Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1055/18.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO
PERSI
CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO
Data do Acordão: 10/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 227/2012 DE 25/10
Sumário: I - O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro estabeleceu regras a observar pelas instituições de crédito destinada a prevenir e a regulamentar as situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (PERSI).

II – Tendo ocorrido incumprimento de dois contratos de crédito e existido declaração de resolução desses contratos por parte da instituição financeira, que foi aceite pelo cliente, tendo as partes formalizado a seguir um acordo de pagamento, com fixação e escalonamento de prestações destinadas a pagar a dívida resultante desses dois contratos de crédito, este acordo configura um novo contrato cujo incumprimento já não está sujeito ao PERSI devido a não se tratar de um dos contratos tipo sujeitos a este procedimento.

Decisão Texto Integral: *

Sumário:

I - O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro estabeleceu regras a observar pelas instituições de crédito destinada a prevenir e a regulamentar as situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (PERSI).

II – Tendo ocorrido incumprimento de dois contratos de crédito e existido declaração de resolução desses contratos por parte da instituição financeira, que foi aceite pelo cliente, tendo as partes formalizado a seguir um acordo de pagamento, com fixação e escalonamento de prestações destinadas a pagar a dívida resultante desses dois contratos de crédito, este acordo configura um novo contrato cujo incumprimento já não está sujeito ao PERSI devido a não se tratar de um dos contratos tipo sujeitos a este procedimento.


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Recorrente………………….F (…), melhor identificado nos autos.

Recorrida……………………U (…), S.A., (…)


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto pelo Réu e respeita à sentença que o condenou a pagar à autora U (…) o montante de €24.574,15, acrescido dos juros moratórios vencidos desde 07/02/2018, até integral pagamento, à taxa convencional de 22,00% e 27,360% ao ano sobre o capital de €15.081,41.

Tal condenação provém de contratos que tiveram por objeto a emissão de dois cartões de crédito e serviços financeiros a eles associados, tratando-se da dívida acumulada deles resultante a favor da autora Recorrida.

b) As conclusões do recurso são as seguintes:

«1 - O recorrente considera incorrectamente julgados os pontos de facto supra enumerados nos números 17 e 20, uma vez que a prova documental junta nos autos impõe uma decisão diversa sobre esses pontos da matéria de facto.

2 - Com efeito, face à confissão da recorrida resulta desde logo que há uma

diferença de € 1.145,50 que não foi considerada na discriminação constante do artº 18º da petição inicial e no pedido de € 24.574,15.

3 - Nos factos dados como provados no Ponto 17, o Tribunal “ a quo” dá como provado o pagamento de €11.200,00, mas mantém as parcelas inicialmente alegadas pela autora e também mantém integralmente o pedido formulado.

4 - A decisão de facto proferida pelo Tribunal “a quo” é deficiente e contraditória, pelo que o Tribunal da Relação de Coimbra deve conhecer do vício e alterar a decisão proferida sobre esta matéria, nos termos do disposto no nº 1 do artº 662º do CPC.

5 - O Tribunal “a quo” deu como provado que o réu foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, porque a autora enviou “cartas de início de PERSI para o mesmo domicílio do réu – cartas que não foram devolvidas”.

6 – Essas cartas são as identificadas na petição inicial como Docs. n.º 5, 6, 7 e 8, que o réu expressamente impugnou, nos termos do n.º 2 do art. 374.º do Código Civil (cfr. art. 45.º da contestação) e nessa conformidade requereu que a autora fosse notificada para juntar aos autos prova do envio e recepção dessas comunicações – cfr. Contestação (requerimento in fine).

7 - Com o Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o legislador pretendeu estabelecer mediante normas imperativas, uma ordem pública de protecção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento.

8 - Os documentos nºs 5, 6, 7 e 8 juntos pela autora não comprovam o envio – e muito menos a recepção – das cartas pela autora ao réu.

9 - Com efeito, tratam-se de textos, com aposição de datas, alusivos ao PERSI, mas que não vêm acompanhados de qualquer comprovativo de envio ou de recepção.

