Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
120/08.3TATCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: AMEAÇA
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.º 153º, DO C. PENAL
Sumário: A ameaça é, por definição, o anúncio de que num futuro mais próximo ou mais longínquo, mas sempre futuro, se vai cometer um crime.
A expressão proferida pelo arguido “se estivesses sozinho, já te rebentava todo, já te f…” apenas anuncia que naquele momento o arguido agrediria o assistente caso ele se encontrasse sozinho, não sendo susceptível de cumulativamente anunciar que o mesmo o fará se no futuro o encontrar sozinho.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o n.º 120/08.3TATCS, do Tribunal Judicial de Trancoso, submetido a julgamento, foi o arguido BC..., melhor identificado a fls. 152, condenado, pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa; pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa; e pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa. E em cúmulo jurídico na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 8,00 € (oito euros), o que perfaz o valor global de 1.280,00 € (mil duzentos e oitenta euros).

Foi ainda o arguido absolvido da prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153.º, n.º 1, do Código Penal, por que também vinha acusado.

De outro lado, na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente AK..., foi o demandado BC... condenado a pagar àquele a quantia de 1.000,00 € (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, tendo terminado a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
«
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos por se entender que se impõe a modificação da decisão do tribunal "a quo" sobre a matéria de facto e de direito a qual se impugna.


A convicção do Tribunal não se baseou numa valoração lógica, racional e objectiva de toda a prova que apreciou na audiência de julgamento, pelo que se fica com dúvida séria, honesta e com força suficiente para se aceitar como provado o ponto 3 dos factos provados, havendo assim lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.






Incompreensivelmente, o Tribunal "a quo" deu como provado o crime de difamação, sendo que a prova valorada, nomeadamente o testemunho da NC…, é no mínimo incongruente e contraditória como acima ficou demonstrado.






Desta forma, e mais uma vez, não podemos mais do que chegar à conclusão que o Tribunal pecou por dar como provada matéria cujo fundamento é inconsistente, parco e insuficiente.


Não atendeu, de igual modo, ao circunstancialismo fáctico que envolveu o diferendo entre o assistente e o arguido. Ou seja, com base na prova testemunhal que apresentamos, constatamos, inequivocamente, que o douto Tribunal recorrido não apreciou devidamente factos relevantes para a boa decisão da causa.

Neste sentido, concluímos, sem prescindir, que a existir crime de difamação, a conduta do arguido estaria justificada à luz do preceituado no n° 2 do artigo 180° do Código Penal.








O arguido estaria a expressar e a traduzir a sua indignação face ao comportamento do assistente, que se insere num quadro de concorrência desleal. Assim sendo, estaríamos perante a defesa de um interesse legítimo por parte do arguido, conforme o plasmado no artigo 180°, n° 2 do Código Penal.






Consequentemente, não poderá ser outra a conclusão, a não ser que, mais uma vez, o Tribunal "a quo" não valorou convenientemente os factos trazidos a seu conhecimento e que conduziriam a uma decisão mais justa.






Entendemos, igualmente, incorrectamente apreciada a matéria de facto que subjaz ao enquadramento jurídico-penal que levou o Tribunal "a quo" a dar como provado o crime de ameaça.





10°
Consideramos que duas das três das características essenciais do tipo objectivo ilícito da ameaça, nomeadamente o mal ser futuro e dependente da vontade do agente não se verificam na situação concreta em apreço.

11°
Desta forma, nunca poderia ter sido o arguido/recorrente condenado por um crime de ameaça, nos termos do artigo 153°, n° l do Código Penal.





12°
A douta Sentença recorrida violou as normas vertidas nos artigos 32.° n.° l da Constituição da República Portuguesa, o artigo 153°, 181° e 180°, todos do Código Penal. (art. 412.° n.° 2, al. a) do CPP).













Termos em que se deve conceder integral provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a douta Sentença recorrida absolvendo-se o Arguido:
a) Da prática de um crime de difamação, p. p.
pelo artigo 180.°, n.° l do Código Penal, e
b) Da prática de um crime de ameaça, p. p. pelo
artigo 153°, n°l do Código Penal, e
c) Do pagamento do pedido de indemnização
civil;







Como é de

JUSTIÇA.»

O Ministério Público, na 1ª instância, apresentou a resposta que se alcança de fls. 227 a 231, no sentido da improcedência do recurso.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 232.

Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 239/239v.º tendo exarado o seguinte:
«Pretendeu-se abarcar quer a matéria de facto quer a de direito.

Não se nos afigurando que o arguido possa ver alterada a sentença no que à matéria de facto respeita, tal como defende o M.° P.° na sua resposta, pensamos que o mesmo poderá não acontecer com a aplicação do direito.

Referimo-nos ao enquadramento jurídico da conduta do arguido no crime de ameaças, ponto este sobre o qual o recorrente se alongou mais na sua motivação
- conclusões de 9 a 11 - e que nos parece constituir o fulcro ou a razão primeira da
impugnação.

Em nosso entendimento, as expressões provadas nos pontos 4 e 5 da sentença :


"se estivesses sozinho, já te rebentava todo, já te fodia " e " vais ter muito que sofrer " não configuram o crime de ameaças por que foi condenado, porque:
- no contexto em que foram produzidas, ou seja: com expressões injuriosas

associadas, e num quadro de continuada animosidade do arguido contra o ofendido por causa do mesmo negócio a que se dedicam, revestem mais a forma de

protesto do que de promessa de agressão.
- há um carácter um tanto vago e difuso quanto ao mal que se pretende levar a

cabo, sobretudo quando se anuncia que vais ter muito que " sofrer ".
- As palavras " já " e a condicional " se " utilizadas na primeira expressão não apontam para um mal futuro - o que é imposto no preceito incriminador.

Já esta Relação, no proc. n°413/06.24GCVIS.C1 de 09-06-2010 , apreciou uma factualidade que tem alguma similitude com a destes autos:





" Não se verifica o crime de ameaça quando o agente, indivíduo de sexo masculino, dirigindo-se a indivíduo de sexo feminino, profere a seguinte expressão: «se fosses um homem até te trincava» ".»

Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apresentou o assistente a resposta de fls. 248 a 250, na qual conclui que a decisão recorrida deve manter-se nos seus precisos termos.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação
Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e as previstas no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – v. ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3.2.99, em BMJ n.º 484, pág. 271; o acórdão do STJ de 25.6.98, em BMJ n.º 478, pág. 242; o acórdão do STJ de 13.5.98, em BMJ n.º477, pág. 263; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, pág. 320 e 321.
Constitui princípio geral que as relações conhecem de facto e de direito — v. art.º 428.º do Código de Processo Penal.
Tendo presente as conclusões do recorrente, as questões a apreciar por este Tribunal são as seguintes:
- Questiona o recorrente a matéria de facto, entendendo que não devem ser dados como provados os factos constantes do ponto 3 – Desde que o assistente adquiriu a praça de táxis, em Maio de 2008, o arguido começou a afirmar publicamente naquela vila que o mesmo é um ladrão, que lhe rouba os clientes. –, e que o tribunal a quo não atendeu ao circunstancialismo fáctico que envolveu o diferendo entre o assistente e o arguido.
- A verificar-se a prática de um crime de difamação, sempre a conduta do arguido estaria justificada à luz do n.º 2 do art.º 180.º do Código Penal.
- Entende o recorrente que não praticou o crime de ameaça, porquanto a expressão “se estivesses sozinho, já te rebentava todo, já te fodia,” não se deverá considerar uma ameaça porque não anuncia um mal futuro.

São os seguintes os factos provados (transcrição):
«1 – O assistente AK... é proprietário de um estabelecimento de supermercado, e de um táxi com praça no lugar do …, na mesma vila.
2 – O arguido é reformado da GNR e possui um táxi, com praça em …, sita a escassos metros do referido estabelecimento comercial.
3 – Desde que o assistente adquiriu a praça de táxis em …, em Maio de 2008, o arguido começou a afirmar publicamente naquela vila que o mesmo é um ladrão, que lhe rouba os clientes.
4 – No mês de Junho de 2008, em dia não concretamente apurado, cerca das 07h30m, enquanto o assistente abria a porta do supermercado, o arguido dirigiu-lhe as seguintes palavras: “se estivesses sozinho, já te rebentava todo, já te fodia, que me andas a roubar clientes, meu chulo, meu porco”.
5 – No dia 20 de Junho de 2008, o arguido estacionou a sua carrinha, de matrícula …, em frente ao estabelecimento comercial do assistente e deixou no pára-brisas um papel com as seguintes inscrições: “Urgente; Vais ter muito que sofrer; Vende-se por falta de espaço”.
6 – O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente.
7 – Bem sabendo que as referidas expressões de cariz insultuoso por si proferidas, dirigidas a terceiros e ao assistente, eram objectiva e subjectivamente lesivas da honra deste.
8 – Igualmente sabia que as expressões de cariz ameaçador por si proferidas e dirigidas ao assistente eram idóneas a criar medo e a prejudicar a sua liberdade de determinação.
9 – Mais sabia o arguido que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
10 – Com a actuação do arguido descrita em 3), 4) e 5), o assistente sentiu-se vexado e envergonhado.
11 – O assistente temeu pela sua vida e integridade física, teve receio e medo.
12 – O arguido não regista antecedentes criminais.
13 – O arguido trabalha como taxista, retirando mensalmente dessa actividade em média € 400 (quatrocentos euros), e recebe ainda uma pensão no montante mensal de € 1.000 (mil euros), na qualidade de aposentado da GNR.
14 – Vive com a mulher, que trabalha ocasionalmente no talho de um familiar e do qual retira alguns bens de que necessita para a economia doméstica.
15 – O arguido reside em casa própria e encontra-se a pagar uma prestação bancária no montante mensal de € 300 (trezentos euro), relativa à aquisição de uma nova viatura.»

Não foram considerados factos não provados:

O tribunal recorrido exarou a seguinte fundamentação da matéria de facto (transcrição):
«Nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração de prova, dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal.
A convicção do Tribunal sobre a factualidade considerada provada e não provada baseou-se na análise crítica e ponderada dos seguintes elementos de prova:

Para dar como provados os factos constantes da acusação, o Tribunal fundou a sua convicção, desde logo, nas declarações do arguido, na parte em que admitiu ter escrito no papel referido em 5) a expressão “vais ter muito que sofrer”. Contudo, a versão apresentada pelo arguido em como tal expressão não se dirigia ao ofendido, mas sim à sua própria carrinha não convenceu o Tribunal, não só por tal se afigurar totalmente irrazoável e desconforme às regras da experiência, mas também porque do depoimento das testemunhas inquiridas e do contexto em que tal facto foi praticado resulta precisamente o contrário. Pelas mesmas razões, o mesmo se diga quanto às restantes declarações do arguido, em que negou alguma vez ter chamado ladrão ao assistente ou ter-lhe dirigido qualquer expressão injuriosa, conforme se passa a expor.
Assim, o assistente AK... confirmou toda a matéria constante das acusações pública e particular, bem como do pedido de indemnização civil. Ora, se é certo que não se pode deixar de considerar que o assistente tem interesse no desfecho dos presentes autos, face à própria posição processual que assume, não menos certo é que as respectivas declarações foram corroboradas pelas testemunhas NC…, AK..., AK..., JR... e ST..., pelo que foram consideradas credíveis.
Com efeito, a testemunha NC... depôs de forma coerente, escorreita e espontânea, tendo confirmado os factos 3), 5) e 11) da matéria de facto provada.
As testemunhas AK..., mulher do assistente, e AK..., filha do assistente, depuseram de forma coerente, escorreita e espontânea, por forma a confirmar toda a matéria constante das acusações pública e particular e do pedido de indemnização civil.
As testemunhas JR..., cliente do supermercado do assistente, e ST..., comerciante que fornece o supermercado do assistente, depuseram de forma coerente, escorreita e espontânea, tendo confirmado os pontos 3), 5), 10) e 11) dos factos provados.
Consigna-se que o depoimento das testemunhas arroladas pela defesa, não assumiu qualquer relevância na formação da convicção do Tribunal, uma vez que, não obstante as mesmas terem referido que nunca viram o arguido tecer qualquer comentário injurioso relativamente ao assistente nem terem visto o papel referido no ponto 5), tal não significa que tais factos não tenham ocorrido, mas apenas que as testemunhas em apreço não os presenciaram, sendo certo que todas elas tinham conhecimento que o arguido estava desavindo com o assistente desde que este último adquiriu o taxi. Para além disso, apesar de tais testemunhas terem igualmente referido que o arguido não deixava a carrinha estacionada semanas a fio em frente ao supermercado do assistente e que a mesma não impedia o acesso ao referido estabelecimento, tais factos não assumem, a nosso ver, qualquer relevo, pois estas próprias testemunhas admitiram que o arguido deixava a carrinha estacionada naquele local durante alguns dias, não obstante ter outros lugares de estacionamento disponíveis naquela zona, e que, não obstante não impedir totalmente o acesso ao supermercado, tapava-lhe a entrada principal, factos que, em conjunto com a demais factualidade que resultou provada, não deixam margem para dúvida que o papel a que se refere o ponto 5) se destinava ao assistente. Acresce que o depoimento da testemunha …, na parte em que referiu ter visto o assistente a escrever no referido papel a expressão “vais ter muito que sofrer”, não mereceu qualquer credibilidade, uma vez que o próprio arguido admitiu ter sido ele a praticar tal facto.
Para além disso, do facto de as testemunhas de acusação serem todas elas pessoas ou da família do assistente ou que com ele têm relações de natureza comercial não se pode extrair, sem mais, que não estejam a falar com verdade. É certo que tanto o assistente, como a sua mulher e filha se revelaram, por vezes, exaltados no decurso dos respectivos depoimentos, contudo tal reacção não pode deixar de se ter por natural face à conduta do arguido que resulta dos factos provados. Para além disso, igualmente não se pode esquecer que estes depoimentos foram corroborados pelas demais testemunhas de acusação inquiridas, o que, tudo em conjunto, formou no Tribunal a firme convicção de que os factos se passaram tal como por elas relatado.
Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se no Certificado do Registo Criminal do arguido (fls. 112) e relativamente à situação pessoal, familiar e económica desta, mereceram crédito as suas declarações.»

Analisando.
Sustenta o recorrente que não devem ser dados como provados os factos constantes do ponto 3 – Desde que o assistente adquiriu a praça de táxis em …, em Maio de 2008, o arguido começou a afirmar publicamente naquela vila que o mesmo é um ladrão, que lhe rouba os clientes. –, e que o tribunal a quo não atendeu ao circunstancialismo fáctico que envolveu o diferendo entre o assistente e o arguido.
Confrontada a prova verifica-se que o assistente e as testemunhas NC..., AK..., AK... e JR... referiram que:
Assistente
Passado algum tempo adquiriu também uma praça de táxis. Aconteceram mil e uma coisas, desde perseguições (…). Mais do que uma vez o Sr. BC...lhe chamou ladrão, filho da puta, meu chulo, meu porco. Um dia um cliente chamou-o e entretanto estava a chegar para fazer o serviço. A senhora estava a entrar para dentro do carro e vê atravessarem-lhe um carro na frente. Depois (…) o arguido chamou-lhe seu ladrão, seu gatuno, queres roubar-me os clientes. Quando o arguido lhe chamou esses nomes havia mais gente (…)

NC...
Ouviu, lá, dizer ao arguido, ao pé do supermercado, que o Sr. AK... era um ladrão e que lhe roubava os clientes.

AK...
Uma vez vinha de casa (…) a sair da sua rua, o seu pai ia a sair do supermercado apressado, ele de repente estava junto do café que é logo a seguir ao seu estabelecimento e como viu o seu pai apressado veio a correr e disse ó meu filho da puta que não me escapas. Uma outra vez em sentido inverso vinha da loja ele vinha de cima e ele disse meu ladrão andas-me a roubar os clientes. E o seu pai simplesmente estava a entrar na carrinha (…). Estas situações ocorreram durante o verão de 2008.
Ouviu também outras pessoas da vila dizerem que ele tinha dito a várias pessoas que o seu pai era um ladrão e que lhe roubava crientes.

JR...
Ouviu eles estarem a discutir. Aquela política era diária. O Sr. BC...a tratar mal o Sr. AK... que era ladrão e que lhe roubava os clientes.

Verifica-se, assim, que o que se consignou na sentença recorrida tem apoio na prova produzida.
Aliás, as próprias passagens descritas e escolhidas pelo recorrente permitem extrair esta conclusão.
E quanto aos restantes motivos que levaram o tribunal a consolidar a sua convicção, assentes em aspectos relacionados com a imediação, como é o caso da credibilidade dos depoimentos, não pode este tribunal fundadamente pôr em causa, sendo certo que o que o tribunal expôs sobre a sua convicção não viola em nenhum momento o princípio da livre apreciação da prova, que dita que esta seja analisada segundo as regras da experiência.
Por outro lado, tendo em consideração que a convicção positiva expressa pelo tribunal tem apoio na prova produzida e não comporta a dúvida sobre a realidade dos factos dados como provados, também não se alcança que tenha ocorrido violação do princípio in dubio pro reo.
Por outro lado, ainda, no que respeita à motivação da conduta do arguido, o tribunal deu como provado que O arguido é reformado da GNR e possui um táxi, com praça em …, sita a escassos metros do referido estabelecimento comercial. Desde que o assistente adquiriu a praça de táxis em …, em Maio de 2008, o arguido começou a afirmar publicamente naquela vila que o mesmo é um ladrão, que lhe rouba os clientes., e esse conteúdo é o único que resulta incontestável dos depoimentos produzidos em audiência, que não coincide exactamente com o declarado com o arguido a esse propósito, e não tinha que coincidir, porque a convicção do tribunal deve ser um resultado de uma actividade intelectual de análise conjugada dos vários depoimentos e não uma soma aritmética do seu conteúdo.
Não há, assim, que alterar a matéria de facto.

Sustenta o arguido que sempre a sua conduta estaria justificada à luz do n.º 2 do art.º 180.º do Código Penal.
Mas, também aqui não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, a difamação não é punível desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) A imputação de facto desonroso ser feita para realizar interesse legítimo e, para além disso,
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou ter fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
Só que esta teoria que poderia ser perfeitamente adaptável aos fundamentos do recurso do arguido, necessita de matéria fáctica probatória da existência de tal causa de justificação.
Ora, da matéria de facto dada como provada o que consta é que o arguido andou a dizer que o assistente era um ladrão, que lhe roubava os clientes.
Ora, essa imputação nunca seria susceptível de realizar o eventual interesse do arguido na conservação dos seus clientes, nem se entendendo como possa o mesmo seriamente alegá-lo.
Improcede, assim, o recurso também nesta vertente.

Por último, entende o recorrente que não deve ser condenado pela prática do crime de ameaça, porquanto a expressão “se estivesses sozinho, já te rebentava todo, já te fodia,” não se deverá considerar uma ameaça porque não anuncia um mal futuro.
Nesta parte, entendemos que assiste razão ao recorrente.
Com efeito, ameaça é por definição anúncio de que num futuro mais próximo ou mais longínquo, mas sempre futuro, se vai cometer um crime.
Ora, a expressão proferida pelo arguido “se estivesses sozinho, já te rebentava todo, já te fodia,” apenas anuncia que naquele momento o arguido agrediria o assistente caso ele se encontrasse sozinho, não sendo susceptível de cumulativamente anunciar que o mesmo o fará se no futuro o encontrar sozinho.
Nesta parte procede, pois, o recurso.
Dado que se impõe absolver o arguido da prática do crime de ameaça, importa reformular o cúmulo jurídico efectuado de modo a que não inclua a pena aplicada ao crime de ameaça imputado.
E fazendo-o, de acordo com o disposto no art.º 77.º do Código Penal, com consideração dos factos no seu conjunto e da personalidade que o arguido revela, entende-se ajustado fixar a pena de multa em 120 (cento e vinte) dias.
Igualmente a absolvição do crime de ameaça tem como consequência que relativamente a essa matéria não se verifiquem os pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos, o que implica a alteração da condenação cível por forma a excluir o valor que foi arbitrado pela expressão que integrava o crime de ameaça que foi 400.00 €.


III – Decisão
Nos termos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
- Absolver o arguido da prática do crime de ameaça
- Reformulando o cúmulo jurídico efectuado, condenar o arguido na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 8,00 € (oito euros), no total de 960,00 (novecentos e sessenta euros)
- Condenar o demandado BC... a pagar ao assistente AK... a quantia de 600,00 € (seiscentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
- No mais manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s e a procuradoria em 1/3 daquela.


Frederico Cebola (Relator)
Jorge Jacob