Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
352/01.5TACBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: ÂMBITO DO RECURSO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 11/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 402º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O recurso restrito ao pedido de indemnização civil não pode, em nenhuma circunstância, afectar o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal e, concretamente, para efeitos de prescrição do procedimento criminal.
Decisão Texto Integral: I. Relatório

1. No processo nº 352/01.5TACBR da Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Juízo de Média Instância Criminal – Juiz 2, em que figura como arguido/demandado, entre outros, A..., melhor identificado nos autos, na sequência da Decisão Sumária, proferida em 14.10.2011 no âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos A... e B... para o Tribunal Constitucional reclamou aquele para a Conferência, reclamação, essa, que veio a ser indeferida pelo acórdão do TC de 15.12.2011, que confirmou a decisão [Sumária] de não conhecimento do objecto do recurso – [cf. fls. 8337/8343 e 8367/8378].

2. No seio da dita reclamação invocou o arguido/demandado A... a prescrição do procedimento criminal, tendo o Tribunal Constitucional, quanto a este específico ponto, consignado na decisão: “Pelo exposto, decide-se (…) b) Não apreciar a questão da prescrição do procedimento criminal, sem prejuízo do que deva ser decidio pelos tribunais da causa a este propósito, face ao requerido pelo recorrente a fls. 8958”.

3. Remetidos os autos à 1.ª instância, após cumprimento do contraditório, por despacho judicial de 19.04.2012, foi considerada extemporânea a invocada prescrição do procedimento criminal.



4. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido/demandado A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1º A douta sentença recorrida ao não decidir sobre a invocada prescrição de crimes feita pelo recorrente/arguido junto do TC, fundando-se na consideração que o trânsito em julgado da decisão no âmbito penal transitara com a prolação do douto acórdão da Relação de Coimbra, violou a lei e a CRP, incluindo, e salvo melhor opinião, uma clara omissão de pronúncia;
2º Não se verificou o trânsito em julgado da sentença na parte criminal após o douto acórdão da RC. Na verdade,
3º Os arguidos recorreram para o STJ e o TC, recursos que em ambos os casos foram admitidos, com efeito suspensivo, e não foram julgados manifestamente infundados, aspeto que abrangia o todo da sentença condenatória;
4º O recorrente, nos recursos para o STJ e o TC, sempre enunciou que existia uma conexão necessária entre a matéria cível e a matéria penal, em caso de procedência do recurso, haja em vista que foram alegadas ilegalidades e inconstitucionalidades, pelo que o trânsito em julgado da sentença somente teve lugar após a douta sentença do TC, e isto, apesar do enunciado no douto acórdão do STJ, que limitou o recurso à sua esfera cível;
5º Estão em causa princípios constitucionais fundamentais, como é o caso da segurança jurídica, da protecção da confiança, do direito ao recurso, da mínima restrição de direitos, liberdades e garantias e da dignidade humana dos condenados/arguidos, previstos nos artigos 1º, 2º, 18º, nº 2, nº 1 do 20º, 30º, nº 5 e nº 1 do 32º, todos da CRP, que foram violados pela douta decisão recorrida;
6º Importa atentar no disposto no nº 1 do artigo 402º do CPP, que foi violado pela douta sentença recorrida;
7º A invocada prescrição de crimes é de conhecimento oficioso, obrigatório, tendo havido omissão de pronúncia.


8º A jurisprudência do STJ tem admitido a figura do trânsito em julgado com cariz provisório e resolúvel, sendo admissível a aplicação dessa figura no caso dos autos;
9º O douto aresto do TC determinou que a invocada prescrição fosse objecto de apreciação pela instância judicial de 1ª instância, o que não se verificou;
10º Assim, impõe-se que não seja reconhecida, no caso concreto, exequibilidade à decisão condenatória já entretanto transitada, em relação à pena de prisão, enquanto se puder verificar a condição resolutiva do trânsito em julgado, pela eventual procedência da invocada prescrição;
11º A douta decisão recorrida, para além das violações de princípios e normas legais e constitucionais acima indicados, violou ainda o disposto nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 410º do CPP e primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, pelo que deve ser revogada, o que é de Justiça.

