Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
401/07.3TBSCD-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
MORA
MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
NEGÓCIO USURÁRIO
CLÁUSULA PENAL
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 282, 437, 438, 804, 801, 810, 812 , 813 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10
Sumário: 1.No regime das cláusulas contratuais gerais, a comunicação delas à outra parte deve ser integral e realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a complexidade do acordo, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência. Impõe-se ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

2. Os efeitos da mora, decorrentes do atraso certo e aprazado, não dependem de qualquer comunicação.

3. O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

4. A mora do credor não exige a sua culpa, mas os actos omitidos têm de ser essenciais.

5. Não é suficiente para a modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias ( art.437 CC) a simples invocação da crise imobiliária.

5. A parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.

6. O negócio é usurário quando a parte tem consciência de que está a tirar proveito da inferioridade de outrem, para atingir, com a prestação deste, benefícios excessivos e injustificados e estes sejam efectivamente excessivos e injustificados.

7.O momento relevante para a aplicação do art.282 do CC é o da formação do contrato.

8. Cabe ao devedor o ónus de alegar e provar factos dos quais se possa concluir pela desproporção entre o valor resultante da cláusula penal e os danos a ressarcir.

9. Na falta de factos concretos, e em absoluto, não pode ser considerada excessiva uma cláusula penal correspondente a uma sobretaxa de 4% ao ano, sobre o capital em dívida, para o caso de incumprimento contratual num contrato de mútuo bancário.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

J (…) deduziu oposição à execução, para pagamento de quantia certa, instaurada contra si e contra C (…), P (…)  e S (…), Lda, pela C E(...) , alegando, em síntese:

O contrato de mútuo celebrado tinha o dia 29 de Agosto de 2006 como prazo contratual para a restituição do montante emprestado; só após aquele dia é que se verifica o incumprimento;

A sociedade executada não recebeu qualquer missiva da exequente a resolver o contrato;

O teor do documento complementar à escritura, com excepção do valor do spread, não foi objecto de negociação; os executados limitaram-se a subscrever em bloco as cláusulas contratuais, sem que delas tivessem tido conhecimento adequado;

A exequente atrasava a celebração das escrituras de venda, onerando a sociedade executada com o pagamento de juros acrescidos;

A exequente não entregou à sociedade executada a totalidade do financiamento necessário à conclusão de um dos edifícios, encontrando-se esta impedida de celebrar quaisquer contratos, impedindo a obtenção de rendimentos para pagar à exequente;

Em 8 de Outubro de 2007, foi proposto à exequente a dação em pagamento, por conta da liquidação da totalidade da quantia mutuada, dos dois prédios hipotecados, proposta que aquela recusou.

Com tal atuação da exequente, foram sendo cobrados mais juros, tornando mais difícil o pagamento do montante devido, o que constitui um aproveitamento daquela de uma situação de dependência da sociedade executada;

A mora é da credora, pois não praticou ela todos os atos necessários ao cumprimento da obrigação, podendo os executados recusar o pagamento;

A conduta da exequente provocou danos que deverão ser compensados;

A sua conduta revela usura, em face do aproveitamento da necessidade da sociedade executada, pretendendo alcançar um benefício excessivo e injustificado;

Deve ser modificado o negócio segundo juízos de equidade, através da exclusão da cláusula penal e com o congelamento dos juros desde 29.08.2006, por se ter verificado uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

É nulo o documento complementar à escritura, nos termos do disposto nos artigos 5º e 8º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 220/95;

É nula a forma de arredondamento da taxa de juros prevista na cláusula primeira do documento complementar à escritura, porquanto viola o disposto no artigo 4º, do DL n.º 240/2006, 22.12, aplicável por força do artigo 3º do DL n.º 171/2007, de 8.05, bem como dos princípios e regras vertidos no DL n.º 220/95, 31.01;

São nulas as cláusulas 5º e 6º do documento complementar à escritura porque violam os princípios e regras constantes no artigo 19º, alínea c) no DL n.º 220/95;

A cláusula penal deve ser reduzida, por ser manifestamente excessiva e desproporcionada.

Contestou a exequente, em síntese:

As partes são conhecedoras dos termos do contrato, que é válido;

Porque não vendeu as casas construídas, a sociedade executada entrou em incumprimento em 29.06.2005;

A exequente resolveu o contrato com a execução;

A exequente não tem qualquer responsabilidade contratual.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a oposição à execução totalmente improcedente, determinando o normal prosseguimento desta.


*

Inconformado, o executado recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)


*

            A exequente contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

*

            Questões a decidir:

            Definir a lei processual aplicável à realização do julgamento e da sentença.

            Conferir a nulidade por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

            Conferir a falta de pronúncia sobre certos factos.

            A pedida reapreciação de certos factos.

            A nulidade contratual decorrente da falta de conhecimento do seu teor e significado.

            O incumprimento e resolução contratuais.

            A exceção de não cumprimento.

            A compensação de créditos.

            O negócio usurário.

            A modificação do contrato segundo juízo de equidade.

            O arredondamento dos juros.

            A redução da cláusula penal.


*


            Consideraram-se provados os seguintes factos:

1. A C E(...) instaurou em 04.06.2007 ação executiva para pagamento de quantia certa contra S (…), Lda, J (…), C (…), P (…), N (…) , apresentando como título executivo a escritura pública – constante de fls. 13/39 dos autos de execução – peticionando o pagamento do montante de €2.407.658,16:

Capital: 2.025.680,36;

Juros de 29.06.2005 a 27.02.2006 a 4,25% - 60573,30

Juros de 28.02.2006 a 28.08.2006 a 4,755 – 49400,56

Juros de 29.08.2006 a 27.02.2007 a 5,50% - 56634,64

Juros de 28.02.2007 a 30.05.2007 a 6,00% - 30722,81

Cláusula penal – 146056,17

Seguros – 3428,52

Juros sobre seguros – 254,60

Despesas – 487,60

Juros sobre despesas – 20,82

Imposto sobre despesas – 3,82

Imposto de selo – 34384,79

2. Entre a sociedade co-executada S (…), fiscalização e Projectos, Lda e a exequente foi celebrada, a 29.08.2001, escritura pública de Compra, Venda e Mútuo com hipoteca – cfr. documento 1 junto com o requerimento executivo que faz fls. 13/26 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - nos termos do qual consta que, entre a sociedade executada e a exequente foi celebrado tal acordo, na qualidade de segundo e terceiros outorgantes, do qual conta que a sociedade executada, representada pelos únicos gerentes, (…), aceitam a venda, pelo preço global de quarenta milhões de escudos, dos lotes de terreno n.º 5 e 6, para construção, inscritos, respectivamente, nas matrizes sob os artigos 2 186 e 2 187, ambos situados na Quinta da (...) , freguesia e concelho de Santa Comba Dão, e que celebram contrato de mútuo com garantia hipotecária, nos termos do documento complementar e das seguintes cláusulas:

“Cláusula primeira

Os segundos outorgantes confessam a sociedade sua representada devedora à C (...) da quantia de trezentos e cinquenta milhões de euros, contravalor de um milhão setecentos e quarenta e cinco mil setecentos e noventa e dois euros e sessenta e quatro cêntimos, que a título de mútuo dela recebem, destinando-se, segundo declaram, à construção de dois edifícios nos imóveis atrás identificados e adiante hipotecados.

(…)

4- Por conta do referido empréstimo, a parte devedora recebe neste acto a quantia de setenta milhões de escudos, contravalor de trezentos e quarenta e nove mil cento e cinquenta e oito euros e cinquenta cêntimos, sendo a entrega da restante quantia mutuada de duzentos e oitenta milhões de escudos, contravalor de um milhão trezentos e noventa e seis mil seiscentos e trinta e quatro euros e onze cêntimos, efectuada, por uma ou mais vezes, quando a C (...) , em função do estado de desenvolvimento da construção, autorizar o seu levantamento.

Cláusula segunda

1- Este contrato é celebrado pelo prazo de três anos a contar da presente data e prorrogável por períodos anuais até ao limite máximo de dois anos.

2- A prorrogação prevista no número anterior por cada período anual, considera-se tacitamente acordada se até à data do vencimento a C (...) não exigir o pagamento da dívida, sem prejuízo do disposto na cláusula de juros do documento complementar anexo.

(…)”. Após, mostram-se apostas as assinaturas dos representantes da sociedade co-executada.

3. Do documento complementar junto a fls. 21/26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta:

“Cláusula 1ª

(Juros)

1. O capital mutuado vence juros à taxa de seis vírgula cinco por cento, que resulta da média aritmética simples dos três dias de publicação das taxas diárias Euribor e seis meses, que antecedem os três dias úteis anteriores à data da celebração do contrato ou das revisões semestrais, arredondada para o um oitavo de ponto percentual imediatamente superior e acrescida, nesta data, de um spread de dois por cento.

2. Para efeitos do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei número 220/94, de 23 de Agosto, declara-se que a taxa anual efectiva (TAE), nesta data e com referência à taxa declarada no número anterior, é de seis vírgula sessenta e quatro por cento, conforme cálculo efectuado nos termos do mesmo diploma.

3. A taxa de juro determinada nos termos do número 1 da presente cláusula será objecto de actualização do seguinte modo:

a) A taxa de juro vigorará para o período semestral de contagem de juros em curso será comunicada à parte devedora com uma antecedência mínima de quinze dias em relação à data do débito efectivo da prestação relativa a esse período;

b) Se nada disser até à data do débito efectivo da prestação relativa ao período de contagem de juros em curso, considera-se que a parte devedora aceitou a taxa proposta, sem prejuízo da faculdade de reembolso parcial sem qualquer penalização.

c) Não querendo aceitar a taxa proposta, a parte devedora constitui-se na obrigação de proceder ao pagamento integral do empréstimo no prazo de quinze dias a contar da data da comunicação da nova taxa, sem qualquer penalização.

4. Os juros são pagos semestral e postecipadamente.

5. (…).

Cláusula 2ª

(Amortização)

A parte devedora obriga-se a amortizar integralmente o capital mutuado no termo do prazo contratual os suas prorrogações.

(…)

Cláusula 4ª

(Cláusula Penal)

1. Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, e se a C (...) recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de quatro por cento ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.

(…)

Cláusula 5ª

(Responsabilidade por despesas e encargos)

1. São da responsabilidade da parte devedora todas as despesas e encargos, nomeadamente de ordem fiscal, que a C (...) faça relativamente à celebração da presente escritura, respectivo registo de hipoteca, seu reforço, distrate ou cancelamento (…).

Cláusula 9ª

(Direito de resolução)

1. A C (...) reserva-se no direito de resolver o presente contrato, se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado, sem o seu

consentimento escrito, ou ainda nos casos de falência ou falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato, bem como de penhora ou qualquer intervenção judicial que possa afectar a garantia do contrato.

2. (…) Vale como interpelação para efeitos de determinação do vencimento da dívida, a simples citação nos termos legais para a acção executiva ou outra a que a C (...) recorra para manter, garantir ou haver o seu crédito.

(…)

Esta escritura foi lida e explicada quanto ao seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos os outorgantes. ” Após, mostram-se apostas as assinaturas dos representantes da sociedade co-executada e todas as páginas se encontram rubricadas.

4. No dia 2.08.2004, foi celebrada a escritura pública Adicional a mútuo com hipoteca constante de fls. 27/33 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), entre a C (...) , como primeiro outorgante, e (…), na qualidade de sócios, gerentes e em representação da S (...) , como segundo outorgantes, e C (…) (casada com), como terceira outorgante, nos termos da qual consta:

(…)Que, por escritura lavrada em vinte e nove de Agosto de dois mil e um (…) foi celebrado um contrato mútuo com hipoteca, entre a C (...) e a Parte Devedora, no montante de um milhão setecentos e quarenta e cinco mil setecentos e noventa e dois euros e sessenta e quatro cêntimos, para construção de dois edifícios na Urbanização Quinta da (...) , freguesia e concelho de Santa Comba Dão, pelo prazo de três anos, à taxa de juro anual de seis vírgula vinte cinco por cento, actualizável nos termos contratualmente definidos.

Que, para garantia do integral pagamento das obrigações emergentes e assumidas no já referido contrato de mútuo, a parte devedora assumiu, a favor da C (...) , hipoteca voluntária unilateral, que se mantém, sobre os seguintes imóveis: (…)

Que a parte devedora solicitou à C (...) , e esta aceitou, um aumento do capital mutuado em mais trezentos e setenta e nove mil duzentos e sete euros e trinta e seis cêntimos, que se destina à conclusão dos imóveis construídos nos prédios urbanos acima identificados.

Que, em consequência do pedido formulado pela parte devedora e aceite pela C (...) o novo aumento de capital mutuado perfaz o total de dois milhões cento e vinte

cinco mil euros, consubstanciado na escritura celebrada em vinte e nove de Agosto de

dois mil e um e no presente adicional.

(…)

Cláusula Primeira

Um – A parte devedora confessa-se devedora à C (...) da quantia de trezentos e

setenta e nove mil duzentos e sete euros e trinta e seis cêntimos, que neste acto dela recebe a título de empréstimo, pelo prazo de dois anos, para conclusão dos imóveis construídos nos prédios urbanos atrás identificados.

Dois – Por efeito da presente escritura e por força da confissão de dívida constante no número anterior, o novo montante do capital mutuado pela C (...) à parte devedora perfaz um total de dois milhões cento e vinte cinco mil euros, consubstanciado na escritura celebrada no dia 29 de Agosto de 2001 e no presente adicional.

(…)

Cláusula Terceira

Um – Os segundos e terceira outorgantes confessam-se e constituem-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela parte devedora no âmbito do empréstimo celebrado pela identificada escritura e no presente adicional, cujo conteúdo declaram conhecer e aceitar, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.

(…)

Foi feita em voz alta, aos outorgantes, na presença simultânea de todos, a leitura e explicação do conteúdo desta escritura”.

Após, mostram-se apostas as assinaturas dos representantes da sociedade co-executada e da terceira outorgante (a co-executada C (…)) e todas as páginas se encontram rubricadas.

5. A sociedade executada não pagou os juros vencidos desde 29.06.2005, nem as demais prestações contratuais vencidas desde então, mostrando em dívida a quantia exequenda, aquando da instauração da acção executiva (04.06.2007).

6. A exequente, por força dos factos referidos em 5., no requerimento executivo, declarou que considera rescindido o contrato e vencido o mútuo.

7. Todos os executados foram citados no âmbito dos autos principais.

8. A exequente entregou à sociedade executada o montante total de €2.025.680,36.

9. Foram vendidas as fracções designadas pelas letras “C” e “O”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, designado por lote 6, inscrito na matriz sob o artigo 2 187, após prévia autorização por parte da exequente.

10. No lote 6 (supra identificado) ainda se encontra por executar os seguintes trabalhos: Colocação de portão basculante em garagem – estacionamento; ponto de luz e interruptor a executar na garagem- estacionamento; gás e luz; antena TV e TV por cabo.

11. Ente a sociedade executada e F (…) foi celebrado o contrato promessa de compra e venda, datado de 13.abril. 2005, objectivando a venda do 1º andar D do lote 6.

12. Desde o início de 2002 que o país atravessa uma recessão económica, especialmente no mercado imobiliário e da construção civil, a qual ainda perdura.

13. Os apartamentos que a sociedade executada construiu destinam-se à classe média/baixa.

14. A sociedade executada, a 08.10.2007, propôs à exequente a dação em pagamento, por conta da liquidação da totalidade da quantia mutuada os dois prédios hipotecados e todos os apartamentos neles executados.

15. A exequente, a 05.11.2007, recusou a proposta de dação em pagamento.

16. Após, a sociedade executada consultou uma empresa de mediação imobiliária (R (...) ) para comercialização dos apartamentos através de arrendamento com opção de compra, e após submeteu à aprovação da exequente, a qual declinou.


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Definir a lei processual aplicável à realização do julgamento e da sentença.

           

O julgamento iniciou-se em maio de 2014.

A sentença recorrida foi proferida em 14.08.2014, seguindo os termos do artigo 607.º do novo Código de Processo Civil (doravante CPC), que entrou em vigor em setembro de 2013.

Este procedimento está correto em face da conjugação das normas dos artigos 5º, nº 1 e 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

A fase declarativa da oposição à execução é estruturalmente extrínseca à ação executiva.

Daí que, no âmbito do art.817º, nº2, do anterior CPC e 732º, nº2, do atual CPC, seguem-se os termos do processo declarativo.

Sendo declarativo o processo, a regra é a da aplicação imediata da nova lei, sendo certo que as exceções do referido art.5º não atingem o presente caso.

A norma do art.6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, deve restringir-se aos procedimentos e incidentes suscitados no próprio processo executivo.

Devemos notar que o próprio recorrente, em 05.12.2013, defende no ponto 4 do seu requerimento a aplicação do novo CPC e pede a marcação do julgamento.

O processamento da nova lei é aquele que o legislador entende como atualmente mais adequado.

E, em concreto, este regime não retira ao recorrente qualquer meio de defesa, concretamente de arguição de nulidades ou de reapreciação da matéria de facto ou de direito.

Pelo exposto, decide-se que a aplicação da nova lei processual foi correta.


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Conferir a nulidade por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

Invoca o recorrente a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615º, nº1, al. b), do CPC, com a alegação de que, quanto aos factos não provados e não considerados, se verifica uma falta de fundamentação. 

Comecemos por dizer que a irregularidade prevista na al. b), do nº 1, do artigo 615º do CPC – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito – prevista como uma das causas de nulidade da sentença, nada tem a ver com eventuais deficiências na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

A eventual falta de fundamentação, ou fundamentação insuficiente, da decisão sobre a matéria de facto, poderá importar, caso a insuficiência de fundamentação respeite a algum facto essencial, que a Relação determine que o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (artigo 662º, al. d), CPC).

O dever de fundamentação da matéria de facto encontra-se atualmente consagrado no 1º período do nº4 do art. 607º do CPC), nos seguintes termos: “O juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Ao fundamentar a sua decisão sobre os factos controvertidos e objeto de instrução, o juiz deverá referir quais os elementos de prova que foram determinantes para a aquisição da sua convicção, e quais as razões ou motivos que determinaram a sua credibilidade para o julgador.

Decisivo é que tudo respeite a factos essenciais.

No caso em apreço, o julgador, para além de fazer uma pequena súmula do teor das declarações prestadas em audiência de julgamento, confrontando-as com os documentos juntos aos autos, especifica os factos provados e factos não provados, revelando a sua convicção de forma compreensível.

Os factos que analisa são os essenciais e os suficientes para a análise das questões jurídicas colocadas pelo executado.

Neste contexto, não ocorre a arguida nulidade da sentença.


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Conferir a falta de pronúncia sobre certos factos. Conferir a pedida reapreciação de outros factos.

Vejamos agora se o julgador omitiu pronunciar-se sobre certos factos (essenciais) ou se, ao explicar a sua não prova, o fez de modo claramente insuficiente, por forma a que se imponha à Relação determinar que o tribunal da 1ª instância a

fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (artigo 662º, al. d), CPC).

Vejamos também os factos indicados para reapreciação.

            Lendo os factos invocados pelo recorrente, em confronto com os termos da causa e a fundamentação fáctica e jurídica da sentença, podemos perceber que o julgador tomou posição sobre os factos essenciais e os suficientes para a análise das questões colocadas pelo executado.

            Os factos invocados pelo recorrente ou tiveram já uma resposta adequada ou são irrelevantes para a causa.

Tais factos, considerando aqueles que já estão assentes supra (os contratos, o destino do empréstimo, a recusa da dação), ao contrário do defendido pelo recorrente, não estão admitidos por acordo, por força da impugnação específica e de conjunto da exequente (v.g. art.18º do articulado desta).

            Em resumo, os factos invocados pelo recorrente respeitam aos seguintes temas:

O desconhecimento do anexo ao contrato;

A recusa da exequente em pagar o remanescente do empréstimo, com vista à conclusão de poucas obras;

A recusa daquela em aceitar a dação em pagamento ou o arrendamento com opção de compra, meios alternativos de promover o pagamento do empréstimo.

Por outro lado, invocados para reapreciação temos os seguintes:

Ter a sociedade executada outra atividade remunerada, para além da admitida nos autos;

Ter esta sociedade uma pequena dimensão;

Ter a exequente acabado por adquirir, na venda executiva, os bens que antes não quis receber em dação.

Os valores pagos e por pagar.

Para contextualizar e facilitar a nossa análise, lembremos parte da fundamentação do julgador:

De acordo com os contratos aceites, explica a sentença recorrida que “entre a exequente e a executada S (...) foi celebrado, em 29.08.2001, um contrato de mútuo com hipoteca, através do qual, a primeira emprestava à segunda determinada quantia para aquisição e construção de dois edifícios – dois complexos de apartamentos destinados a revenda a terceiros. Sucede que em 02.08.2004, foi celebrado um contrato adicional, havendo um reforço de capital, sendo que o aqui oponente assumiu também o pagamento da dívida na qualidade de fiador.” (…)

            De acordo com os extratos bancários e a admissão do facto pelo recorrente, o julgador confere que os executados deixaram de pagar em 29.06.2005.

De acordo com as testemunhas, que “prestaram as suas declarações com assertividade e coerência, lógica, não denotando este tribunal que tais testemunhas estivessem na posse de um depoimento artificial de molde a favorecer a sua entidade patronal”, (…) “(…) soube esclarecer acerca das negociações que mediaram a celebração dos dois contratos de mútuo, as circunstâncias em que eram libertadas as várias tranches de capital (onde a exequente fazia uma avaliação das obras em curso objectivando apurar uma correspondência entre a dívida e garantia que se ia constituindo), sendo que no ano de 2003 (antes da celebração do segundo contrato) já eram notórias as dificuldades da empresa na liquidação dos juros e na construção da obra, a qual ficou parada em Março de 2003 até Agosto de 2004 (com a celebração de um reforço ao financiamento), tendo sido avaliadas as obras que faltam realizar em 379 mil euros. Mais esclareceu que o oponente já participava nas negociações bancárias em 2003, o qual estava ao corrente dos vários incumprimentos (devolução de cheques, não pagamento de juros). Não teve dúvidas em afirmar que a escritura de 02.08.2004, foi lida aos outorgantes, os quais dela ficaram cientes, pois nenhuma questão foi colocada quer na data da sua celebração quer durante a vigência do contrato. Devido ao facto de a obra se encontrar parada existiu um estigma em relação à imagem de tais lotes, sendo que na área envolvente existiam muitas outras urbanizações que foram sendo comercializadas. Esclareceu que 95% do capital foi libertado, sem que as obras em um dos lotes estivessem finalizadas (havendo uma derrapagem financeira), pelo que a libertação do remanescente já não se colocava como hipótese em face da mora verificada, pois tiveram de reclamar créditos em execuções fiscais nas quais iam sendo penhoradas as fracções (o que permitiu antever o fim). A exequente tentou junto da sociedade executada que esta ajustasse os preços de venda das fracções às novas realidades macro-económicas, objectivando a venda das fracções, sugestão também comungada pela R (...) . A proposta de dação em pagamento foi feita já no decurso do presente processo executivo, tendo sido realizada uma avaliação aos imóveis, da qual se concluiu que já não chegava para pagar o capital mutuado. Tais declarações, foram no essencial, corroboradas pelas declarações prestadas por (…). Por sua vez, (…), esclareceu que, quando o processo chegou às suas mãos para recuperação de crédito, já não era possível libertar mais dinheiro em face do enorme incumprimento verificado. Tal libertação apenas é possível com uma renegociação da dívida mas para tal terá de haver um reforço de garantias, o que não aconteceu no caso. Esclareceu que um dos prédios já estava finalizado e não conseguiram vender as fracções. C (…), soube esclarecer que promoveu a venda das fracções dos prédios em causa, não tendo conseguido vender qualquer fracção. Esclareceu que antes desta tentativa de venda, cerca de um ano antes, a Era já tinha promovido a venda, sem sucesso. Esclareceu que faltava uma estratégia comercial, sendo que a obra já estava parada, evidenciando estado de abandono, tratando-se de prédios sitos em zona mais isolada e com uma área de envolvência mal cuidada.”(…)

Em consequência da matéria de facto apurada, afirma a sentença que …“o ora oponente apenas tem intervenção na celebração do segundo contrato, o qual, mais não é, do que um reforço do primeiro, aceitando este nos termos anteriormente celebrados. Ora, in casu, dúvidas não temos que os executados/fiadores estiveram presentes aquando da celebração, na presença de um notário, da escritura pública, a qual, obviamente, antecedeu um processo de negociação até porque envolvia a restruturação de um mútuo anterior. (Fim da transcrição.)

Tudo considerando, encontramos uma resposta direta para os factos que o recorrente diz estarem omitidos. Concretamente:

Sobre o desconhecimento parcial do contrato:

Neste caso, quer de acordo com os documentos (seu clausulado e subscrição), quer em face dos testemunhos (relativos à entrada dos fiadores na relação), o alegado desconhecimento é infirmado.

Sobre a recusa da exequente em pagar o remanescente do empréstimo, com vista à conclusão de poucas obras:

Como se justifica, 95% do capital foi libertado, sem que as obras em um dos lotes estivessem finalizadas. Em face do incumprimento desde 2005, com as casas por vender, a libertação do remanescente já não faz sentido, sendo certo que a exequente teve de reclamar créditos em execuções fiscais, nas quais iam sendo penhoradas as fracções.

Sobre a recusa da exequente em aceitar a dação em pagamento ou o arrendamento com opção de compra, meios alternativos de promover o pagamento do empréstimo:

A rejeição daquela é compreendida perante o fracasso do projeto que é responsabilidade da sociedade executada: não arranjou compradores, não obtendo meios financeiros para pagar os juros contratados.

Aquela rejeição é depois analisada do ponto de vista jurídico.

Em conclusão, quanto ao primeiro grupo de factos, podemos dizer que o julgador não omitiu pronunciar-se e, ao explicar a realidade, fê-lo de modo claramente suficiente.

Quanto aos factos invocados para reapreciação:

Ter a sociedade executada outra atividade remunerada, para além da admitida nos autos:

(Conforme carta de 8.10.2007, a sociedade reconhece outra atividade.)

Este facto é irrelevante. O projeto é financiado pela exequente e concretizou-se na construção de casas que a sociedade executada não conseguiu vender. Era a venda (pelo menos) que permitiria a esta liquidar o empréstimo.

Como veremos ainda a respeito da invocada usura, as partes eram conhecedoras do risco do projeto, que seria auto sustentável, não estando em causa a existência de outra fonte de financiamento. Nesta posição, não ter a sociedade executada outra atividade remunerada, é facto que não interfere com a relação assumida pelas partes.

A mesma irrelevância atinge o facto alegado da sociedade executada ter uma pequena dimensão. Além do referido, é conhecido que são várias as sociedades, de cariz

familiar, de pequena dimensão, mesmo unipessoais, que têm por objeto a edificação e venda de um edificio e que se extinguem uma vez este vendido.

Terceiro facto: ter a exequente acabado por adquirir, na venda executiva, os bens que antes não quis receber em dação.

Este facto também é irrelevante.

Num primeiro momento, estando o contrato em vigor, a exequente, como resulta da sua atividade, recebe os juros e o capital e não os bens.

Num segundo momento, estando o contrato já resolvido, confrontada com execuções de terceiros e a desvalorização dos bens, a exequente visa atenuar o prejuízo com aquela compra.

 (Juridicamente, a dação pode ser recusada – art.837º do Código Civil.)

Quer a recusa da dação ou outra alternativa, quer a compra na venda executiva, são factos que não interferem com o conteúdo da relação contratual em causa.

Último facto: o recorrente entende provado o seguinte:

“A Executada recebeu, a título de capital, apenas 2.025.680,36 € de um empréstimo contratualizado a título de capital, no montante total de 3.624.000,00 €, e que esta após ter pago até à data uma quantia total não inferior a 1.079.276,56 €, a título de capital e juros, e após ter pago até à data uma quantia total não inferior a 759.843,20 € a título de “despesas”, “seguros” e “imposto de selo” ainda deveria, alegadamente, após ter ficado sem parte dos imóveis na sequência da venda executiva, em 14 de outubro de 2013, segundo as contas da Exequente, 3.319.386,09 €.”

Devemos considerar o que está provado em 5 e 8 dos factos supra exarados.

O tribunal recorrido considerou como provado que foi disponibilizado certo montante de capital e teve em conta que a restante matéria - os juros e demais valores reclamados - porque contestados pelo recorrente com base em matéria de direito, foram decididos como tal.

Importa dizer que o proposto tem feição conclusiva e condicionada; conclusiva porque depende da análise de diferentes factos e de uma liquidação que o recorrente não apresenta e não analisa (também em 6.9.2011, querendo refazer cálculos, a recorrente não chegou a fazê-los e não reagiu aos documentos apresentados então pela exequente); condicionada porque o teor não é rigoroso, dependendo de expressões como “deveria”, “alegadamente” e “segundo as contas”.

Depois, ao contrário do que defende o recorrente, tal facto não releva para apreciar as exceções deduzidas: a situação de mora do credor, de exceção de não cumprimento, da compensação, da usura, do pedido de modificação do contrato segundo juízos de equidade, da nulidade do contrato, da nulidade da cláusula penal de juros e do pedido de redução da cláusula penal.

Pelo exposto, não ocorre a invocada nulidade por falta de pronúncia e julga-se improcedente a pedida reapreciação de factos, mantendo a decisão sobre a matéria de facto.


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Nulidade contratual decorrente da falta de conhecimento do teor e significado do anexo à escritura.

Esta questão mereceu já considerações supra exaradas.

O contrato anexo à escritura assenta em cláusulas contratuais gerais.

Estas são um conjunto de proposições pré elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a aceitar.

Os vícios relativos à falta de comunicação e informação do clausulado fazem sentido por referência a cláusulas concretas, estando prevista a subsistência do contrato (arts.8º e 9º do DL 446/85).

Ora, o executado, também em contradição com a invocação da anulabilidade e da modificação do contrato, faz uma invocação do vício em bloco, o que não é plausível face ao conteúdo de certas condições particulares, normalmente cumpridas. Quer dizer, não é aceitável que o executado desconheça todo o clausulado do anexo.

Depois, no caso, não faz sentido invocar a falta de comunicação e explicação do clausulado. (Ver, como paradigmático, o acórdão do STJ, de 24.3.2011, no processo 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, em www.dgsi.pt.)

Seguindo de perto esta jurisprudência, a comunicação à outra parte deve ser integral (art.5º, nº 1, do DL 446/85) e realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a extensão e complexidade das cláusulas do acordo, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (seu art.5º, nº 2). O grau de diligência postulado por parte do aderente é o comum, devendo ser apreciado em abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso.

Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art.6 da lei em questão). O cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices.

No caso concreto, todo o clausulado está assinado.

Os executados declararam conhecer o conteúdo do contrato (clª 3ª).

O executado tem perfeita noção do que representa a constituição de fiador, sabendo que ia deslocar-se ao Notário para outorgar a escritura, que lhe foi explicada e

que declarou conhecer e aceitar, não negando ter conhecimento da existência do empréstimo que havia sido concedido à sociedade executada.

Se o executado tivesse agido com a devida diligência, teria despendido algum tempo a ler as cláusulas que estava a subscrever, pedindo os esclarecimentos necessários.

O dever de explicar só faz sentido perante o duvidoso. O executado não alega o que era necessário explicar e que dúvidas tivera.

Não tendo o executado pedido esclarecimentos, sendo exigível ao mesmo uma compreensão e diligência comuns, apura-se um seu conhecimento e compreensão efetivos do contrato.


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            Incumprimento e resolução contratuais.

Com relevo para a análise destas questões, devemos invocar os seguintes factos provados:

Conforme a Cláusula 9ª (Direito de resolução), a exequente reservou o direito de resolver o contrato se ocorresse falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas naquele, valendo para tal a simples citação para a ação executiva.

De acordo com a cláusula penal acordada, em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, e se a exequente recorresse a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de quatro por cento ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.

Conforme os pontos 5 e 6, a sociedade executada não pagou os juros vencidos desde 29.06.2005, nem as demais prestações contratuais vencidas desde então, tendo a exequente, no requerimento executivo, declarado que resolvia o contrato.

Está também demonstrado que todos os executados foram citados no âmbito dos autos principais.

Como resulta do clausulado, a mora da devedora (“em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual”) justificaria a aplicação da cláusula penal, “calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora”, e justificaria a resolução do contrato.

Uma cláusula penal pode ser prevista precisamente para estimular o devedor ao cumprimento e puni-lo no caso de não cumprir atempadamente.

Os efeitos da mora, decorrentes do atraso contratual, não dependem, no caso, de qualquer comunicação (arts.804º e 805º, nº2, a), do Código Civil).

A mora da devedora está expressa no não pagamento dos juros desde 29.6.2005.

            Pelo contrário, não vislumbramos qualquer mora da exequente.

De acordo com o art. 813.º do Código Civil, “o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”

Conforme interpretação do STJ (acórdão de 14.1.2014, no processo 511/11, em www.dgsi.pt), a mora do credor não exige a sua culpa mas os atos omitidos têm de ser essenciais.

O recorrente invoca as seguintes omissões da exequente:

Recusar o pagamento do remanescente do empréstimo com vista à conclusão de poucas obras;

Recusar a dação em pagamento ou o arrendamento das casas com opção de compra.

(Em 1ª instância ficou já arredada a prova da exequente atrasar a celebração das escrituras de venda.)

Quanto à primeira, devemos considerar que a exequente entregou quase 95% do capital mutuado, sendo que o remanescente não foi libertado porque a sociedade executada já se encontrava em incumprimento, grave, por força da ausência de vendas das fracções construídas. Não só, nos termos da cláusula 1ª, nº 4, a entrega da quantia mutuada se fazia em função do estado de desenvolvimento da construção, como resultou evidente que a sociedade executada ficou antes sem meios financeiros porque não apareceram interessados na compra das fracções.

Quanto às segundas, como já o referimos, devemos considerar que a exequente, estando o contrato em vigor, e como resulta da sua atividade, está obrigada a receber os juros e o capital e não os bens. Estando o contrato já resolvido, confrontada com execuções de terceiros e a desvalorização dos bens, a exequente não está obrigada a receber estes ou a aceitar um contrato de natureza diversa, com o prolongamento da situação de incerteza.

Conclusão: estas recusas da exequente não a colocam em mora.

Na sequência, muito embora seja um facto que as relações contratuais havidas entre a exequente e a sociedade executada se tenham mantido para além do prazo inicialmente contratado, também é seguro que esta se constituiu em mora a partir de 2005.

A resolução contratual declarada apenas na execução não altera os valores devidos pela mora, aplicando-se desde este atraso a cláusula penal.


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Exceção de não cumprimento. (Art.428º do Código Civil.)

Esta defesa do recorrente dependia também do valor a dar às anteriormente alegadas omissões da exequente. As referidas recusas desta não a colocam em mora, não justificando a recusa de cumprimento por parte dos executados. A mora é destes.


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            Compensação de créditos.

            Nos termos do disposto nos artigos 847º e seguintes do Código Civil, como forma de extinção das obrigações, a lei admite a compensação de créditos.

Segundo aquela, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, pode qualquer delas extinguir a sua obrigação por compensação com a obrigação do seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, e que ambas as obrigações tenham por objecto coisas fungíveis do mesmo género ou qualidade.

Não será impedimento à compensação o facto de estarmos em sede de oposição à execução, quando esta se apresenta como fase declarativa do litígio. (ver, sobre a divergência jurisprudencial, acórdão desta secção, de 24.02.2015, proc.91832/12, em www.dgsi.pt.)

            De qualquer maneira, sem necessidade de entrar a fundo nessa questão, no caso concreto o executado não concretiza os danos e o seu crédito, estando eles afastados pelas considerações anteriores.

Para fundamentar o seu crédito contra a exequente, o executado alega que a conduta daquela, “violadora do princípio da boa fé, ao recusar a colaboração com o devedor, na adoção de uma postura ativa no sentido de encontrar meios alternativos ao pagamento da dívida, provocou danos na esfera jurídica da sociedade executada e do executado, nomeadamente, o pagamento acrescido de juros e, no eventual, pagamento de indemnizações aos promitentes compradores, os quais são suscetíveis de indemnização”.

Como vimos, as recusas (supra analisadas) da exequente não a colocam em posição de ser responsável pelo pagamento dos juros devidos pelos executados ou por outro pagamento, no âmbito deste contrato.

Depois, falta qualquer suporte fáctico à alegação, e com natureza hipotética, do pagamento de indemnizações aos promitentes compradores.

Não há, portanto, qualquer crédito do executado sobre a exequente. 


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Negócio usurário.

            Alega ainda o executado que a exequente se aproveitou e se aproveita de uma situação de necessidade da sociedade executada e, com isso, pretendeu alcançar um benefício excessivo e injustificado, ao pretender cobrar os juros e a cláusula penal, pedindo a modificação do contrato segundo juízos de equidade, devendo ser excluída a cláusula penal e determinada uma suspensão dos juros desde 29.08.2006.

Nos termos do artigo 282º, n.º1, do Código Civil, é “anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”.

Segundo P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 259), são 3 os requisitos da integração na referida figura jurídica:

“É necessário que haja a consciência de que se está a tirar proveito da inferioridade de outrem”;

Este aproveitamento pretende atingir benefícios excessivos e injustificados;

Os benefícios sejam efetivamente excessivos e injustificados.

Em primeiro lugar, o recorrente confunde o momento da formação do contrato e o momento do seu incumprimento.

No primeiro momento, de acordo com o caso concreto, a executada S (...) pretendeu construir 2 edifícios de apartamentos para revenda, recorrendo ao financiamento bancário. O mútuo clausulou que o capital mutuado vencia juros à taxa de seis vírgula cinco por cento, objeto de atualização, sendo certo que, não querendo aquela aceitar a taxa proposta, a mesma constitui-se na obrigação de proceder ao pagamento integral do empréstimo no prazo de quinze dias a contar da data da comunicação da nova taxa, sem qualquer penalização. Em caso de incumprimento de

qualquer obrigação contratual, aplicar-se-ia uma indemnização com natureza de cláusula penal, no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de quatro por cento ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.

Este clausulado (cfr. ainda o art.1146º do Código Civil), no contexto do mercado imobiliário em questão, e no contexto dos factos provados, não revela, originariamente, qualquer dos pressupostos da usura.

No momento da formação do contrato, que é aquele que releva para o art. 282º em análise, as posições das partes são as habituais, esclarecidas e conhecedoras do risco de um projeto deste tipo.

Depois, a anulabilidade ou a modificação do negócio segundo juízos de equidade deverá ser invocada pelos mutuários, nos termos do disposto no artigo 287º, n.º1 do Código Civil, ou seja, são interessados os devedores a quem é explorada a situação de necessidade, inexperiência, dependência ou fraqueza.

Ora, a sociedade executada, a mutuária, não levantou qualquer questão relativamente ao negócio.

O recorrente invoca a usura para o momento em que já se verifica o incumprimento do contrato, voltando a insistir nas alegadas recusas da exequente, quer no pagamento do remanescente do empréstimo com vista à conclusão de obras, quer na recusa da dação em pagamento ou do arrendamento das casas com opção de compra.

Neste particular momento, resta-nos remeter para o já analisado supra.

Pelo exposto, julga-se que o negócio não é usurário.


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Modificação do contrato segundo juízos de equidade.

            Invocando a crise no mercado imobiliário desde 2001, anormal pela sua longa duração, e em face do comportamento da exequente, o recorrente requer a modificação do contrato segundo juízos de equidade, devendo excluir-se a cláusula penal e determinar-se a suspensão dos juros desde 29.08.2006.

            Para tanto, o recorrente invoca o instituto do art. 437º do Código Civil.

Diz-nos esta norma que, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

E o artigo seguinte diz que “a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.”

Sobre os requisitos da primeira norma, na jurisprudência do S.T.J. é paradigmático o acórdão de 23.1.2014, no processo 1117/10 (em www.dgsi.pt):

“O direito à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias pressupõe (i) que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar; (ii) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal (iii) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes (iv) que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa-fé (v) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato e, (vi) por último, a inexistência de mora do lesado.”

Importa também assinalar que este instituto é supletivo perante o conjunto de regras de imputação de danos. (ver M.Cordeiro, Da alteração das circunstâncias, 1987, A.A.F.D.L., páginas 69/70, 43 e 75.)

Confrontando os referidos requisitos com o caso concreto, podemos destacar:

As partes celebram um novo acordo, para complemento do primeiro, em 2004, quando já decorria a alegada crise no setor. Portanto, parece que a mutuária lidava já com a crise e arriscava aumentar a oferta de casas no mercado, ou, dito de outra forma, sabendo que não vende como perspetivava, não deixa de pedir mais dinheiro, agravando conscientemente a sua situação.

O incumprimento começa em 2005, sem que o recorrente esclareça quando se dá a alteração anormal das circunstâncias.

O projeto, porventura também pelas suas próprias caraterísticas, não merece o interesse do mercado, o que se pode incluir nos riscos próprios da atividade da mutuária e do recurso ao crédito.

Por fim, “a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.” Não estando alegado e esclarecido o momento da alteração anormal das circunstâncias, a verificada mora dos devedores afasta a utilização deste direito.

Pelo exposto, o recorrente não tem direito à modificação pretendida.


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Arredondamento dos juros.

            Entende o recorrente que a forma de arredondamento da taxa de juros, prevista na cláusula primeira do documento complementar à escritura, é nula por violação do disposto no artigo 4º do DL n.º 240/2006, de 22.12, por força do artigo 3º do DL n.º 171/2007, de 8 de Maio.

            De acordo com esta última lei, que alarga ao contrato das partes o regime que vinha do referido DL de 2006, o novo regime instituído para a taxa de juro aplica-se aos contratos que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor e aos contratos em execução, a partir da redefinição da taxa de juro, para efeitos de arredondamento, que deve ocorrer logo após o mencionado início de vigência.

A referida lei vigora desde 8.6.2007.

Os contratos em causa nos autos foram celebrados em 2001 e 2004.

Como se percebe daquele regime, a sanção não é a nulidade do que foi feito mas, sim, a redefinição da taxa de juro, de acordo com a lei, a partir daquela data de 8.6.2007, em diante, sem prejudicar o que foi prestado no tempo anterior.

Ora, consta documentado (14.10.2013) que, pelo menos desde 29.8.2007, já não se fez o arredondamento da taxa de juros.

Assim, inconformado com o arredondamento, havendo irregularidade com a redefinição da taxa de juro, deveria o recorrente ter esclarecido ou pedido a nova liquidação, de acordo com as referidas regras, o que não fez.


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A pedida redução da cláusula penal.

A cláusula em questão tem a seguinte redação:

(Cláusula Penal)

1. Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, e se a C (...) recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de quatro por cento ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.

Dispõe o art. 810º do Código Civil:

1. As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

2. A cláusula penal está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação.

Esta cláusula pode ser definida como a estipulação negocial em que uma das partes se obriga antecipadamente, perante a outra, caso não cumpra a obrigação, ao pagamento de uma quantia pecuniária, a título de indemnização.

O Professor Antunes Varela ensina: “Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional. A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” (Das Obrigações em Geral, 5.ª ed., págs. 137 e 138).

Na cláusula penal, o credor não tem que provar os danos concretos sofridos.

Prevê ainda o art. 812º daquela lei (redução equitativa da cláusula penal):

1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.

Dado que a redução aqui prevista limita os princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, subjacentes à fixação da cláusula penal, tem de ser ponderada e cuidadosamente exercida, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal e reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de vir a inutilizar a sua função e razão de existência.

Cabe ao devedor o ónus de alegar e provar factos dos quais se possa concluir pela desproporção entre o valor resultante da cláusula penal e os danos a ressarcir.

            (Neste sentido, ver, entre outros, acórdãos do STJ, de 3.10.2002, 3.6.2003 e 17.5.2012, nos processos 02B1499, 02A2973 e 3855/05.9TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.)

No caso dos autos, o recorrente não alegou os fundamentos que permitam ajuizar da excessividade da pena.

Também em termos abstratos, a cláusula não se configura desproporcionada em relação aos potenciais danos a ressarcir.

O capital em questão atinge € 2.025.680. A situação teve início em 2001 e está em incumprimento desde 2005, tendo decorrido já mais de 10 anos.

A percentagem de incumprimento neste tipo de contratos é elevadíssima.

Neste contexto, uma sobretaxa de 4% ao ano não se mostra excessiva.

Por outro lado, a distinção da pena com as restantes despesas liquidadas é percetível. Estas, ao contrário daquela, respeitam a custos precisos liquidados por conta e no interesse da sociedade executada, sem relação com os danos de privação do capital (da sua potencial rentabilidade), inexistindo a alegada duplicação de valores.

Pelo exposto, não se justifica a redução pedida.


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente.

            Coimbra, 2016-05-03

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira