Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85960/09.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO ADMINISTRADOR PROVISÓRIO
Data do Acordão: 05/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL - 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.334, 1424, 1435-A CC
Sumário: 1. As despesas com a conservação ou manutenção dos ascensores de edifício em propriedade horizontal constituem encargos com partes comuns, que recaem sobre os condóminos cujas fracções possam ser servidas por esses ascensores.

2. Tendo a sociedade construtora/vendedora celebrado, na qualidade de administradora provisória das partes comuns, o contrato para a prestação de serviços relacionados com a conservação do elevador de edifício em propriedade horizontal, o condomínio, que entretanto se constituiu, é responsável pelo pagamento das dívidas resultantes dessa conservação.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE NESTA RELAÇÃO:

I - Relatório:

S (…) Elevadores, Lda, requereu injunção, posteriormente distribuída como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra o condomínio do prédio da ..., (…), ..., representado pelo administrador F (…), pedindo o pagamento da quantia global de € 5.614,65, sendo € 4.718,12 referente aos serviços prestados pela manutenção do ascensor do prédio, conforme facturas emitidas entre 30.6.2005 e 12.01.2009, € 848,53 de juros vencidos desde 30 de Julho de 2005 até 26 de Março de 2009 e € 48,00 de taxa de justiça paga pela apresentação da injunção.
O requerido veio deduzir oposição, alegando a sua ilegitimidade com base em que nunca celebrou qualquer contrato de conservação dos elevadores com a requerente, tendo o contrato sido celebrado entre esta e a sociedade M (…) & G (…), Lda para vigorar pelo período de 10 anos com início de vigência em 01.05.2003, sendo que esta sociedade não actuou na qualidade de administradora do condomínio. Mais alegou que o contrato apenas vincula a sociedade M (…)& G (…), Lda, construtora do prédio, pois ela celebrou-o em nome próprio, tendo o condomínio sido constituído em 20.6.2008, em assembleia de condóminos. Concluiu pela procedência da excepção e pela sua absolvição da instância.
A requerente foi convidada a responder à questão da ilegitimidade, tendo ela apresentado resposta, dizendo, em síntese:
- A sociedade M (…) & G (…), Lda, construtora e dona do prédio, celebrou o contrato de manutenção dos elevadores do edifício como administradora provisória nos termos do art. 1435º-A do CC e essa qualidade de administradora consta do contrato;
- O regime da propriedade horizontal aplica-se, não logo após a sua constituição, mas apenas depois da venda da 1ª fracção autónoma;
- Em 20.6.2008 não se constituiu o condomínio, mas sim foi eleita a 1ª administração do condomínio. O condomínio já existia antes dessa eleição. Até essa eleição, as funções de administrador eram exercidas pelo titular da maior percentagem do capital investido (art. 1435º-A do CC), que geralmente é o construtor do prédio;
- Logo, o condomínio é parte legítima.
Juntou os documentos de fls. 23 a 29.
Em 23.9.2010, em acta, as partes requereram a suspensão da instância para eventual acordo.
Não tendo havido acordo sobre o litígio, realizou-se aos 3.11.2010 a audiência de julgamento, que se iniciou com o oferecimento de meios de prova por ambas as partes, inclusive documentos (a A. juntou 8 facturas, certidão do registo comercial e extracto do registo predial; o réu juntou cópia da acta nº 1 da assembleia de 20.6.2008 e cópia do cartão de identificação do condomínio) ([1]).
Após a audiência foi proferida sentença aos 5.11.2010, que exarou os factos provados e motivação das respostas, bem como a fundamentação de direito, e concluiu decisoria-mente: «na total procedência da acção, o Tribunal decide:
«- Condenar o Requerido Condomínio da ..., (…) ... a pagar à Requerente S (…) Elevadores, Lda a quantia de € 4.718,12 (quatro mil setecentos e dezoito euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora contados, à taxa prevista para as transacções comerciais, pois a credora, aqui Requerente, é comerciante, desde a data de vencimento de cada uma das facturas, respectivamente 30.07.2005, 01.02.2006, 31.07.2006, 01.02.2007, 01.08.2007, 01.02.2008, 31.07.2008 e 11.02.2009,  até efectivo e integral pagamento.
«- Condenar o Requerido Condomínio da ..., (…), ... a pagar à Requerente S (…) - Elevadores, Lda a quantia de € 48,00 a título de restituição da taxa de justiça paga pela Requerente para apresentação da injunção.
«- Condenar o Requerido ao pagamento das custas».

Inconformado, recorre o réu (apelação com efeito meramente devolutivo), concluindo a sua alegação:

1º A prova produzida não permitia ao Tribunal a quo dar como provado o facto 2) – dos factos provados.

2º A prova testemunhal (…) –, juntamente com a prova documental, mostram-se de todo insuficientes para alicerçar aquela conclusão.

3º Da sua análise apenas permite extrair a conclusão que o contrato de manutenção do elevador foi celebrado entre a construtora M (…) & G (…), Lda. e a Recorrida.

4º Já não é possível retirar qualquer conclusão minimamente segura acerca da qualidade em que a mesma intervinha em tal contrato.

5º Com a junção dos restantes documentos (que a Recorrida não quis juntar), ficou a saber-se com segurança que não foi na qualidade de administradora provisória do prédio que aquela sociedade contratou com a A.

6º Também não agiu em representação do condomínio, antes o fez em nome próprio e apenas ela se quis vincular ao mesmo.

7º Não tinha qualquer legitimidade para celebrar em nome do condomínio o contrato de manutenção do ascensor.

8º Na data da celebração do contrato era apenas titular de duas das onze fracções constitutivas do prédio, que em termos de permilagem representava 209,9/1000.

9º O contrato é, assim, ineficaz em relação ao recorrente, nos termos dos artigos 268º, 1430º e 1435º, do Código Civil.

PEDIDO: Nestes termos, porque a decisão da matéria de facto resulta de uma incorrecta apreciação da prova, a qual condicionou a decisão de direito, deve, em provimento do presente recurso, ser eliminado dos factos provados o ponto 2), e a final decidir pela absolvição do pedido o Recorrente.

Com a alegação, o apelante juntou 7 documentos (cópias não certificadas de registo predial).
A autora contra-alegou, opondo-se à junção dos documentos e pugnando pela manu-tenção da decisão recorrida.
Correram os vistos.
Nada obsta ao conhecimento do seu objecto.

II- Fundamentos:

A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) - No dia 01 de Maio de 2003 entre a Requerente S (…)- Elevadores, Lda, à data denominada Representação de (…), e a sociedade M (…) & G (…), Lda foi celebrado um contrato no âmbito do qual as partes acordaram que a Requerente procederia à manutenção do ascensor instalado no prédio sito na ..., n.º (…)   ... mediante a remuneração destes seus serviços pela contraparte.
2) - A sociedade M (…) & G (…), Lda celebrou aquele contrato na qualidade de administradora provisória porque à data ainda não havia sido nomeada administração definitiva pela Assembleia de Condóminos e porque era a proprietária da grande maioria das fracções, por ainda as não haver vendido.
3) - A prestação de serviços teve início em 01 de Maio de 2003 e foi contratada entre as partes pelo prazo de 10 anos.
4) - Foi acordada entre as partes uma remuneração semestral de € 463,86, acrescida de IVA à taxa legal para essa prestação inicial de serviços.
5) - A manutenção do ascensor foi assegurada pelos funcionários da Requerente até ao final do mês de Junho de 2009, com referência às seguintes facturas:
- Factura n.º 648183, no valor de € 551,99, emitida em 30.06.2005 e vencida em 30.07.2005, com referência ao período de Julho a Dezembro de 2005;
- Factura n.º 654144, no valor de € 574,18, emitida em 02.01.2006 e vencida em 01.02.2006, com referência ao período de Janeiro a Junho de 2006;
- Factura n.º 660795, no valor de € 574,18, emitida em 01.07.2006 e vencida em 31.07.2006, com referência ao período de Julho a Dezembro de 2006;
- Factura n.º 667334, no valor de € 590,83, emitida em 02.01.2077 e vencida em 01.02.2007, com referência ao período de Janeiro a Junho de 2007;
- Factura n.º FVR007312, no valor de € 590,83, emitida em 02.07.2007 e vencida em 01.08.2007, com referência ao período de Julho a Dezembro de 2007;
- Factura n.º FMR002874, no valor de € 609,15, emitida em 02.01.2008 e vencida em 01.02.2008, com referência ao período de Janeiro a Junho de 2008;
- Factura n.º FMR006749, no valor de € 604,12, emitida em 01.07.2008 e vencida em 31.07.2008, com referência ao período de Julho a Dezembro de 2008:
- Factura n.º FMR018351, no valor de € 622,84, emitida em 12.01.2009 e vencida em 11.02.2009, com referência ao período de Janeiro a Junho de 2009.
6) - O ascensor esteve a funcionar no período em que a manutenção foi prestada pela Requerente e foi utilizado normalmente pelos condóminos do prédio.
7) - A primeira administração do condomínio foi eleita em Assembleia Geral de Condóminos no dia 20 de Junho de 2008.
8) - O prédio constituiu-se em propriedade horizontal no dia 21 de Junho de 2001.

Sobre a junção dos documentos com o recurso:
(…)
Sobre a impugnação da decisão de facto:

(…)
Nada há, pois, a modificar na decisão de facto.

De direito:

Conclui o apelante que a sociedade M (…) & G (…), ao celebrar o contrato de manutenção dos elevadores, não agiu em representação do condomínio, antes o fez em nome próprio e apenas ela se quis vincular ao mesmo, e não tinha qualquer legitimidade para celebrar em nome do condomínio o contrato de manutenção do ascensor, porquanto na data da celebração do contrato era apenas titular de duas das onze fracções constitutivas do prédio, o que em termos de permilagem representava 209,9/1000.

Não vem provado que na data da celebração do contrato a sociedade era apenas titular de duas das onze fracções constitutivas do prédio, o que em termos de permilagem representava 209,9/1000.

Mas o apelante reconhece que a sociedade era então condómina, pois que era proprietária de algumas fracções. Por outro lado, é certo, como a acta junta mostra sobre a deliberação a respeito do ponto 4 da ordem de trabalhos, que os membros da assembleia de condóminos tinham conhecimento do exercício da administração das partes comuns por parte da sociedade, pois que aí se refere: “… neste ponto foi debatido o pagamento da dívida à firma dos elevadores S (…) auscultar o Sr. (…) relativamente ao plano de pagamentos que tinha acordado…”

Assim, a sociedade tinha legitimidade (substantiva) para exercer a administração provisória, pelo menos nos termos da parte final do nº 1 do citado artigo 1435º-A, nº1 onde se preceitua: «Se a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comunicado tal propósito aos demais condóminos». Claro que, havendo conhecimento, não é necessária comunicação. E note-se: o que a lei pretende através desse artigo não é proibir que um condómino exerça a administração, mas sim prover a que até à eleição ou nomeação judicial algum condómino a exerça, estabelecendo-se ali alguns critérios possíveis (nºs 1 a 3). O que evidentemente visa satisfazer o interesse comum.

E o benefício comum alcançado é ostensivo face ao provado, segundo o qual «o ascensor esteve a funcionar no período em que a manutenção foi prestada pela requerente e foi utilizado normalmente pelos condóminos do prédio». De modo que seria manifestamente abusivo pretender agora o condomínio que o construtor arcasse sozinho com as despesas de manutenção de coisa comum que são os elevadores, quando é certo que o ascensor esteve a funcionar e foi utilizado normalmente pelos condóminos do prédio (art. 334º do CC), sem que conste ter sido alguma vez questionada a legitimidade da sociedade antes de ter sido pedido o pagamento das despesas de manutenção em juízo.

Nesta sequência, falece o entendimento de que o contrato é ineficaz em relação ao recorrente nos termos dos artigos 268º, 1430º e 1435º do Código Civil.

As despesas com a conservação ou manutenção dos ascensores de edifício em propriedade horizontal constituem encargos com partes comuns, que recaem sobre os condóminos cujas fracções possam ser servidas por esses ascensores, conforme artigo 1424º nºs 1 e 4 do CC.

Assenta bem aqui a asserção retirada do acórdão do STJ de 14.09.2010 (in www.dgsi.pt) segundo a qual «tendo os contratos para a prestação de serviços relacionados com a conservação dos elevadores sido celebrados pela sociedade construtora/vendedora (…), na qualidade de “Administradora Provisória do Edifício”, é o condomínio, que, entretanto, se constituiu, responsável pelo pagamento das dívidas resultantes dessa conservação, pois para ele, como representante dos condóminos – que beneficiaram da realização desses serviços – se transmitiram as obrigações decorrentes desses contratos».

Em síntese final:

a)-Neste caso é inadmissível a pretendida junção dos documentos com a alegação do recurso.

b)-Improcede a impugnação da decisão de facto.

c)- As despesas com a conservação ou manutenção dos ascensores de edifício em propriedade horizontal constituem encargos com partes comuns, que recaem sobre os condóminos cujas fracções possam ser servidas por esses ascensores.

d)-Tendo a sociedade construtora/vendedora celebrado, na qualidade de adminis-tradora provisória das partes comuns, o contrato para a prestação de serviços relacionados com a conservação do elevador de edifício em propriedade horizontal, o condomínio, que entretanto se constituiu, é responsável pelo pagamento das dívidas resultantes dessa conservação.

III- Decisão:

Pelo exposto, acordam nesta Relação:
1- Em ordenar o desentranhamento dos documentos 1 a 7 juntos com a alegação do recurso e a sua restituição ao apelante, com custas do incidente de desentranha-mento pelo apelante.
2- Em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.
3- Em condenar o apelante nas custas do recurso.

Virgílio Mateus ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] As folhas dos autos estão incorrectamente numeradas: após fl. 34, vem uma fl. sem nº, a que se seguem fls. 1 e segs…