubo de esgoto;
Z. A ré viu executar as obras de colocação do tubo;
AA. A ré prontificou-se em Julho de 2015 a aprofundar o trecho em que o tubo está mais à superfície;
BB. Obra que seria executada totalmente a expensas suas.
*
Factos não Provados:
1. Os autores pretendem, nesse terreno, abrir um furo de água;
(…)
3. O descrito em F. fosse para que pudessem cultivá-la;
(…)
6. No descrito em H. o tubo passa precisamente pelo meio dos dois prédios urbanos e o terreno de cultivo dos autores;
(…)
8. A continuidade do tubo no local torna o prédio não funcional;
(…)
10. Os autores passaram várias noites sem dormir;
11. O descrito em X. com vista a poder cultiva-lo;
12. Em Z. desmotivada de tudo;
(…)
*


III – Do Direito


1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Rejeição da impugnação da matéria de facto.
- Alteração da matéria de facto.
- Aprofundamento do tubo a expensas da R. ou pagamento da quantia necessária à execução dos trabalhos de recolocação e reorientação do tubo.
- Não indemnização por danos morais.

2. Os AA na sua contra-alegação defendem que a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada, por não virem indicadas as passagens das gravação em que se funda aquela, nem sequer ter procedido à transcrição das passagens que exigiam decisão diversa da proferida, limitando-se a transcrever palavras sem as contextualizar (cfr. VI) da sua conclusão de recurso).
Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.
Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:
i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
ii) Que o recorrente especifique o sentido concreto e correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;
iii) Que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;
iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;
v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.
Compulsadas as alegações de recurso da R., designadamente o seu corpo, constata-se que a mesma indicou a passagem exacta da gravação em que as declarações de parte e depoimentos testemunhais, a que recorre para impugnar a matéria de facto, foram proferidas.
Por outro lado a lei não exige transcrição, total ou parcial, dos excertos relevantes de tais declarações ou depoimentos, pois esta é facultativa, como decorre, com clareza, do texto legal.
Assim, esta questão prévia levantada pelos recorridos vai indeferida.
3.1. A R. impugna os factos provados B, H e I, dizendo que o tribunal apreciou de forma incorrecta a prova produzida, e ao mesmo tempo que a decisão padece de vício de omissão de fundamentação (cfr. suas conclusões de recurso 1- e 10-).
Este raciocínio é ilógico. Se há falta de fundamentação do tribunal a quo relativamente à decisão da matéria de facto logo não pode haver incorrecta apreciação da prova produzida. Até as consequências são diferentes: naquele caso, importaria eventualmente determinar a fundamentação respectiva, como comanda o art. 662º, nº 2, d), do NCPC; na segunda hipótese, face a eventual incorrecção na apreciação da prova haveria lugar a alteração da matéria de facto, a coberto do mesmo artigo, seu nº 1.
No entanto, visto o corpo das suas alegações de recurso, verifica-se que a apelante equaciona apenas aquele primeiro caso, defendendo que os mesmos não podem ser dados por provados, fundamentando a sua impugnação nas declarações de parte do chamado A (…), no depoimento das testemunhas (…), e no relatório pericial.
Esta impugnação não pode proceder por duas razões.
Em primeiro lugar, porque os factos B, até “…fruto” e H, correspondentes aos arts. 2º e 12º, respectivamente, da p.i., foram aceites expressamente pela R. na sua contestação (cfr. o respectivo art. 15º, e não foram impugnados pelos chamados no seu articulado), pelo que se consideram confessados e assentes, nos termos dos arts. 352º, 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 1, e 358º, nº 1, do CC, e art. 574º, nº1 e 2, 1ª parte, do NCPC.