5. Na 1.ª instância respondeu ao recurso o Ministério Público, resposta donde se respiga as seguintes passagens:
“O douto Acórdão da Relação de Coimbra foi considerado irrecorrível na parte criminal (cfr. despacho de fls. 7708 proferido pelo Mmº Juiz Desembargador Relator do referido acórdão), tendo os recursos interpostos pelos arguidos, de tal acórdão, sido, apenas, admitidos no que concerne à vertente cível da causa (cfr. Decisão do Exmº Conselheiro Vice – Presidente do STJ de 08.03.2011).
Constata-se, assim, que os autos prosseguiram no S.T.J. para análise da questão cível, sendo certo que a parte criminal ficou estabelizada e definida com o decidido no referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010.
Não se verifica, pois, qualquer situação de prescrição do procedimento criminal porquanto, e tanto mais que, as concretas penas em que os arguidos foram condenados se encontram irredutivelmente consolidadas desde então.
A responsabilidade penal que ao arguido cabe cumprir encontra-se, há muito, definitivamente fixada, o que decorre, igualmente há muito, clara e expressamente dos autos, anunciando, assim, o presente recurso, o intuito de obstar à


execução da decisão condenatória e, subsequente, cumprimento da pena efectiva de prisão que lhe foi aplicada”.
Conclui, assim, no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente e mantido o despacho recorrido.

6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito e mantido o despacho recorrido, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 8434].

7. Na Relação, o Exmo. Procurador – Geral Adjunto pronunciou-se, conforme parecer de fls. 8448 a 8450, corroborando integralmente a resposta apresentada em 1.ª instância pelo Ministério Público «considerando não se encontrar prescrito o procedimento criminal pelos crimes pelos quais foi o recorrente condenado nestes autos, estando sim a decorrer o prazo para prescrição das penas», concluindo, em conformidade, pela improcedência do recurso.

8. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, reagiu o recorrente, o que fez mantendo, no essencial, a argumentação apresentada na petição recursiva no sentido de não ter ocorrido o trânsito em julgado da matéria penal, devendo, em consequência, ser dado «cumprimento ao ato decisório do TC que determinou análise/decisão pela 1ª instância da invocada prescrição do procedimento» - [cf. fls. 8459 a 8462].

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso




De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
No caso em apreço insurge-se o recorrente contra a circunstância de o tribunal recorrido, com o fundamento – na sua perspectiva erróneo – de já não estar em causa a prescrição do procedimento criminal, questão ultrapassada com o carácter definitivo do acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 29.09.2010 relativamente à parte criminal da causa, ter indeferido a «pretendida extinção do procedimento criminal no que diz respeito a qualquer dos crimes por que houve condenação nos presentes autos (mormente em relação aos mencionados pelo arguido/requerente)», defendendo, inclusive, verificar-se omissão de pronúncia.

Serão, pois, estes os aspectos a apreciar.


2. A decisão recorrida

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

“Aquando da Reclamação para a Conferência que dirigiu ao Tribunal Contitucional (reclamação essa constante de fls. 8354 a 8358) entre outras questões, suscitou o arguido A... a questão a prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de peculato p. e p. pelo artigo 375º nº 3 c) do Código Penal e quanto ao crime de burla p. e p. pelo artigo 217º nº 1 do Código Penal.
No âmbito do acórdão proferido na sequência de tal reclamação, quanto à questão da prescrição, o Tribunal Constitucional, a final, decidiu “Não apreciar a


questão da prescrição do procedimento criminal, sem prejuízo do que deva ser decidido pelos tribunais da causa a este propósito, face ao requerido pelo recorrente a fls. 8958” (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional de fls. 8367 a 8378).
Após baixa dos autos a esta primeira instância, e em cumprimento do contraditório, foram notificados a assistente e o Ministério Público para se pronunciarem.
Nada tendo sido dito pela assistente, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido de não assistir razão ao arguido (cfr. fls. 8398 a 8400).
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já diremos que, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, não assiste razão ao arguido/requerente.
Com efeito, compulsados os autos, constata-se que na sequência dos recursos interpostos pelo Ministério Público, pela assistente e pelos arguidos C..., A... e B... do acórdão de primeira instância (acórdão esse constante de fls. 6657 a 6846), por acórdão de fls. 7457 a 7630, proferido em 29/09/2010, o Tribunal da Relação de Coimbra fixou as seguintes penas:
a) para o arguido C..., a pena única de 6 anos de prisão;
b) para o arguido A..., a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; e
c) para a arguida B... a pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Apesar de pelos arguidos C..., A... e B... terem sido interpostos recursos de tal acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tais recursos foram considerados irrecorríveis na parte criminal (cfr. despacho de fls. 7708 proferido pelo Mmo Juiz Desembargador Relator do referido acórdão) e admitidos apenas quanto à matéria cível da causa, na sequência de reclamações de tal despacho (cfr. Decisões do Ex.mo Conselheiro Vice – Presidente do STJ datadas de 08/03/2011, e constantes de fls. 7936 a 7938 e 8143 a 8146) e apreciada


e decidida a matéria cível em causa nos Acórdãos do STJ de 15/06/2011 e 13/07/2012 (cfr. fls. 8170 e 8244 e 8278 e 8294).
Constata-se, assim, tal como refere a digna Magistrada do Ministério Público que os autos prosseguiram no S.T.J. apenas para análise da questão cível, sendo certo que a parte criminal ficou estabelizada e definida com o decidido no já mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 7457 a 7630, proferido em 29/09/2010, e que na parte criminal, quanto a nós, há muito transitou em julgado.
Ou seja, transitado em julgado que já estava, quanto a nós, o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, já não há lugar à análise da suscitada questão da prescrição do procedimento criminal, porquanto, e salvo o muito devido respeito por opinião contrária, as concretas penas em que os arguidos foram condenados se encontram consolidadas desde então.
Assim, tal questão da prescrição do procedimento criminal, na altura em que foi suscitada, já era intempestiva, porque extemporânea, motivo pelo qual terá que improceder a pretensão do arguido. E na sequência deste nosso entendimento acrsecentaremos ainda, que nesta altura (tal como já à data em que foi suscitada a questão), estará, sim, e salvo o muito respeito por entendimento diverso, a decorrer o prazo de prescrição das penas.
Nestes termos, e porque extemporâneo, indefere-se à pretendida extinção do procedimento criminal no que diz respeito a qualquer dos crimes por que houve condenação nos presentes autos (mormente em relação aos mencionados pelo arguido/requerente).
Notifique”.

3. Apreciando

a.

A primeira questão a enfrentar traduz-se em saber se pelo tribunal a quo foi omitida pronúncia sobre a invocada prescrição [do procedimento criminal].


Com vista a tal desiderato à que delinear o quadro em que a sobredita excepção foi colocada pelo ora recorrente.
Vejamos.
Entre vicissitudes processuais várias verificadas no âmbito dos presentes autos após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010, na reclamação para a Conferência dirigida ao Tribunal Constitucional na sequência da Decisão Sumária n.º 525/2011, de 14.10, que decidiu não conhecer do objecto dos recursos, visando a apreciação de inconstitucionalidade, intentados pelos recorrentes A... e B..., invocou o primeiro a prescrição do procedimento criminal, o que fez nos seguintes termos:
Independentemente do exposto, e salvo melhor opinião, verifica-se que se encontram já prescritos (prescrição do procedimento criminal) alguns dos crimes de que os arguidos vêm acusados, ao abrigo, conjugado, dos artigos 118º, 119º, 120º e 121º, todos do Código Penal, designadamente os relativos ao crime de peculato, previsto no nº 3 do art. 375º, do CP e do crime de burla, previsto no art. 217º do CP.
A prescrição é de conhecimento oficioso, pelo que se requer a sua análise e declaração.
Sobre a reclamação – apresentada, tão só, pelo ora recorrente - incidiu o acórdão nº 623/2001, de 15.12 do Tribunal Constitucional, decidindo:
a) Indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso;
b) Não apreciar a questão da prescrição do procedimento criminal, sem prejuízo do que deva ser decidido pelos tribunais da causa a este propósito, face ao requerido pelo recorrente a fls. 8958

Decisão que, no segmento reservado à prescrição do procedimento criminal, surge como corrolário do que em momento anterior ficou consignado, a saber:




O recorrente alega que se encontra já precrito o procedimento criminal por algum dos crimes pelos quais está condenado, requerendo a análise e declaração da prescrição.
Essa é matéria cuja apreciação compete aos tribunais da causa e que exorbita da competência do Tribunal Constitucional. Terão de ser estes a pronunciar-se sobre a eventual prescrição e a oportunidade da sua invocação.

No seguimento do identificado acórdão do Tribunal Constitucional foram os autos remetidos à 1.ª instância e, após cumprido o contraditório, objecto da decisão já acima transcrita e ora em crise.

Em síntese útil, o que se pode retirar do despacho recorrido?
Ai se defende que com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010 ficou estabelizada a parte criminal da causa, como tal, desde então, transitada, não havendo, em consequência, lugar à análise da excepção, a destempo invocada, da prescrição do procedimento criminal, mostrando-se, antes, a decorrer o prazo de prescrição das penas.
Donde, independentemente da valia da argumentação no mesmo expendida, afigurar-se-nos relativamente pacífico não ocorrer o «vício» de «omissão de pronúncia» à decisão assacada.
Com efeito, a omissão de pronúncia significa «na essência, ausência de posição ou decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660º, n.º 2 do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual» - [cf. acórdão do STJ de 24.02.2010, proc. n.º 563/03.9PRPRT.S1; no mesmo sentido vd. os acórdãos do STJ de 13.01.2010, proc. nº 274/08.9JASTB.L1.S1, de 25.03.2010, proc. nº 427/08.0TBSTB.E.1.S1 e de 14.07.2010, proc. n.º 408/08.3PRLSB.L2.S1].
Vale dizer que a omissão só ocorrerá quando o tribunal tiver de conhecer a questão e não já quando a sua apreciação se mostre prejudicada, designadamente por,


em função do momento processual, se encontrar precludido o direito de a questionar e/ou de oficiosamente a sindicar.
Posição que, igualmente, se extrai do acórdão do STJ de 11.12.2008 [proc. 08P3850], na parte em que refere: «Como tem entendido o STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. E não tem de se pronunciar sobre questões que ficam prejudicadas pela solução que deu a outra questão que apreciou.»
Retomando o caso, em face do que exposto ficou, parece-nos que dúvida não pode subsistir de não ter o despacho recorrido omitido pronúncia; pelo contrário, é expresso no sentido de não poder conhecer da questão suscitada – prescrição do procedimento criminal – por a tal obstar o trânsito em julgado da decisão, já, então, há muito, na parte penal, verificado, encontrando-se, sim, em curso o prazo de prescrição das penas.
Não tem, pois, fundamento – nem seria susceptível de o ter dada a natureza da decisão em causa [despacho], sem olvidar a circunstância do Código de Processo Penal conter norma própria [artigo 379º, nº 1, al. c] – a invocada violação do artigo 668º, nº 1, al. d) do CPP.

b.

Será, assim? Operou-se o trânsito em julgado da decisão no que à parte penal concerne?
A resposta, não dispensa uma, tão breve quanto possível, súmula dos aspectos processuais pertinentes.

Eis, pois, o esquisso.

a) No âmbito do processo comum nº 352/01.5TACBR.C1 da Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Juízo de Média Instância Criminal – Juiz 2, após a prolação do



acórdão condenatório de 07.07.2009, recorreram, entre outros, os arguidos/demandados C..., A... e B..., recursos, esses, objecto de apreciação pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010.
b) Uma vez mais inconformados com o assim decidido recorreram os mesmos para o Supremo Tribunal de Justiça – [cf. fls. 7646 a 7658 e 7677 a 7687], recursos, esses, que, conforme resulta do despacho de fls. 7708, não foram admitidos.
c) Apresentada reclamação, nos termos do artigo 405º do CPP, por todos os recorrentes do despacho de não admissão dos recursos, por decisão do Exmo Juiz Conselheiro Vice - Presidente do STJ veio a mesma a ser atendida e, em consequência, determinado que fosse o despacho reclamado substituído por outro que os admitisse –
[cf. fls. 7936 a 7938 e 8143 a 8146], o que veio a ocorrer por despacho de fls. 05.04.2011 – [cf. fls. 8151].

Aqui chegados, impõe-se fazer um parêntesis para, desde já, assentar, com base na análise das decisões proferidas nos autos de reclamação [artigo 405º do CPP], em que os recursos em questão, apenas, foram admitidos relativamente à parte cível, limitação, igualmente, traduzida no despacho de 05.04.2011 quando expressamente invoca o artigo 400º, nºs 2 e 3 do CPP.
Elucidativo do que se vem de dizer são os considerandos levados a efeito nos autos de reclamação, quando na respectiva decisão se evidencia que:
«Na hipótese em análise, está em causa apenas o recurso quanto à parte cível.
(…)
Aplicando ao processo o regime de recorribilidade fixado na nova redacção do art. 400.º, n.º 3, do CPP, o acórdão recorrido, com data de 29.09.2010, será recorrível nos termos do art. 400.º, n.º 2, do CPP, se se verificarem os pressupostos de recorribilidade – alçada e sucumbência, e autonomia para efeitos de recurso da parte da «sentença» relativa à indemnização civil.
O disposto no art. 400.º, nº 2 e 3 do CPP, após a redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, define, deste modo, a recorribilidade da parte da sentença relativa à indemnização civil pelo regime das alçadas, alinhando o processo penal com o regime próprio do processo civil, diferentemente do regime antecedente que agregava os fundamentos à matéria penal, fazendo depender a recorribilidade cível da recorribilidade em matéria penal», para de seguida concluir, à luz dos critérios vertidos