10 - Ademais a própria autora declarou, na Audiência Prévia realizada no dia 22 de Outubro de 2018, que não existe prova documental do envio e recepção daquelas cartas.

11 - A lei exige que a comunicação da instituição de crédito ao cliente, a informá-lo da sua integração no PERSI, tem de ser em suporte duradouro, tal como é definido no artº 3º, al. h) do D.L. nº 227/2012.

12 - Essa representação em suporte duradouro reconduz à noção de documento constante do art. 362.º do Código Civil, não podendo a omissão de tal prova ser colmatada com recurso à prova testemunhal, face à ausência de confissão expressa do réu (cfr. art.  364.º, n.º 2 do Código Civil).

13 - Para além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artº 224º, nº 1 – 1ª parte do Código Civil), sendo sobre a autora que recaía o ónus de o provar (artº 342º, nº 1 do mesmo Código).

14 - A omissão da prova relativa à chegada ao conhecimento do réu de tais comunicações inquinava irremediavelmente o prosseguimento da presente acção, uma vez que só após a instauração e extinção do PERSI – obviamente com a notificação ao réu – é que a autora podia instaurá-la.

15 - A integração do réu no PERSI era obrigatória, pelo que a acção só podia ter sido intentada após a extinção do procedimento.

16 - Existe aqui uma falta de condição objectiva de procedibilidade, cuja não verificação não é sanável e que conduz à absolvição da instância.

17 - Mas mesmo que assim não fosse e se se considerasse como uma mera excepção dilatória, o vício não é sanável e apenas se pode apelar ao suprimento da falta de pressupostos processuais nos casos em que existe a hipótese de sanação. E esta resposta é clara, inequívoca e contundente na própria letra da lei, conforme é patente no artº 18º do regime do PERSI.

18 - O apontado vício não admite o respectivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina directiva e de carácter excepcional.

19 - O Tribunal “ a quo” julgou incorrectamente os pontos de facto enumerados sobre os nºs. 17 e 20, que deveriam ter sido julgados como não provados, em face da lei e dos documentos constantes do processo.

20 - Ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” violou o disposto no Dec.-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, nomeadamente nos artºs. 14º, nº 4 e 18º, e os artºs. 364, nº 2, 224º, nº 1 – 1ª parte e 342º, nº 1 do Código Civil.

Nestes termos e, sobretudo naqueles que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença proferida e substituindo-a por outra que:

a) altere a decisão sobre a matéria constante do ponto 17 dos factos provados;

b) face à falta de condição objectiva de procedibilidade, cuja não verificação não é sanável, o réu seja absolvido da instância, nos termos supra expostos, por falta de integração do recorrente no PERSI, com o que Vossas Excelências farão seguramente Justiça».

c) Contra-alegou a Autora, tendo concluído deste modo:

«1. Bem esteve o ilustre julgador a quo ao decidir como decidiu na douta sentença que julgou a acção procedente condenando o Réu a pagar à Autora o montante de €24.574,15 acrescida de juros moratórios vencidos desde 07/02/2018 e até integral e efectivo pagamento, à taxa convencional de 22,00% e 27,360% ao ano sobre o capital de €15.081,41;

2. Partilha a Apelada totalmente da mesma opinião que o tribunal a quo, na medida em que, a sentença não enferma de nenhuma irregularidade ou erro, concordando a Apelada na íntegra com o conteúdo da respectiva sentença;

3. Quanto à impugnação pelo apelante do facto dado como provado indicado no ponto 17, é mais do que evidente que se tratou de um mero lapso de escrita na indicação de uma das parcelas mencionada pelo tribunal a quo;

4. Pelo que, o mero lapso de escrita mencionado em nada altera a decisão proferida;

5. Quanto à impugnação pelo apelante do facto dado como provado indicado no ponto 20, discorda a Apelada que o tribunal a quo julgou incorretamente o ponto de facto mencionado, o apelante é que labora em erro por ter “dificuldade” em aceitar a sentença proferida e em mentalizar-se que não tem qualquer razão nos factos que alega;

6. A Apelada integrou o Apelante no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto e regulado pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, a 15/11/2017, o qual acabou por ser extinto, a 15/01/2018;

7. De boa fé, e sem qualquer obrigatoriedade legal, numa segunda fase de incumprimento, a Apelada integrou o Apelante no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, tendo procedido ao envio das cartas de início de PERSI para a morada indicada pelo Apelante;

8. Morada esta que consta do envelope e da carta que o Apelante remeteu à Apelada a devolver a Declaração de Confissão de divida a 11/04/2013;

9. Aliás, o Apelante é o próprio a mencionar que foi citado da presente acção declarativa na morada Rua (…) Coimbra, morada esta que correspondia ao seu domicílio profissional há vários anos e conhecido por todos na zona, conforme transmitido pelo mesmo em sede de audiência de discussão e julgamento.

10. A este facto, acresce ainda que o apelante, na sua contestação juntou em anexo diversa correspondência recebida nessa mesma morada, provando uma vez mais que sempre recebeu a correspondência enviada pela Apelada.

11. Constando como facto não provado que o réu nunca foi notificado para qualquer Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

12. Quanto ao envio da carta, diga-se que não existe qualquer obrigação legal de proceder ao seu envio por correio registado e/ou com aviso de receção, pelo que, a contrario, é admitido o seu envio por correio simples ou por meios alternativos, mormente e-mail.

13. A alínea h) do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 define “Suporte duradouro” e, na Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (a qual regulamenta o Decreto-Lei n.º 227/2012), não há qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio registado e/ou com aviso de receção.

14. Com efeito, e salvo o devido respeito, se o diploma que rege o PERSI e a

Instrução que o regulamenta não preveem esta forma registada, não poderá o julgador exigir tal formalidade, cabendo à Apelada a expedição de tais comunicações mas não a prova da sua receção por parte do Apelante.

15. Da prova documental e testemunhal produzida (cópia das cartas de integração e extinção no PERSI juntas em sede de petição inicial e depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento por parte da testemunha da Apelada), é forçoso concluir que as cartas de integração e extinção do PERSI foram efetivamente remetidas pela Apelada e recebidas pelo Apelante, no estrito cumprimento do postulado no Decreto-Lei n.º 227/2012.

16. A Apelada sempre atuou com respeito pelos princípios da independência, imparcialidade, legalidade, transparência, diligência e lealdade, conforme determina o artigo 29.º do Decreto-lei n.º 227/2012.

17. Note-se: o contrato foi celebrado em Fevereiro de 1990, as prestações deixaram de ser pagas em Maio de 2012 referente ao cartão (...) 6326 e em Setembro de 2012 referente ao cartão nº (...) 5862, as cartas referentes ao PERSI foram enviadas a 15/11/2017 e a ação declarativa foi  instaurada em Fevereiro de 2018 após várias e derradeiras tentativas de acordo frustradas e da extinção do PERSI.

18. Em suma, a Apelada cumpriu integralmente o postulado no diploma legal que regulamenta o PERSI, tendo procedido à integração e posterior extinção (fundamentada) nos termos legais.

19. É o próprio Apelante que por diversas vezes alegou a falta de capacidade financeira e que confirmou que foi contactado por uma empresa de recuperação antes do processo seguir para contencioso, pelo que não restam dúvidas de que tal situação foi cuidadamente analisada, não podendo, o Apelante “teimar” na tese de que não foi dado cumprimento ao PERSI

20. Dúvidas não restam de que a atuação da Apelada sempre se baseou na observância dos ditames da boa fé e no cumprimento dos deveres de diligência e transparência que lhe são aplicáveis, tendo encetado todos os esforços com vista à obtenção da regularização dos valores em divida e da situação de incumprimento, tendo reiteradamente interpelado o Apelante para o efeito.

21. O Recurso apresentado é manifestamente reprovável e censurável face a todos os factos que se encontram provados e por toda a discussão da causa que já teve lugar.