Em segundo lugar, porque os referidos factos B, H e I acabam por neles conter duas partes diversas, duas realidades substantivas, não podendo o impugnante dizer simplesmente que os factos não podem ser dados por provados, antes se impondo que tome posição concreta sobre qual a decisão de facto a proferir, como resulta do acima mencionado art. 640º, nº 1, c). Portanto, na nossa situação concreta, atento esse duplo acervo fáctico, a apelante teria que manifestar qual a resposta a dar, designadamente se os factos deviam ser dados por não provados por inteiro, ou se apenas provados parcialmente, o que não fez em lado algum. Ou seja, não especificou quais as respostas que no seu entender se impunha fossem dadas. Nem se cogitando como possível ou admissível que seja o tribunal ad quem a fazê-lo, porque se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que a parte, além de indicar os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento, tenha de indicar qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do apelante, se impõe seja dado a tais impugnados pontos de facto.
No caso, vê-se que o recorrente não refere qual o sentido da decisão a proferir relativamente a cada um desses pontos de facto, isto é, se deviam ser considerados totalmente não provados, ou provados parcialmente ou com limitações (restritivas ou explicativas), e neste caso quais. Em suma, devia ter especificado ou indicado quais os factos que em concreto considera não provados totalmente e/ou provados parcialmente ou restritivamente ou explicativamente, explicitando-o claramente.
Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente nas aludidas b) e c) do nº 1 do art. 640º do NCPC não se satisfaz, por exemplo, com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, ou que houve uma errada valoração da matéria de facto, ou que esta está incorrectamente julgada, ou que não vislumbra em que provas produzidas se baseou o tribunal a quo para dar como provados tais factos. Antes se exigindo ao impugnante que afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objectiva questão para apreciar, sendo que só sobre estas (a não se lhe impor qualquer situação excepcional de conhecimento oficioso, que não é o caso), se poderá pronunciar.
Aliás, a não se entender assim, haver-se-ia de concluir, por absurdo, que estava cometido ao tribunal de recurso averiguar as diversas soluções possíveis (ao nível da decisão da matéria de facto), e depois responder, fosse tal resposta favorável, menos favorável, ou prejudicial ao recorrente, impedindo-se, desta forma, que o mesmo pudesse concluir pela existência de uma das situações possíveis (vide Ac. da Rel. Porto, de 16.5.2005, Proc.0550879, em www.dgsi.pt), Inclusive esta interpretação que já decorria pacificamente da interpretação do art. 685º-B, nº 1, b), do CPC, é hoje ponto assente, por expressamente ter sido previsto no mencionado art. 640º, nº 1, c).
Em resumo e conclusão, pelas apontadas e explicitadas razões é de rejeitar a impugnação da matéria de facto apresentada pelo apelante, relativamente aos apontados factos provados.
3.2. A R. impugna também os factos provados U, V, W e X, dizendo que o tribunal apreciou de forma incorrecta a prova produzida, e ao mesmo tempo que a decisão padece de vício de omissão de fundamentação, e que tais factos são conclusões (cfr. suas conclusões de recurso 1-, 10- a 12-).
Quanto ao ilógico do raciocínio já o salientámos no ponto anterior. Também, aqui, visto o corpo das suas alegações de recurso, se verifica que a apelante equaciona apenas aquela primeira situação, defendendo que os mesmos não podem ser dados por provados. Fundamentando a sua impugnação na inexistência de prova testemunhal produzida nesse sentido e serem meras conclusões.
Mais uma vez, esta impugnação não pode proceder por três razões.
Em primeiro lugar, consta-se que na sua fundamentação o julgador de facto motivou as suas respostas de provado a tais factos com base no conjunto das declarações de parte dos AA e dos depoimentos das testemunhas (…) e regras da experiência (cfr. a respectiva motivação a fls. 170 dos autos). Logo há prova produzida nesse sentido. Assim, a apelante não pode sintética e simplisticamente dizer que inexiste qualquer prova produzida nesse sentido. Devia, para esse efeito, especificar quais os concretos meios probatórios, contantes do processo ou de registo da gravação realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos que impugnou, e por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa. O que de todo não fez. Como tal tendo a impugnação de ser rejeitada, a coberto do citado art. 640º, nº 1, b).
Em segundo lugar, pela atrás explicitada razão de não especificação das respostas concretas a dar.
Em terceiro lugar, porque correspondem a realidades materiais da vida, perceptíveis aos sentidos, e como tal a factos e não a meras conclusões – trata-se de estados psíquicos interiores imanentes ao ser humano e reveláveis e apreensíveis externamente por terceiros.
