Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65879/14.3YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA
DEFICIÊNCIA
NULIDADE PROCESSUAL
CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE FORMAL
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 01/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.155 CPC, DL Nº 359/91 DE 21/9, ART.334 CC
Sumário: 1. Não tendo o interessado, decorridos os dois dias após a gravação da audiência, reclamado da sua não disponibilização, e tendo arguido irregularidades daquela decorridos mais de 12 dias após a sua realização, apenas em sede de alegações de recurso, deve ter-se a arguição por intempestiva.

2. No crédito ao consumo, regulado pelo DL 359/91, o contrato deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura, sob pena de nulidade, arguível por este.

3. O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

C (…) apresentou injunção contra A (…) e M (…) pedindo o pagamento de € 8.993,04, sendo a quantia de € 8.602,47 a título de capital e a quantia de € 237,57 a título de juros, a quantia de € 153,00 a título de taxa de justiça.

Alega, em síntese:

Os requeridos celebraram com a requerente um contrato de crédito em conta corrente, ao qual foi atribuído o n º ( ...) , datando a abertura de crédito de 11/01/2007, obrigando-se os requeridos a proceder ao reembolso em prestações mensais de valor não inferior a uma parte fixa e préestabelecida referente ao limite máximo autorizado.

O contrato de crédito em causa permitia aos requeridos solicitar, para além do financiamento inicial, novos financiamentos ou aumentos de plafond.

Não obstante terem sido interpelados, após incumprimento do contrato, a requerente procedeu à resolução do mesmo em 30/08/2013.

Contestaram os requeridos, em síntese:

Celebraram com a requerente não um mas dois contratos, tendo sido acordado o reembolso mensal de capital e juros no montante de € 172,50.

Face às prestações que foram liquidando, não poderia estar em dívida o montante peticionado.

Tentaram por diversas vezes que a requerente lhes facultasse cópia dos contratos e dos planos prestacionais, mas sem sucesso.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a declarar nulo o contrato de crédito celebrado entre a autora e os réus e não se condenaram estes na entrega à autora da quantia relativa ao capital mutuado, uma vez que a mesma já foi efetuada, absolvendo-se os réus dos pedidos formulados.


*

            Inconformada, a Autora recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)


*

            Os Réus contra-alegaram, defendendo a decisão recorrida.

*

            Questões a decidir:

            Irregularidades da gravação;

            Reapreciação da matéria de facto;

            A nulidade do contrato;

            O abuso do direito a invocar a nulidade.


*

A deficiente gravação do depoimento de M (…).

Reproduzida a gravação deste testemunho, estão apenas inaudíveis as perguntas do mandatário dos Réus.

Este testemunho foi tido por relevante na motivação do julgador e, agora, para a impugnação da matéria de facto feita pela Recorrente.

 Considerando a data da entrada do processo, o regime aplicável ao mesmo é o do atual Código de Processo Civil (doravante CPC), regulando esta questão o seu art.155º.

A deficiência da gravação constitui uma nulidade porque esta integra um acto previsto na lei, sendo certo que a falha pode influir na decisão da causa por impedir, quer a impugnação da matéria de facto pelas partes, com base na gravação, quer a reapreciação da matéria de facto pela Relação.

A questão do prazo para o recorrente invocar o vício não era inteiramente pacífica na jurisprudência.

Para alguns, o prazo era de 10 dias, a contar do termo da audiência ou da entrega à parte da cópia da gravação. (Acórdãos do STJ de 29.1.2004 e 13.1.2005, nos proc. 03B1241 e 04B4031, em www.dgsi.pt.)

Para outros, não era exigível à parte que proceda à audição antes do início do prazo de recurso, sendo no decurso deste que surge a necessidade de uma análise ao conteúdo do registo e, com ele, o conhecimento da falha, a qual pode ser invocada na própria alegação do recurso. (Acórdão do STJ de 29.4.2014, no proc. 1937/07, no referido sítio digital e que refere ser a solução maioritária, citando jurisprudência.)

O artigo 155.º do CPC dispõe agora o seguinte:

“1- A audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respectiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.

2 - A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor.

3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo ato.

4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.(…)

Esta norma passou a conter a previsão expressa do prazo de arguição do vício da deficiência da gravação.

No contexto do diferendo jurisprudencial referido, esta previsão expressa afasta a tese de que a parte interessada possa arguir o vício no prazo de interposição de recurso e apenas nas próprias alegações de recurso. (Neste sentido, acórdãos da R.Coimbra, de 10.07.2014, proc. 64/13, da R.Porto, de 17.12.2014, proc. 927/12; contra, desta relação, ac. de 10.03.2015, proc. 1277/12, todos em www.dgsi.pt.)

Pôr “à disposição” das partes significa que a gravação está disponível para quem a queira consultar, sem necessidade de qualquer ato formal de entrega, presumindo-se que a mesma ocorra no prazo de 48 horas.

Caso seja omitido o ato de disponibilização da gravação no prazo de dois dias, o interessado deverá junto do tribunal de primeira instância assinalar essa falta.

Passa a ser preocupação primária (com especial ónus de verificação) indagar se o recurso é de facto, se a gravação está disponível e se está em condições.

As questões inerentes a esta preocupação primária devem ser colocadas ao tribunal de primeira instância, o que tem a óbvia vantagem de permitir que este possa desencadear diligências para suprir a falha, evitando a subida de recursos e a repetição de atos evitáveis.

Ora, no caso, não tendo a Recorrente, decorridos os dois dias após a realização da gravação, reclamado da sua não disponibilização, e vindo assinalar irregularidades da gravação decorridos mais de 12 dias após a realização da mesma, deve ter-se por intempestiva a arguição. (A gravação é de 28.04.2015, o pedido de CD gravado é de 21.05.2015 e a arguição é feita nas alegações do recurso em 15.06.2015.)


*

Reapreciação da matéria de facto.

Questiona a Recorrente a prova do facto assente sob o nº4:

“4 – As condições gerais juntas aos autos a fls. 25, não se mostram assinadas pelos réus.”

E questiona a decisão de ter como não provado o seguinte:

“Que na data aludida no ponto 1) a autora entregou aos réus cópia do contrato, bem como das condições de reembolso das quantias disponibilizadas aos réus, em virtude do acordo por eles subscrito e demais condições do contrato,

designadamente das cláusulas contratuais gerais de fls. 25 dos autos.”

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Consideremos:

No seu articulado, os Réus não questionam a contratação básica e a subscrição da proposta de fls.26. Eles alegam que não conheceram o restante clausulado, designadamente as condições gerais do contrato.

Em primeiro lugar, a folha 25 dos autos não se mostra assinada pelos Réus.

            Invoca a Recorrente que tal folha está ligada à folha 26 e, nesta, consta a declaração dos Réus da aceitação das condições gerais.

            Porém, tanto é plausível a ligação das folhas como a sua separação.

            Fls.26 é uma proposta de adesão, sendo da iniciativa dos Réus a apresentação das suas condições económicas, para que depois a Autora confira haver condições para a concessão do crédito. No momento da proposta não se conhece a posição final da mutuante.

            As testemunhas ouvidas não se pronunciam sobre a forma como se processou o encontro de vontades e como se outorgou o contrato.

            Não está assegurado que a Autora tenha enviado dois exemplares do contrato aos Réus, para que estes devolvessem um deles, mantendo na sua posse o outro, sendo ele constituído por conteúdo idêntico a fls.25 e 26.

            Afirmar-se uma probabilidade de detenção de cópia do contrato (como o fez a testemunha (…)) poderá sustentar uma presunção judicial desta detenção. Porém, no caso, nada nos permite dizer que os Réus tenham levado ou recebido dois exemplares do contrato, como alega a Autora. Sendo assim, fls.26 pode ser apenas uma proposta para o contrato, dizendo o seu conteúdo mais do que aquilo que efetivamente ocorria no momento da sua assinatura.

            Os documentos juntos, só por si, não revelam a entrega dos dois exemplares. Apenas temos a prova da entrega de fls.26 à mutuante.

            A proposta (fls.26, no dia 09.01.2007) era para dez mil euros e o que foi concedido, durante o ano de 2007, foram sete mil euros, mais € 579,00, mais €1.116,00, sem que se saiba em que medida foram alteradas as condições contratuais e quais.

Como a Autora afirma na injunção, de acordo com a sua aceitação, a abertura do crédito deu-se depois, a 11.01.2007.

            Como veremos infra, o que está em causa é a entrega do contrato no momento da respetiva assinatura.

Por fim, importa dizer que, mais tarde, também foi incluído o seguro, sem que se saiba como foram ajustadas as condições contratuais e sem que se certifique a entrega de um exemplar relativo a este seguro.

            Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a impugnação da matéria de facto, mantendo a decisão recorrida sobre esta matéria.


*

            Foram considerados provados os seguintes factos:

1 – Pela autora foi apresentada aos réus o “contrato de adesão” designado

“M ( ...) ”, cuja cópia consta de fls. 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta assinalado com uma cruz a opção “Sim desejo aderir ao M ( ...) sem seguro (…) solicito a minha reserva permanente de dinheiro no montante de € 10.000”, datada de 09/01/2007;

2 - Pelos réus foi subscrita a autorização de débito em conta no referido “contrato de adesão”, que consta de fls. 26 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

3 – Do acordo aludido em 1) apenas constam os dados relativos às condições sociais e económicas dos réus.

4 – As condições gerais juntas aos autos a fls. 25, não se mostram assinadas pelos réus.

5 – O conteúdo escrito após as epígrafes “Assinatura do contrato e autorização débito em conta” e “Seguro”, são praticamente ilegíveis.

6 – Na data aludida em 1) foram pelos réus fornecidos à autora os elementos comprovativos da situação económica que descreveram no acordo aludido em 1), nos termos constantes de fls. 27 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7 – Na sequência do acordo aludido em 1), a autora procedeu à transferência para a conta indicada pelos réus da quantia de € 7.000,00 em 12/01/2007, da quantia de € 579,00 em 12/10/2007 e da quantia de € 1.116,00 no dia 28/12/2007, conforme resulta do documento de fls. 33 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – Pelo réu foi subscrito o documento cuja cópia se mostra junto aos autos a fls. 34 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Boletim de adesão ao seguro facultativo de vida e protecção ao crédito m ( ...) ”.

9 – Pelos réus foram pagas prestações no período de 01/02/2007 a 01/08/2013, que perfazem a entrega à autora do montante global de € 12.030,01,

conforme documento de fls. 35/36 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido sendo que, desse montante parte foi imputado a titulo de prestação devida pela subscrição de contrato de seguro o montante de € 2.111,27.

10 – Pela autora foi em 1 de Junho de 2013 remetida ao réu a carta que consta de fls. 6 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 - Pela autora foi em 31 de Agosto de 2013 remetida ao réu a carta que

consta de fls. 37 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12 – Após 31/08/2013 foi pelos réus, entregue à autora, a quantia de € 200,00.

Não se provou:

Que na data aludida no ponto 1) a autora entregou aos réus cópia do contrato, bem como das condições de reembolso das quantias disponibilizadas aos réus, em virtude do acordo por eles subscrito e demais condições do contrato,

designadamente das cláusulas contratuais gerais de fls. 25 dos autos.


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A nulidade do contrato.

As partes não questionam a qualificação do contrato como “crédito ao consumo”, regulado pelo DL 359/91, de 21.09.

Não questionam a qualidade de consumidores dos Réus.

Como preceitua o seu art.6º, nº1, “o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura.”

Esta norma tem natureza imperativa, impondo a efetiva entrega ao consumidor de um exemplar do contrato no momento da sua assinatura, sob cominação de nulidade (ver ac. do STJ, de 14.01.1999, proc. 99B387, e de 07/07/2009, proc. 6773/04, em www.dgsi.pt.)

Na verdade, a nulidade do contrato está consagrada no art. 7º, nº1, do mesmo diploma legal.

Segundo o seu nº4, trata-se de uma nulidade atípica, no sentido de que só pode ser arguida pelo consumidor. E as razões da nulidade presumem-se imputáveis ao credor.  

Em consonância com a obrigação de entrega imediata do exemplar do contrato, a lei faz contar desse mesmo momento o prazo para o consumidor avaliar a resolução livre do acordo.

A referida exigência e a sanção grave que lhe corresponde pretendem acautelar o direito à informação do consumidor, podendo este ler todo o clausulado e assim questionar o modo como se vinculou perante a instituição de crédito.

Uma vez que a prova dessa entrega não foi feita no caso em apreço, depois de ter sido invocada pelos Réus, impõe-se concluir pela nulidade do contrato em causa, nos termos do referido preceito legal.


*

O abuso do direito.

Entende a Recorrente que a invocação da nulidade pelos Réus é abusiva.

Argumenta aquela:

Os Réus nunca haviam colocado em causa a celebração do contrato, usufruíram do montante requerido e procederam durante quase um ano ao regular pagamento das prestações devidas. Tal comportamento cumpridor criou na Recorrente uma expetativa legítima da validade contratual.

No abuso do direito estamos perante posições jurídicas contrárias aos valores estruturantes do sistema jurídico.

            É um limite indeterminado ao comportamento jurídico, que passa pelos conceitos de fim, de bons costumes e de boa fé (art.334º do Código Civil).

            Trata-se de um conceito indeterminado, que carece de um processo de concretização para melhor aplicar a justiça ao caso concreto.

Há, assim, necessidade de surpreender grupos típicos de comportamentos abusivos frente a "um universo informe de comportamentos inadmissíveis" - M. Cordeiro, Boa Fé, 1997, página 719.

            Têm sido considerados grupos típicos: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegalidades formais, a suppressio e a surrectio, o tu quoque e finalmente o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

A locução venire contra factum proprium exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios.

Parte-se de uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a criar noutrem uma situação objetiva de

confiança, ou seja, a convicção de que aquele sujeito jurídico se comportará, no futuro, coerentemente com aquela conduta. É necessário que, com base na situação de confiança criada, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe resultarão danos se a sua confiança legítima vier a sair frustrada.
Como refere Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil”, Teses, Almedina, 2007, página 745), o abuso de direito nesta modalidade postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si mas diferidas no tempo. A primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda – o venire. Só se considera como “venire
contra factum proprium” a contradição direta entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento da mesma pessoa.

Mas a contradição a atender está limitada à proteção da confiança: um comportamento não pode ser contraditado quando tenha suscitado a confiança dos sujeitos envolvidos.

O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura.

No caso em apreço:

A sanção para a falta assinalada é a nulidade, que só pode ser arguida pelo consumidor, sendo certo que as razões da nulidade presumem-se imputáveis ao credor.

A nulidade pode ser invocada a todo o tempo, nos termos do disposto no artigo 286º do Código Civil.

Se o legislador pretendesse acautelar a sanação do vício pelo decurso do tempo, tê-lo-ia sancionado com a anulabilidade, como fez para os casos previstos no nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91.

A lei impõe a nulidade como forte pressão para assegurar a possibilidade de ponderação das cláusulas contratuais.

Nesta medida, o decurso do tempo e a inércia dos Réus, só por si, não legitimam uma consideração de confiança da Autora. Esta é a responsável pela situação de nulidade, sujeitando-se a todo o tempo à invocação da sanção referida. (ver ac. do STJ, de 07.01.2010, proc. 08B3798, apesar do ac. da Relação de Coimbra, de 12.02.2008, proc. 366/05, ambos em www.dgsi.pt.)

Se a Autora não entrega o contrato, não pode criar a expetativa (tutelável) de que não possa advir um problema relativo ao seu conteúdo.

O tempo é aqui expressão da inércia dos Réus na ignorância das condições.

            Os pagamentos dos Réus, colocada a Autora naquela situação, não criam uma especial confiança a esta. A qualquer momento, por uma razão ou outra, o devedor pode confrontar-se com dúvidas contratuais. Se os Réus não colocaram

em causa a contratação básica e foram pagando, eles chegaram a um momento em que o conhecimento das condições é essencial para perceber o ainda devido: estando já pagos € 12.030,01, depois de 75 prestações, recebendo a comunicação de fls.6, os Réus questionam como podem estar a dever ainda mais cerca de oito mil euros. Esta quesitação é aceitável. A invocação da nulidade, neste contexto, não é juridicamente intolerável e abusiva. A sua invocação é a defesa mais segura dos Réus à invocação, pela Autora, das condições contratuais.

            A solução passa por penalizar quem se colocou em situação repudiável.

A matéria de facto apurada é insuficiente para concluir que o não exercício anterior do direito de invocar a nulidade, por falta de entrega oportuna de um exemplar da proposta de contrato, foi acompanhado de uma atuação dos consumidores apta a, objectiva e justificadamente, criar na recorrente a confiança de que a nulidade não seria suscitada.

Assim, temos de concluir inexistir qualquer abuso de direito na invocação daquela invalidade.

Por fim, tirando as ilações da nulidade, considerando os valores já pagos pelos Réus, o tribunal recorrido considerou já estarem restituídos os valores devidos à Autora, conclusão que não mereceu preocupação recursiva de qualquer das partes.

Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela Recorrente.

            Coimbra, 2016-1-12


 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

 António Carvalho Martins

 Carlos Moreira