Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
304/05.6TATND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ART.º 14º, DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
Sumário: A norma do art.º 14º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), não é inconstitucional e encontra-se em vigor, não tendo sido revogada pela norma do art.º 50º, n.º 5, do C. Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
1- No Tribunal Judicial de Tondela ( 1.º juizo ), no processo acima referido, foram os arguidos abaixo referidos julgados em processo comum singular, tendo sido a final proferida a decisão seguinte :
- condenar “WW... – ., S.A.”, pela prática de um crime de abuso de confiança à seg. social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107º com referência ao artigo 105º, todos do RGIT, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, o que perfaz um total de €600,00,
- condenar TS..., pela prática como autor de um crime de abuso de confiança à seg. social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107º com referência ao artigo 105º, todos do RGIT, na pena de dez meses suspensa na execução por um período de um ano, na condição de efectuar, no mesmo prazo o pagamento das quantias em dívida à SegSocial no decurso da sua gerência da sociedade WW... – ., S.A;
- condenar HM..., pela prática como autor de um crime de abuso de confiança à seg. social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107º com referência ao artigo 105º, todos do RGIT, na pena de dez meses suspensa na execução por um período de um ano, na condição de efectuar, no mesmo prazo o pagamento das quantias em dívida à Seg. Social no decurso da sua gerência da sociedade WW... – ., S.A;
- condenar TS... e HM..., solidáriamente, no pagamento à Seg. Social da quantia de € 331.202,29, acrescida de juros legais desde a data em que eram devidas as quantias parcelares, das quantias retidas pela WW... – ., S.A relativas às cotizações dos trabalhadores e corpos sociais, no período em causa;
- absolver a arguida EK... do crime que lhe foi imputado e do pedido de indemnização civil formulado pelo ISS.

2- Inconformados, recorreram os arguido TS... e HM…, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
A medida da pena padece de flagrante exagero, pois nada justifica tão prolongada pena de prisão, pelo que, atento todo o complexo fáctico, deverá a mesma pena ser fixada no minimo legal.
No que respeita ao arguido HM... o tribunal a quo não poderia deixar de averiguar, mesmo oficiosamente, das suas condições económicas ; assim requere-se a ampliação da matéria de facto quanto às condições económicas do arguido HM....
0 tribunal "a quo" não invocou qualquer fundamento de facto para a imposição de uma condição suspensiva, pelo que a decisão recorrida na parte em que estabelece uma condição suspensiva é nula, nulidade prevista na alinea a) do n.° 1 do artigo 379.º do CPP ; termos em que deve a decisão recorrida na parte em que estabelece uma condição para a suspensão da pena de prisão ser revogada, mantendo-se a suspensão apenas condicionada em termos gerais.
Sem prescindir,
A condição de suspensão da pena de prisão imposta é uma condição de realização impossivel, pelo que a decisão em apreço viola, além do mais, o n.° 2 do artigo 51.º do Código Penal. Termos em que deve a decisão recorrida na parte em que estabelece uma condição para a suspensão da pena de prisão ser revogada.
Sem prescindir ainda,
A condição imposta, na medida em que não tem em conta a culpa do agente, a sua personalidade, as suas condições de vida, a sua capacidade económica viola os principios de igualdade, necessidade, proporcionalidade e razoabilidade, violando o disposto nos artigos 13° e 18° n.° 2 da Constituição e os artigos 40° e 71° do Código Penal ; pelo que também por esta violação deve a decisão recorrida na parte em que estabelece uma condição para a suspensão da pena de prisão ser revogada.
A decisão recorrida enferma de erro quanto ao valor em divida a Segurança Social e quanto ao valor a atender para efeitos de pedido de indemnizacao civil, pois por um lado tern em conta valores que já foram pagos e por outro condena o arguido no pagamento de valores que não consubstanciam crime, violando o disposto no artigo 71° do C6digo Penal. Devendo tais erros ser corrigidos ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 380° do CódProcPenal, e em consequência alterar-se o valor em divida à Segurança Social e o valor constante do ponto V da condenacao por forma a que tenha apenas em conta as parcelas superiores a € 7.500,00
Ou caso assim se não se entenda, deve a decisão recorrida, na parte em que condena os arguidos no pagamento à Segurança Social da quantia de € 331,202,29 e na parte em que considera ser tal valor a quantia em divida à Segurança Social, ser revogada e substituida por outra que fixe tais valores em € 184.297,92, ou seja na soma dos valores parcelares iguais ou superiores a E 7.500,00.

3- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso , dizendo no entanto haver a possibilidade legal de o período da suspensão da pena poder ser superior ao da pena de prisão, aplicando o regime do art. 14. °, n ° 1 do RGIT, por se tratar de um regime especial, e não o do art. 50. °, n ° 5 do Cód. Penal.

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência .

5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1. A arguida "WW... - ., SA" é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Tondela, sob a matrícula n.º … com sede em …, Tondela, e cujo o objecto é o fabrico de ….
2. A sociedade foi declarada insolvente "WW... - ., SA".
3. A administração desta sociedade é exercida por um conselho de administração composto por três membros eleitos trienalmente pela Assembleia Geral, sendo umdeles o Presidente, e bastando para obrigar a sociedade a assinatura de dois dos seus administradores.
4. A arguida EK... foi designada como Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida desde 09.07.1997, tendo mantido o cargo até 29.06.2004 (por renúncia, com registo em 11.09.2004), passando tal cargo e funções a serem desempenhados pelo arguido TS... desde 02.08.2004 (com registo em 11.09.2004) - e, pelo menos, até ao final do período contributivo em causa nestes autos (Junho de 2006).
5. Em 16.01.2002 o arguido TS... foi designado como membro (vogal) do Conselho de Administração da sociedade arguida (com registo em 27.06.2002), cargo em que se manteve até vir a assumir o cargo de Presidente do Conselho de Administração da mesma sociedade (em 02.08.2004).
6. Durante todo aquele período em que, quer a arguida EK... , quer o arguido TS..., exerceram as funções de Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida, o arguido HM... fez sempre parte do Conselho de Administração da WW..., desempenhando o cargo de vogal desde 09.07.1997.
7. A administração de facto e de direito da sociedade arguida esteve assim a cargo dos arguidos TS… e HM... durante todo período contributivo de Julho de 2002 a Junho de 2006.
8. A arguida EK... em finais de 2001, renunciou ao cargo de presidente do conselho de administração, tendo a mesma comunicado tal facto aos membros do conselho em especial ao Sr. HM…, mantendo-se no registo até 29.06.2004 (data do registo da renúncia), de modo a que tivesse a sociedade o número de membros mínimos para efeitos legais.
9. Durante tais períodos, eram os arguidos HM... e TS… que, no exercício de tais funções de administração da sociedade arguida, dirigiam as actividades desta sociedade e procediam ao pagamento das remunerações aos trabalhadores e administradores da mesma, cabendo-lhes também a tarefa de efectuar as deduções a tais remunerações, correspondentes às cotizações devidas à Segurança Social, e entregar o respectivo montante à Segurança Social.
10. No entanto, apesar de os arguidos efectivamente terem pago aos em pregados/trabalhadores da sociedade arguida as remunerações respeitantes ao período compreendido entre Julho de 2002 e Junho de 2006 e de terem pago as remunerações dos administradores durante tal período, bem assim como de terem deduzido às mesmas o montante correspondente às respectivas contribuições para a Segurança Social, no montante global de € 317.128,99 (trezentos e dezassete mil cento e vinte e oito euros, e noventa e nove cêntimos), não procederam à sua entrega na Segurança Social nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, nem nos 90 dias seguintes ao terminus deste prazo, como a tanto estavam obrigados, nem até à presente data.
11. O valor global de € 317.128,99 (trezentos e dezassete mil cento e vinte e oito euros, e noventa e nove cêntimos), resulta da soma de: - €276 608,57 (duzentos e setenta e seis mil, seiscentos e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), respeitante às cotizações retidas nas remunerações efectivamente pagas aos trabalhadores por conta de outrem (regime geral - código de taxa 000) no período de Julho de 2002 a Junho de 2006, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 11 % às remunerações base de incidência efectivamente pagas (nos termos do artigo. 1 ° do DL n° 140-D/86, de 14 de Junho, artigo 3° do DL n° 199/99, de 8 de Junho); e - €40 520,42 (quarenta mil, quinhentos e vinte euros e quarenta e dois cêntimos), respeitante às cotizações retidas nas remunerações efectivamente pagas aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas (sub-regime código de taxa 669) no período de Julho de 2002 a Junho de 2006, calculado de acordo com a aplicação da taxa de 10% às remunerações base de incidência e efectivamente pagas (nos termos do artigo 13º do DL 199! 99, de 8 de Junho), tudo como melhor se discrimina no mapa que se segue:
Mês
Cotizações
Trabalhadores
Contibuições Orgãos Sociais Total do Mês
Jul-02 5.970,56 € 897,84 € 6.868,40 €
Ago-02 5.517,56 € 897,84 € 6.415,40 €
Set-02 7.598,16 € 1.197,12 € 8.795,28 €
Out-02 7.316,32 € 1.197,12 € 8.513,44 €
Nov-02 7.377,24 € 897,84 € 8.275,08 €
Dez-02 9.701,01 € 897,84 € 10.598,85 €
Jan-03 6.848,08 € 1.795,67 € 8.643,75 €
Fev-03 6.748,03 € 897,84 € 7.645,87 €
Mar-03 6.253,10 € 897,84 € 7.150,94 €
Abr-03 6.739,79 € 897,84 € 7.637,63 €
Mai-03 7.033,76 € 897,84 € 7.931,60 €
Jun-03 7.550,41 € 897,84 € 8.448,25 €
Jul-03 8.149,45 € 897,84 € 9.047,29 €
Ago-03 7.751,53 € 897,84 € 8.649,37 €
Set-03 8.695,84 € 897,84 € 9.593,68 €
Out-03 9.560,66 € 897,84 € 10.458,50 €
Nov-03 8.128,24 € 897,84 € 9.026,08 €
Dez-03 11.232,70 € 897,84 € 12.130,54 €
Jan-04 7.496,69 € 900,00 € 8.396,69 €
Fev-04 5.704,04 € 1.797,84 € 7.501,88 €
Mar-04 5.602,16 € 900,00 € 6.502,16 €
Abr-04 5.654,30 € 900,00 € 6.554,30 €
Mai-04 6.994,21 € 900,00 € 7.894,21 €
Jun-04 6.685,16 € 630,00 € 7.315,16 €
Jul-04 4.834,76 € 630,00 € 5.464,76 €
Ago-04 5.022,22 € 630,00 € 5.652,22 €
Set-04 6.556,44 € 840,00 € 7.396,44 €
Out-04 6.706,13 € 840,00 € 7.546,13 €
Nov-04 6.706,89 € 630,00 € 7.336,89 €
Dez-04 8.761,21 € 840,00 € 9.601,21 €
Jan-05 4.573,33 € 1.260,00 € 5.833,33 €
Fev-05 4.120,85 € 630,00 € 4.750,85 €
Mar-05 4.301,24 € 630,00 € 4.931,24 €
Abr-05 4.229,85 € 595,00 € 4.824,85 €
Mai-05 4.535,74 € 504,00 € 5.039,74 €
Jun-05 4.203,95 € 630,00 € 4.833,95 €
Jul-05 4.543,10 € 630,00 € 5.173,10 €
Ago-05 3.865,40 € 630,00 € 4.495,40 €
Set-05 5.544,89 € 735,00 € 6.279,89 €
Out-05 5.634,97 € 840,00 € 6.474,97 €
Nov-05 5.043,05 € 840,00 € 5.883,05 €
Dez-05 7.332,59 € 630,00 € 7.962,59 €
Jan-06 4.066,61 € 1.078,00 € 5.144,61 €
Fev-06 3.128,73 € 434,00 € 3.562,73 €
Mar-06 3.235,02 € 420,00 € 3.655,02 €
Abr-06 3.001,20 € 322,00 € 3.323,20 €
Mai-06 2.848,31 € 210,00 € 3.058,31 €
Jun-06 2.773,46 € 210,00 € 2.983,46 €
total 331.202,29 €
12. O arguido TS... , por si e em representação da sociedade arguida, foi notificado em 26,02.2007, nos termos e para os efeitos do artigo 105°, n° 4 alínea b) do RGIT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n" 53-A/2006 de 29/12, em 14 de Março de 2007 (11s. 632 e ss .; e 636 e s s.}, ou seja, para proceder ao pagamento do mencionado valor de € 317 128,99, acrescido dos juros de mora, no prazo de trinta dias, sob pena do prosseguimento do processo criminal, e com a advertência de que o cumprimento de tal notificação era passível de determinar o arquivamento do mesmo processo.
13. Também os arguidos HM... e EK... foram notificados, em 26,02.2007 (e a última arguida, de novo, em 14.05,2007, desta feita apenas quanto aos valores de contribuições em falta referente ao período da sua administração, até final de Maio de 2004, num total de €178 605,90 - cfr. mapas de fls. 838 e 839 que aqui se dão por reproduzidos), nos mesmos termos e para os efeitos do artigo 105º, nº 4 alínea b) do RGIT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei na 53-A/2006, de 29/12, em 14 de Março de 2007 (fls. 642 e ss; e 646 e ss. e 842 e ss.)
14. No entanto, decorrido tal prazo, e até hoje, os arguidos não procederam ao pagamento daquela quantia e respectivos juros de mora.
15. Os arguidos TS... , HM... e EK... foram também notificados, os primeiros, em 07 de Abril de 2006 (fls. 97 a 101), e a segunda, em 26.10.2006 (fls. 507 e ss.) nos termos e para os efeitos do artigo 1050, na 6 do RGIT (aplicável ex vi o artigo 107°, na 2 do RGIT), ou seja para pagarem a referida quantia sob pena de prosseguimento do processo.
16. Os arguidos não procederam ao pagamento de qualquer quantia referente às aludidas quotizações até hoje, tendo diluído os valores assim obtidos, nos meios financeiros da sociedade arguida.
17. Decorreram mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação referida sem que tivesse sido entregue nos cofres do IS8, pelos arguidos, a quantia correspondente ao montante em dívida.
18. Em 26 de Janeiro de 2006 foi detectada e participada ao Departamento de Fiscalização do Centro - Gabinete de Investigação Criminal do I8S - a situação contributiva da sociedade arguida referente às contribuições em falta do período de Julho de 2002 a Setembro de 2005, que, nesta data, tomou conhecimento da falta de entrega dos montantes acima referidos a que os arguidos estavam obrigados.
19. Os arguidos não efectuaram os pagamentos acima discriminados à Segurança Social, fazendo suas as referidas quantias, utilizando-as em proveito da sociedade, integrando-as no giro económico desta, obtendo desse modo vantagens patrimoniais e benefícios que sabiam ser indevidos e proibidos por lei.
20. Os arguidos, após não terem entregue no mês de Julho de 2002 os montantes destinados à Segurança Social que haviam deduzido nas referidas remunerações, praticaram o mesmo tipo de conduta ao longo da parte restante do ano de 2002, todo o ano de 2003, 2004 e 2005, e ainda nos meses de Janeiro a Junho de 2006, porquanto, em virtude de não terem sido sujeitos a inspecção regular por parte dos competentes serviços de fiscalização tributária da segurança social, se convenceram que a actuação que vinham levando a cabo estava a ser bem sucedida, o que motivou a instalação de um ambiente favorável à sua reiteração na prática descrita que levaram a cabo, homogeneamente, ao longo do período de tempo referido.
21. Em todos aqueles períodos de tempo, sabiam os arguidos que o montante que gastaram e utilizaram em seu proveito próprio (e da sociedade) pertencia ao ISS –IP (ex - Centro Regional de Segurança Social/Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viseu) e a este devia ter chegado juntamente com as folhas das remunerações processadas.
22. Agiram sempre os arguidos TS..., HM... e EK... de modo concertado, livre e consciente, com o propósito deliberado de deduzir as mencionadas quantias e de as não entregar às instituições da Segurança Social, tendo feito reverter e despendido em benefício da sociedade arguida, sua representada, as quantias deduzidas e, indirectamente, em seu proveito próprio, assim enriquecendo, desde logo, o seu património e o da sociedade, em igual montante e prejudicando a segurança social, pelo menos, em valor equivalente.
23. Estavam certos, ademais, que a sua relatada conduta os fazia incorrer em responsabilidade criminal, tendo agido no seu próprio interesse e no da sociedade arguida, agindo sempre em comunhão de esforços e vontades, e na sequência de um entendimento prévio alcançado entre si, bem sabendo que ao reter e não entregar à Segurança Social tais contribuições, se apoderavam e faziam suas tais quantias, o que visaram e lograram fazer, não obstante saberem que as mesmas não lhes pertenciam, e que, dessa forma, obtinham um benefício que não obteriam de outra forma.
Do pedido de indemnização civil provou-se que:
24. Até ao presente não foram pagas as quantia efectivamente deduzidas – quotizações devidas pelos trabalhadores e membros dos órgãos sociais.
Da defesa dos arguidos TS...e HM...
25. Durante um período não concretamente determinado mas cerca de dois anos antes da declaração de insolvência, a 26. Os arguidos TS... e HM..., nos últimos anos assumiram, pessoalmente, as obrigações da sociedade, e com isso oneram património pessoal.
27. As dificuldades tiveram como causa um projecto de trabalho com a empresa MTC, que obrigou a um investimento de €1.050 000,00, à insolvente, o qual não foi avante por erro de concepção da MTC.
28. Tal situação levou a WW... a formalizar junto do IAPMEI um Procedimento Extrajudicial de Conciliação em que previa o pagamento de todas as suas obrigações, conforme documentos dos autos, ao abrigo da “Lei Mateus”.
29. Tal procedimento, em 2007, ainda se encontrava em fase de análise mas já tinha a aprovação de um número grande de credores, levando a Administração da WW... a estar confiante na aprovação do mesmo e por conseguinte, tudo fazendo para conseguir manter a empresa em laboração.
30. A WW... sempre foi credora de IVA, atendendo ao facto de o seu mercado ser um país da União Europeia, e por isso sujeita à devolução do IVA decorrente das trocas intra-comunitárias.
31. A WW... em 31-12-06, apresentava capitais próprios negativos de € 2 947 974,00 (euros).
32. Em 31-12-07, a WW... apresentava capitais próprios negativos € 3 059 799,00 (euros).
33. No final do exercício do ano de 2006, a WW... era devedora de € 5.800,00 (euros) de IVA, sendo que tais dívidas decorriam da falta de declaração e aceitação por parte da Ad. Tributária dos reembolsos do IVA decorrente das trocas intracomunitárias.
34. A final de 2007, a sociedade era devedora de €15.406,00, a título de IVA sendo que tais dívidas decorriam da falta de declaração e aceitação por parte da Ad. Tributária dos reembolsos do IVA decorrente das trocas intracomunitárias.
35. Os arguidos TS...e HM..., bem como outros trabalhadores emitiram cheques pessoais para pagamento de dívidas e salários aos trabalhadores e a fornecedores.
Da defesa da arguida EK...
36. A arguida foi contratada como TOC pelo Sr. RM... no âmbito da extinta sociedade Moldoquimica.
37. Quando a WW... assumiu a estrutura de S.A., tiveram de ser nomeados membros para o conselho de Administração tendo sido a pedido do Referido RM... que a arguida aceitou o cargo.
38. Após a saída do Eng. BS..., pediu a demissão da função, tendo-lhe sido solicitado que mantivesse o nome em virtude de a banca a reconhecer como pessoa credível.
39. A arguida EK...apesar de apresentar os mapas de pagamentos a efectuar nas reuniões, colocando em primeiro lugar os impostos e contribuições para a segurança social, nunca eram aceites pelos restantes membros que decidiam efectuar os pagamentos para que a fábrica funcionasse – fornecedores e trabalhadores.
40. As decisões eram cumpridas por trabalhadores da confiança dos arguidos HM... e TS....
Das condições económicas e sociais dos arguidos:
41. Os arguidos não possuem antecedentes criminais.
42. A arguida EK...encontra-se a trabalhar como professora a recibo “verde” auferindo em média a quantia de €1.100,00 mês.
43. Vive em casa própria pagando uma prestação ao Banco de €520,00/mês, para aquisição da casa, uma prestação de €276,00/mês para aquisição de carro próprio.
44. Encontra-se obrigada em virtude de avais pessoais dados à WW... a pagar três prestações mensais no valor de €350,00/mês.
45. Vive na companhia da mãe que é pensionista no regime geral.
46. O arguido TS...vive em casa própria, encontrando-se desempregado, na companhia da esposa e de um filho com 5 anos de idade.
47. A esposa exerce a profissão de gerente de uma transitária auferindo o SMN.
48. Encontra-se a pagar uma prestação ao Banco no valor de €75,00/mês.
49. O arguido HM...e o arguido TS...são cunhados, em virtude da esposa do arguido TS... ser irmã do arguido HM…, e consequentemente filha de RM....
50. O arguido TS...bem como o arguido HM... assumiram as funções por os pais serem sócios da WW... e terem avais pessoais dados à sociedade, tendo estes arguidos ficado com as participações sociais.
51. Quanto ao arguido HM... não se apuraram as condições económicas e sociais por o mesmo se ter recusado a prestar declarações sobre todas as questões que lhe foram colocadas à excepção da identificação.

E deu-se como não provado que :
1. a WW... se mantivesse em auto gestão.
2. que apesar da arguida EK...formalmente se manter como Administradora da Sociedade as suas opiniões e opções fossem respeitadas pelos restantes membros, tanto mais que o ROC da sociedade sempre alertou para o facto de existirem dívidas à Seg, Social.
3. que fosse a arguida EK...que procedesse pessoalmente ao pagamento de quantias e assinasse cheques da sociedade.
+
FUNDAMENTAÇÃO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas.

Não há que ampliar a matéria de facto relativamente àscondições económicas do arguido HM…. Desde logo faz-se notar que ele próprio se recusou a prestar declarações também nessa parte. E se é verdade que o tribunal podia oficiosamente investigar esse particular, o facto de ter sido imposta uma pena de prisão, em relação à qual os recorrentes não fazem oposição no recurso, torna irrelevante , agora, saber dos recursos económicos do recorrente HM...: só teria interesse se se tratasse de uma pena de multa.

Pretendem os recorrentes que as penas de prisão em que foram condenados devem ser fixadas no minimo legal.
Para encontrar a pena aplicável e fixar o seu quantum o tribunal de recurso disse, no essencial : « (...) importa ter em conta por um lado o período de tempo que a situação se manteve, sendo que alguns dos períodos não atingem o valor da condição objectiva de punibilidade - €7.500,00 – mas cujo montante global é muito elevado, sendo que no quadro das circunstâncias em que a actividade da sociedade se vinha a desenvolver era patente que não era possível a recuperação. (...). Militam assim contra os arguidos (...) o tempo em que procederam ao desconto das cotizações para segurança social – três anos – o valor da dívida, a intensidade do dolo que é directo. Militam a favor dos arguidos a sua integração social e ter cessado a actividade da sociedade em causa. O comportamento em causa possui uma gravidade social elevada, atendendo aos reflexos que o mesmo tem na solvabilidade e sustentabilidade do sistema de previdência e na possibilidade de repartição justa e equitativa dos custos de funcionamento do Estado. Por outro lado não pode deixar de ter em conta o tribunal que tais comportamentos se traduzem do lado dos arguidos numa utilização de recursos públicos, desde logo os valores de impostos recebidos e os bens públicos, sem que os mesmos tenham contribuído para a sua criação ou manutenção. Quanto às razões de prevenção geral há que atender ao interesse que o pagamento dos tributos à segurança social, mantendo o sistema de estado social de direito que ainda se encontra em vigor neste pais, sendo o seu fundamento financeiro e também fundamento ético (...) No que toca a razões de prevenção especial, o crime foi executado de forma continuada, ou seja com a verificação de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, a falta de fiscalização durante um período de três anos ).
Ora, o tribunal destaca e bem os grandes valores envolvidos, o longo período de tempo em que os recorrentes actuaram, o que exprime um dolo intenso, e faz sobressair as exigências assinaladas à prevenção geral ( negativa ou de intimidação : dissuadir outros de praticar crimes ; prevenção geral positiva ou de integração : manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força das suas normas ) e à prevenção especial ( prevenção especial positiva ou de socialização ; prevenção especial negativa ou de neutralização do agente do crime ).
Por outro lado, não se pode ignorar que o crime continuado é punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação ( art. 79.º do Cpenal ), mas a gravidade e persistência dos actos unificadores podem e devem ser factores de agravação, podendo revelar ,designadamente, uma maior falta de preparação para manter uma conduta licita ( Ac STJ, de 15-5-91, BMJ, 407.º, 167 ; Ac STJ de 4-5-83, proc. 36975 ; Ac STJ, de 24-11-93, BMJ, 431.º-255 )
Assim, as penas concretas, que aliás nem estão muito longe do minimo legal, estão correctamente fixadas.

O tribunal recorrido entendeu suspender as penas de prisão e fixar uma condição. E disse porquê : « No entanto resulta do artigo 14º, nº 1 do RGIT que a suspensão da execução da pena de prisão será sempre condicionada ao pagamento da quantia em dívida e acréscimos legais ».
É quanto basta para perceber o porquê da condição

Os recorrentes entendem que a aplicação da subordinação da suspensão da execução da pena ao pagamento da quantia em dívida viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, constantes dos artigos 13.° e 18.°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Conhecem-se várias decisões do Tribunal Constitucional a não julgar inconstitucional esta norma, na interpretação já referida. Trata-se dos Acórdãos de 21/05/2003, proc. 647/02, de 07/07/2003, proc. n.º 282/03 e de 15/07/2003, proc. 3/2003, todos consultáveis em texto integral em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acórdãos.
O primeiro destes Acórdãos, que os outros depois em grande medida transcrevem, alinha em resumo os seguintes argumentos sobre a questão : « A) Não faz sentido analisá-la à luz da proibição da prisão por dívidas. Na verdade, mesmo que se considere - e é isso que importa determinar - desproporcionada a imposição da totalidade da quantia em dívida como condição de suspensão da execução da pena, o certo é que o motivo primário do cumprimento da pena de prisão não radica na falta de pagamento de tal quantia, mas na prática de um facto punível." ; B) "As razões que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do artigo 51º, n.º 2, do Código Penal (supra, 10.6.), não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida. Dito de outro modo, o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento dos impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e, como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena como medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente." ;
C) "Cabe, todavia, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer. (...) Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade de suspensão da execução da pena. Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de cumprimento impossível. Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de cumprimento da obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora, nada permite supor a existência de um tal prognóstico: sucede apenas que a lei - bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos ocupa, irrelevante -, verificadas as condições gerais de suspensão da execução da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento da quantia em dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito, indiferente. Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida." ; D) "(...) o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado ; E) Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, e no artigo 14º do RGIT."
Perante esta argumentação do Tribunal Constitucional, já reiterada noutros Acórdãos e apenas com um único voto de vencido da primitiva relatora de um deles (o de 15/07/2003, proc. 3/2003(1)), não seria razoável procurar uma orientação diversa, tanto mais que o recorrente não avança com argumentos novos.
Por isso, não consideramos inconstitucional a interpretação do art.º 14.º, n.º 1, do RGIT, feita no Tribunal recorrido.
Por outro lado, no momento em que o recorrente tiver de prestar contas sobre o cumprimento da condição de suspensão, o Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da pena por incumprimento dessa condição se este for culposo. E só o fará depois de ouvir as razões que lhe forem apresentadas pelo arguido, se não resultarem as demais medidas referidas no art.º 55.º do CP e se forem infringidas grosseira ou repetidamente os deveres impostos (art.º 56.º, n.º 1, al. a), do CP). »
No mesmo sentido se pronunciou, por exemplo, o Ac do STJ , de 6-1-2005, proc. 04P4204, www.dgsi.pt

No entanto, acompanhamos o Exmo PGA quando refere que existe « A possibilidade legal de o período da suspensão da pena poder ser superior ao da pena de prisão, aplicando o regime do art. 14. °, n ° 1 do RGIT, por se tratar de um regime especial, e não o do art. 50. °, n ° 5 do Cód. Penal, conforme, alias, tern sido entendido pela jurisprudencia desta Re/ação de Coimbra (cfr. neste sentido os Acs de 21/01/2009 (processo n° 342/06.6TAAVR.C1), de 10/02/2010 ( processo n° 145/04.8IDPMS Cl), de 28/04/2010 (processo n° 15/07.81DGRD.C2) e 07/07/2010 (processo n° 71/07.9IDCBR. Cl), todos a consultar em www.dgsi.pt/jtrc) »., pois também nós entendemos que a norma do artigo 14º da Lei 15/2001 de 5 de Junho (RGIT) encontra-se em vigor, não tendo sido revogada pela norma do artigo 50.º-5 do CodPenal ( na redacção dada pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro ), já que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador, como estatui o n.º3 do art.º7.º do CódCivil...
Tendo em conta os grandes valores envolvidos, consideramos adequado que a condição suspensiva seja alargada no tempo : será assim fixada em 4 anos

Ao contrário do que dizem os recorrentes, o valor em divida à Segurança Social não é apenas o referente às parcelas superiores a € 7.500,00. Todas as prestações , superiores ou não a tal valor, fazem parte da divida, e assim bem andou a sentença recorrida quando condenou no seu pagamento.
E aliás nem se percebe a alusãoàquele valor : como é sabido, o STJ no ac.n.º 8/2010 ( DR, 1.ª série, de 23 de Setembro de 2010 ) fixou a seguinte jurisprudência : « a exigência do montante mínimo de € 7500, de que o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107.º, n.º 1, do mesmo diploma ».

Por último, como refere o MP da 1.ª instância ( cfr fls 2207 )o valor em divida é de € 317,128,29, porquanto do mapa constante dos factos não se deduziu os valores pagos concernentes aos mesesde Julho e Agosto de 2002
+
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Concede-se parcial provimento ao recurso dos arguidos e, em consequência :
- mantém-se a condenação dos recorrentes na pena de 10 (dez ) meses de prisão, mas suspensa na sua execução por um período de 4 ( quatro ) anos, na condição de efectuarem, no mesmo prazo, o pagamento das quantias em dívida à SegSocial, no valor de € 317,128,29
- mantém-se a condenação civil, mas atento o valor de € 317,128,29

II- Custas pelos arguidos , com 2 Ucs de taxa de justiça cada um
-
-
-
PauloValério (Relator)

Frederico Cebola )