3.3. A R. impugna também os factos provados M, N, O, P e Q, dizendo confusa e inconsequentemente que são conclusões e não factos, que inexiste prova testemunhal e não passam de meras opiniões !? (cfr. corpo das alegações, sob B., b), e suas conclusões de recurso 2-, 11- e 12-).
Também aqui, improcede a impugnação.
Na verdade, tal acervo resultou da alegação dos AA constante dos arts. 23º da p.i. e 23º-A a D do articulado de aperfeiçoamento, sem que a A. tenha levantado alguma objecção dessa natureza, sendo que tal acervo foi posteriormente objecto de prova pericial (na qual se fundou o julgador para comprovar tais factos, como resulta da motivação a fls. 170) correspondendo o mesmo a realidades materiais da vida, palpáveis e perceptíveis aos sentidos, e como tal a factos e não a meras conclusões – trata-se de factualidade que indica como reposicionar o tubo.
Como assim, estamos perante factos e não conclusões ou simples opiniões e existe prova pericial para tanto. A impugnação é, pois, completamente inconsequente.
3.4. A R. igualmente impugna a decisão da matéria de facto por omissão de pronúncia relativamente a factos alegados pelos chamados nos arts. 7º a 14º do articulado que apresentaram, pelo que devem, ser dados como provados os factos que especifica (sob 4. a 6.), face às declarações de parte do chamado e depoimentos das testemunhas referidas (…) (cfr. corpo das alegações, sob C., e suas conclusões de recurso 3- e 13-).
Também aqui, improcede a impugnação.
Quanto aos factos que especifica/sugere sob 5. e 6., os mesmos não constam de nenhum dos ditos arts. 7º a 14º do articulado dos chamados. A consideração de tais factos agora, importaria violação do princípio do dispositivo, previsto no art. 5º, nº 1, do NCPC, o que não pode ser atendido.
É claro que não pode esquecer-se o que determina o nº 2 de tal normativo. Ora, considerando-se porventura que a recorrente podia objectar que tais factos são concretizadores ou complementares de outros alegados pelos chamados ou por ela, factos esses que resultaram da instrução da causa e que as partes conheceram, pelo que podem ser considerados nos termos do mesmo artigo, seu nº 2, b), dir-se-á o seguinte. Mesmo que pudessem ser vistos como factos concretizadores e que resultaram da instrução da causa, a verdade é que nem o juiz avisou as partes que estava disponível para o considerar factualmente nem as partes, designadamente a R., requereram que tal acontecesse (veja-se as duas actas de julgamento onde, sobre este aspecto, nada é dito pelo sr. Juíz ou pelas partes). E só neste circunstancialismo se poderia equacionar a aplicação de tal preceito, como defendemos e decidiu este colectivo recentemente no Acórdão proferido em 9.1.2018, no Proc.825/15.2TBLRA, consultável em www.dgsi. pt.
Respeitante ao facto sugerido/especificado sob 4., o mesmo é irrelevante, para dirimir o litígio, pois o que interessa é a altura da profundidade actual, o momento actual de Março de 2015, após a compra do prédio pelos AA à R. no antecedente mês de Fevereiro, e não a altura da profundidade em que ele foi enterrado, alegadamente em Abril de 2001, após o acordo nesse sentido entre a R. e o chamado A (…). Sendo inútil saber qual a profundidade a que o tubo se encontrava à data do seu enterramento, para a solução do caso concreto e do recurso, igualmente queda inútil a consideração de tal facto e a sua inerente comprovação. Na verdade, a impugnação da matéria de facto não é uma pura actividade gratuita ou diletante. Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, ou que desconsiderou, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado, ou se desconsiderou, continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada ou a tomar em recurso.
Não procede, por isso, a impugnação da decisão de facto nesta parte.
3.5. Por fim, invoca a A./apelante contradição entre os factos não provados 1, 3, 6, 8, e 10 a 12, e a decisão (cfr. conclusões de recurso 4- a 6-, 14- a 17-). Mas não tem razão.