no artigo 400º, nºs 2 e 3 do CPP, serem os mesmos admissíveis – [cf. fls. 8143 a 8146 e fls. 7936 a 7938].
Significa, pois, que o âmbito dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente pelo ora recorrente ficou, desde logo, limitado à parte cível, não merecendo, por conseguinte, qualquer dúvida a irrecorribilidade do acórdão do TRC de 29.09.2010, no que respeita à matéria criminal, circunstância que, aliás, encontra eco nas decisões que se seguiram, quer por ocasião do exame preliminar de fls. 8168, quer no próprio acórdão do STJ de 15.06.2011, do qual, pela clareza daí decorrente, para quem possa, ainda assim, sentir alguma inquietação, se extracta:
«Tais vícios ou nulidades de que cumprisse conhecer nos termos dos artºs 410º nº 3 e 379º do CPP, apenas poderiam ser cognoscíveis em recurso que fosse legalmente admissível da decisão em matéria criminal.
Porém, sendo o acórdão recorrido, irrecorrível em matéria criminal, óbvio é que das questões que lhe subjazem, e também atinentes à parte criminal, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, enfim das questões referentes às razões de facto e de direito da condenação em termos penais, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico – penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo.
É o caso presente em que as questões suscitadas no objecto do recurso se situam na área jurídico – criminal, quer a nível do invocado vício, quer a nível da pretendida nulidade, relacionados com a não produção de provas requeridas, ainda que delas se pretenda extrair os efeitos fundamentantes de recurso em matéria cível.
Mas, sendo indamissível o recurso para o Supremo na parte criminal, essas questões ficam processualmente precludidas, ainda que seja com fundamento nelas que se pretenda extrair ilações como fundamento de recurso que verse o pedido de indemnização civil.
Na verdade
Inexistindo recurso na parte criminal, a matéria fáctica apurada, tornou-se definitiva e é insusceptível de ser discutida pelo tribunal de revista, que reexamina exclusivamente a matéria de direito, conforme artº 434º do CPP» - [destaque nosso].

Contudo, não obstante o trajecto percorrido – tão só com o propósito de evidenciar o que já era, para nós, claro - afigura-se-nos não ser este o problema do recorrente, o qual, em coerência, ademais, com o teor da reclamação que protagonizou –


estamo-nos a reportar à reclamação dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 405º do CPP [cf. fls. 7945 e ss.] – parece estar de acordo com o facto de o âmbito do recurso também por si interposto para o mais Alto Tribunal respeitar, apenas, à parte cível.
A discórdia residirá antes, na circunstância de conhecendo, embora, a irrecorribilidade da decisão na parte criminal, pretender, sem embargo, que para efeitos de prescrição do procedimento criminal, não se haja a mesma consolidado, transitado na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010, de forma a poder considerar-se continuar, desde então, a decorrer o prazo para o efeito legalmente estabelecido, findo o qual, pela inércia manifestada, o Estado teria perdido o jus puniendi, isto apesar de, quanto a nós paradoxalmente, aludir ao «caso julgado sob condição resolutiva».

Antes de prosseguirmos, avancemos no esboço – entretanto, interrompido - dos acontecimentos processuais que temos por relevantes.

d) Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.06.2011 foram julgados manifestamente improcedentes e, em consequência, rejeitados quer o recurso interposto pelos demandados C... e A..., quer o recurso interposto pela demandada B... do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra – admitidos, como se viu, tão só na parte cível -, vindo o Supremo Tribunal de Justiça a indeferir, por falta de fundamento legal, o pedido de aclaração daquele - [cf. o acórdão de 13.07.2011, fls. 8170 a 8244 e 8278 a 8294].
e) Interposto recurso, desta feita pelos demandados A... e B..., para o Tribunal Constitucional – questionando a constitucionalidade da não realização de perícia requerida nos autos - por decisão sumária de 14.10.2011 foi decidido não conhecer do objecto dos recursos, decisão confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional de 15.12.2011 – [cf. fls. 8337 a 8343 e 8367 a 8378].



Sendo este o enquadramento, afigura-se-nos não assistir razão ao recorrente.

Na verdade, a questão tem sido objecto de decisão por parte do Supremo Tribunal de Justiça, convocando-se nesta sede alguns arestos, os quais, por esclarecedores, em parte significativa, se transcrevem.
É o caso do acórdão do STJ de 24.02.2010, proferido no proc. nº 151/99.2PBCLD.L1.S1, onde se refere:
«Em causa está a questão de saber se, em acção civil exercida em conjunto com a acção criminal, é possível reapreciar, em recurso limitado à parte civil – e tendo transitado em julgado a parte criminal – o grau de culpa fixado na sentença penal.
(…)
Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal aquela tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo.
A prática de uma infracção criminal pode ser fundamento de duas pretensões dirigidas contra os seus agentes; uma acção penal, para julgamento, e em caso de condenação, com aplicação das reacções criminais adequadas, e uma acção cível, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa.
A unidade de causa, a circunstância de as duas acções que se juntam terem na sua génese um mesmo facto, impõe entre elas uma estreita conexão, mas não se confundem, apesar da acção civil ser incorporada no processo criminal e ser julgada, conjuntamente com aquela, no foro criminal.
(…)
Na análise a efectuar a primeira ideia a reter é que o presente recurso é limitado à parte civil da sentença, que a parte criminal transitou em julgado, e por outro lado, que a competência do Supremo Tribunal de Justiça restringe-se a matéria de direito.
Haverá que indagar do alcance do caso julgado em decisão penal condenatória e seus reflexos na conexa parte civil, se o mesmo gera a intangibilidade total de toda a decisão, com absoluto respeito do decidido no plano criminal, ou se pode ser reapreciada a parte da matéria civil, de modo a poder, eventulamente, colidir com a fixada na parte criminal.
A análise da questão passará pela atenção à conjugação de dois vectores; por um lado, discutindo o alcance do caso julgado penal condenatório, e por outro, os poderes de cognição do Supremo Tribunal, que apenas pode reapreciar matéria de direito, estando-lhe vedado sindicar matéria de facto, mas sempre sem se olvidar que no caso estamos face a uma decisão única, que comporta apreciação de definição global de dois tipos de responsabilidade, sendo de evitar ou afastar soluções contraditórias, que nunca são desejáveis, para mais, dentro de um mesmo processo e quando está em causa um mesmo



substracto factual definido em julgamento único, o acidente na sua dinâmica, no seu circunstancialismo, nas suas causas.
Como se viu, é admissível recurso da parte civil, mesmo que não haja recurso da parte criminal, sendo de ter-se por definitiva a condenação pela responsabilidade criminal nos moldes e com o alcance e os contornos em que o foi.
(…)
A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior, garantindo não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica.
A força e autoridade do caso julgado da decisão traduz-se na vinculação subjectiva de não repetição do seu conteúdo.
(…)
No nosso caso está em jogo a eficácia do caso julgado intraprocessual, formado na acção conjunta.
A acção cível exercida em acção penal não perde a sua autonomia por se amoldar aos trâmites do processo criminal.
Desde sempre se entendeu que transitada a sentença penal os responsáveis meramente civis podiam continuar a discutir a indemnização, mas não a culpa do réu, ou tudo o que diga respeito à existência e qualificação do facto punível e à determinação dos seus agentes – neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-1967, recurso n.º 32456.
(…)
O caso julgado penal projecta os seus efeitos na causa civil, de modo a impedir uma nova apreciação da culpa dos interveninetes no acidente; o tribunal cível não pode reapreciar a culpa daqueles e a medida desta.
O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime.
O direito à indemnização depende da verificação da existência da infracção penal.
Não pode a decisão civil vir depois alterar a descrição dos factos que serviram à qualificação jurídica da sentença, dando-se uma espécie de petrificação da averiguação dos factos.
(…)






Sendo possível uma apreciação e uma decisão autónomas no plano civil e criminal, como inculca o n.º 1 do artigo 403.º do CPP, deve manter-se, no plano da facticidade apurada em sede de julgamento criminal, em que são asseguradas todas as vastas garantias de defesa e de exercício do contraditório, plasmadas em sede de garantia constitucional e ordinária, uma lógica de coerência interna, apenas podendo ser reapreciado o que pode ser separado, mas sempre sem prejuízo da unidade e coerência do que ficou assente em sede de definição do circunstancialismo do acidente e da determinação da responsabilidade, e inclusive, da determinação do prejuízo susceptível de reparação, mas aqui apenas naquilo que consubstanciar tão somente matéria de facto.» - [destaques nossos].

