Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/20.7GACDR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
TESTE DE ALCOOLEMIA
DECLARAÇÕES DE AGENTE DA AUTORIDADE
PROVA PROIBIDA
Data do Acordão: 01/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CASTRO DAIRE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 18.º E 32.º, N.ºS 1 E 8 DA CRP; ART. 292.º DO CP; ARTS. 152.º E 153.º DO CE; LEI N.º 18/2007, DE 17 DE MAIO; ARTS. 355.º, 356.º, N.º 7, E 127.º, DO CPP.
Sumário: I – Qualquer condutor é obrigado a submeter-se à deteção de álcool no sangue através dos meios legais previstos (teste de expiração de ar, análise ao sangue ou exame médico em estabelecimento oficial de saúde para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool), independentemente da sua vontade ou consentimento, sendo certo que esta deteção é sempre obrigatória em caso de acidente de viação.
II – Conforme jurisprudência constitucional reiterada, a realização do teste de alcoolemia pelo arguido através de expiração de ar não é prova proibida, podendo ser judicialmente valorada.

III – A questão de conversas mais ou menos informais, que os agentes de autoridade têm inevitavelmente com futuros arguidos, testemunhas ou outros, tem sido objeto de apreciação jurisprudencial no sentido de também não constituírem prova proibida.

Decisão Texto Integral:            


I

1. Nos autos supra identificados, foi o arguido DD (…)

Julgado e condenado pela prática em 06.01.2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão suspensa na execução pelo período de dois anos e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, previsto pelo artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, pelo período de 10 (dez) meses.

2. Não se conformando com esta decisão, dela recorre o arguido que formula as seguintes conclusões:

            I. Dispõe o artigo 292º n.º 1 do CP que «quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.».

               II. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio: «1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo. 2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue. 3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.»

               III. Dizendo de outro modo, a tipificação do crime, em causa nos autos dependerá sempre de dois exames feito ao arguido, no momento em que lhe é imputado o ato de conduzir uma viatura automóvel.

               IV. Testes esses que dependerão duma presunção sobre a sua concordância em realizá-los ou, no limite, de uma apreciação levada a cabo pela força policial fiscalizadora.

               V. Ora, salvo o devido o respeito, na tipificação de tal crime, voluntariamente, o legislador afasta-se das garantias que a CRP consagra no artigo 32º da CRP.

               VI. Por um lado, a realização dos testes de alcoolemia são, na realidade, uma abusiva intromissão na vida privada, só possível, se a coberto de um mandato judicial prévio e/ou com o consentimento do arguido.

               VII. Na maioria dos casos (e assim ocorreu no caso em apreço) tal mandato judicial prévio não existe.

               VIII. E o consentimento do arguido (que em regra e no caso se presume pela assinatura de um auto de ocorrência e/ou de consentimento) dificilmente se poderá considerar válido. Por um lado, se o arguido não estiver sob influencia do álcool, prestará um consentimento válido e esclarecido, mas não irá ver qualquer conduta punida.

               IX. Por outro lado, se o condutor estiver sob influencia de álcool, compreensivelmente e face aos efeitos típicos de tal substância – desde logo a alteração de capacidade de raciocínio – não estará em condições de prestar um consentimento esclarecido e informado.

               X. O que no limite viola o princípio da não incriminação do arguido garantido no artigo 32º n.º 1 da CRP, impondo ao arguido que, contra a sua vontade, informada e esclarecida, pratique um acto que levará a ser punido criminalmente.

               XI. O disposto no artigo 292º n.º 1 do CP, articulado com o artigo 1º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, viola, assim o disposto nos números 1 e 8 do artigo 32º CRP, quando interpretado no sentido de que o individuo que, presumivelmente conduzindo uma viatura, é obrigado a consentir, mesmo que esteja em condições de alteração da sua capacidade de raciocínio por consumo prévio de álcool, na realização dos testes de alcoolemia prescritos legalmente, contribuindo assim para a sua autoincriminação e subsequente punição criminal.

              

               Por outro lado

               XII. O tribunal a quo forma a sua convicção, para dar como provados os factos 1 a 7 da douta sentença em crise, com base no depoimento da testemunha SRP e nos documentos de fls. 1 a 12 e 36 dos autos.

               XIII. Conforme reconhece o digno tribunal a quo a testemunha reproduziu um conjunto de «supostas» declarações do aqui arguido, prestadas informalmente e não documentadas.

               XIV. A terem existido, teriam sido levadas a cabo antes de ele ter sido constituído arguido, pelo que não gozava ainda das garantias constitucionais e legais que ao arguido assistem.

               XV. Admitir a valoração de tais declarações tal seria abrir caminho a algo que a lei processual expressamente proíbe (de acordo com o disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do CPP): o depoimento por quem tomou as declarações (documentadas e cuja leitura não é permitida) de um arguido, sobre o seu conteúdo.

               XVI. Se a lei processual penal proíbe o mais (o depoimento sobre declarações documentadas e cuja leitura não é permitida), cumprindo assim o disposto no artigo 32º n.º 1 da CRP, não se vislumbram razões válidas que sustentem a admissibilidade do menos (de declarações não documentadas e informais).

               XVII. Além disso, sempre dirá que o próprio exame da prova crucial da prática do crime (o talão de fls. 4) se torna praticamente impossível.

               XVIII. Tal documento é absolutamente ilegível e o seu alegado valor apenas consta do auto de denuncia. Sendo certo que, nos termos legais, será esse talão acompanhado da certificação do aparelho medidor (e não outro suporte documental) que deverá permitir ao tribunal formar a sua convicção.

               XIX. Pelo que o doutro tribunal a quo violou o disposto nos artigos supra citados na valoração das provas supra indicadas, devendo as mesmas ser globalmente rejeitadas, declarando-se os factos como não provados.

               Nos termos e fundamentos em que se requer a Vossas Excelências que se dignem julgar procedente, por provado, o presente recurso e, consequentemente:

               a) Declarar inconstitucional o disposto no artigo 292º n.º 1 do CP, articulado com o artigo 1º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, viola, assim o disposto nos números 1 e 8 do artigo 32º da CRP, quando interpretado no sentido de que o individuo que, presumivelmente conduzindo uma viatura, é obrigado a consentir, mesmo que esteja em condições de alteração da sua capacidade de raciocínio por consumo prévio de álcool, na realização dos testes de alcoolemia prescritos legalmente, contribuindo assim para a sua autoincriminação e subsequente punição criminal.

               b) Declarar que doutro tribunal a quo violou o disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do CPP, bem como 127º do mesmo diploma legal na valoração das declarações da testemunha SRP e do talão ilegível de fls. 4, devendo as mesmas ser globalmente rejeitadas, declarando-se os factos que a elas aludem, como não provados, absolvendo-se o arguido do crime que lhe foi imputado.

(…)
             

            5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.


II

1. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 06 de Janeiro de 2020, pelas 23:07 horas, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (…), na Avenida Maria Alcina Fadista, 3600-199, Castro Daire.

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,356 g/I, correspondente a TAS de 2,48 g/I registada, deduzido o valor erro máximo admissível.

3. O arguido bem sabia que, antes de iniciar a sua condução, havia previamente ingerido bebidas alcoólicas.

4. E apesar de ciente de que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, uma taxa de álcool no sangue igualou superior ao limite permitido por lei e que esse estado lhe diminuía significativamente as suas capacidades de reflexo e de controlo do veículo, o arguido decidiu conduzir na via pública o seu veículo automóvel.

5. Não obstante saber que não podia conduzir veículos com a referida taxa de álcool no sangue, o arguido não se coibiu de actuar da forma descrita.

6. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo as características do veículo que conduzia, bem como a natureza pública da via onde circulava e, não obstante saber que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, decidiu-se e quis conduzir nas condições descritas.

7. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

Mais se provou:

(…)


III

Questões suscitadas e a apreciar:

1. O princípio da não auto incriminação do arguido e consequente violação do artigo 32º, nºs 1 e 8 da CRP face tipo de crime do artigo 292º n.º 1 do CP articulado com o artigo 1º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.

2. A violação do princípio da legalidade da prova obtida através da valoração das declarações da testemunha SRP por violação do disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do CPP bem como 127º do mesmo diploma legal na impossibilidade de leitura do talão de fls. 4, por ilegível.


IV

Cumpre decidir:

1ª Questão: o princípio da não auto incriminação do arguido e consequente violação do artigo 32º, nºs 1 e 8 da CRP face tipo de crime do artigo 292º n.º 1 do CP articulado com o artigo 1º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.

1. Em síntese, diz o recorrente:

- A realização dos testes de alcoolemia são uma abusiva intromissão na vida privada, só possível se a coberto de um mandado judicial prévio e/ou com o consentimento do arguido.

- Ao ser compelido a realizar os testes de alcoolemia (qualitativo e quantitativo) sem qualquer mandado judicial, dificilmente se poderá considerar válido pois que, por um lado, se o arguido não estiver sob influencia do álcool, prestará um consentimento válido e esclarecido, mas não irá ver qualquer conduta punida.

- Se o condutor estiver sob influencia de álcool, não estará em condições de prestar um consentimento esclarecido e informado.

Finalmente, se recusar a realização do teste, cometerá um crime de desobediência.

2. Efetivamente o artigo 292º n.º 1 do CP (que o arguido transcreve), tipifica como crime a condução de veículo com ou sem motor em via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

Do mesmo modo que o Código da Estrada qualifica como contraordenação grave a condução sob influência de álcool quando a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/ - artigo 145º, nº 1, alínea l); e como contraordenação muito grave a condução sob influência de álcool quando a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l - artigo 146º, nº 1, alínea j).

O procedimento normal para a deteção e quantificação da taxa de álcool no sangue é feita nos termos da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio (REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS), que define e preceitua o seguinte:

Artigo 1.º

Detecção e quantificação da taxa de álcool

1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

Artigo 2.º

Método de fiscalização

1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.

(…)

Artigo 4.º

Impossibilidade de realização do teste no ar expirado

1 - Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste, é realizada análise de sangue.

(…)

Ou seja, realizado o teste qualitativo (artigo 1º, nº1), caso se indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste a realizar em analisador quantitativo, devendo o agente da entidade fiscalizadora acompanhar o examinando ao local em que o teste possa ser efetuado – artigo 2º, nºs 1 e 2.

E na situação do nº 1 do citado artigo 4º do Regulamento de Fiscalização de Condução sob a Influência de Álcool, não sendo possível a realização do teste mediante a expiração de ar é realizada análise de sangue.

Por sua vez, dispõe o artigo 153.º do Código da Estrada:

Fiscalização da condução sob influência de álcool

1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:

(…)

c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e

(…)

3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;

b) Análise de sangue.

(…)

5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.

(…)

8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.

Finalmente, dispõe o artigo 152.º Código da Estrada:

Princípios gerais

1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:

a) Os condutores;

(…)

3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.

3. Nem do factualismo provado e respetiva motivação da sentença nem do teor do recurso do arguido resulta qualquer recusa do mesmo na realização do teste por expiração de ar para apurar a TAS.

Pelo que a questão colocada pelo recorrente deve ser analisada apenas na perspetiva da legalidade da prova obtida através da realização do teste pelo aparelho na medida em que o recorrente afirma que a realização deste teste significa uma abusiva intromissão na vida privada, só possível, se a coberto de um mandado judicial prévio e/ou com o consentimento do arguido.

Uma vez que não existiu recusa expressa ou qualquer manifestação de vontade em não realizar o teste/exame, poder-se-ia afirmar que nesta conduta do arguido está subjacente um consentimento tácito para a sua realização.

E não se diga, como o faz o recorrente, que qualquer consentimento prévio deste para a realização do teste, vindo o arguido a acusar TAS como aquela que acusou, que sempre existiria uma alteração de capacidade de raciocínio – não estaria em condições de prestar um consentimento esclarecido e informado.

Não se pronunciando o legislador sobre esta concreta questão suscitada pelo recorrente da capacidade para consentir ou não consentir na realização do teste por viciação de raciocínio em consequência da ingestão das bebidas alcoólicas, deve aferir-se a situação sobre essa capacidade de consentimento segundo as regras gerais de eventual imputabilidade ou inimputabilidade do arguido no momento do ato em que é fiscalizado.

É que efetivamente pode acontecer que perante a quantidade de álcool ingerida, o condutor arguido se apresente praticamente numa eventual situação de inimputabilidade ou imputabilidade acentuadamente diminuída, estando não só incapaz de percecionar o verdadeiro sentido de realização do teste (aqui incluindo qualquer não oposição à sua realização), como até de ser capaz de proceder, fisicamente, à realização do mesmo.

Manifestamente, não foi o caso. O recorrente suscita a questão não por se encontrar no momento incapaz de percecionar o significado da realização do teste (pelo menos não o alegou e conseguiu realizá-lo), mas apenas como princípio de que o seu consentimento não deve ser juridicamente relevante, tanto mais que acusou uma TAS considerada como crime.

Acontece que, com todo o respeito pela posição do recorrente, não lhe assiste razão nesta sua alegação.

A lei é clara e perentória em atribuir ao agente da autoridade poderes para, no exercício de funções, submeter qualquer condutor à realização do teste de expiração de ar para deteção de álcool no sangue – v. os citados artigos 152º e 153º, nº1, do Código da Estrada.     Se o respetivo condutor se recusar a efetuá-lo, comete o crime de desobediência. Se porventura estiver ou ficar impossibilitado de o fazer, (teste de expiração de ar), será realizada análise de sangue. Esta situação tanto pode abranger aquela em que o condutor é interveniente em acidente de viação, seguindo-se todo o formalismo previsto no artigo 156º do C.E., como qualquer outra que impossibilite a realização do teste de ar expirado, nomeadamente se porventura o arguido ficar em coma alcoólico.

Segundo a argumentação do recorrente, sempre que algum condutor tivesse ingerido bebidas alcoólicas e fosse previsível que acusasse uma TAS superior a 1,20g/l, considerada como crime, jamais poderia realizar o teste de modo a que o seu resultado pudesse ser relevante como prova e, consequentemente, o pudesse prejudicar porque integrante da prática do crime de condução em estado de embriaguez: o consentimento do arguido/condutor seria ineficaz porque viciado por falta de capacidade para conscientemente consentir na realização do teste; e o sr. agente da autoridade com certeza que não está munido de mandados em “branco” para submeter aleatoriamente os condutores à fiscalização de deteção de álcool no sangue. Interpretação diferente será, em nosso entender, contrária não só ao que está expressamente legislado nesta matéria como a todas as regras da lógica, do bom senso e da compreensão do normal cidadão e em particular do condutor.     

Queremos com isto dizer que, efetivamente, qualquer condutor[1] é obrigado a submeter-se à deteção de álcool no sangue através dos meios legais previstos (teste de expiração de ar, análise ao sangue ou exame médico em estabelecimento oficial de saúde para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool), independentemente da sua vontade ou consentimento, sendo certo que esta deteção é sempre obrigatória em caso de acidente de viação – artigo 156º do Código da Estrada.

4. Quanto ao concreto alegado abuso de intromissão na vida privada do condutor com a sua sujeição à realização do teste ou exame para deteção de álcool, olvida o recorrente que, nessa qualidade de condutor, também existem deveres (e não só direitos).

Desde logo, a expiração de ar para o aparelho para a realização do teste não tem natureza invasiva da integridade física nem moral do condutor, não se mostrando assim prejudicado qualquer direito do mesmo ao abrigo do artigo 25º, nº 1 da CRP/76[2].

Por sua vez, o fim ou objetivo que se pretende assegurar com a realização do teste de alcoolemia – obstar à condução de veículos sob o efeito de álcool criando perigo eminente para a saúde e vida de terceiros - não legitima o condutor de resistir à ordem do agente para a realização do teste ao abrigo do artigo 21º da CRP/76, com o seguinte teor: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.  Pelo que a obrigatoriedade da realização do teste de alcoolemia e/ou a análise ao sangue para os mesmos efeitos cabe no âmbito da restrição dos direitos prevista no artigo 18º, nº 2, do mesmo diploma (CRP).

           

            Tem sido este o entendimento do Tribunal Constitucional que já em várias decisões se pronunciou sobre a legalidade desta exigência legal (da realização do teste de alcoolemia bem como da análise ao sangue para os mesmos efeitos), inexistindo, pois, qualquer inconstitucionalidade na obrigatoriedade da realização do respetivo teste (que é o que está de momento em causa).

            Assim, decidiu-se no ac. do TC nº 397/2014, onde se faz referência a outra jurisprudência anterior do mesmo Tribunal sobre esta questão (e no mesmo sentido):

“ 6.2. Novamente, o Tribunal foi já chamado a apreciar a conformidade constitucional do regime que preside à realização de exame para fiscalização de condução sob o efeito de álcool e da incriminação da conduta[3] que obste à sua execução perante tais parâmetros (a par de outros, como o respeito pelo princípio Nemo tenetur se ipsum accusare e a reserva da vida privada). Em todas as pronúncias, o Tribunal afastou que seja colidente com a Constituição a imposição da realização de exames intrusivos no âmbito da fiscalização e deteção da influência na condução de veículos do consumo de álcool, como aparentemente considera o Tribunal a quo.

Assim, diz-se no Acórdão n.º 628/2006, na senda de decisões anteriores:

«5. A questão da obrigatoriedade da sujeição ao teste de alcoolemia já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, no Acórdão nº 319/95 (www.tribunalconstitucional.pt) o Tribunal Constitucional, apreciando a conformidade à Constituição da norma do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de abril, que determinava a competência do agente da autoridade para a realização do teste, considerou o seguinte:

A submissão do condutor ao teste de deteção de álcool (e, assim, a norma do artigo 6º, nº 1, que a permite) também não viola o dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, nem o seu direito ao bom nome e à reputação, nem o direito que ele tem à reserva da intimidade da vida privada.

Desde logo, tais direitos não proíbem a atividade indagatória do Estado, seja ela judicial, seja policial. O que o princípio do Estado de Direito impõe é que o processo (maxime, o processo criminal) se reja 'por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade' (cf. acórdão nº 128/92, publicado no Diário da República, II série, de 24 de julho de 1992).

Ora, o exame para pesquisa de álcool, com o recorte que, nos seus traços essenciais, dele se deixou feito, destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob a influência do álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as dos outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal. Ao que acresce que o quadro legal que rege a matéria, na parte em que permite que os agentes de autoridade policial submetam, por sua iniciativa, os condutores ao teste de deteção de álcool, é de molde a garantir que a atividade policial, essencialmente preventiva, se desenvolva 'com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos' (cf. artigo 272º da Constituição).

Concretamente no que concerne ao dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, não é a submissão deste a exame para deteção de álcool que pode violá-lo. O que atentaria contra essa dignidade seria o facto de se sujeitar o condutor a exame de pesquisa de álcool, fazendo-se no local alarde público do resultado, no caso de ele ser positivo.

Relativamente ao direito ao bom nome e à reputação, é quem conduzir sob a influência do álcool, e não a sua submissão ao teste para a pesquisa de álcool, que estará a denegrir o seu bom nome e a abalar a sua boa fama, pois que - como se sublinhou no já citado acórdão nº 128/92 - um tal direito só é violado por atos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática da ações ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar públicas desnecessariamente (isto é, sem motivo legítimo) faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos.

              

O direito à reserva da intimidade da vida privada - que é o direito de cada um a ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respetivo titular (cf., sobre isto, o citado acórdão nº 128/92) - acaba, naturalmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub iudicio não viola o artigo 26º, nº 1, da Constituição, que o consagra.

De facto, não se trata, com o teste de pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a eventual violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física), que uma condução sob a influência do álcool pode causar - o que, há de convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor.

Quanto ao direito à imagem, que, nas conclusões da alegação, o recorrente tem por violado, assinala-se que o seu objeto é o retrato físico da pessoa, em pintura, fotografia, desenho, slide, ou outra qualquer forma de representação gráfica, e não a imagem que os outros fazem de cada um de nós. Ele não consiste, por isso, num direito de cada pessoa a ser representada publicamente de acordo com aquilo que ela realmente é ou pensa ser. Consiste, antes, no direito de cada um a não ser fotografado, nem a ver o seu retrato exposto publicamente, sem o seu consentimento, e no direito, bem assim, a não ser 'apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida' (cf. J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 181. Cf. também o já citado acórdão nº 128/82 e o acórdão nº 6/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 2º, páginas 198 e seguintes).

Sendo este o conteúdo do direito à imagem, não pode ele ser violado pela norma aqui em apreciação.

Em consequência, o Tribunal Constitucional proferiu um juízo de não inconstitucionalidade.

O Tribunal Constitucional reiterou esta jurisprudência no Acórdão nº 423/95.

Os fundamentos da jurisprudência referida são transponíveis, no essencial, para os presentes autos. Com efeito, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade da obrigação de sujeição ao teste de alcoolemia, invocando a violação da integridade física e moral das pessoas, constitucionalmente tutelada pelo nº 1 do artigo 25º da Constituição. Ora, o Tribunal Constitucional, na jurisprudência referida, demonstra que a obrigatoriedade de realização de testes de alcoolemia não afeta de modo constitucionalmente inadmissível os interesses pessoais do sujeito examinado (entendimento que agora se acolhe).

Na verdade, está em causa a recolha de um meio de prova perecível no âmbito da prevenção e punição de comportamentos que põem em perigo a segurança rodoviária e os valores pessoais e patrimoniais inerentes.

Não procede o argumento do recorrente, segundo o qual bastaria então impedir o condutor de prosseguir com o veículo. Na verdade, tal solução não satisfaria a eficácia preventiva das medidas de combate à condução sob o efeito do álcool (para além de pôr em causa os valores inerentes ao dever de respeito pela autoridade). Os bens que a norma visa proteger assim como a perigosidade das condutas a prevenir justificam e legitimam a medida normativa em questão.

Por outro lado, o prejuízo do ponto de vista pessoal para o sujeito obrigado ao teste de alcoolemia não atinge o núcleo essencial indisponível de direitos fundamentais, não sendo desproporcionada a sua lesão em confronto com os bens que se pretende tutelar. Assim, afigura-se manifestamente despropositado e improcedente invocar, como faz o recorrente, uma “nova forma de tortura”.»

6.3. Mais recentemente, o Acórdão n.º 34/2012, teve em atenção, como nos presentes autos, tipo penal de desobediência, por recusa de submissão a teste alcoolemia - embora aí por pesquisa no ar expirado - nos termos conjugados dos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, 152.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, por violação do direito de resistência dos particulares, consagrado no artigo 21.º da Constituição.

Depois de sublinhar que, como no presente caso, o examinando “teve a liberdade de não se submeter a prova de deteção de álcool no sangue através de pesquisa no ar expirado, desobedecendo à ordem que lhe foi dada”, afirma-se a solvência constitucional da imposição de exame de deteção da presença de álcool no sangue, nos seguintes termos:

«4. Ao atribuir aos particulares o direito de resistência, o artigo 21.º, primeira parte, da CRP concretiza o princípio da aplicabilidade direta dos direitos, liberdades e garantias, reafirmando o seu caráter obrigatório para as entidades públicas (artigo 18.º, n.º 1, da CRP), e justifica a resistência dos cidadãos a ordens destas autoridades (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 19764, Almedina, p. 342 e Assunção Esteves, A Constitucionalização do Direito de Resistência, Lisboa, 1989, p. 219 e 225 e s.).

O preceito constitucional não concede, porém, um poder normal de controlo dos atos das autoridades públicas. Pelo contrário, «o direito de resistência é a ultima ratio do cidadão ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, por atos do poder público» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 512), sendo-lhe apontada a nota inescapável da subsidiariedade, por referência às normas constitucionais – artigos 20.º, 202.º, n.º 2, e 268.º, n.ºs 4 e 5, e da CRP – que fazem do acesso aos tribunais e à justiça administrativa, de uma forma particular, o meio de defesa por excelência (neste sentido, Jorge Miranda, “O regime dos direitos, liberdades e garantias”, Estudos sobre a Constituição, 3.º volume, Livraria Petrony, 1979, p. 87, Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 342 e 344 e ss., e Maria Margarida Mesquita, “Direito de resistência e ordem jurídica portuguesa”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (160), 1989, p. 32 e ss.). Como se trata de um meio não jurisdicional que só tem sentido como ultima ratio, Vieira de Andrade não deixa de concluir que o direito de resistência só justifica o comportamento de um particular que resista a «atos evidentemente inconstitucionais (nulos) das autoridades», devendo o particular fazer dele «uso prudente, quando esteja convencido, pela gravidade e evidência da ofensa, de que há violação do conteúdo essencial do seu direito fundamental, até porque o risco de erro corre por sua conta» (“A nulidade administrativa, essa desconhecida”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, N.º 3957, p. 346 e ss. e, especificamente, nota 55).

No que se refere, especificamente, à incriminação da desobediência a ordem de autoridade ou agente de autoridade, é irrecusável que o direito de resistência limita o dever de obediência, conformando consequentemente a relevância penal do comportamento do particular (sobre isto, Maria Margarida Mesquita, ob. cit., p. 35 e ss. e Assunção Esteves, ob. cit., p. 217 e ss.). Ponto é que tal ordem seja notória ou manifestamente ilegítima (assim, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, comentário ao artigo 347.º, § 15 e ss. Cf., ainda, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2010, anotação ao artigo 21.º, pontos VII e XI).

5. Em face do já dito, é de concluir que a norma que é objeto do presente recurso, enquanto incrimina o comportamento daquele que desobedece a ordem de autoridade ou de agente de autoridade de submissão a prova de deteção de álcool no sangue através de pesquisa no ar expirado, não viola o artigo 21.º, primeira parte, da CRP.

Estamos perante ordem de autoridade ou agente de autoridade legalmente prevista nos artigos 152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.º 1, do Código da Estrada, cuja conformidade constitucional já foi testada por este Tribunal (Acórdãos n.ºs 319/95, 423/95 e 628/2006, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. Cf., ainda, Relatório português na 8.ª Conferência Trilateral, Itália, Espanha, Portugal, Tutela da vida privada e processo penal. Realidades e perspetivas constitucionais, disponível no mesmo sítio, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., anotação ao artigo 25.º, ponto XIII).»”.

               4.1. Desta referência da jurisprudência constitucional é inequívoco concluir pela legalidade da realização do teste de alcoolemia pelo arguido através de expiração de ar, o que significa que a prova então obtida e que se traduz na quantidade de álcool no sangue com que o mesmo conduzia, não é prova proibida, podendo ser judicialmente valorada.

            2ª Questão: A violação do princípio da legalidade da prova obtida através da valoração das declarações da testemunha SRP por violação do disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do CPP bem como 127º do mesmo diploma legal na impossibilidade de leitura do talão de fls. 4, por ilegível.

            1. Quanto à violação do disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do Código de Processo Penal:

            Importa desde já dizer que o recorrente não impugnou dois factos essenciais:

            - Que conduzia o veículo no circunstancialismo descrito nos autos.

            - Que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que realizado o teste acusou uma TAS de 2,356g/l.

            Entende, outrossim, que o tribunal valorou o depoimento da testemunha S (...) , agente da GNR, para dar como provados os factos 1 a 7 da sentença. O que é, em seu entender, legalmente proibido ao abrigo das disposições legais citadas pois afirma nas conclusões:

            XIV. A terem existido, teriam sido levadas a cabo antes de ele ter sido constituído arguido, pelo que não gozava ainda das garantias constitucionais e legais que ao arguido assistem.

               XV. Admitir a valoração de tais declarações tal seria abrir caminho a algo que a lei processual expressamente proíbe (de acordo com o disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do CPP): o depoimento por quem tomou as declarações (documentadas e cuja leitura não é permitida) de um arguido, sobre o seu conteúdo.

               2. Vejamos, antes de mais, o que o tribunal recorrido fundamenta ao abrigo do depoimento desta testemunha no que releva para a apreciação da questão (sendo a fundamentação mais extensa):

“No que concerne à factualidade descrita em 1) a 8) o Tribunal considerou, desde logo, o depoimento prestado pela testemunha SRP, na qualidade de militar da GNR autuante, o qual de forma isenta, clara e objectiva que mereceu total credibilidade pelo Tribunal, no essencial, confirmou todo o circunstancialismo de tempo e lugar descrito e o modo como foi realizada a fiscalização ao arguido, dando conta que no dia dos factos se encontrava ao serviço de patrulha às ocorrência, tendo sido esta contactada por via telefónica da existência de um acidente de viação, o que, após - chegados ao local - veio a constatar tratar-se de uma avaria do veículo (o que foi corroborado pelo teor da informação prestada pela GNR de Castro Daire, de fls. 57) e esclarecendo quanto à identificação do arguido o fez por referência aos elemento de identificação apresentados, carta de condução e cartão de cidadão que foi o arguido posteriormente buscar para o preenchimento do expediente (afirmando, ademais, que o arguido sempre adoptou uma postura absolutamente colaborante, nunca tendo qualquer dos presentes afirmado não ser o arguido o condutor do veículo).

Por outro lado, declarou que, logo que contactados para se deslocar ao local - mercê de alegado acidente de viação - se dirigiu, de imediato, ao veículo em causa que se encontrava imobilizado, encontrando-se - além de um indivíduo (cuja identidade desconhece) aos saltos e a bater palmas no meio da via - o arguido sentado no lugar do condutor, o qual, voluntaria e espontaneamente, dirigindo-se a si lhe disse que "vinha a conduzir, o carro deu um estoiro e ficou parado".

(…)

Acresce que, o depoimento da testemunha S (...) foi, ainda, concatenado com o teor do auto de notícia e demais documentos juntos, de fls. 1 a 12, os quais se mostram devidamente assinados pelo ai identificado arguido, de acordo com a identificação apresentada (e, ademais, conforme com a demais prova documental junta aos autos, designadamente, identificação, filiação e propriedade do veículo), O talão de alcoolímetro e certificado de verificação (os quais não mereceram qualquer oposição dos sujeitos processuais, nomeadamente, por parte do arguido que não põe em causa a veracidade do seu conteúdo ou coincidência do mesmo, inclusivamente, do seu conteúdo), bem como com o teor da informação junta a fls. 57 - assim se julgando provado o descrito em 8).

No que concerne à taxa de alcoolemia, o Tribunal considerou o teor do talão de alcoolímetro, tendo em apreço o disposto pelo artigo 170º, nº 1 aI. b) do Código da Estrada, considerou o erro máximo admissível, razão pela qual, deu como provado, que o arguido conduzida com, pelo menos, a taxa de álcool no sangue de 2,356grfl, sendo o teste realizado pejo alcoolímetro identificado, cujo certificado de verificação pejo Instituto Português de Qualidade se mostra junto aos autos a fls. 36, do qual resulta, como última verificação realizada em 29.01.2019 e, porquanto, cuja validade até 31.12.2020 (cfr. artigos 5Q, 69 e 79 da Portaria n.9 1556/2007, de 10 de Dezembro, 29, n.9 7, 49 do Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, 1539 do Código da Estrada e 1259 do Código de Processo Penal).

3. Com todo o respeito pela posição do recorrente, não lhe assiste razão.

Segundo a fundamentação do tribunal recorrido, o que foi valorado foi o depoimento da testemunha SRP que na qualidade de agente da GNR e no exercício das suas funções declarou porque se deslocou ao local dos factos, o que aí viu, presenciou e fez. Ou seja, contactada a testemunha por via telefónica da ocorrência de um acidente, dirigiu-se ao local, tendo presenciado que afinal não se tratava de acidente, mas de mera avaria. Procedeu à identificação do arguido enquanto condutor do veículo em causa (por referência aos elementos de identificação apresentados, carta de condução e cartão de cidadão) e foi-lhe realizado o teste de deteção de álcool no sangue tendo acusado a TAS de 2,356g/l.

O único elemento dos autos que eventualmente poderia suscitar algum “ruído”, trata-se da declaração espontânea do arguido para a testemunha quando diz “"vinha a conduzir, o carro deu um estoiro e ficou parado".

Mas trata-se de uma afirmação normal, espontânea e natural do próprio arguido, que a testemunha simplesmente ouviu. Mas nos autos não se suscitou nem o recorrente o faz, a qualidade de condutor do arguido. Aliás, a testemunha afirma no seu depoimento que chegado ao local, o arguido estava “sentado no lugar do condutor, o qual, voluntaria e espontaneamente, dirigindo-se a si lhe disse que "vinha a conduzir, o carro deu um estoiro e ficou parado".

Toda a atuação do Senhor Agente da GNR é não só legal e está prevista nos procedimentos a realizar segundo o disposto no artigo 249º do Código de Processo Penal, como era mesmo obrigação sua, perante o contacto recebido da suspeita de acidente de viação, desloca4-se ao local e agir como agiu.

Enquanto exerce as suas funções, nomeadamente para identificação do arguido e o submeter à realização do teste de expiração de ar, são normais as conversas entre o agente e o arguido, sob pena de inexistir qualquer comunicação e não ser possível o exercício das funções. Mas também não está em causa, no presente caso, qualquer valoração de conversas informais, a não ser aquela declaração espontânea do arguido sobre a avaria do veículo. Aliás, o recorrente impugna a valoração do depoimento da testemunha sem concretizar que concretos depoimentos são ilegais e qual a sua relevância para o apuramento dos factos provados. Apenas impugna o depoimento de um modo genérico. E já se anotou que o agente pode e deve descrever o que viu, ouviu, presenciou e fez no exercício das suas funções, não constituindo este depoimento, nestes exatos termos, qualquer prova ilegal nem viola o disposto nos artigos 356º n.º 7 e 355º do Código de Processo Penal. Ademais, toda a prova, incluindo este depoimento, foi produzida em audiência e sujeita ao contraditório.

Esta questão de conversas mais ou menos informais, que os agentes têm inevitavelmente com futuros arguidos, testemunhas ou outros, tem sido objeto de apreciação jurisprudencial, como se refere na decisão recorrida, nas respostas do Ministério Público e já apreciada por nós nesta Relação.

Assim:

- Acórdão da Relação de Évora de 07.04.2015: “ a conversa mantida entre o arguido e os agentes policiais, no momento da fiscalização, não está abrangida pela proibição contida no artigo 356º, n9 7, do C. P. Penal, como não está sob a compressão dos limites ínsitos no artigo 129º do mesmo diploma legal, pois que se trata de interlocução espontânea, voluntária e consciente, por parte do arguido (fonte identificada), que os agentes se limitaram a ouvir no momento e a reproduzir, adrede, em audiência, aqui, ademais, na presença do mesmo arguido, que sempre a poderia contraditar”.

               - Acórdão da Relação de Lisboa de 22-06-2017:

            “I- Não existem conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o suspeito decide, por sua iniciativa, de forma voluntária e sem actuação criticável das forças policiais, fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC, estando estes a cumprir preceitos legais que lhes impõem uma actuação;

               II- As forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser constituídos arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, desde que não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição. E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova.

  

- Acórdão desta Relação de Coimbra de 18/06/2014 proferido no proc. nº 356/12.2SAGRD.C1 (relator Jorge Dias):

1.- Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações, cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer título, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas;

2.- Porém, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto;

3.- Assim, uma testemunha - agente da PSP - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo “futuro” arguido, não profere um depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da sua boca, de viva voz;

4.- E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art.º 127º CPP.

  - Acórdão do STJ de 12.12.2013, proc. n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1(relator Santos Cabral):

“(…) IV - O depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta.

V - As denominadas conversas informais com o arguido reconduzem-se: a) as afirmações percecionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exatas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) a afirmações proferidas por ocasião ou por causa de atos processuais de recolha de declarações; c) a conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de atos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em ações de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime.

VI - O agente de órgão de polícia criminal não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efetivamente não estão.

VII - Para além destas situações existe uma ampla probabilidade de realidades extra processuais em que a colaboração do arguido, por atos e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes, integrado num ato processual válido e relevante.

VIII - Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspetos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova.

IX - Constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu”.

               Este entendimento foi também já perfilhado pelo coletivo dos presentes autos, no ac. desta Relação de Coimbra de 21.02.2018, proc. nº 21/16.1EACBR.C1.

            Termos em que se concluiu que a valoração feita pelo tribunal recorrido do depoimento da testemunha SRP, na qualidade de militar da GNR, não constitui prova ilegal.

            (…)


V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do recorrente DD e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente coma taxa de Justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.


*

Baixados os autos à primeira instância e uma vez que se mantém a pena acessória de proibição de conduzir, notifique-se o arguido para que proceda à entrega, no prazo de 10 dias, da carta de condução de que é titular, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de ser determinada a sua apreensão (art.º 500º nº3 do CPP), com a advertência de que, não o fazendo, poderá incorrer no crime de desobediência (art.º 348º nº1 alínea b) do C. Penal - cfr. AUJ do STJ n.º 2/2013, DR n.º 5, I-S, de 08.01.2013); e poderá incorrer no crime de violação de proibições ou interdições caso infrinja a ordem de proibição de conduzir durante o período determinado (art.º 353º C. Penal);

Coimbra, 13.1.2021.

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários

              

Luís Teixeira (relator)

              

Vasques Osório (adjunto)


[1] Segundo o disposto no artigo 152.º, nº1, alíneas a) e b), do Código da Estrada, devem submeter-se ainda às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
.
[2] Com o seguinte teor:
“A integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
[3] Todos os sublinhados na transcrição são nossos.