A lei processual prevê a contradição sobre pontos determinados da matéria de facto, que geram a anulação da decisão da matéria de facto, ou a sua superação pela Relação, nos termos do art. 662º, nº 1, c), do NCPC. Mas não é esta situação que a A. invoca, sim a contradição com o decidido.
A lei também prevê que a sentença é nula se houver oposição/contradição entre os seus fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC). Ensina L. Freitas, em A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 333), que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e a tira, então não há nulidade da sentença. Mas se em vez de tirar essa determinada consequência jurídica, decide noutro sentido, oposto ou divergente, ainda que juridicamente correcto, a oposição é causa de nulidade da sentença. E mesmo quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento de direito mas não, também, perante uma nulidade da sentença. Todavia a A. não arguiu nenhuma nulidade da sentença, pelo que a contradição que vem arguir é inócua, pois que nem invoca contradição entre factos, nem nulidade da sentença.
Não procede, pois, o recurso nesta parte.
3.6. Cabe, ainda, acrescentar um facto relevante para a discussão da causa. Os AA tinham alegado na p.i. que a R. sabia de antemão da existência do dito tubo, pois tinha acordado como A (…) a sua colocação (matéria que está provada sob K. e L.), mas não informou os AA/compradores, conforme consta do art. 19º da p.i. A R. na sua contestação não impugnou este facto e até o admite no seu art. 35º ao dizer que terá sido um mero esquecimento. Os chamados também não impugnaram tal facto, como decorre da leitura da sua contestação. Como tal, o indicado facto deve ter-se por provado (citado art. 574º, nº 1, e 2, 1ª parte, do NCPC, e arts. 607º, nº 4, 2ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC e 662º, nº 1, do mesmo código).
Acrescenta-se, pois, a negrito tal facto ao já provado, sob L.
4. Na sentença recorrida exarou-se que:
“Das normas que regulam o contrato de compra e venda, destacam-se as normas da venda de bens onerados (Secção V), já que não está, de todo, em causa, a venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, nem venda de bens alheios, nem tão pouco venda de coisas defeituosas (estas que pressupõem um defeito na coisa vendida em si mesmo e não em circunstâncias que as onerem ou viciem a vontade de um dos declarantes). Está igualmente excluída a venda a contento e venda sujeita a prova, assim como a venda a retro, a venda a prestações e a venda sobre documentos.
A venda de bens onerados refere-se a vícios de direito que incidam sobre o direito transmitido e não à existência de vícios da coisa – tal como adiantado.
O artigo 905.º pretende obrigar o vendedor a entregar a coisa livre de direitos que contra ela possam ser feitos valer por terceiros, já que é a si que cabe dar a conhecer os ónus ou limitações que excedam os limites normais do direito.
Entendemos, salvo melhor, opinião, que a passagem do tubo de esgoto, vindo da casa do chamado, é uma imposição ao prédio dos autores, que se enquadra nos ónus ou limitações, previstos nesta secção.
Mais se dirá que a passagem do dito tubo foi acordada entre a ré e o chamado há mais de 20 anos, não tendo os autores tido intervenção no acordo. Acresce que, presentemente, o posicionamento do tubo interfere com a utilização do prédio, sem que os autores tivessem sido avisados da sua existência.
Nestes casos, o contrato é anulável por erro ou dolo, nos termos gerais – artigos 905.º, 251.º, 247.º e 254.º. Havendo anulação do contrato, o comprador tem igualmente direito à indemnização prevista nos artigos 908.º a 910.º.
Considerando que os autores não peticionaram a anulabilidade do negócio, nesta sede, nada há considerar.
Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir – artigo 911.º.
Os autores não peticionaram a redução do preço, motivo pelo qual se afasta este normativo.
(…)
Todavia, a pretensão dos autores não está isenta de tutela, pois que, quanto a nós, a ocultação do ónus existente, ….. conducente à obrigação de reparação dos consequentes danos causados.
Com efeito, estatui o artigo 227.º, n.º 1 que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”, …..
Verifica-se, de acordo com os factos provados ….., no contexto da venda de um bem onerado, por violação do dever de informação e esclarecimento, à qual terá de ser aplicado o regime da responsabilidade civil por incumprimento do contrato.
Estatui o artigo 798.º que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, sendo que estatui o artigo 799.º que “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” – n.º 1.
(…)
Assim sendo, imperioso é concluir que os autores não sabiam e não foram informados da existência do tubo de esgoto, nem da trajectória. A sua ocultação, por parte da ré, configura uma violação dos deveres de boa-fé, esclarecimento e informação, subjacentes ao contrato de compra e venda. Isto porque, mais do que o direito em saber sobre as circunstâncias físicas de um tubo a atravessar a sua propriedade, em profundidade variável, os autores têm o direito em ser avisados da existência de um ónus (por sua vez, a ré tinha essa obrigação).
Nada do que se vem expondo muda se o autor já remexeu terra ou se avisou que queria fazer um furo de água ou fazer um acesso à garagem, já que a obrigação de informar e esclarecer existe e é prévia a todas essas hipóteses e suposições. O autor tem todo o direito em retirar, se quiser, toda a terra. Repita-se, o que está em causa é um dever de boa conduta por parte de quem vende um bem onerado.
Aliás e na verdade, também não podem os autores, a seu bel-prazer, retirar um tubo de esgotos que existe há mais de 20 anos no subsolo do prédio que adquiriram no ano de 2015, sem darem uma alternativa ao prédio beneficiário. Qualquer alteração do trajecto do tubo ou sua remoção implica custos, que não podem ser os autores a suportar, considerando que configuram danos patrimoniais decorrentes da ocultação dessa factualidade.
Resulta da experiência que, qualquer cidadão numa situação semelhante, teria reservas na compra e venda do prédio até perceber se tal circunstância afectaria os interesses e projectos que tinham para o prédio.
Resulta da apreciação feita que os autores cumpriram com o ónus de alegação e de prova que lhes incumbia – artigo 342.º - recaindo sobre a ré a presunção de incumprimento, que a mesma não afastou, razão pela qual é civilmente responsável pelos danos daí decorrentes.
(…)
Os danos indemnizáveis são patrimoniais, como não patrimoniais, danos que não existiriam, não fosse a violação contratual da ré.
Os autores pedem a retirada do tubo, ou, o seu encaminhamento, ou, o pagamento do valor das obras necessárias.
A retirada do tubo de esgotos não pode ter lugar, já que os autores não alegaram factualidade que permita concluir pela possibilidade de escoamento de esgotos de outra forma ou por outro prédio. Acresce que o tubo de esgotos está ali colocado há mais de vinte anos, servindo o prédio dos chamados que assim podem invocar a existência de uma servidão.
Tendo os autores direito ao ressarcimento dos danos que não teriam não fosse a violação dos deveres laterias, julgamos, salvo melhor opinião, que o pedido que verdadeiramente se compatibiliza com tal interesse é o pagamento da indemnização da obra. Isto porque, condenar a ré na execução da obra significa reparar uma coisa ou repor no estado em que estava, não fosse a sua intervenção. Não é o caso.
Acresce que seguindo pela condenação no pagamento das obras necessárias, fica afastada a possibilidade de condenação na execução dessas obras – por incompatibilidade.
É devido o imposto de valor acrescentado, pois que os autores provaram que ao orçamento apresentado acresce aquele imposto.
Da apreciação de toda a prova produzida e da matéria de facto dada como provada, estabelece-se com segurança que os danos sofridos são consequência dos factos praticados pela ré.”.
Esta fundamentação jurídica merece, na generalidade, a nossa aceitação, mas importa melhorar e aprofundar alguns pontos, tendo em conta as objecções postas nas alegações de recurso da R. É o que passamos a fazer.
A partir do momento em que se comprovou a existência de uma servidão de águas, voluntariamente constituída, a favor dos chamados, é óbvio que os AA não podiam obter o desiderato de ver retirado o identificado tubo nem a R. podia ser condenada a proceder à retirada do mesmo, sob pena de na sua efectivação se violar esse direito de servidão dos chamados com consequente responsabilidade civil de ambos, AA e R. (salvo concordância/autorização dos chamados, titulares desse direito, que não se mostra existir).
Também nesse circunstancialismo não podiam os AA face à R. obter a subsequente pretensão de execução dos trabalhos de recolocação e reorientação do mencionado tubo (na forma indicada na p.i.), nem esta ser condenada nesses termos, pois isso importaria mudança de servidão, que os AA só podem obter no confronto com o proprietário do prédio dominante, os chamados, como resulta do art. 1568º, nº 1, do CC, sob pena, mais uma vez, de na sua realização haver violação do direito de servidão dos chamados e a inerente responsabilidade civil. Como esta condenação não foi decretada, inexiste qualquer violação do aludido normativo, ao contrário do que a A./apelante defende.
Seria de ressalvar, claro, concordância/autorização dos chamados, titulares desse direito, que estariam dispostos a isso (como decorre do art. 20º do seu articulado), desde que não fosse a expensas suas. Solução que não é possível, pois a R. não manifestou concordância nesse sentido, pois só está disponível para aprofundar o enterramento do tubo (conforme resulta dos factos provados AA. e BB. e das suas conclusões de recurso, sob 19- e parte final).
No entanto, os AA têm direito a mudar a servidão, sendo-lhes conveniente, como é, pois o tubo impede-os de fazerem uma entrada para acederem à garagem e de aplanarem e cultivarem o terreno (facto provado I.), no confronto com os chamados e a expensas suas, nos termos do aludido art. 1568º, nº 1.
Do exposto, torna-se, também, evidente, que não existe violação do princípio da reconstituição natural, previsto nos arts. 562º e 566º, nº 1, do CC, como a A./apelante, igualmente, afirma, já que, de uma parte, não se demonstrou que o titular da servidão, os chamados, tivessem acedido à solução do aprofundamento do tubo, e de outra parte, que a mesma solução não causava estorvo ou prejuízo aos AA.
Ora, aquelas expensas dos AA, hão-de advir da indemnização a receber da R., pois foi esta que causou aos AA um prejuízo, um dano emergente, correspondente à quantia de 4.680 €, necessária aos trabalhos de recondução do tubo.
Havendo, agora, que reafirmar o fundamento jurídico para tanto.
Como justamente foi salientado na decisão recorrida, os AA face à alegada e comprovada limitação do seu direito podiam, em tese, peticionar a anulabilidade do contrato, ou a redução do preço, desde que se verificassem os requisitos legais desta, designadamente a essencialidade do seu erro e a sua recognoscibilidade pela R./vendedora, nos termos das disposições legais aí citados. O que os AA não pediram, nem sequer tendo alegado as mencionadas essencialidade do seu erro e recognoscibilidade pela R.
Mas tal circunstância não os privava de, indo por outro caminho, alegar outra causa de pedir, o que vieram a fazer, e está comprovado - a ré sabia de antemão da existência do dito tubo, no fundo do direito de servidão que tinha voluntariamente contratado com os chamados, e não informou os AA da existência do mesmo. Essa falta de informação enquadrou-a juridicamente a decisão apelada na figura da culpa na formação dos contratos, prevista no acima transcrito art. 227º, nº 1, do CC. E com toda a pertinência.
Na verdade, a boa fé pressupõe, na fase pré-negocial, a observância de vários deveres, designadamente de informação, ou de esclarecimento ou de lealdade, tendo em vista os interesses legítimos da contraparte. A responsabilidade pré-contratual, com a amplitude que lhe dá o citado preceito, abrange justamente os danos provenientes da violação desses deveres.
Tudo isto com vista a defender os valores sociais da segurança e da facilidade do comércio jurídico e da satisfação, através de uma colaboração activa, no sentido da satisfação das expectativas alheias, que exige o conhecimento real da situação que constitui o objecto das negociações.
Não devendo haver lugar a dúvida se a responsabilidade pré-contratual se poderá falar, em casos, como o presente, em que o negócio se veio a concretizar, pois a resposta só pode ser positiva.
