Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1161/12.1TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INVENTÁRIO
LITISPENDÊNCIA
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 499.º, DO CPC (QUE CORRESPONDE AO ACTUAL ARTIGO 582.º)
Sumário: 1. A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar. Considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente.

2. Em processo de inventário, a excepção de litispendência deve ser conhecida e decidida no processo em que os herdeiros requeridos foram citados posteriormente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


A... veio instaurar, através de requerimento entrado em juízo em 30 de Maio de 2012, os presentes autos de processo especial de inventário por óbito de B... .
Mediante requerimento apresentado a fls. 93 e seguintes, a interessada C... e marido D..., já todos identificados nos autos, vieram deduzir oposição ao referido inventário, invocando, para além do mais, a excepção de litispendência, por aquela ter requerido a instauração de processo de inventário por óbito da mesma B..., através de requerimento apresentado em 31/07/2012, tendo o processo sido distribuído ao 3º Juizo do Tribunal Judicial de Pombal com o n.º 1619/12.2TBPBL.
Mais alega que naqueles autos o cabeça-de-casal A... foi citado em Setembro de 2012, o seu marido D... e o alegado donatário E... foram citados em 16/01/2013 e a interessada F... foi citada em 22/01/2013. Por seu turno, nestes autos, a própria e o seu marido foram citados somente em 31/01/2013, desconhecendo se a interessada F... já foi citada.
Assim sendo, conclui, encontrando-se pendentes dois processos com igual causa de pedir, pedido e partes, encontra-se verificada a invocada excepção de litispendência, devendo a mesma ser declarada nestes autos, por neles terem sido citados posteriormente os interessados.
Depois de para tal notificado, o requerente, no que toca à questão da invocada excepção de litispendência, veio pugnar pelo respectivo indeferimento, porque, no seu entender, a mesma verifica-se não nestes autos mas sim nos intentados pela interessada C..., com o fundamento em que no processo de inventário não há autores nem réus – mas apenas interessados em exercer direitos indisponíveis – pelo que o que releva para estes efeitos é a data da distribuição do processo.
Atento a que os presentes autos foram distribuídos no dia 30 de Maio de 2012 e os intentados pela referida C... só o foram em 31 de Julho de 2012, é nestes últimos que deve ser julgada procedente a invocada excepção de litispendência.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, esta, através de despacho proferido em 16 de Abril (cf. fl.s 169 a 171, julgou verificada a excepção de litispendência, nos presentes autos e, em consequência, absolveu da instância os respectivos interessados, ficando as custas a cargo do requerente.
E fê-lo, com base nos fundamentos que se passam a transcrever:
“Decorre das disposições conjugadas dos artigos 493º, nºs 1 e 2, 494º, i), 495º, 497º, nºs 1 e 2, do C.P.C., que o tribunal deve conhecer, até oficiosamente, da excepção dilatória da litispendência, a qual pressupõe a repetição de uma causa, a fim de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Por sua vez, decorre do nº1 do artigo 498º do C.P.C. que “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, resultando dos seus nºs 2, 3 e 4, que “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.
Ora, analisados os presentes autos e os do processo n.º 1619/12.2TBPBL, do 3º Juízo deste Tribunal, dos termos do qual temos conhecimento funcional, verifica-se que existe identidade de sujeitos, pois os interessados são os mesmos, há identidade de pedidos, uma vez que se pretende o mesmo efeito jurídico, e há identidade na causa de pedir.
Conclui-se, assim, que se encontram perfectibilizados todos os pressupostos da litispendência, excepção esta de conhecimento oficioso, tendo, aliás, sido invocada nos autos.
Ademais, compulsados os autos do processo n.º 1619/12.2TBPBL, do 3º Juízo deste Tribunal, verificamos que naqueles os interessados foram citados nas seguintes datas:
- O interessado A...em Setembro de 2012;
- O interessado E... em 16/01/2013;
- A interessada F... em 22/01/2013.
Por seu turno, nos presentes autos, as citações ocorreram nas seguintes datas:
- Da interessada C... em 31/01/2013;
- Do interessado E... em 31/01/2013;
- Da interessada F... em 31/01/2013.
De acordo com o disposto no artigo 499º, n.º 1 do C.P.C., “A listispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar. Considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente.”.
Tal como se defende no Ac. RL de 21-03-2001, processo n.º0011612, acessível em www.dgsi.pt, “Para efeito de aferir de qual das acções foi proposta em segundo lugar, para dedução da excepção de litispendência, nos termos do artigo 499º nº 1 do Código Processo Civil, em processo de inventário, tem que se saber a data da citação dos herdeiros requeridos.”.
Considerando que os herdeiros requeridos foram citados posteriormente na presente acção, a excepção da litispendência deve ser conhecida nos presentes autos.
Assim sendo, face a todo o exposto, e atento o disposto nos artigos invocados, declaro verificada a excepção da litispendência e, em consequência, absolvo os interessados da presente instância.
Custas pelo requerente.”.

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso, o requerente A..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 310), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
1. O inventário-divisório tem como objectivo final a partilha de uma massa de bens pelos respectivos titulares, pelo que, não é um processo propriedade ou instrumento de exercício exclusivo de qualquer um dos interessados nele.
2. A exacta função do requerente do inventário, não é nem mais nem menos, tão-só a de manifestar o seu direito á partilha e a de chamar os restantes co-interessados ao processo para com ele colaborarem na realização desse fim.
3. Para partilha de uma massa de bens comuns, deve considerar-se que a acção se considera proposta, para efeitos de litispendência, com a prestação de declarações do cabeça de casal.
4. Devendo presumir-se a citação dos interessados identificados no prazo de 5 dias após a prestação de declarações de cabeça de casal.
5. No processo de inventário verifica-se a excepção de litispendência no processo em que as declarações de cabeça de casal forem prestadas em segundo lugar.
6. A não fazer o entendimento propugnado pelo cabeça de casal nos números antecedentes, o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 267º, 499º, 1326º e 1340º do Código de Processo Civil e 323º, nº 2 do Código Civil.
Termos em que, Deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e consequentemente ser revogado o despacho recorrido, com o que será feita JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é de saber se a invocada excepção de litispendência deve ser verificada nos presentes autos ou nos que correm termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal sob o n.º 1619/12.

Os factos a ter em conta para a decisão desta questão são os que constam do relatório que antecede.

Se a excepção de litispendência deve ser verificada nos presentes autos ou nos que correm termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal sob o n.º 1619/12.
Considera o ora recorrente que, em termos gerais, a propositura de uma acção só produz efeitos perante o réu com a sua citação, mas em função da especial natureza do processo de inventário, não lhe pode ser aplicado o disposto no artigo 499.º, n.º 1, do CPC, devendo, ao invés, para efeitos da dedução da excepção de litispendência, considerar que a acção se considera proposta com a prestação de declarações do cabeça de casal, devendo presumir-se a citação dos interessados indicados, no prazo de 5 dias, nos termos do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
Como já referido, na decisão recorrida, por aplicação do disposto no artigo 499.º, n.º 1, do CPC, deu-se relevância às datas em que ocorreram as citações dos interessados, nos dois processos em causa e porque as mesmas ocorreram em primeiro lugar nos autos que correm termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, julgou-se verificada (procedente) a invocada excepção de litispendência, nos presentes autos.

Não constitui dissídio entre as partes que existem dois processos de inventário, com os mesmos sujeitos e visando a partilha dos bens que constituem a mesma herança, apenas residindo a questão em determinar em qual dos dois referidos autos, deve ser conhecida e decidida a excepção de litispendência (em função do que nos dispensamos de analisar os requisitos desta excepção, os quais, assim, não fazem parte do objecto do presente recurso).
De acordo com o que, então, regia o artigo 499.º, do CPC (que corresponde ao actual artigo 582.º):
“1 – A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar. Considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente.
2- Se em ambas as acções a citação tiver sido feita no mesmo dia, a ordem das acções é determinada pela ordem de entrada das respectivas petições iniciais.”.
Este preceito era aplicável ao processo de inventário, atenta a natureza de processo especial que detinha, tal como decorre do que estipulava o artigo 463.º, n.º 1, do CPC.
A regra contida no referido artigo 499.º, é a consequência lógica do que se achava estatuído no artigo 267.º, n.º 2, do mesmo Código (actual 259.º, n.º 2), de acordo com o qual, a proposição da acção só produz efeitos em relação ao réu, a partir do momento em que este é citado, salvo disposição legal em contrário (que no caso não vislumbramos).
Como refere Lebre de Freitas, in CPC, Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, pág. 326, considera-se a citação do réu como o facto determinante da precedência da acção para efeito da litispendência, em termos que esta releva relativamente à acção para a qual o réu for citado em segundo lugar, ainda que esta tenha sido proposta anteriormente.
Ou seja, relevante é a precedência da acção em que o réu foi citado em primeiro lugar e não a data da propositura das acções em apreço.
Assim, carece de qualquer relevo, para a questão de que ora nos ocupamos, a circunstância de os presentes autos terem dado entrada em juízo em data anterior aos que a interessada C... instaurou.
Como resulta da factualidade que ora interessa, foi nos autos por esta instaurados que as citações ocorreram em primeiro lugar, pelo que, nos termos do artigo 499,º, n.º 1, do CPC, a litispendência devia, como o foi, ser deduzida nos presentes autos.
E nem a tal obsta, segundo cremos, o facto de se tratar de um processo de inventário, que reveste a natureza de processo especial, dado o disposto no artigo 463.º, n.º 1, do CPC, a que acima já aludimos.
Não obstante assim ser, nos termos do disposto nos artigos 267.º e 268.º, ambos do CPC, só se verifica a estabilidade da instância dos autos de inventário depois de citados todos os interessados no mesmo, não podendo conceder-se tais efeitos às declarações do cabeça de casal, as quais, nos termos expressos na respectiva tramitação processual, podem ser (como aqui o foram) alvo das mais variadas impugnações e reclamações (as quais, aliás, só são potenciadas com a citação dos interessados respectivos).
Assim, não vislumbramos razões para alterar a decisão recorrida, o que acarreta a improcedência do presente recurso.

Nestes termos se decide:
Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 10 de Dezembro de 2013.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves