Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
134/16.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: REQUISITOS DA SENTENÇA
ENUMERAÇÃO DOS FACTOS
NULIDADE
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL CRIMINAL DE CANTANHEDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 368.º, 374.º E 379.º DO CPP
Sumário: I – A sentença deve conter a enumeração dos factos provados e não provados.

II – Com a imposição da enumeração dos factos provados e não provados o legislador quis garantir que todos os factos, alegados pela acusação e pela defesa e os resultantes da discussão relevantes à decisão, são conhecidos e decididos, conhecimento e decisão garantidos, precisamente, pela obrigação de pronúncia expressa.

III - Quando a decisão da matéria de facto é tomada por remissão para a acusação e/ou pronúncia e/ou contestação, é entendimento dos tribunais superiores que este procedimento determina a nulidade da sentença.

IV – Quando o pedido de indemnização civil não se limita a reproduzir a acusação e a contestação apresentada pelo arguido não se limita à negação dos factos alegados pelo Ministério Público e pela demandante, tinha o tribunal que especificar e enumerar, também, os factos não provados.

Decisão Texto Integral:









Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

O arguido A... foi condenado na pena de 3 anos de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança, do art. 171º, nº 1, do Código Penal.

A execução da pena foi suspensa por igual período, com regime de prova e proibição de contactos com B....

O arguido foi, também, condenado a pagar a B... 6.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal, desde a notificação para contestar.

2.

O arguido recorreu e conclui:

- não foi cumprido ao nº 3 do art. 271º do C.P.P., que manda comunicar ao arguido o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possa estar presente, o que não sucedeu para a diligência de declarações para memória futura, conforme consta da acta do dia 13-07-2016, pelo que se verifica uma nulidade de prova (provas nulas ou proibidas - arts. 126º e 189º do C.P.P.), arguida para os devidos e legais efeitos;

- ao dar «como provados os factos “A determinado momento, não concretamente apurado, a menor, a sua bisavó e o arguido deitaram-se na cama para ver televisão, ficando a menor deitada entre eles. - Nessas circunstâncias o arguido tocou na vagina de B... apalpando-a por cima da roupa que a menor trazia vestida” o tribunal fez errada apreciação da prova produzida, porquanto a menor refere que foi no bibi, por cima da roupa», pelo que deveria ter-se entendido tratar-se da zona pélvica ou baixo ventre, porque nunca o arguido poderia tocar na vagina sobre a roupa;

- houve ausência de prova pois os depoimentos prestados pela menor B... , pela sua mãe, pela tia G... e pela avó materna, nos quais se baseou a sentença, incorreram em muitas contradições: a menor declarou que a avó estava na cama quando ele mexeu por cima da roupa e que contou ao pai no restaurante à frente dele e a mãe disse que quando a avó saiu da cama;

- a menor disse que o pai a foi buscar e foram para casa resulta que não foram para o restaurante almoçar e se aconteceu ao almoço então quando a mão e a tia disseram que tudo aconteceu por volta das 18h, quando estavam a ver televisão, resulta que mentiram;

- dos depoimentos resulta que a menor estava numa ponta da cama e da sentença consta que estava no meio;

- também há contradição entre os depoimentos da tia da menor, que disse que os factos aconteceram em final de Maio de 2016, durante a tarde, que a avó recebeu um telefonema, saiu, e foi quando tudo se passou e que quando soube e que quando soube falou com várias pessoas, enquanto a avó materna disse que a única coisa que fizeram foi telefonar para a C... ;

- a menor respondeu laconicamente às perguntas sobre os factos e respondeu ao que não lhe foi perguntado;

- a sentença retractou uma realidade que não se provou;

- perante tantas contradições e incertezas o juízo formado pelo tribunal recorrido violou o principio in dubio pro reo;

- o indeferimento do pedido para a operadora de telecomunicações informar dos telefonemas feitos no dia dos factos constitui omissão de pronúncia, gerador de nulidade;

- relativamente à parte civil, o tribunal não se pronunciou sobre questões que devia conhecer, uma de conhecimento oficioso, outras que foram colocadas pelos sujeitos processuais»;

- a sentença violou os art. 127º e 410º, nº 2, al. a), b) e c) e nº 3 do C.P.P.

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu defendendo, em síntese, que a lei não configura como nulidade a não audição da menor em julgamento e que a prova produzida foi devidamente analisada e valorada.

A assistente e a ofendida B... também responderam.

Sobre a nulidade derivada da não audição da menor disseram que nas declarações para memória futura a lei apenas obriga à presença do defensor e do Ministério Público, que a lei não sanciona com nulidade a falta do arguido à diligência, e que o pedido de audição da menor em julgamento foi indeferido porque ela já tinha sido ouvida.

A haver algum vício seria de mera irregularidade, a arguir nos termos do art. 123º do C.P.P. Mas mesmo que fosse nulidade, teria que ser arguida, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d), e 3, al. a), do C.P.P., pelo que há muito estaria sanada por falta de arguição. Para além disso, disseram que a decisão de indeferimento do pedido foi tomada em 4-7-2017 e o arguido não recorreu da mesma, no prazo legal.

Quanto às contradições invocadas disseram que elas, mesmo existindo, não abalaram a convicção formada quanto à certeza da prática, pelo arguido, dos factos imputados, que o tribunal fundamentou a decisão, não tendo o arguido apresentado nenhum motivo que levasse a duvidar da versão relatada pela menor e confirmada pelas testemunhas. Referiram, ainda, o relatório do INML, que disse que a menor não demonstrava tendência para mentir ou inventar.

Sobre o relato alegadamente confuso e incoerente da menor, disseram tratar-se do discurso normal de uma criança de 6/7 anos, que respondeu de forma envergonhada, tímida e com reduzida capacidade para entender do que se falava, quando confrontada, por estranhos e num lugar austero, sobre questões de teor sexual.

Quanto à indemnização, defenderam a sua manutenção porque se provou que os actos do arguido provocaram danos na menor. Mas no caso de se entender que a sentença padece de algum vício nesta sede, será o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a determinar o reenvio para novo julgamento adstrito a esta questão concreta.

O sr. P.G.A. emitiu parecer.

Começou por defender a inexistência de qualquer nulidade, quer porque o pedido de informação à operadora móvel foi feito, quer porque a presença do arguido na diligência de declarações para memória futura não é obrigatória.

Quanto aos vícios do art. 410º do C.P.P., disse que no recurso o arguido nada alegou quanto a eles e que apenas criticou a apreciação da prova feita pelo tribunal.

Quanto ao mais defendeu a manutenção da decisão por a prova ter sido devidamente avaliada, sendo que os critérios estão expostos na fundamentação, daí resultando claro o processo de formação da convicção.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

            4.

            Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.


*


FACTOS PROVADOS

5.

Foram julgados provados os seguintes factos:

« B... , filha de C... e de E... nasceu a 17.01.2009.

Esta reside com a sua mãe na Rua (...) , na cidade de (...) .

Passando a menor, de 15 em 15 dias, os fins de semana com o seu pai, assim como períodos de férias, como acordado no Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos sob o nº 5400/15.9T8CBR na 1ª secção de família a menores – J3 da Instância Central de Coimbra.

No período em que a menor estava com o seu pai visitava com frequência a sua bisavó D... , na sua residência sita na Rua (...) , concelho de (...) , onde por vezes permanecia na sua companhia e na companhia do arguido.

O arguido nasceu em 29.11.1938 e vive com D... , como se de marido e mulher se tratassem, a quem a menor tratava por “avô A... ”.

Em data e hora não concretamente apuradas, mas que se situam entre o mês de Fevereiro e Março de 2016, E... levou a sua filha, B... , a casa da sua bisavó D... , onde a menor permaneceu na companhia desta e do arguido.

A determinado momento, não concretamente apurado, a menor, a sua bisavó e o arguido deitaram-se na cama para ver televisão, ficando a menor deitada entre eles.

Nessas circunstâncias o arguido tocou na vagina de B... apalpando-a por cima da roupa que a menor trazia vestida.

Após o que a menor B... disse ao arguido “não me faças mais isso” pedindo-lhe para parar.

A bisavó da menor disse ao arguido que “se a menina vai contar ao pai, vais ver o que ele te faz”.

De seguida, a bisavó D... levantou-se da cama para preparar o leite para a menor B... , a seu pedido, tendo esta a acompanhado.

Momentos mais tarde o pai da menor telefonou, após o que compareceu no local e levou a menor B... para casa.

Noutra data e hora não concretamente apuradas, a menor contou o sucedido ao seu pai, na presença do arguido, quando se encontravam num restaurante.

Em meados de Março de 2016, em dia e hora que não se logrou apurar, a menor confidenciou ao ouvido da sua tia G... que o arguido a apalpou no “bibi”. Após essa data a menor não voltou a frequentar a casa do arguido.

No acordo de promoção e protecção celebrado a 09.06.2016 no âmbito do processo de promoção e protecção 5400/15.9T8CBR-B que corre termos na 1ª secção de Família e Menores – J3 da Instância Central de Coimbra, o pai da menor comprometeu-se a não permitir o contacto da menor com a bisavó paterna em casa desta e com o arguido, companheiro da bisavó, em qualquer local.

O arguido ao actuar da forma descrita agiu de forma livre, voluntaria e conscientemente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, usando para esse fim a menor B... , bem sabendo que a molestava nos seus sentimentos mais íntimos e que a impedia de dispor livremente do seu corpo e da sua sexualidade, o que representou.

O arguido não tem antecedentes criminais e é reformado.

Com a conduta do arguido a B... sentiu-se envergonhada, triste e com raiva daquilo que lhe aconteceu começando a ter comportamentos de agressividade, quando perguntada sobre o “avô A... ” responde “quero vê-lo preso” e recusa estar na presença deste.

Em consequência do sucedido a menor ficou abalada psicologicamente, estando a ser acompanhada por uma psicóloga na escola, fica por diversas vezes ansiosa e angustiada, e tornou-se uma criança reservada e introvertida».

6.

Sobre os factos julgados não provados o tribunal recorrido consignou estarem nesta situação «Todos os demais alegados na acusação, pedido civil e contestação, que se dão por integralmente reproduzidos, para além dos supra enunciados».

7.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«Para a formação da convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados e não provados, foi determinante a análise detalhada e o exame crítico do conjunto da prova produzida, designadamente, pericial, documental e testemunhal.

De salientar a prova documental: assento de nascimento de fls. 8 e 9, acta de regulação das responsabilidades parentais de fls. 10 a 12, relatório da Polícia Judiciária de fls. 134 a 140, CRC de fls. 158, Certidão de PPP 5400/15.9T8CBR-B que corre termos na 1ª Secção de Família e Menores – J3 da Instância Central de Coimbra e pericial – relatório de perícia médico-legal de fls. 144 a 149.

No que concerne à prova testemunhal refira-se: Declarações para memória futura prestadas por B... (transcrição de fls. 111 a 126 e CD junto a fls. 75) e depoimentos de C... , D... , E... , F... e G... .

O arguido optou pelo direito que legalmente lhe assiste, de não prestar declarações, não tendo pois o tribunal acesso à sua versão.

A menor B... (ouvida em declarações para memória futura) relatou os factos, num discurso tímido, com respostas curtas e cirúrgicas ao que lhe era perguntado, revelador, de evidente constrangimento e pudor.

Admitiu não gostar do avô A... por ele lhe ter feito “uma coisa feia” e instada disse que lhe apalpou o “bibi”, depois precisou que estavam na cama, o pai tinha ido jogar à malha e estavam a ver televisão. Mais disse que estava com a roupa vestida, estava a avó o avô deitados e ela no meio, foi por cima da roupa não se recordando se estava de calças ou saia, e ela disse para não fazer isso, para parar, mas ele não parou, depois mudaram de lugar na cama, passou para a ponta da cama, entretanto a avó levantou-se para buscar leite e ela foi com ela beber o leite. Depois, voltou para a cama mas ficou na ponta, avó dizia para ele parar e “se a menina contar ao pai vais ver o que ele te faz”. Ao relatar os factos a criança começou a roer as unhas e até foi interpelada pela Mma Juiz que presidiu à diligência, o que revela o seu desconforto atestando a sua credibilidade.

Mais disse a B... que depois contou ao pai e ele ficou de boca aberta, contou no restaurante a frente do arguido e ele não falou, também acrescentou relatos inusitados de o arguido ter atirado água quente para cima das costas da avó, de lhe ter apertado os seios e de lhe querer bater com um cinto.

C... , mãe da criança, relatou que está separada do pai, sendo que à data dos factos (Páscoa de 2016) o regime de visitas era fins semana alternadas e férias 15 dias em Julho e 15 em Agosto. Segundo esta a criança gostava do arguido chamava-lhe avô A... apesar de ser apenas o companheiro da avó.

Segundo disse, teve conhecimento dos factos no dia seguinte e falou com a filha no dia seguinte, existindo neste ponto (momento do conhecimento) algumas divergências com o relato da sua mãe e irmã, que todavia não se nos afiguram determinantes, nem sendo bastantes para abalar a credibilidade deste depoimento, que nos pareceu sincero e sentido.

Disse a testemunha que a sua filha tinha ido passar o fim de semana com o pai e quando regressou foi recebida em casa pela tia G... e avó materna. A testemunha/mãe teria sido a 3ª pessoa a saber, pois estava a trabalhar. A B... confidenciou primeiro à tia, no sofá, que tinha algo para lhe contar, e questionada disse que o avô A... a tinha apalpado e, instada, disse que foi no “bibi” por cima da roupa, que a avó paterna disse ao arguido para não fazer isso, porque a criança ia contar ao pai e ele zangar-se-ia, mas certo é que o pai não valorizou.

A testemunha referiu que a criança tem horror dele e diz que o quer ver preso, o que atesta a veracidade do sucedido atenta a circunstância da criança gostar tanto do arguido antes da ocorrência dos factos.

Acrescentou que a criança ficou abalada na escola e em casa, tornando-se uma menina fechada e, por fim, que o pai da criança disse que não acreditava e ficou contra a mãe quando esta o confrontou.

A tia e avó materna da criança, no essencial, corroboraram as declarações da mãe, inexistindo contradições significativas que mereçam ser enunciadas, atestando, quer a ocorrência dos factos descritos na acusação, quer os invocados no pedido civil formulado.

D... avó paterna da criança, começou o seu depoimento dizendo que era tudo mentira, mostrou-se sempre muito nervosa com as mãos a tremer, afiançou que a criança nunca dormiu lá a sesta e adiantou que teria sido a avó materna quem teria instruído a menina para mentir. Acrescentou ainda que a neta mentia e sabia mentir, o que colide com o relatório pericial junto aos autos e abala a credibilidade deste depoimento, para além da sua manifesta parcialidade e incoerências. Afiançou que o relacionamento entre todos era bom até à separação, sendo certo que não se vislumbra qualquer “móbil” para a alegada mentira (que, a existir, seria perversa).

E... , pai da menina, disse que, na sua óptica os factos descritos na acusação são uma mentira da mãe (mas não se conseguiu alcançar o móbil da aludida mentira) e descreveu o regime das visitas instituído, sem que se vislumbre sequer qualquer conflito a esse nível que justificasse tal mentira (que, reitera-se, seria hediondo). Mas o depoimento desta testemunha padeceu de tantas contradições e foi pejado de elementares faltas de lógica que não se ofereceu minimamente credível. Começou por dizer que a filha não lhe contou, depois corrigiu para “não assim”, o que lhe contou não foi “nada de especial” como eles (criança e “avô”) estavam sempre a brincar, a miúda deu uma estalada ao arguido. Omitiu, inicialmente o motivo, que a criança lhe disse que o “avô” lhe apalpou o rabo, mas depois acabou por dizer que a filha teria transmitido que o arguido lhe bateu no rabo. Instado acabou por dizer que já não se lembrava. Mas atestou que o que a filha lhe contou foi logo a seguir ao sucedido, não se percebendo pois como poderia ter sido instruída pela mãe.

Esta testemunha desvalorizou o sucedido e disse que era uma brincadeira que também fazia com a filha, mas contraditoriamente, disse que a filha fez bem em dar a estalada ao arguido, não se percebendo então porquê, nem se conseguindo vislumbrar a lógica deste discurso ambíguo, contraditório e sem lógica.

Mais disse que a filha nunca lá dormiu e que a avó não dorme a sesta, também atestou que não falou com a C... sobre o sucedido (ao contrário ao que disse a mãe) e que muitas vezes a mãe obrigava a filha a mentir, relativamente a onde estava, e o que estava a fazer. Mas, logo de seguida, depois disse que a filha não lhe mente, mais outra contradição inexplicável. Por fim sustentou ser sua convicção que foi a mãe que obrigou a filha a dizer isso e que inexistiu essa conversa que a B... refere, no restaurante.

Este depoimento foi altamente contraditório e sem qualquer isenção, totalmente comprometido e sem qualquer credibilidade, não se compreendendo como é que um Pai possa assumir uma posição destas.

Assim, não obstante algumas contradições atinentes a pormenores cuja importância é escassa, no essencial foram coincidentes os depoimentos da mãe, tia e avó materna da criança, não sendo porém de significativa relevância por o seu conhecimento ser indirecto, apenas sendo relevantes enquanto elementos credibilizadores do depoimento da criança, tornou-se perceptível que inexistia qualquer motivo que pudesse sustentar a criação artificiosa dos factos aqui descritos (não há móbil) sendo premente destacar as declarações para memória futura da criança.

In casu assume enorme relevância a prova pericial, mormente o relatório do INML que se dá por integralmente reproduzido e que conclui o seguinte: “do que nos foi possível analisar e avaliar, à luz dos indicadores de veracidade, e uma vez que B... não revelou propensão para confabular, não se mostrou demasiado imaginativa, não recorre a fantasias, nem se mostrou sugestionável, pensamos que não existem razões para colocar em causa a credibilidade do seu discurso”.

De enfatizar que os depoimentos quer do pai quer da avó paterna da criança não se revelaram isentos mas outrossim comprometidos e nada credíveis».


*

DECISÃO

Considerando o disposto no art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., as questões a decidir respeitam à verificação da nulidade de prova, por violação do nº 3 do art. 271º do C.P.P., à omissão de pronúncia, por não ter sido feito o pedido de informação das comunicações telefónicas à operadora, e à impugnação da decisão da matéria de facto.


*

O arguido começou por suscitar a nulidade de prova, alegando que ao não ter sido notificado da data da prestação do depoimento da menor para memória futura, nos termos do nº 3 do art. 271º do C.P.P., foi cometida uma nulidade de prova, dos art. 126º e 189º do C.P.P.

O nº 3 do art. 271º do C.P.P., que versa sobre as declarações para memória futura, diz que o dia, hora e local da prestação de depoimento são comunicados ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis para que possam estar presentes obrigando, porém, à presença do Ministério Público e do defensor na diligência.

O art. 126º respeita aos métodos proibidos de prova, sancionando com nulidade as provas obtidas com recurso à tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas, bem como as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, ressalvados os casos previstos na lei.

É evidente que o caso não se integra nesta previsão legal.

Mais evidente é a irrelevância, para o caso, da norma do art. 189º, que respeita à prova por intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, que não teve lugar no processo.

Quanto à nulidade derivada da não notificação do arguido para estar presente à prestação de declarações para memória futura por parte da menor, as declarações para memória futura prestadas pela menor B... tiveram lugar quando ainda não havia arguido constituído no processo, facto que impedia, naturalmente e por razões óbvias, a realização daquela notificação.

No entanto, para acautelar o princípio do contraditório e para cumprir a norma acima referida, o tribunal nomeou defensor aos arguidos que viessem a ser constituídos para comparecer na diligência.

Nos termos do nº 1 do art. 118º do C.P.P. «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei». E a lei não comina com nulidade a situação em análise.

Por via do nº 2 a haver algum vício seria de irregularidade, há muito sanada, atentas as regras de arguição.

Quanto ao requerimento do arguido, feito na contestação de fls. 272 a 280, para se solicitar à operadora (...) a indicação das chamadas efectuadas entre os números referidos no período indicado, o requerimento foi admitido pelo despacho de fls. 306 e, na sequência, aquela informação foi solicitada, conforme se vê da notificação de fls. 312.

São, portanto, manifestamente improcedentes as nulidades invocadas.


*

Antes de entrar na análise da impugnação da decisão da matéria de facto cumpre apreciar a regularidade da sentença recorrida.

Dispõe o art. 379º, nº 1, do C.P.P., dedicado às nulidades da sentença, que a sentença é nula, nomeadamente, quando não contiver as menções referidas no nº 2 do art. 374º.

E nos termos do nº 2 do art. 374º do C.P.P. a sentença deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, imposição também referida no nº 2 do art. 368º.

Com a imposição da enumeração dos factos provados e não provados o legislador quis garantir que todos os factos, alegados pela acusação e pela defesa e resultantes da discussão, relevantes à decisão são conhecidos e decididos, conhecimento e decisão garantidos, precisamente, pela obrigação de pronúncia expressa.

Quando isso não acontece, ou seja, quando a decisão da matéria de facto é tomada por remissão para a acusação e/ou pronúncia e/ou contestação é entendimento dos tribunais superiores que este procedimento determina a nulidade da sentença, precisamente por violação da referida norma.

É este, também, o nosso entendimento.

Citando o recente acórdão deste tribunal proferido em 27-9-2017, no processo 109/12.8TACNT.C1, a exigência legal imposta no nº 2 do art. 374º do C.P.P. só está cumprida «se a sentença, reportando-se à matéria constante da acusação ou da pronúncia, da contestação, do pedido cível e ainda à matéria factual, relevante, decorrente da discussão da causa, descrever os factos considerados provados e não provados», não cumprindo a lei e sendo, portanto, nula, a sentença que disser que «não se provaram todos os demais factos alegados na acusação, pedido civil e contestação, que se dão por integralmente reproduzidos».

Considerando que o pedido de indemnização civil não se limitou a reproduzir a acusação e que a contestação apresentada pelo arguido não se limitou à negação dos factos alegados pelo Ministério Público e pela demandante, tinha o tribunal que especificar e enumerar, também, os factos não provados.

Não o tendo feito resulta que a sentença proferida é nula.


*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, declara-se nula a sentença recorrida, ao abrigo do art. 379º, nº 1, al. a), do C.P.P.

Em consequência, deve ser proferida nova sentença que, sanando a nulidade apontada, enumere os factos relevantes julgados não provados, alegados na contestação e pedido de indemnização civil e resultantes da discussão da causa, pois resulta que os factos constantes da pronúncia foram julgados provados.

Sem custas.


              Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 21 de Fevereiro de 2018

Olga Maurício (relatora)

Luís Teixeira (adjunto)