Efectivamente, se no início, a figura da responsabilidade pré-contratual foi concebida para os casos em que, mercê da conduta de um dos contraentes, o negócio veio a ser declarado nulo ou anulável ou de ruptura das negociações, o certo é que a mesma se alargou aos casos em que se estipulou um negócio válido e eficaz, surgindo, todavia, do processo formativo do contrato danos a reparar. Reporta-se às negociações em si, independentemente do futuro do contrato, não sendo a culpa in contrahendo um instituto subsidiário.
Assim, podemos padronizar as situações abrangidas por tal figura. A doutrina e, no seu seguimento a jurisprudência, tem elaborado o funcionamento e aplicabilidade do instituto da responsabilidade in contrahendo no seguinte quadro: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia - em que, por ex., o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, tomando-se por hipótese um dever pré-contratual de informar ser violado, por acção ou por omissão, quando uma das partes induz a outra em erro susceptível de ser invocado como fundamento de anulação do contrato.....Verificada alguma destas situações em que o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, a responsabilidade civil pré-contratual é compatível com qualquer uma das duas pretensões colocadas ao dispor do errante, enquanto titular do direito potestativo de anulação: ou cumular o pedido de indemnização com a anulação do contrato ou limitar-se à indemnização, mantendo o contrato em vigor (cfr. C. Ferreira de Almeida, Contratos – Conceito, Fontes, Formação, 5ª Ed., 2014, págs. 201/202); d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros (vide Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Edição, nota 1. ao apontado artigo, pág. 215, Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura de Negociações, Rev. Leg. e Jurisp., Ano 116º, pags. 101 e segs. e D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 248, Menezes Cordeiro, Tratado de D. Civil, Parte Geral, Vol. II, 4ª Ed., 2014, págs. 220/223 e 277, C. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 197/207, Ac. do STJ de 6.11.2012, Proc.4068/06.8TBCSC, e desta Rel. Coimbra de 21.12.2010, Proc.2634/09TJCBR e de 9.12.2014, Proc.37/09.4TBSRT, este último do mesmo actual colectivo), todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No nosso caso não se põem patentemente as 1ª, 2ª e 5ª hipóteses elencadas.
A 3ª também não se põe, pois como dissemos os AA não pediram a anulação da venda, nem alegaram o erro essencial e a recognoscibilidade do mesmo, com sublinhámos. Mas a 4ª hipótese sobrevive, pois os AA ficaram numa situação de contrato “indesejado”, com uma limitação do seu direito de propriedade sobre o prédio misto que compraram.
E neste caso de responsabilidade pré-contratual, por omissão culposa de informação, por parte da R., da indicada servidão, não se exige a recognoscibilidade da essencialidade do erro, nos termos em que os atrás apontados comandos legais exigem para que o erro seja fundamento de procedente pedido de anulação, pois que o dever de informação/esclarecimento existe desde que haja ou possa haver, com a diligência exigível, conhecimento do erro. Isto é, desde que seja perceptível para uma das partes, usando de comum diligência, que a outra formou a sua vontade contratual com base num pressuposto erróneo, independentemente da falada essencialidade ou recognoscibilidade, tem essa parte o dever de alertar o errante, informando ou esclarecendo a situação. Daqui que a responsabilidade fundada neste ilícito pré-contratual não se restrinja às hipóteses em que o negócio venha a ser anulado com fundamento em erro essencial ou incidental (vide neste sentido A. Prata, Notas Sobre A Responsabilidade Pré-Contratual, 1991, págs. 99/100 e C. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 203/204).
Nesta hipótese, em que os lesados AA decidiram não optar por pedir a anulação do contrato, optando pela indemnização por responsabilidade pré-contratual, verifica-se que sofreram prejuízo por haver desequilíbrio entre as prestações deles e da R., pelo que a indemnização deve consistir, pelo menos, em repor tal equilíbrio, através da redução da sua prestação (é, aliás, esta a fórmula directamente consagrada pelo art. 911º, nº 1, do CC, para o erro incidental do comprador na compra de bens onerados), sob pena de ficar excluída a possibilidade prática de o lesado optar pela subsistência do contrato. Resultado este que corresponde basicamente ao critério do interesse contratual positivo, igualmente aplicável aos contratos originariamente válidos, em que ainda faria menos sentido recuperar a situação anterior ao contrato (vide C. Ferreira de Almeida, ob. cit., ibidem, pág. 214).