22. Por tudo o que se vem de expor, é indubitável que não existem razões nem fundamentos para que o presente recurso mereça deferimento, devendo improceder a pretensão do aqui Apelante.

Nestes termos, e atento tudo o que vem de se expor, deve o recurso interposto pelo apelante improceder, confirmando-se a douta decisão aprovada.

Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a costumada e esperada Justiça!».

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão suscitada pelo recurso respeita à impugnação da matéria de facto.

Estão em causa os factos declarados provados sob os n.º 17 e 20, tendo em consideração a enumeração feita pelo Recorrente no recurso, porquanto a matéria de facto provada declarada na sentença constitui um bloco sem discriminação numérica.

O referido facto provado 17 corresponde abaixo ao facto provado 22, com este teor:

«22 - Foram efetuados pagamentos no valor total de €11.200,00 - €8.637,50 para o cartão nº (...) 6326 que foram imputados a juros; e € 1.417,00 para o cartão nº (...) 5862, que foram imputados a juros e a capital»

O recorrente salienta que a soma das quantias de € 8.637,50 + €1.417,00, perfaz apenas €10.054,50 e não os €11.200,00, mas é verdade que no art. 35.º da contestação alegou que tinha pago €11.200,00 e não a quantia que está referida no artº 17º da petição inicial (ou seja €10.054,50), tendo junto documento comprovativo (cfr. Doc. nº 5), cumprindo, por isso, corrigir o referido esta soma.

Relativamente ao facto 20, corresponde abaixo ao facto provado n.º 25, onde se declara provado que o réu foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, porque a autora enviou “cartas de início de PERSI para o mesmo domicílio do réu – cartas que não foram devolvidas”, porquanto o réu impugnou expressamente o facto e requereu que a autora juntasse aos autos prova do envio e receção dessas comunicações, o que não fez.

2 – Em segundo lugar, resultando procedente a impugnação, cumpre verificar se o réu deverá ser absolvido da instância porque não se mostra que ele tenha sido integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, consoante o disposto no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

Ou se se deve manter a condenação, porquanto não existiria obrigatoriedade legal de integrar o réu no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

(1) - No que respeita ao facto «Foram efetuados pagamentos no valor total de €11.200,00 - €8.637,50 para o cartão nº (...) 6326 que foram imputados a juros; e € 1.417,00 para o cartão nº (...) 5862, que foram imputados a juros e a capital», cumpre eliminar os pagamentos parciais e deste modo fica resolvida a contradição.

O facto passará ater esta redação:

«22. «Foram efetuados pagamentos no valor total de €11.200,00, que foram imputados a juros e a capital».

(2) - Quanto ao facto «A autora nesta 2.ª fase de incumprimento, integrou o réu no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, tendo procedido ao envio das cartas de início de PERSI para o mesmo domicílio do réu - cartas que não foram devolvidas».

O Réu argumenta que o facto deve ser declarado não provado porque não se prova que recebeu a carta.

Porém o facto não declara que ele réu recebeu a carta, apenas se diz que foi enviada uma carta.

Deve, por isso, manter-se o facto.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1- A autora é uma sociedade financeira que se dedica, além do mais, à emissão e comercialização de cartões de crédito, nos sistemas Visa, MasterCard e outros.

2 - O réu é advogado.

3 - Em 01/02/1990 a autora recebeu um Pedido de Adesão subscrito pelo réu, pelo qual este solicitou à autora um cartão de crédito Unibanco Visa Classic Part Base -, declarando ter tomado conhecimento, e assim, ter aceite, as Condições Gerais, direitos e deveres do Titular (ora réu) indicadas no referido Pedido de Adesão, antes da sua assinatura.

4- A autora aceitou o Pedido de Adesão e emitiu em nome do réu um cartão de crédito - cartão que foi enviado ao réu -, o qual teve como último número de gravação, em fevereiro de 2008, o n.º (…)

5- No mesmo momento, mas em subscrito independente, foi ainda enviado ao réu um Código Pessoal Secreto (PIN) que lhe permitiria efetuar operações de levantamento de dinheiro e validar transações.

6- Posteriormente, e através de uma campanha de bons clientes, em outubro de 2004, o réu solicitou ainda, no âmbito deste contrato, um cartão GENIUS.

7 - A autora aceitou e emitiu em nome do réu um segundo cartão de crédito - cartão que foi enviado ao réu -, o qual teve como último número de gravação, em novembro de 2007, o n.º (…)

8 - Um cartão de crédito emitido consiste num meio de pagamento pessoal e intransmissível, o qual permitia ao réu, adquirir bens e serviços nos estabelecimentos comerciais aderentes ao sistema da autora, assim como efetuar operações de levantamento de dinheiro (cash - advance), cartões esses que apenas podiam ser utilizados pelo réu que teria de os assinar logo após a sua receção.

9 - Convencionaram autora e réu que, no caso de não ser efectuado o pagamento integral do saldo indicado em cada extrato, sobre o valor do capital remanescente em dívida seria aplicada uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela autora, sendo tais alterações comunicadas ao réu por duas formas - através de mensagem inscrita no extrato de conta e através das Condições Gerais, Direitos e Deveres do Titular, cifrando-se tal taxa anual atualmente em 22,00% quanto ao cartão (…) e 27,360% quanto ao cartão (…)

10 - Ainda no âmbito do Contrato supra mencionado:

- a 07/10/2005 o réu solicitou à autora um Crédito Pessoal - “Pedido de utilização crédito pessoal Unibanco” no cartão (…) que a autora lhe concedeu, no valor de €5.000,00 - Cash Advance a ser reembolsado à autora em 48 meses, através de pagamentos sucessivos e mensais de igual montante, lançados a débito na conta-cartão do réu, aplicando-se as Condições Gerais inerentes à utilização do cartão de crédito;

- a 09/05/2011 o réu solicitou igualmente à autora um segundo Crédito Pessoal -“Pedido de utilização crédito pessoal Unibanco” para abatimento do valor em dívida no cartão 4(…), que a autora lhe concedeu, no valor de € 13.500,00 - Cash Advance a ser reembolsado à autora em 60 meses, através de pagamentos sucessivos e mensais de igual montante, lançados a débito na conta-cartão do réu, aplicando-se as Condições Gerais inerentes à utilização do cartão de crédito.

11 - Dos extratos mensais que foram enviados e recebidos pelo réu, resulta o débito das prestações acordadas para o último destes produtos - Cash Advance em Conta.

12 - Mediante os pedidos de crédito pessoal solicitados, o réu usufruiu de créditos no valor total de €18.500,00.

13 - A autora procedeu sempre e em cada momento ao pagamento integral do preço de todos os bens e/ou serviços/créditos adquiridos aos estabelecimentos comerciais escolhidos pelo réu.

14 - A autora sempre remeteu ao réu os extratos discriminativos do saldo devedor do cartão, expresso nos mesmos, sob a rubrica “Saldo Anterior”.

15 - O réu teve conhecimento das Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes, relativos aos referidos contratos, dado que os mesmos constam do respetivo verso dos documentos subscritos, tendo os mesmos sido posteriormente enviados, para o domicílio do réu, juntamente com o cartão de crédito atribuído. Ao longo da relação contratual, foram remetidas ao réu novas Condições Gerais, direitos e deveres do Titular sempre que era emitido novo cartão (plástico) e sempre que tais condições sofriam alterações.

16 - O réu deixou de cumprir com os pagamentos mínimos obrigatórios em maio de 2012 relativamente ao cartão 4(…) e em setembro de 2012 relativamente ao cartão nº (…)

17 - Em consequência, a autora inibiu o uso dos cartões e a dívida foi reportada ao Banco de Portugal.

18 - Em finais de dezembro de 2012 ou início de janeiro de 2013, a autora enviou ao réu uma comunicação de interpelação.

19 - O réu respondeu à respetiva missiva, tendo-se iniciado as negociações para acordo que ocorreram durante cerca de 3 meses, acordo este que veio a ser formalizado por escrito a 21/03/2013.

20 - O réu assinou de livre vontade uma declaração de confissão de dívida, conhecendo perfeitamente todas as consequências que daí advinham, aceitando e confessando a taxa de juro convencionada, os cartões de créditos existentes, os valores em dívida a título de capital e juros.

21 - Foi estipulado o pagamento de €20.800,00 em 52 prestações mensais e sucessivas de €400,00 cada.

22 - Foram efetuados pagamentos no valor total de €11.200,00 que foram imputados a juros e a capital.

23 - Tal acordo não foi cumprido pelo réu, dado que o último pagamento feito pelo réu ocorreu em outubro de 2015.

24 - O réu foi posteriormente interpelado para pagamento, mas nada mais pagou.

25 - A autora nesta 2.ª fase de incumprimento, integrou o réu no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, tendo procedido ao envio das cartas de início de PERSI para o mesmo domicílio do réu - cartas que não foram devolvidas.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) que ao réu não foi possibilitada a leitura das “Condições” relativas aos contratos;

b) que o réu foi forçado a aceitar a Declaração de Dívida e Acordo de Pagamento;

c) que o réu nunca foi notificado para qualquer Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

c) Apreciação da restante questão objeto do recurso

1 – O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

Nos termos do artigo 13.º deste diploma, «No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado».

Prosseguem os n.º 1 e 4 do artigo 14.º nos seguintes termos, respetivamente:

«Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa»; e

«No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro».

Verifica-se, por conseguinte, que o legislador impôs ao sistema bancário, o mesmo é dizer ao Banco exequente, a obrigação de integrar os clientes em mora num procedimento que definiu.

E impôs ao banco o dever de informar o cliente que tivesse sido integrado nesse procedimento, disso mesmo, que tinha sido integrado nesse procedimento.

2. O mesmo regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o (PERSI), determina no n.º 1 do seu artigo 18.º, o seguinte:

«No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;

b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou

d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual».

Verifica-se que o legislador impediu os bancos de acederem aos tribunais para cobrar os créditos sem primeiro terem cumprido o procedimento prévio designado por PERSI.

Com efeito, durante a vigência do PERSI, o banco fica impedido de instaurar ações judiciais para cobrança do crédito.

3. Resulta dos factos provados que o Banco exequente expediu carta a comunicar ao embargante que tinha sido incluído no procedimento denominado PERSI.

Mas não resulta dos factos provados que o embargante tenha recebido a carta (ou cartas) em questão.

Como se disse, a lei impôs aos bancos a obrigação de contatar o cliente.

Se a questão sobre o efetivo contato se torna duvidosa, como é o caso dos autos, porque o réu contestou que tenha recebido a carta, então incumbe ao banco provar o contato, porque a lei lhe impõe que faça esse contato.

Não se provou tal contato, apenas se provou que foi expedida uma simples carta ou cartas

A própria lei nos dá disso exemplo, quando determina que a citação é feita mediante «Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo» - al. b) do n.º 2, do artigo 225 do CPC.

Com efeito, uma carta remetida pode extraviar-se e embora os casos de extravio sejam pouco frequentes eles ocorrem e qualquer caso pode ser um caso desses, salvo se se mostrar que não foi o caso.

Bastava até um conhecimento potencial, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, onde se refere que «A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; …».

No caso dos autos, não foi feita prova de que a carta (ou cartas) chegou ao conhecimento do réu.


*

Como se disse, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, estabeleceu regras a observar pelas instituições de crédito destinadas a prevenir e a regulamentar as situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (PERSI).

Refere-se no seu preâmbulo:

«… define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor (…).

O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários».

No artigo 12.º (Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) determina-se que «As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito».

No artigo 13.º (Contactos preliminares) determina-se que «No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado».

Resulta do exposto que o PERSI se aplica a casos nos quais não chegou a existir incumprimento definitivo do contrato e procura-se com tal procedimento evitar a resolução do contrato por incumprimento.

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º (Fase de avaliação e proposta) «A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito».

O PERSI termina nos termos previstos no n.º 1 do artigo 17.º, ou seja, «O PERSI extingue-se:

a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;

b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;

c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou

d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário».

A que acrescem ainda os casos previstos no n.º 2 deste mesmo artigo 17.º.

Resulta do exposto que o PERSI é um mecanismo que procura evitar a resolução imediata dos contratos de crédito por incumprimento, pelo menos sem que tenha existido uma tentativa prévia de superação desse incumprimento através de uma negociação entre credor e devedor.

Sucede, porém, que o caso dos autos não se integra nas hipóteses previstas neste diploma.

O procedimento PERSI entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013 (artigo 40.º do respetivo diploma).

Provou-se que «

16 - O réu deixou de cumprir com os pagamentos mínimos obrigatórios em maio de 2012 relativamente ao cartão (…) e em setembro de 2012 relativamente ao cartão nº (…)».

E que «18 - Em finais de dezembro de 2012 ou início de janeiro de 2013, a autora enviou ao réu uma comunicação de interpelação».

«19 - O réu respondeu à respetiva missiva, tendo-se iniciado as negociações para acordo que ocorreram durante cerca de 3 meses, acordo este que veio a ser formalizado por escrito a 21/03/2013».

«20 - O réu assinou de livre vontade uma declaração de confissão de dívida, conhecendo perfeitamente todas as consequências que daí advinham, aceitando e confessando a taxa de juro convencionada, os cartões de créditos existentes, os valores em dívida a título de capital e juros».

«21 - Foi estipulado o pagamento de €20.800,00 em 52 prestações mensais e sucessivas de €400,00 cada»

«22 - Foram efetuados pagamentos no valor total de €11.200,00 que foram imputados a juros e a capital».

«23 - Tal acordo não foi cumprido pelo réu, dado que o último pagamento feito pelo réu ocorreu em outubro de 2015».

Ora, verifica-se que a falta de cumprimento do procedimento PERSI, que o réu invoca, respeita a este segundo incumprimento, relativo ao acordo formalizado em 21/03/2013, não respeita aos dois contratos de crédito iniciais que terminaram e foram substituídos por este último.

E compreende-se que o Réu não tenha referido o incumprimento do PERSI em relação aos contratos iniciais, porquanto a situação cairia no abuso de direito (venire contra factum proprium), uma vez que em relação a esses dois contratos existiu uma negociação livre entre banco e Autor que terminou com um acordo de pagamento, ou seja, aquele que agora está em causa e deu origem ao presente processo.

Ora, em relação a este segundo incumprimento, como se referiu, não estamos perante um contrato que caia no âmbito do PERSI, pois os contratos abrangidos pelo PERSI estão definidos no artigo 2.º (Âmbito) do respetivo diploma e são estes:

«1. O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:

a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;

b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;

c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;

d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;

e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês».

Como se vem dizendo, o contrato que fundamenta a presente ação é um contrato novo, posterior à vigência dos dois contratos de crédito que foram extintos com a declaração de resolução e celebração de um novo acordo.

Esses dois contratos foram, por conseguinte, substituídos por um novo contrato que mais não é que um contrato para liquidação da dívida global resultante do incumprimento definitivo daqueles dois contratos.

Em relação aqueles dois contratos de crédito, o PERSI seria um procedimento obrigatório, porquanto eram contratos abrangidos pela tipologia prevista no Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, se os mesmos, como se vem referindo, não estivessem extintos.

Acresce que embora não tenha sido observado formalmente o procedimento do PERSI, o mesmo foi observado em termos substanciais, dado que foi alcançado um acordo entre as ora partes, tal como se pretende com a instituição do PERSI, visando a liquidação da dívida.

Face ao exposto, cumpre julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente


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Coimbra, 7 de outubro de 2020

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo