Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/14.7TBMGL.1.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ( PER )
PLANO
HOMOLOGAÇÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 703 CPC, 17-A, 17-F, 17-G, 215, 233 CIRE
Sumário: A decisão que homologa um plano de recuperação em processo especial de revitalização não cabe em nenhuma das espécies de títulos executivos previstas no artigo 703.º do CPC.
Decisão Texto Integral:





Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra



M (…), Lda, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra A (…), Lda, com base na decisão que homologou o plano de recuperação tendente à revitalização da executada.

A execução foi instaurada por apenso ao processo especial de revitalização que correu termos no juízo de comércio (juiz 1) do tribunal judicial da comarca de Viseu.

O Meritíssimo juiz do tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento executivo.

A exequente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação contra a decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo, pedindo a revogação e a substituição da decisão recorrida por outra que admitisse a sentença homologatória do plano de revitalização como título executivo.

Os fundamentos do recurso foram, em resumo, na imputação à sentença recorrida da violação dos artigos 130.º, 703.º, n.º 1, alínea a) e 621.º, todos do CPC, bem como os artigos 17.º-A, n.º 1, e 215.º, ex vi 17.º-F, n.º 3, ambos do CIRE, os artigos 233.º, n.º 1, alínea c) e 218.º, n.º 1, alínea a), ambos do CIRE e artigos 9.º e 10.º, n.º 2, do Código Civil.

Não houve resposta ao recurso.


*

Questões suscitadas pelo recurso

Saber se a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente o requerimento executivo por falta de título executivo, violou as normas indicadas pela recorrente.


*

Os factos relevantes para a resposta ao recurso são os seguintes:
1. No âmbito do processo especial de revitalização instaurado pela sociedade A (…), Lda, que correu ternos sob o n.º 12/14.7TBMGL no tribunal judicial de Mangualde foi proferida decisão a homologar o plano de recuperação aprovado pelos credores.
2. A decisão transitou em julgado em 17 de Junho de 2014.
3. No referido processo, o administrador judicial provisório reconheceu à ora exequente um crédito comum de fornecedor no montante de € 17 472,14,
4. O plano de recuperação previa em relação aos credores comuns o perdão de 40% da dívida, o período de carência de um ano (após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano) e a amortização da dívida (capital) em 8 anos (12,50% ao ano) em pagamentos semestrais (após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano) e o perdão de juros vencidos e outros encargos.
5. Sob a alegação de que que, até à data da instauração da execução, a devedora pagou apenas € 655,12, a ora exequente instaurou execução contra a devedora para pagamento do capital ainda em dívida, no montante de € 16 816,93, e juros de mora no montante de € 3 129,33.

*

Passemos à resolução da questão suscitada pelo recurso.

Antes de mais deve dizer-se que a questão de saber se a sentença homologatória do plano de recuperação em processo especial de revitalização constitui título executivo tem obtido respostas negativas por parte dos tribunais.

Assim: os dois acórdãos citados pela recorrente - acórdão do tribunal da Relação de Guimarães proferido em 21-01-2016, no processo n.º 1963/14.4TBCL.1.G1. bem como o acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido em 19-03-2018, no processo n.º 121/14.2TBAMT.P1 - decidiram que a decisão homologatória do plano de recuperação proferido em processo especial de revitalização constituía título executivo.

Decidiram em sentido contrário o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 9 de Abril de 2019, no processo n.º 154/17.7T8ALD.C1.S2. publicado em www.dgsi.pt. e acórdão do tribunal da Relação de Coimbra proferido em 12-07-2017, no processo n.º 3528/15.4T8CBR, publicado em www.dgsi.pt.

De seguida, cabe dizer que não tem sentido imputar à decisão recorrida a violação de seguintes normas indicadas pela recorrente: artigos 130.º, 621.º e 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC, e os artigos 17.º-A, n.º 1 e 215.º, 233.º, n.º 1, alínea c) e 218.º, n.º 1, alínea a), e os artigos 9.º e 10.º, n.º 2, do Código Civil. Com efeito resulta da cominação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só tem sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas que tenham constituído fundamento jurídico do que foi decidido e, no caso, as normas atrás indicadas não constituíam fundamento da decisão de indeferir liminarmente o requerimento executivo. As normas citadas pela decisão sob recurso para justificar o decidido foram a da alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC e da alínea a) do n.º 2 do artigo 726.º do mesmo diploma. A norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC foi invocada para dizer que a decisão homologatória do plano de recuperação não constituía sentença condenatória para efeitos de tal norma. A alínea a) do n.º 2 do artigo 726.º do mesmo diploma – segundo a qual o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo – foi invocada para justificar o indeferimento liminar.

Mesmo que se entenda que o que a recorrente quis significar, ao alegar que a decisão violou as citadas normas, foi que resultava delas que a decisão que homologa o plano de recuperação está em condições de servir de base à execução contra a devedora para pagamento de um crédito reconhecido no processo especial de revitalização – e parece que é nestas águas que navega a recorrente – ainda assim o recurso é de julgar improcedente.

Pelas razões a seguir expostas, entendemos que a decisão que homologa um plano de recuperação em processo especial de revitalização não cabe em nenhuma das espécies de títulos executivos previstas no artigo 703.º do CPC. Vejamos.

Visto que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva (n.º 5.º do artigo 10.º do CPC) e que à execução apenas podem servir de base as espécies de títulos executivos previstas no artigo 703.º do CPC, a resposta à questão de saber se a decisão sob recurso errou ao indeferir liminarmente o requerimento executivo com o fundamento de que a sentença que servia de base à execução não era título executivo passa necessariamente por responder à questão de saber se tal decisão homologatória cabe nalguma das espécies de títulos executivos previstos no n.º 1 do artigo 703.º do CPC.

A recorrente sustenta que a sentença que homologa o plano de recuperação em processo especial de revitalização cabe na espécie prevista na alínea a) “sentenças condenatórias” e que se assim se não entender, cabe na espécie prevista na alínea d), ou seja, nos documentos a que, por disposição especial - alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE - for atribuída força executiva.

A recorrente sustenta que a decisão que homologa um plano de recuperação em processo especial de revitalização cabe na “sentenças condenatórias” [alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º com base na seguinte linha argumentativa: 
1. Que não obstante a sentença homologatória do plano de revitalização apenas fiscalizar a validade do acordo que se firmou entre as partes em contenda, no caso entre a devedora e a credora, a força vinculativa que tipicamente se atribui à decisão judicial mantém-se intocada, porquanto ainda que de tais sentenças homologatórias não brote uma condenação tout court, delas resulta pelo menos uma condenação implícita, sendo quanto basta para revestir a natureza de título executivo, assim tendo sido decidido no acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2013, proferido no âmbito do processo n.º 3462/11.7TCLRS-A-L1-7; no acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido em 19-03-2018, no processo n.º 121/14.2TBAMT.P1 e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-01-2016, no processo n.º 1963/14.4TBCL.1.G1.
2. Que o artigo 215.º do CIRE aplicável ao plano de revitalização ex vi artigo 17.º-F, n.º 3 do mesmo diploma, vem reforçar o carácter transaccional que se pretende atribuir ao acordo de revitalização firmado entre a devedora e os credores;
3. Que a decisão do tribunal a quo, além de ilegal, seria altamente prejudicial para uma credora que, havendo participado nas negociações tendentes à aprovação de um plano de revitalização e tendo aceitado a moratória e perdão dos juros vencidos sobre o seu crédito, decorridos mais de 4 anos sobre a aprovação do plano, não só não conseguiu ver o seu crédito satisfeito, como ainda teria de propor um procedimento ou acção declarativa, com as perdas de tempo e dinheiro que tal implica para ver novamente o seu crédito reconhecido, que já o foi no âmbito de um processo especial de revitalização e então propor uma acção executiva.
4. Tal entendimento, além de lesar a pretensão de ressarcimento do autor, contraria o princípio da celeridade processual (artigo 6.º do CPC) e o princípio da limitação dos actos inúteis (artigo 130.º do CPC).

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

As sentenças condenatórias tidas em vista pela alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC são não apenas as proferidas em acção declarativa de condenação, a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º do CPC, mas também as proferidas nas outras espécies de acções, desde que a decisão nelas proferida importe o reconhecimento ou a constituição de qualquer obrigação.

Visto que a recorrente quer realizar coactivamente a obrigação de a executada pagar o montante de € 16 816,93 com base na sentença que homologou o plano de recuperação no processo especial de revitalização da executada, tal decisão homologatória estaria em condições de servir de base à execução se ela contivesse a condenação da devedora no pagamento de tal quantia ou se ela importasse o reconhecimento ou a constituição da obrigação de a executada pagar essa quantia à exequente.

Não está verificada nenhuma destas condições: a decisão homologatória não condenou a devedora no pagamento de tal quantia, não lhe reconheceu o direito de ser paga nem importou a constituição de tal obrigação.

Socorrendo-nos das palavras de Catarina Serra “a homologação do plano corresponde, …, à certificação, pelo juiz, da conformidade legal do plano” [Lições de Direito da Insolvência, Almedina, página 436]. Vistas as razões que segundo o artigo 215.º do CPC podem levar o juiz a recusar oficiosamente a homologação do plano, a decisão homologatória significa que não se verificou violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.      

Contrariamente ao que alega a recorrente, a decisão que homologa o plano de recuperação não se confunde com a sentença que homologa uma transacção.

Em primeiro lugar, o plano de recuperação aprovado pelos credores não é um contrato de transacção, tal como ele é definido no n.º 1 do artigo 1248.º do Código Civil.

Em segundo lugar, embora a sentença que homologa a transacção também se pronuncie sobre a validade de tal negócio, verificando se ele é válido pelo seu objecto (isto é se está na livre disponibilidade das partes) e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, tal sentença não se limita ao exame da validade do negócio. No caso de ser válido, a sentença, além de declarar essa validade, condena ou absolve nos precisos termos da transacção (n.º 3 do artigo 290.º do CPC), o que não acontece com a decisão homologatória do plano de recuperação, onde não há lugar a qualquer condenação ou absolvição.

É certo que no processo especial de revitalização há lugar ao reconhecimento de créditos sobre o devedor. Há lugar ao reconhecimento na lista de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório ou em decisão judicial, no caso de ser impugnada a lista provisória de créditos elaborada pelo administrador provisório [n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 17.º-D do CIRE].

Sucede que a função deste reconhecimento é a de identificar os créditos que podem votar o plano de recuperação, embora o n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE permita que o juiz compute no cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.

À lista definitiva de créditos é ainda assinalada a seguinte utilidade pelo n.º 7 do artigo 17.º-G: se o processo especial de revitalização for convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4 do mencionado artigo, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.

Isto é, se o processo negocial for concluído sem a aprovação de plano de recuperação e se o processo especial de revitalização for convertido em processo de insolvência por a empresa estar em situação de insolvência, os credores cujos créditos figuram na lista definitiva de créditos não carecem de reclamar, de novo, os seus créditos no processo de insolvência, no prazo designado pelo juiz, na sentença que declarar a insolvência [alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRE].

Segue-se do exposto que o reconhecimento de créditos ou vale apenas no processo especial de revitalização e para os efeitos limitados acima referidos [identificar os créditos que podem votar o plano de recuperação] ou vale em processo especial de insolvência, resultante da conversão do processo especial de revitalização, apenas para dispensar o credor de reclamar o seu crédito neste processo.

Do exposto acima segue-se ainda o seguinte. O reconhecimento de créditos no processo especial de revitalização não tem lugar na sentença homologatória do plano de recuperação. O reconhecimento dá-se na lista de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório ou na decisão judicial que julga a impugnação da lista provisória de créditos.

Deste modo, seria em relação a estes documentos que se deveria colocar a questão da sua força executiva. No caso estaria em questão a força executiva lista de créditos elaborada pelo administrador provisório, pois é neste documento que está reconhecido à exequente, ora recorrente, um crédito sobre a executada no montante de € 17 472,14.

Na interpretação deste tribunal, a lista definitiva de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório no processo especial de revitalização não cabe em nenhuma das espécies de títulos executivos previstos no artigo 703.º do CPC. 


*

Como se escreveu acima, para o caso de o tribunal entender que a decisão homologatória do plano de recuperação não constitui sentença condenatória, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, a recorrente sustenta que a decisão que homologa um plano de recuperação em processo especial de revitalização cabe na espécie de títulos executivos prevista na alínea d) do preceito acima mencionado, ou seja nos documentos que, por disposição especial - que no caso seria a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE - seja atribuída força executiva.

A linha argumentativa da recorrente é a seguinte:
1. Que o regime legal do processo especial de revitalização, que se condensa nos artigos 17.º-A a 17.º-J é omisso quanto aos efeitos do incumprimento do acordo homologado judicialmente;
2. Que tanto o plano de revitalização como o plano de insolvência constituem acordos firmados entre a devedora e os credores, razão pela qual se tem entendido que, em caso de omissão, deverá aplicar-se o regime do plano de insolvência ao plano de revitalização, nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do Código Civil;
3. Que a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE estabelece, em relação ao plano de insolvência, que encerrado o processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação e graduação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência;              
4. Que a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE não significa que o legislador tenha pretendido arredar os credores insatisfeitos do plano de insolvência da possibilidade de apresentarem à execução só e apenas a sentença homologatória do plano de insolvência;
5. Que a exigência de conjugação da sentença homologatória do plano de insolvência com a sentença de verificação de créditos apenas se justificava à luz do anterior regime, no âmbito do qual o plano de insolvência apenas era aprovado e homologado após a sentença de verificação e graduação de créditos;
6. Que a mudança de regime do n.º 2 do artigo 209.º do CIRE devia reflectir-se no preceito do artigo 233.º, n.º 1, alínea c) do CIRE;
7. Que, no caso, incumprido o acordo de pagamento firmado entre as partes, a apelante interpelou por escrito a apelada, dando-lhe oportunidade de cumprir as obrigações vencidas, no prazo de 15 dias sob pena de prossecução judicial;
8. Na senda da aplicação analógica do regime do plano de insolvência ao plano de revitalização, nos termos do disposto no artigo 218.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, a moratório ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após a interpelação escrita pelo credor, razão pela qual a recorrente não requereu o cumprimento do acordo nos termos previstos no plano de revitalização, mas o cumprimento da obrigação primitiva.          

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

Em primeiro lugar não é inteiramente exacto que a lei seja omissa quanto aos efeitos do incumprimento do plano de recuperação homologado judicialmente. Com efeito, o n.º 12 do artigo 17.º-F do CIRE manda aplicar ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º do CIRE e este preceito dispõe precisamente sobre o incumprimento do plano de insolvência. E o que nesta norma se diz quanto aos efeitos do incumprimento é o seguinte:

Salvo disposição expressa no plano de insolvência em sentido diverso, a moratória e o perdão previstos no plano ficam sem efeito:
a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;
b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo”.   

Desta norma sobre o incumprimento do plano de recuperação não se retira, no entanto, qualquer apoio para a tese da recorrente de que a decisão homologatória do plano de recuperação tem força executiva.

Em segundo lugar, a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE não é aplicável ao processo especial de revitalização. Vejamos.

Nos termos do n.º 3 do artigo 17.º-A do CIRE aplicam-se ao processo especial de revitalização todas as regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

Visto que o artigo 233.º dispõe sobre os efeitos do encerramento do processo de insolvência e que o processo especial de revitalização, embora contenha normas sobre o encerramento do processo especial de revitalização [artigo 17.º-J, n.º 1, alíneas a) e b)], não dispõe de nenhuma sobre os efeitos do encerramento do processo, aquele preceito seria aplicável se fosse compatível com a natureza do processo especial de revitalização.

Sucede que não é.  

Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE, encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.       

A alínea c) atribui força executiva aos seguintes documentos:
1. À sentença homologatória do plano de pagamentos;
2. À sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.

Ora dos documentos referidos no preceito em relação ao qual se podia estabelecer semelhança com a decisão homologatória do plano de recuperação é a sentença de homologatória do plano de insolvência. Sucede que a alínea c) não atribui força executiva só por si à sentença homologatória do plano de insolvência. No caso de haver plano de insolvência o que constitui título executivo é a sentença de verificação e graduação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior conjugada com a sentença que homologou o plano de insolvência.

Diz a recorrente que o preceito, na parte em que exige como título executivo, nos casos em que tenha havido homologação de um plano de insolvência, sentença de verificação e graduação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior conjugada com a sentença que homologou o plano de insolvência deve ser objecto de interpretação restritiva. Segundo ela, a solução era válida quando o plano de insolvência não podia ser aprovado antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos [n.º 2 do artigo 209.º na redacção do Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março de 2004], mas que com a alteração da redacção do n.º 2 do artigo 209.º pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto, o plano de insolvência passou a poder ser aprovado sem estar proferida sentença de verificação e graduação de créditos, pelo que a alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE deve ser interpretado no sentido de que os credores insatisfeitos poderão exercer os seus direitos contra o devedor com base apenas na sentença homologatória do plano de insolvência.

Salvo o devido respeito, não há razão para proceder à interpretação restritiva da alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º afirmada pela recorrente. Vejamos.

Para bem se perceber o sentido da alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE importa ter em conta os efeitos do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final sobre a instância dos processos de verificação de créditos [alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE].

Partindo da letra do preceito na parte em que dispõe sobre os efeitos do encerramento do processo em relação à instância dos processos de verificação de créditos, vemos que a norma comporta uma regra e duas excepções.

A regra é a de que o encerramento do processo antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos.

As excepções são as seguintes:
1. O encerramento do processo antes do rateio final não determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos se já tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º;
2. O encerramento do processo antes do rateio final não determina a extinção da instância dos processos de verificação e graduação de créditos se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência.

Esta segunda excepção tem suscitado a questão de saber se a subsistência da instância dos processos de verificação depende também de já ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

A questão tem obtido respostas divergentes da jurisprudência.

Assim, e a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 19-02-2013, no processo n.º 1808/12.0TBBRG-D, publicado no sítio www.dgsi.pt. decidiu que o encerramento do processo resultante da aprovação do plano de insolvência determinava a extinção do processo de verificação, salvo se já tivesse sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Ao invés, o acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido em 15/10/2013, no processo n.º 1881/12.0TBPNF, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-04-2014, proferido no processo n.º 2609/11.8TBPDL-K, e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 5-05-2016, no processo n.º 3091/15.6TBSTB, todos pulicados em www.dgsi.pt. interpretaram a norma no sentido de que o encerramento do processo não determinava a extinção da instância ainda que não tivesse sido proferida sentença de verificação e graduação.

Na doutrina, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, página 233] escrevem, em anotação à alínea b), do n.º 2 do artigo 233.º o seguinte: “… cremos que, no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de 30 dias”.

Pelas razões a seguir expostas, este tribunal entende que o encerramento do processo resultante da aprovação de plano de insolvência não determina a extinção da instância dos processos de verificação, ainda que neles não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos. 

Para bem se perceber o sentido a dar à alínea b), do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE importa ter em conta os seus antecedentes.

A alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE, na redacção saída do Decreto-lei n.º 53/2004 de 18 de Março, afirmava a regra de que o encerramento do processo antes do rateio final determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos. A única excepção a tal regra era constituída pela situação de já ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º. Isto é, depois do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final (previsto no artigo 180.º do CIRE) só subsistia a instância dos processos de verificação em que já tivesse sido proferida sentença. Em tal situação, prosseguiam até final os recursos interpostos.

A alínea b) não procedia a qualquer distinção, em matéria de efeitos do encerramento antes do rateio final, em função do facto que lhe servisse de fundo. E como resulta das alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE podiam ser várias as causas do encerramento antes do rateio final. E, assim, não dispunha de modo especial sobre os efeitos do encerramento, em consequência do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, sobre o processo de verificação de créditos.

Solução que bem se compreendia, pois não havia razão para tanto. É que o plano de insolvência nunca era aprovado antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos. Era o que resultava do n.º 2 do artigo 209.º do CIRE [redacção dada pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março], ao dispor que a assembleia de credores convocada para discutir e votar a proposta do plano de insolvência não se podia reunir antes do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, de proferida sentença de verificação e graduação de créditos, de esgotado o prazo para a interposição de recursos desta sentença. E era o que resultava também do n.º 1 do artigo 212.º do CIRE [ainda na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 53/2004] ao dispor que a proposta de plano de insolvência considerava-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituíssem, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, segundo a sentença de verificação e graduação de créditos, recolhesse mais de dois terços da totalidade dos emitidos, não se considerando como tal as abstenções.

E assim, quando o juiz declarasse encerrado o processo após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano, se a isso se não opusesse o conteúdo dele [o que cumpria fazer por aplicação da alínea b), do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE], já havia sido proferida, no processo, sentença de verificação e graduação de créditos. O que podia não haver era sentença com trânsito em julgado. Porém, a inexistência de trânsito em julgado nem impedia a aprovação do plano de insolvência, como o atestava – e atesta – o n.º 3 do artigo 209.º, do CIRE, nem impedia o encerramento do processo de insolvência.

Deste modo, o encerramento do processo em consequência da aprovação de plano de insolvência (que era sempre um encerramento anterior ao rateio final) nunca determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, no caso de existirem recursos pendentes. Em tal caso, prosseguiam até final os recursos interpostos dessas sentenças. Era o que resultava da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º na redacção saída do Decreto-lei n.º 53/2004.

O Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto de 2004 – que alterou o Decreto-lei n.º 53/2004, - modificou esta situação, alterando os n.ºs 2 e 3 do artigo 209.º e o n.º 1 do artigo 212.º.

Assim, com a alteração n.º 2 do artigo 209.º do CIRE, a assembleia de credores convocada para discutir e votar a proposta de plano de insolvência passou a poder reunir antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos. A reunião da assembleia apenas não podia ter lugar antes do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência nem antes de esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos e da realização da assembleia de apreciação do relatório. 

Com a alteração do n.º 1 do artigo 212.º do CIRE, a proposta do plano de insolvência, passou a poder ser feita também antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Combinando estas duas alterações, o processo de insolvência passou a poder encerrar-se com fundamento no trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência [alínea b), do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE] sem que no processo de verificação de créditos tivesse sido proferida a sentença prevista no artigo 140.º.

Como é bom de ver se tal sucedesse e se se mantivesse a redacção da alínea b), do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE que lhe foi dada inicialmente [redacção do Decreto-lei n.º 53/2004], o encerramento do processo de insolvência determinava a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, quando neles não tivesse sido proferida sentença. É que – repete-se – a única situação prevista em tal alínea que fugia à regra de que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final levava à extinção dos processos de verificação de créditos era constituída pela existência de sentença de verificação e graduação de créditos.

Sucede que a aprovação do plano de insolvência não tornava inúteis a impugnação da relação de créditos reconhecidos e a sentença de verificação e graduação de créditos.

Em primeiro lugar, o n.º 3 do artigo 209.º estabeleceu que o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos acautelava os efeitos da eventual procedência da impugnação da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença de forma a assegurar que, nessa hipótese, fosse concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido.

Se o plano aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos tinha o dever de acautelar o resultado das impugnações e dos recursos interpostos contra a sentença é porque a aprovação do plano não retirava a razão de ser nem à impugnação nem à decisão sobre a verificação e graduação de créditos.

Em segundo lugar, em caso de incumprimento do plano apenas podiam prevalecer-se de alguns dos efeitos que o CIRE assinala a esse incumprimento os credores cujos créditos estivessem reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitada em julgado. É o que resulta do n.º 2 do artigo 218.º do CIRE.

Em terceiro lugar, no caso de o plano prever que a sua execução fosse fiscalizada pelo administrador da insolvência, apenas os titulares de créditos reconhecidos eram informados pelo administrador da insolvência da existência ou inevitabilidade de situações de incumprimento. É o que resulta da alínea c), do n.º 2 do artigo 220.º do CIRE.

Por fim, o facto de o Decreto-lei n.º 200/2004 ter admitido que o plano de insolvência fosse aprovado sem que no processo de verificação de créditos tivesse sido proferida sentença não se ficou a dever ao facto de esta ser inútil para a aprovação. Prescindiu-se dessa exigência por razões de celeridade e por se entender que tal favorecia a recuperação das empresas. É o que afirma o seguinte trecho do preâmbulo de tal diploma: “… permite-se que a assembleia de credores reúna para aprovação do plano de insolvência logo após o termo do prazo para impugnação da lista de credores reconhecidos, o que claramente favorece as perspectivas de recuperação das empresas”.

Uma vez que, por um lado, a aprovação do plano passou a ser permitida antes de ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, mas que, por outro, tal aprovação não retirava razão de ser à continuação do processo de verificação e graduação de créditos, o Decreto-Lei n.º 200/2004 alterou a alínea b), do n.º 2 do artigo 233.º, passando a prever outra excepção à regra de que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determinava a extinção da instância do processo de verificação e graduação de créditos. Essa excepção passou a ser constituída pela situação de o processo de insolvência ser encerrado em consequência da homologação de plano de insolvência. Quando tivesse esta causa, o encerramento não determinava a extinção do processo de verificação de créditos, ainda que nele ainda não tivesse sido proferida sentença. Aliás, só para esta hipótese é que tinha sentido instituir que o encerramento não determinava a extinção do processo de verificação. Com efeito na hipótese de existir sentença na altura da aprovação do plano, a extinção do processo de verificação já era de afastar por aplicação da excepção já existente.

Em suma: quando o encerramento do processo de insolvência resultar da homologação de plano de insolvência, por aplicação da alínea b), do n.º 1 do artigo 230.º do Código Civil, tal encerramento não determina a extinção do processo de verificação de créditos que se encontrar pendente, ainda que nele não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Interpretada a alínea b), do n.º 2 do artigo 233.º do CIRE, na parte em que dispõe que “o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos excepto … se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência…”, com o sentido acima exposto, é bom de ver que não colhe a interpretação restritiva propugnada pela recorrente, pois nos casos de encerramento do processo de insolvência com o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência tal encerramento não determina a extinção do processo de verificação de créditos que se encontrar pendente, ainda que nele não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos. 

Daí que não tenha amparo nas regras de interpretação das normas jurídicas a interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE no sentido de que tal norma confere força executiva apenas à sentença homologatória do plano de insolvência quando esta for proferida antes de existir sentença de verificação e graduação de créditos.


*

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.


*

Responsabilidade quanto a custas:

Visto o disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrente ter ficado vencida, cabia-se a ela suportar as custas. Sucede que já pagou a respectiva taxa de justiça e não há encargos nem custas de parte a contar. Pelo exposto, não se condena a mesma no pagamento de quaisquer custas.

Coimbra, 17 de Setembro de 2019     

Emídio Santos ( Relator)

Catarina Gonçalves

Ferreira Lopes