Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
239/14.1PECBR.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
PENA PRINCIPAL
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 77.º E 78.º DO CP
Sumário: 1. Na situação em que uma pena inicial de prisão é substituída por outra - designada por pena substitutiva -, verificando-se os pressupostos para a realização de cúmulo jurídico das diferentes penas parcelares, o que prevalecerá, para estes efeitos, não é a pena de substituição mas sim a pena principal aplicada.

2. Uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


No processo comum com intervenção do Tribunal Singular, acima identificado, procedeu-se à realização do cúmulo jurídico das penas, que foram aplicadas em outros processos ao arguido A... , nomeadamente, no processo nº 392/13.1PCCBR e nestes autos, aplicando-se a pena única de três (3) anos de prisão.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, A... , sendo que na respectiva motivação conclui:
1. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão, nos termos do artigo 77.º do Código Penal.
II. O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
- O arguido a 30 de Outubro de 2014 encontrava-se a fornecer produtos estupefacientes na Rua Cidade Aeminium, em Coimbra.
- Conhecia a natureza e características do produto estupefaciente que vendia, e sabia que os seus atos eram criminalmente censuráveis.
- Nos autos do processo n.º 392/ 13.1 PCCBR, foi condenado na pena de 20 (vinte) meses de prisão, por factos ocorridos a 13 de Março de 2013, pela co-autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210., n.º 1, do Código Penal.
111. O arguido foi condenado, nos autos do processo n.º 239/14.1PECBR, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, pelos factos de 30 de Outubro de 2014, substituída pela pena de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, por sentença proferida em 17 de Novembro de 2014 e transitada em julgado em 17 de Dezembro de 2014.
IV. Nos autos de processo n.º 392/13.1PCCBR, o arguido foi condenado na pena de 20 (vinte) meses de prisão efetiva, pelos factos ocorridos a 13 de Março de 2013, sentença proferida a 26 de Junho de 2014, e transitada em julgado em 06 de Maio de 2015.
V. O arguido encontrava-se detido a 17 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo nº 24/15.3JACBR.
VI. Nestes termos, não foi possível ao arguido A... cumprir a pena substitutiva que lhe fora aplicada nos autos do processo n.º 239/14.1PECBR.
Assim, vejamos:
VII: Conforme a ordenação cronológica, os crimes do arguido enquadram-se no artigo 77.º do Código Penal: "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena."
VIII. "Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa a diferente natureza destas mantém-se na pena única” citando o n.º 3 do artigo 77.º do Código Penal.
IX. Importa, neste momento, relembrar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Setembro de 2013, Processo nº 108/08.4SFLSB-A.L1-3, (possível para consulta no endereço electrónico que teve como questão fulcral saber: "há ou não lugar a cúmulo jurídico entre uma pena de prisão efectiva e uma pena de prisão suspensa na sua-execução"
X. “A Mª Juiz "a quo "entendeu que a resposta a tal questão será negativa."
XI. O Tribunal da Relação de Lisboa profere opinião própria e clara, relativamente, a este ponto controverso: "Na verdade, para que se possa entender que pode haver lugar a cúmulo jurídico de uma ou mais penas, necessário se mostra que as mesmas tenham a mesma natureza. Ora, salvo o devido respeito, tal não sucede com uma pena de prisão efectiva e uma pena de prisão suspensa."
XII. É a própria Lei, no artigo 77.º n.º 3 do Código Penal, que refere, como supra se citou, a manutenção da diferente natureza das penas na pena única.
XIII. No caso sub judice, estamos perante una pena privativa da liberdade, a pena de prisão efetiva, e uma outra pena, mas desta feita, não privativa da liberdade, a Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade.
XIV.    "Assim, a natureza deste instituto mostra-se equivalente ao de uma pena substitutiva, pois rege-se por normativos próprios, diversos das regras relativas à reclusão" citando o Acórdão referenciado supra.
XV. Apesar de, no Acórdão em apreço estar em causa uma pena de prisão efetiva e uma pena de prisão suspensa na sua execução, é invocada a analogia às penas de substituição, trazendo uma maior aplicação prática aos presentes autos.
XVI.    "E se assim é, esta pena não se mostra passível de ser objecto de cúmulo jurídico com uma outra pena, que não tem a mesma natureza."
XVII.   "Note-se, aliás, que tal é a regra nos casos das restantes penas substitutivas, em que apenas se mostrará viável tal cúmulo se, ocorrendo revogação, a pena substituída for afastada e se retornará pena base."
XVIII.  Tal revogação não ocorreu nos autos do Processo n.º 239/14.1PECBR.
XIX.    “Assim, para que se pudesse subscrever a tese da cumulação sem revogação, teríamos que entender que, em todos os casos de penas de prisão substituídas por outras penas, caso se verificassem os requisitos previstos nos arts 77 e 78 do C. Penal isso determinaria uma alteração judicial discricionária da sua natureza, para possibilitar a sua cumulação, o que vai manifestamente contra a lei, que impõe critérios quer para a substituição quer para a revogação." No sentido da inadmissibilidade deste tipo de cúmulo jurídico, veja-se Ac STJ,. Proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1, 3ª secção, 14-03-2013.
XX. "Como resulta do artigo 56º do Código Penal, a revogação não é automática; mesmo verificados os pressupostos de que depende, é sempre necessária uma decisão que aprecie e avalie se a quebra dos deveres de que depende a suspensão assume gravidade que determine a revogação, e mesmo em caso de prática de crime é necessário que uma decisão verifique que, concretamente, não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão.      
XXI.    "Só a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença - artigo 56, nº 2, do Código Penal. A pena suspensa é declarada extinta se, como dispõe o artigo 57º, nº 1, do Código Penal, durante o período da suspensão não houver motivos que possam conduzir à revogação. A pena de substituição é, pois, uma pena de natureza diferente da pena de prisão, pela natureza e função que lhe está politico-criminalmente adstrita "citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.0 287/12.6TCLSB.L1.S1, 3ª Secção, de 14-03-2013, referenciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
XXII.   "Ora, ao afastar-se tal suspensão, sem que se tenha averiguado ou sequer ocorrida tal violação, imputável ao próprio arguido, está o julgador a agir derrogando lei expressa" mencionando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Setembro de 2013,
XXIII.  O tribunal deve, sempre que de forma adequada e suficiente, for possível realizar as finalidades da punição, dar preferência às penas não privativas da liberdade, critério que o julgador deve seguir para a escolha da pena, artigo 70.º do Código Penal.
XXIV. "A questão que se coloca já não é nova e quanto à sua resolução duas teses se perfilam: Uma, minoritária que obteve vencimento no presente acórdão e que entende que não é possível cumular penas de prisão, efetivas com penas de prisão cuja execução esteja suspensa com o argumento que esta é urna pena de substituição e, portanto, tem diferente natureza da pena de prisão efectiva. Tese subscrita pelo Acórdão STJ de 02.06.2004 (Proc.º 4P1391, rel. Cons. Henriques Gaspar)
XXV.   Deve atender-se à diferente natureza das penas para cumulação material das mesmas.
XXVI. Não correspondendo à ratio subjacente às normas de substituição, que estas possam ser revogadas automaticamente.
XXVII. "Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena única não deve englobar as penas parcelares cuja execução ficou suspensa na sua execução, porquanto estas são penas de substituição e, portanto, têm diferente natureza das penas de prisão. Cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível" [negrito e sublinhado nosso] Cfr. Ac. Relação de Lisboa, proferida no âmbito do processo 108/08.4sFLsB-A.L 7-3, datado de 71-09-2073.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:
- ATENDER À DIFERENTE NATUREZA DAS PENAS
II - CONSIDERAR ESTE TIPO DE CÚMULO JURÍDICO INADMISSÍVEL
III - PERMITIR O ARGUIDO CUMPRIR A PENA SUBSTITUTIVA EM REGIME NÃO PRIVATIVO D LIBERDADE.
Nestes termos, deverá ser       concedido provimento ao presente recurso e, em consequência revogando-se a douta sentença recorrida.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA SÃ JUSTIÇA!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.
           
Com interesse para a decisão deram-se como assentes os seguintes factos:
1 – Nos presentes autos, por sentença proferida em 17 de Novembro de 2014, transitada em julgado 17 de Dezembro de 2014, foi o arguido condenado pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25.°, al. a), do Dec.-Lei 15/93, de 22/0 1, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, substituída, nos termos do art.º 58.°, n.ºs 1, 2, 3 e 5, do Código Penal, pela pena de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade;
2 - Respeita esta condenação à seguinte factualidade:
3 - O arguido não desempenha qualquer trabalho remunerado;
4 - Para suportar as suas despesas vende estupefacientes;
5 - Costuma fazê-lo, sobretudo à tarde e à noite, na zona da Baixa de Coimbra, nomeadamente, num dos acessos pedonais ao rio existente na Rua Cidade Áeminium;
6 - No desenvolvimento dessa sua actividade, no dia 30 de Outubro de 2014, à tarde, na Rua Cidade Aeminium, em Coimbra, lugar procurado pelos toxicodependentes para aquisição de estupefacientes, tinha consigo cocaína para vender a conhecidos, amigos e consumidores dessa substância;
7 - Para o efeito, trazia, também, dois telemóveis, um marca SAMSUNG e outro marca VODAFONE, que lhe permitia contactar e ser contactado por alguns dos interessados na referida substância;
8 - Assim, nesse dia e local, entre as 16 horas e 10 minutos e as 16 horas e 30 minutos, foi abordado três vezes por indivíduos do sexo masculino, em cada uma delas por um indivíduo diferente;
9 - Depois daqueles indivíduos lhe entregarem dinheiro, que logo guardava numa carteira preta que tinha colocado sobre o muro aí existente, baixou-se, apanhou parte da cocaína que aí tinha escondida no chão e entregou-lha em troca do preço que lhes cobrou;
10 - Pelas 16 horas e 30 minutos foi abordado por G... , indivíduo dependente de drogas, a quem se preparava para lhe vender também cocaína;
11 - Nessa altura, os agentes da PSP aproximaram-se deles;
12 - Encontraram na posse do arguido dois telemóveis, um marca Samsung com o no de série 35 ... 19358/0 e outro marca Vodafone com o n.º de série 35... .
13 - Na carteira que o arguido matinha junto de si pousada no muro encontraram:
- uma (1) nota de vinte euros (€ 20);
- onze (11) notas de dez euros (€ 10);
- nove (9 ) notas de cinco euros (€ 5);
- três (3 ) moedas de dois euros (€ 2);
- dez (10)moedas de um euro(€ 1);
- uma (1) moeda de cinquenta ( 50 ) cêntimos;
- três ( 3 ) moedas de vinte ( 20 ) cêntimos; e
- oito( 8 ) moedas de dez (10 ) cêntimos;
14 - E no local que o arguido ocupava, onde se manteve durante algum tempo, foi contactado por vários indivíduos, numa média de três em 20 minutos, e tinha escondida a droga no chão, encontraram uma porção de cocaína, com o peso líquido de 1,339 gramas, com um grau de pureza de 64%, dividida em vários pacotes, vulgarmente designados por dentes, comercializados ao preço de dez euros cada um;
15 - Todos esses bens pertenciam ao arguido;
16 - Destinava a referida substância à distribuição de terceiros;
17 - E o dinheiro acima indicado, no valor total de cento e noventa e dois euros e noventa e cinco cêntimos (€ 192,95), era proveniente de vendas já efectuadas;
18 - Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
19 - Vendeu e pretendia continuar a vender e ceder o produto estupefaciente que guardava;
20 - Conhecia a natureza e características do produto estupefaciente que vendia e tinha na sua posse;
21 - E sabia que a compra, venda, cedência, detenção e consumo dos mesmos era criminalmente censurável;
22 - Nos autos de processo comum singular que correm termos sob o n.º 392/13.1PCCBR no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Instância Local de Coimbra, Secção Criminal, Juiz 2, proferida em 26 de Junho de 2014, transitada em julgado em 06 de Maio de 2015, foi o arguido condenado pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão;
23 - Respeita esta condenação à seguinte factualidade:
24 - No dia 13 de Março de 2013, pelas 021145, os arguidos B... , também conhecido por " BB... ", C... , D... , também conhecido por " DD... " e A... , igualmente conhecido por " AA... ", acordaram entre si apropriarem-se do veículo Volkswagen Polo de matrícula ... TS, propriedade de E... e no valor aproximado de € 3.000,00;
25 - Este veículo encontrava-se estacionado na Rua Bayer, em S. Martinho do Bispo, em frente à Bluepharma, com o E... no lugar do condutor e o F... no lugar do passageiro;
26 - Os arguidos decidiram levar consigo uma cadela de raça perigosa (pitbull raçado de boxer), de modo a causar receio nos ocupantes do veículo;
27 - Assim, na execução do referido plano, os arguidos, trazendo a cadela pela trela, abeiraram-se da viatura de matrícula ... TS, cercando-a, tendo um arguido aberto a porta do condutor e pedido um cigarro ao E... , ao mesmo tempo que um dos outros arguidos entrou na viatura, para o lugar traseiro do lado direito;
28 - Nessa altura, o condutor tentou esquivar-se, colocando a viatura em funcionamento, momento em que o arguido que se encontrava no banco de trás do veículo puxou o travão de mão, tendo a chave da ignição sido retirada por outro arguido que ainda se encontrava no exterior;
29 - De seguida, um dos arguidos agrediu E... com diversos murros e puxou-o para o exterior, momento em que este se colocou, apeado, em fuga, tendo o F... saído igualmente da viatura e começado a fugir, com receio de ser agredido;
30 - Os arguidos entraram todos no veículo, levando consigo a cadela acima referida, colocaram a viatura em funcionamento e abandonaram o local, no veículo, em direcção a Coimbra;
31 - A viatura ... TS foi recuperada em 17/03/2013 pelas autoridades policiais, tendo sido encontrada estacionada na Rua do Alto da Relva, em S. Martinho do Bispo, com diversos danos;
32 - Os arguidos B... , C... , D... e A... actuaram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo, em conjugação de esforços e na prossecução dos objectivos que previamente haviam traçado, com o propósito firme e concretizado de se apropriarem do veículo acima referido, recorrendo à força física e à intimidação dos seus ocupantes, de modo a impossibilitá-los de resistir;
33 - Mais sabiam que aquele bem não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do seu proprietário;
34 - Encontravam-se igualmente cientes da proibição e na punição criminal das suas condutas;
35 - O arguido foi internado entre os 9 e os 15 anos na Casa ... em Setúbal, onde concluiu o 4.º ano de escolaridade;
36 - Após a saída desta instituição, reintegrou o agregado materno, composto pela mãe, padrasto e um irmão;
37 -Iniciou o consumo de haxixe com 14/15 anos;
38 - Foi condenado a uma pena de prisão suspensa, que viria a ser revogada;
39 - Durante o cumprimento da pena terminou o 6.° ano e frequentou um curso profissional;
40 - Saiu em liberdade em Janeiro de 2013;
41 - Desconhece o paradeiro da mãe e reside na cada do padrasto;
42 - O padrasto aufere € 335,00 e o arguido de RSI a quantia de € 176,00;
43 - Vai começar a trabalhar como empregado de mesa;
44 - O arguido A... foi condenado:
a) Em14.05.2008, por sentença transitada em julgado em 03.06.2008, pela prática de um crime de roubo, praticado em 06.12.2005, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo;
b) Em 17.03.2009, por sentença transitada em julgado em 15.09.2009, pela prática de um crime de roubo, praticado em 15.06.2005, na pena de 18 meses de prisão;
c) Em cúmulo, englobando estas duas penas, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão;
d) Em 08.07.2011, por sentença transitada em julgado em 23.09.2011, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, praticado em 30.05.2009, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
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DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
 Inexistem factos não provados.
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa.
*
DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Os factos provados resultam do teor da sentença proferida nos presentes autos, da certidão extraída dos autos de processo comum singular que correm termos sob o n.° 392/13. 1PCCBR no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Instância Local de Coimbra, Secção Criminal, Juiz 2, bem como do teor do respectivo certificado de registo criminal.
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A... no processo comum singular 392/13.1PCCBR foi condenado, por decisão transitada em julgado em 06.05.2015, pela autoria de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210º, n°1 do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
Nos presentes autos - 239/14.1PEC13R, por decisão transitada em julgado em 17.12.2014, foi condenado, pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25°, a,. a), do Dec.-Lei 15/93, de 22.01, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, substituída, nos termos do art. 58°, nºs. 1 a 3 e 5 do Código Penal, na pena de 480 (quatrocentos e oitenta) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Proferida decisão de cúmulo jurídico das referidas penas, o arguido foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão.
            O recorrente impugna tal decisão por entender que a natureza diferente das duas penas parcelares obsta á realização do cúmulo das mesmas.
O regime da punição do concurso de crimes está fixado no art.77.º, do Código Penal, que estipula o seguinte:
1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
Por sua vez, quanto ao conhecimento superveniente do concurso, dispõe o artº 78.º do Código Penal:
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.
“A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso obedece às mesmas regras que se encontram estabelecidas para o cúmulo jurídico a realizar no momento da condenação por uma pluralidade de crimes e consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O pressuposto que está na base da aplicação das mesmas regras, seja o concurso conhecido integralmente ou não no momento da condenação pela prática de cada um dos crimes, é o de garantir um tratamento igual em ambos os casos, sendo precisamente o princípio constitucional da igualdade que determina a aplicação de idênticas regras na operação de cúmulo jurídico contemporânea ou posterior à condenação por cada um dos crimes e, igualmente, é ele que justifica que não ocorra em sentido técnico estrito trânsito em julgado em relação à pena única enquanto for possível a realização de novo cúmulo jurídico segundo as regras dos artigos 77º e 78º do Código Penal pois, só assim, se garante a efectivo tratamento igual do que é igual. É que a pena única final que reúna as penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes em concurso não pode ter resultado diferente em função do momento da realização das operações de cúmulo jurídico, posto que tal não constitui circunstância que possa e deva influir no doseamento da pena.
Nesta apreciação ou fixação de pena conjunta, o legislador ressalvou expressamente as situações de “penas de natureza distinta” reportando-se, nos termos do transcrito nº 3 do artigo 77º, do CP, às penas de prisão e multa, situações em que a diferente natureza destas se mantém”, (Ac Rel Lx 33/07.6PDFUN.A.L1-9 de 22709/2011).
Nos presentes autos, as penas aqui em questão têm a mesma natureza ao contrário do sustentado pelo recorrente, São penas que têm a mesma natureza.
O arguido foi condenado na pena de 20 (vinte) meses de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade. A prestação de trabalho é uma pena de substituição que para efeitos de realização do cúmulo perde a sua autonomia.
Conforme é referido no Acórdão acima citado “esta pena de trabalho a favor da comunidade resultante da substituição de uma pena de prisão, não é exactamente o mesmo, não tem a mesma natureza nem deve ter, consequentemente, o mesmo tratamento, que uma pena de multa directamente aplicada, constituindo “verdadeiras penas” - dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (artigo 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social” – Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, AEQUITAS/Editorial Notícias, 1993, §§ 78 e segs., pp. 89 e segs., sobre a concreta questão da natureza da pena substitutiva da pena de prisão.
Sendo esta a sua verdadeira natureza, nada obsta a que se proceda ao cúmulo jurídico de diferentes penas, incluindo as de substituição – cfr., neste sentido o mesmo Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, a págs. 295 (§ 430) em que afirma o seguinte: «Nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeitos de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás (supra § 419), valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva».
Assim, na situação como a dos presentes autos, em que uma pena inicial de prisão é substituída por outra – designada por pena substitutiva (trabalho a favor da comunidade) –, verificando-se os pressupostos para a realização de cúmulo jurídico das diferentes penas parcelares, o que prevalecerá, para estes efeitos, não é a pena de substituição mas sim a pena principal aplicada, não estando o tribunal impedido, ao efectuar o cúmulo jurídico, de ponderar a possibilidade e oportunidade de aplicar uma pena substitutiva à pena que resultar do cúmulo jurídico, bastando que, para o efeito, que se verifiquem os necessários pressupostos – cfr. Ac. Relação do Porto de 08/06/2011, Proc. 237/07.1TAVRL.P1, Relator: Luís Teixeira, in www.dgsi.pt.

*
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

Coimbra, 15 de dezembro de 2016

(Alice santos - relatora)
                              
(Abílio Ramalho - adjunto)