No nosso caso, a indemnização arbitrada corresponder, pois, à manutenção do contrato, para acudir a um dano emergente, o gasto que terá de suportar com a anteriormente indicada mudança de servidão.
Não procede, por isso, o recurso da R. nesta parte.
5. Sobre os danos morais arbitrados na sentença recorrida, escreveu-se que:
“Os danos não patrimoniais são indemnizáveis, desde que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil -, cabendo ao Tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor dessa tutela e fixar a indemnização com base em critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil).
Neste caso concreto, entendemos que os danos verificados têm dignidade para serem compensados.
Não sendo este tipo de sentimentos quantificáveis, nem quantificáveis de igual modo para cada indivíduo, a verdade é que resulta da experiência comum que a descoberta de um tubo que impede a colocação da calçada e outros usos do terreno é susceptível de causa nervosismo e tristeza.
Na determinação do quantitativo da indemnização a arbitrar, o Tribunal ponderou, de acordo com a equidade, a gravidade dos danos sofridos e demais consequências dadas como provadas, julgando-se adequada, proporcionada e equitativa a quantia global de € 2.400,00 – sendo mil e duzentos euros para cada um dos autores.”.
A A./recorrente, como se vê das suas conclusões de recurso, concentrou-se na impugnação da matéria de facto, acabando por questionar apenas de modo conclusivo, e segundo uma realidade factual a final de contas não comprovada, a eleição, interpretação e aplicação das normas do CC, levadas a cabo pela sentença recorrida.
Ora, uma vez que a matéria de facto permaneceu inalterada nada há a censurar ao discurso jurídico apresentado pelo tribunal a quo, pois mostra-se acertado e correcto, de acordo com a melhor aplicação dos textos legais.
Não procede, pois, o recurso da A. nesta parte.
6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) Se a recorrente impugna factos provados dizendo que o tribunal apreciou de forma incorrecta a prova produzida, e ao mesmo tempo que a decisão padece de vício de omissão de fundamentação incorre num raciocínio ilógico, pois havendo falta de fundamentação do tribunal a quo relativamente à decisão da matéria de facto não poderá haver incorrecta apreciação da prova produzida; até as consequências são diferentes, pois naquele caso, importaria eventualmente determinar a fundamentação respectiva (art. 662º, nº 2, d), do NCPC) e na segunda hipótese, face a eventual incorrecção na apreciação da prova haveria lugar a alteração da matéria de facto (mesmo artigo, seu nº 1);
ii) Quando se impugna a matéria de facto, deve afirmar-se e especificar-se as respostas que, na óptica do recorrente, devem ser dadas em concreto aos respectivos pontos de facto que tal recorrente pretende ver alterados; a omissão desse ónus de especificação imposto pelo art. 640º, nº 1, c), do NCPC, implica a rejeição do recurso em matéria de facto;
iii) Se o recorrente não especificar quais os concretos meios probatórios, contantes do processo ou de registo da gravação realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos que impugnou, e por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa, a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada, nos termos do referido art. 640º, nº 1, b);
iv) O sofrimento moral e psíquico do ser humano e o modo de reposicionamento de um tubo subterrâneo são factos e não meras conclusões de facto ou simples opiniões;
v) Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem, porventura, a natureza de concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório;
vi) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;
vii) Não deve confundir-se uma nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC), com eventual vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre pontos desta matéria ou erro de julgamento da mesma, ou erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou interpretação desta;
viii) Os casos padrão da culpa in contrahendo correspondem ao seguinte: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros;
ix) Integra a responsabilidade civil por culpa in contrahendo, a situação em que nas negociações para a venda de uma propriedade, em que a mesma está sujeita a um direito de servidão de passagem de águas subterrâneas, a vendedora R. não informou deste facto, que dela era conhecido, os AA compradores, devendo a R. indemnizar os AA de todos os prejuízos que a sua conduta lhes provocou.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela R./apelante.
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Coimbra, 24.4.2018

Moreira do Carmo (Relator )

Fonte Ramos
Maria João Areias