Também assim o acórdão do STJ de 07.07.2010 [processo n.º 893/01.4TALSD.S1], do qual se extracta:
«Os recorrentes começam por invocar duas nulidades, uma do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que nele não se terá tomado conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e, outra de ordem processual, por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Contudo, trata-se de situações que, a ocorrerem, se encontram abrangidas pelo caso julgado formal, já que o acórdão recorrido transitou em julgado quanto à parte criminal, irrecorrível por força do disposto no art.º 400.º, nº 1, al. e), quer na versão original do CPP, quer na de 2007.
Pode argumentar-se que as nulidades assim invocadas têm também repercussão na vertente cível do processo e, portanto, como nessa parte ainda não há trânsito em julgado, há que tomar conhecimento da sua existência.
Ora, no caso em apreço, estamos perante um pedido cível conexo com o criminal, pois existem condutas ilícitas, negligentes, dos arguidos, integradoras de um crime de infracção de regras de construção, dano …, violador do direito à vida das vítimas, geradoras de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal aquela tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo.
Como diz Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Volume I, pág. 324), «O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente».
E, a fls. 111 «Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade



criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo».
Que reflexos terá, pois, o trânsito em julgado da questão penal na questão cível ainda em aberto, já que esta tem por causa de pedir «os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal»?
E, após alusão expressa a segmentos do acórdão do STJ de 24.02.2010, prossegue «Colocada nesta perspectiva a questão das nulidades, que se nos afigura também a única correcta e que, portanto, aqui expressamente se adopta, logo se vê que aquelas não podem ser apreciadas de novo.
Com efeito, do ponto de vista dos recorrentes, a invocação das duas nulidades tem por finalidade última – se viesse a proceder – a modificação dos factos provados, nomeadamente, através de um novo julgamento, a realizar pelo mesmo tribunal ou por reenvio para outro diferente.
Se tal tivesse efectivamente lugar, isto é, se os factos fossem modificados como consequência da invalidação do acórdão recorrido, tal como pretendem os recorrentes, criar-se-ia uma situação insustentável. A saber … a de haver determinados factos definitivamente fixados para a parte criminal e que o novo julgamento não poderia alterar (sob pena de violação do caso julgado), e factos diferentes para a parte cível, assim se quebrando irremediavelmente a unidade processual que está na génese da acção cível conexa com a criminal.
Aliás, do ponto de vista ontológico, mesmo, e sabido que a reconstituição que se pretende fazer dos factos resulta de uma procura da verdade, chegra-se-ia à afirmação de que o que se passou teria sido um certo evento para noutro lado se afirmar que se passara coisa diferente. Os factos seriam pois uns e outros ao mesmo tempo.
Surgiria então qualquer coisa como uma «revisão de sentença transitada», sem que houvesse interposição do competente recurso extraordinário (art.ºs 449.º e segs. do CPP).
(…)
Por isto é que não é de conhecer das nulidades invocadas no presente recurso.» - [destaques nossos].

Entendimento diferente não resulta do acórdão do S.T.J. de 16.05.2012 [proc. n.º 196/00.1GAMGL.C2.S1], cujo sumário se reproduz: «I. – Tendo havido absolvição da acusação por se terem dado como não provados os factos integrantes do tipo legal de crime não pode, em recurso, discutir-se os mesmos factos integrantes da causa de pedir do pedido cível, levando a casos julgados contraditórios … Não é admissível impugnação que ponha em crise o caso julgado que


se formou sobre a matéria penal. Dito com força de caso julgado que o arguido não era o autor do crime que lhe foi imputado não mais lícito é discutir matéria de facto que ponha em crise a decisão asbolutória da Relação, tornada irrecorrível por força da lei … No entanto, conforme recentemente se decidiu no Ac. do STJ de 23-02-2012, Proc. n.º 296/04.9TAGMR – 5.ª, num caso em que o recurso respeita à parte civil,
cindido, como resulta da al. c) do n.º 1 do art. 401.º do CPP, da acção penal, transitando esta em julgado, não foi dada possibilidade ao lesado de discutir em recurso a decisão que deu como não provados os factos integrantes do crime, há-de aquela faculdade ser concedida, apenas se não retirando as consequências em sede penal da eventual procedência do recurso.»

Em sentido idêntico, refere o acórdão do STJ de 05.11.2008:
«Na verdade a Lei nº 48/2007 introduziu um novo nº 3 no artigo 400º do Código de Processo Penal no qual, à revelia de entendimento jurisprudencial sustentado, e fixado no acórdão 1/2002, se comina a possibilidade de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal.
Mas, perguntamo-nos até que ponto se pode estender o conhecimento do tribunal de recurso, a pedido do recorrente do segmento cível, quando transitou em julgado a parte penal que julgou definitivamente a parte criminal?
- Entendemos que o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal. Consequentemente, não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa a matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal.
O recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável.
(…)
O recurso interposto pretende colocar em causa a mesma decisão no que concerne a vícios, ou patologias, com reflexo directo e imediato na materialidade considerada provada e que suporta a sua responsabilização criminal. Porém, e como se referiu, a decisão relativa à acção penal não mais é susceptível de ser impugnada e está revestida da força e autoridade de caso julgado» - [cf. CJ, ACSTJ, Ano XVI, T. III, pág. 213 e ss.] – (destaque nosso).

Entendimento corroborado no acordão do mesmo Supremo Tribunal de 10.12.2008, de cujo sumário se respiga:
«O recurso restrito ao pedido de indemnização cível não pode, em nenhuma circunstância, afectar o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal, pelo que o


mesmo apenas é admissível na medida em que não impugne a matéria de facto que suporte aquela responsabilidade criminal» - [cf. CJ, ACSTJ, Ano XVI, T. III, pág. 251 e ss].

Por outro lado, tendo presente o fim visado, não se alcança o interesse na invocação do caso julgado sob condição resolutiva, figura adoptada pela jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - [cf. vg. os acordãos do STJ de 07.07.05, 08.03.06, 07.06.06, 07.02.07, 27.09.2007, 05.06.2012, respectivamente nos procs. n.º2546/05 – 5.ª, 886/06 – 3.ª, 2184/06 – 3.ª, 463/07 – 3.ª, 07P3509 e nº 1/00.9TELSB – CA.C1 –D.S1; na doutrina cf. vg. Cunha Rodrigues, “Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal”, pág. 388; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal” III, pág. 330, Simas Santos e Leal – Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, pág. 79], que vem entendendo vg. em casos de comparticipação que a impugnação por parte de um co-arguido não afecta o trânsito condicional relativamente aos não recorrentes, circunstância em que a decisão se torna efectiva quanto a estes, passando os mesmos ao cumprimento da pena respectiva, o que sempre teria efeito oposto ao pretendido pelo ora recorrente na medida em que a partir de tal momento não fará sentido – relativamente aos não recorrentes - continuar a falar em prescrição do procedimento criminal, mas antes em prescrição da pena, questão que no caso não se coloca.

Entende-se, pois, não resultarem violadas as normas constitucionais invocadas [artigos 1.º, 2.º, 18º, nº 2, 20º, nº 1, 30º, nº 5, 32º, nº 1 da CRP] - cuja dimensão normativa, em que o teriam sido, nem sequer se mostra suficientemente concretizada – mormente o direito ao recurso, no caso exercido dentro do condicionalismo legalmente admissível - menos, ainda, o artigo 410º, nº 2, als. a) e b) do CPP respeitante aos «vícios» da matéria de facto, reservados à sentença/acórdão, tão pouco o artigo 402º, nº 1 do CPP, onde, apenas, estão em causa efeitos reflexos [no caso não alcançados] e, ainda assim, sem a virtualidade de se sobreporem ao «caso julgado» formado, a partir do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010, no âmbito do processo da parte penal da decisão em função da respectiva irrecorribilidade,


com a consequência, como resulta do supra exposto, da imodificabilidade a esse nível da decisão.
Como nenhum significado para o efeito pode decorrer – como pretende o recorrente - do «efeito suspensivo» atribuído ao recurso, já que se encontra o mesmo confinado à parte cível da decisão, única recorrível.

Conclui-se, assim, no sentido de não assistir razão ao recorrente quando defende, concretamente para efeitos de prescrição do procedimento criminal, não haver transitado em julgado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.09.2010, sendo certo que tal ocorreu quando se tornou pacífica no processo a irrecorribilidade da parte relativa à respectiva decisão penal.

É, pois, de manter a decisão recorrida.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em quatro Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, , de , de
[Processado informaticamente e revisto pela relatora]


(Maria José Nogueira)


(Isabel Valongo)