Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
248/13.8JACBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
INÍCIO
CONTAGEM DOS PRAZOS
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
INQUÉRITO
Data do Acordão: 11/12/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CRIMINAL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO, POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Legislação Nacional: ARTIGOS 215.º E 272.º DO CP
Sumário: I - A data relevante para a contagem do prazo a que se refere o artigo 215º, nºs 1, alínea a) e 2, do CPP - prazo de duração máxima da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação - é a data da prolação da acusação e não a data da sua notificação ao arguido.

II - O interrogatório obrigatório do arguido, durante o inquérito, ao abrigo do artigo 272º, nº 1, do CPP, não tem que ocorrer necessária ou obrigatoriamente apenas e quando findar o inquérito e antes de ser proferida a acusação, antes pode ter lugar quando o MºPº o entender, por uma questão táctica - poder discricionário -, desde que, quando o fizer, ao arguido seja dado conhecimento dos fatos que lhe são imputados e sobre eles se possa pronunciar ou defender, querendo.

Decisão Texto Integral: I

1. Entende-se que o recurso deve ser rejeitado por se considerar que o mesmo é manifestamente improcedente.

Pelo que, ao abrigo dos artigos 420º, nºs 1, alínea a) e 2 e 417º, nº 6, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, profere-se de imediato decisão sumária.

II

1. Nos autos de processo comum nº 248/13.8JACBR-B, comarca de Leiria, instrução central criminal, vem o arguido A..., melhor id. nos autos, recorrer do despacho judicial de fls. 20 e 21 deste processo – fls. 1833 e 1834 do processo principal – que apreciou e indeferiu as nulidades pelo mesmo invocadas sobre a acusação proferida pelo Ministério Público de fls. 1561 a 1571 daqueles autos principais, formulando as seguintes conclusões de recurso:
B1: A despeito de a acusação proferida nos autos estar “datada” apenas com remissão para a data da abertura da “conclusão”, o respetivo prazo terminava em 27 de maio de 2014
B2: sendo certo que o recorrente apenas teve conhecimento pessoal da dita peça no dia 28 de maio de 2014. Por conseguinte     

B3: deveria, do facto, ter sido retirada a consequência da extinção da obrigação de permanência na habitação e substituição desta medida de coação por outra julgada adequada para esconjurar o perigo da alínea c) do art. 204° do CPP. Ora,
B4: sem embargo do detalhadamente referido acima sob A1.1.3 a A1.1.6., circunstâncias de importância fundamental para a decisão a proferir sobre o prazo a que se refere o art. 215°-2 do CPP e respetiva inobservância, na espécie dos autos, o despacho recorrido, pura e simplesmente ignorou a matéria, razão pela qual o mesmo é nulo, nos termos do art. 379°-1-al. c) do CPP. Ora,
B5: não se resume à predita a malfeitoria jurídica cuja “cassação” se postula ao tribunal ad quem. Na verdade,   
B6: este também incorreu em erro ao interpretar o art. 272°-1-2 do CPP
B7: ao considerar que não cabia ao ministério público o cumprimento do disposto no referido normativo o qual, bem interpretado, impõe um interrogatório ao arguido na fase final da investigação e uma vez recolhidas as provas com base nas quais o titular da pretensão punitiva do Estado tomou a decisão de acusar, dando ao arguido conhecimento, ainda que não se exija que o mesmo seja esgotante, dos factos que vão ser vertidos na acusação
B8: só assim se casando a referida norma e respetivo escopo com o disposto no art. 32°-1 da CRP, comando este que igualmente foi violado. A terminar:
B9: na procedência das conclusões acima precipitadas devem V.as Ex.as julgar no sentido de que a notificação da acusação ao arguido se fez serodiamente e, nesta medida, a ilegalidade da manutenção da medida de coação imposta ao arguido e ainda julgar nula a acusação, por violação do disposto no art. 272° do CPP.
 

2. O Ministério Público respondeu dizendo no que para este concreto recurso releva:
1 - O direito à liberdade é um dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, estando constitucionalmente consagrado no art. 27°, n.º 1, da C. Rep., logo se aditando no seu n.° 2 que:
“Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”.
2 - A par desta injunção constitucional existe o direito à segurança, por parte de qualquer cidadão, tendo aqui um particular enfoque aqueles que são vítimas de uma conduta criminosa.
3 - O art. 191.°, n.º 1, do Código Processo Penal, estabelece que “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”.      4 - Assim, à aplicação, alteração, substituição e revogação de qualquer medida de coacção presidem princípios fundamentais, a saber, o princípio da legalidade, da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade - cfr. artigo 193°, do Código de Processo Penal.
5 - O decretamento de qualquer medida de coacção, com excepção do TIR, está sujeito aos requisitos enunciados no art. 204°, os quais devem-se verificar em concreto, não sendo os mesmos cumulativos, pela que basta a ocorrência de um deles para justificar a restrição cautelar das liberdades fundamentais de um cidadão, o que se verificou no caso em apreço.

6 - O artigo 276.° do Código de Processo Penal prevê os prazos de duração máxima da prisão preventiva aplicável à obrigação de permanência na habitação, atenta a remissão prevista no art.° 218°, n.°3, do mesmo Código.
7- No caso, a acusação foi proferida no dia 26.05.14 conforme resulta dos autos e como a aplicação “Habilus” onde foi proferido despacho com assinatura electrónica pode atestar.

8 - A acusação foi proferida dentro do prazo de seis meses previstos no artigo 215.°, n.º 2, do CPP, pelo que não existe qualquer violação legal.

9 - Quanto à notificação do arguido, a mesmo veio a ocorrer dentro dos prazos normais para a prática dos actos, não vendo que tenha sido violada qualquer norma.

10 - O arguido vem arguir a nulidade da acusação, por violação do disposto no art.°272°, n.º 1, do CPP. Dispõe o citado normativo que “correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido.  

11- Ora, o arguido foi interrogado em diversas datas (fls. 89 a 92, 483 a 485, 551 a 575), pelo que não se compreende a arguida nulidade.      

12- Termos em que se conclui que os pressupostos que motivaram a manutenção da referida medida de obrigação de permanência na habitação se mantêm válidos e actuais, pelo que não merece qualquer reparo o despacho do M.m° Juiz, a acusação deduzida e notificações efectuadas, o qual deverá em conformidade, ser confirmado.

Nesta conformidade, com o devido respeito por opinião contrária, deverá ser negado provimento aos recursos em análise e mantidos os despachos recorridos, assim se fazendo a acostumada Justiça!

  

3. Nesta Relação, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer dizendo:
No que ao mérito do recurso respeita acompanha-se, em termos gerais, a resposta apresentada pela Ex.ma MMP no TJ da comarca de Alvaiázere.
Com efeito, no que se reporta ao primeiro dos fundamentos do recurso — a data da dedução da acusação como elemento balizador do prazo da prisão preventiva — para além da suspeita infundada aventada quanto à data real da sua prolação que a referência ao atestar da mesma através do Habilus evidencia, sendo que o conhecimento digital do processo, hoje possível ultrapassando o velho suporte de papel, potencia o seu acompanhamento e a elaboração atempada da acusação, não tem o recorrente razão ao pretender situá-la na notificação do arguido. É que tal não resulta minimamente do texto da lei que refere a dedução da acusação e não a notificação como faz noutras situações (v.g. no que respeita à prescrição do procedimento criminal) e colocar o prazo da prisão preventiva nessa dependência inseri-la-ia na álea dos arguidos, possibilitando, no caso de uma pluralidade destes, diferentes datas de acordo com os momentos em que a notificação fosse efectuada, sendo que, furtando-se o destinatário ao recebimento desta, fácil era prolongar o prazo, caso tal estratégia se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente (é este o sentido uniforme da jurisprudência do STJ como se refere no Ac. de 9/8/20 13, Proc. 374/12.OJELSB-A.S1, que cita a propósito o Ac., também do STJ de 10/12/2008, Proc. 08P3971, que se seguiu de perto nesta parte final, bem como vão no mesmo sentido os Ac.s do STJ de 12/12/2007, Proc. 44/07, de 22/3/200 1, Proc. 1044/01, 14/03/2001, Proc. 969/01, 18/6/2003, Proc. 2540/03, 9/1/2008, Proc. 4/08 e de 13/2/2008, Proc. 522/08, sendo que o TC pelo Ac. n.º 280/2008 decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do art.° 215°, n.º 1 a) do CPP segundo a qual o prazo máximo de prisão preventiva, na fase de inquérito se afere em função da data da prolação da acusação e não da notificação da mesma). Não existindo também omissão de pronúncia sobre esta questão, já que a decisão recorrida se afirma no sentido contrário ao pretendido pelo recorrente.
Também no que respeita ao segundo de tais fundamentos e à sua peculiar versão de interrogatório que o situaria na fase final da investigação com todas as consequências que teria no que se reporta à possibilidade de aplicação de medidas cautelares que o processo penal admite e tal interpretação dificultaria em grande medida, se dirá que o recorrente carece de razão. É que o mesmo, neste processo, teve conhecimento dos factos que lhe são imputados quando lhe foi aplicada a medida de coacção, como se vê dos recursos que interpôs da decisão que lha aplicou e que a numeração do processo e o Ac. do STJ de 14/5/2014 dão conta, não podendo assim afirmar-se a postergação, no interrogatório, do constante dos art.°s 61° e 272° do CPP, que é o que, afinal, o recorrente insiste em afirmar. Pois o mesmo teve conhecimento que contra si pendia este processo e quais os factos que lhe eram imputados, podendo defender-se, desde então, dos mesmos que é o que estes preceitos (o primeiro no n.° 1 c)) essencialmente visam. A interpretação do recorrente já, aliás, foi escrutinada pelo TC no Ac. 72/20 12, no qual, após se afirmar “desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou elemento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encerramento do inquérito que, a título de “audiência pré-fina!” (cf Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação, se concluiu no sentido de que não constitui nulidade o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida.
Pelo que sou de parecer que o recurso não merece provimento.

4. O arguido recorrente veio responder ao parecer do Exmº Sr. PGA através do seu requerimento de fls. 73 a 81, reafirmando e acrescentando mais alguns argumentos à sua posição, terminando como o fizera nas conclusões de recurso.

III

Questões a apreciar[1]:

A nulidade da acusação:

1. Por ter sido notificada ao arguido para além do prazo legal.

2. Por o Ministério Público não ter procedido a interrogatório do arguido finda a investigação e antes de proferida aquela.        

IV

1. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
            “A.2) Da nulidade da acusação
            Através de requerimento de fls. 1676 a 1680, vem o arguido, além do mais, referir que a acusação não lhe foi notificada nos termos do artigo 103.°, n.º 10 do Código de Processo Penal, em tempo útil, o que determina que a mesma não possa ser tomada em conta, para os efeitos previstos na lei.
            Em primeiro lugar, o número a que o arguido faz referência não existe.
            Em segundo lugar, embora o arguido não mencione a que “efeitos previstos na lei” se refere, desde já salientamos que se se está a referir ao facto de, a seu ver, ter sido excedido o prazo de duração máxima da medida de coacção obrigação de permanência na habitação, já deixámos claro, através de despacho de fls. 1656 a 1569, o nosso entendimento, no sentido de que o que releva para esse efeito é a data da acusação, a qual foi deduzida no dia 26.05.2014, motivo pelo qual não foi excedido o prazo de duração máxima da medida de coacção.

Para além disso, nesse mesmo requerimento, vem o arguido arguir a nulidade da acusação, por violação do disposto no artigo 272.°, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Dispõe o citado artigo que «Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la».

Ora, o arguido foi interrogado nas seguintes datas:

i) 3 1.05.2013, pela PJ (fls. 89 a 92);

ii) 26.11.2013, pela PJ — tendo o arguido referido que não pretendia prestar declarações complementares sobre os factos em investigação nos presentes autos (fls. 483 a 485);

iii) 27.11.2013, pela Mma Juiz de Instrução, tendo o arguido referido que não pretendia prestar declarações (fls. 551 a 575).

Como tal, mal se compreende a arguida nulidade — de que o arguido não foi interrogado enquanto tal -, quando foi efectivamente interrogado por três vezes no âmbito do inquérito, duas das quais se remeteu ao seu direito — constitucionalmente garantido - ao silêncio.

Termos em que, sem necessidade de ulteriores considerações, julgo improcedente a arguida nulidade da acusação.

Notifique”.
V

Apreciando:

1ª Questão: a nulidade da acusação por ter sido notificada ao arguido para além do prazo legal.

1. Insurge-se o arguido ora recorrente contra o facto de a data para a dedução da acusação (na sua terminologia, a dedução do libelo) terminar a 27 de Maio do corrente ano de 2014, esta estar datada de 26 de Maio de 2014 e apenas ter sido notificada ao mesmo a 28 de Maio deste mesmo ano.

Ora, tais datas, ainda que próximas ou seguidas, revelam-se de extrema importância na medida em que está em causa a eventual cessação da medida de coacção a que o arguido estava sujeito: obrigação de permanência no domicílio e outras…, tendo por referência a dita data da acusação.

O arguido entende que a data relevante é a da notificação de tal acusação.

O despacho recorrido entende que a data relevante é a da sua prolação.

2. Contrariando a pretensão do arguido recorrente, tendo em conta o actual dispositivo legal – o legislado -, entendemos que a data relevante é efectivamente a data da prolação da acusação.

A letra do artigo 215º, nº 1, alíneas a) a d), é expressa quanto às datas aí mencionadas:

- dedução da acusação;

- proferida decisão instrutória;

- condenação em primeira instância;

- condenação com trânsito em julgado.

Em momento algum fala ou exige que tais prazos se contam a partir da notificação de tais peças processuais ou actos, sendo certo que a condenação com trânsito em julgado pressupõe necessariamente a notificação.

Sobre este assunto se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do código de Processo Penal, 2ª edição, Universidade Católica Editora, em anotação ao artigo 215, afirmando a fls. 592, nota 3:

“O prazo máximo da prisão preventiva na fase de inquérito afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da notificação da mesma (acórdão do STJ de 11.10.2005, in CJ, XIII, 3, 186). O mesmo se passa com as datas que têm por referência a prolação da decisão instrutória e da condenação em 1ª instância”.

Com certeza que a leitura do arguido sobre esta questão mostra-se pertinente mas apenas no domínio do eventual direito a constituir que não o vigente.

Pelo que, nesta parte, não merece censura a decisão recorrida.

3. Mas o recorrente, para além da sua interpretação de que o prazo a considerar deve ser o da notificação e não o da prolação da acusação, insurge-se sobremaneira, quanto à genuidade senão mesmo “veracidade”, de a acusação ter sido efectivamente deduzida na data que nela se mostra aposta, que é o dia 26 de Maio de 2014.

E sobre este aspecto são tecidas, em nosso entender, pelo recorrente, através do seu ilustre causídico ou defensor, considerações impertinentes, inoportunas e pouco urbanas – para não usar outros adjectivos, pois não é esta a função deste Tribunal – quer nas alegações de recurso quer no seu articulado de resposta ao parecer do Sr. PGA, junto deste Tribunal da Relação.

Considerações e mesmo insinuações – que constam do processo e que nos dispensamos de aqui as transcrever, pois são várias – que em nada abonam ou favorecem uma cooperação e deontologia profissional entre todos os intervenientes processuais, juízes e Magistrados do Ministério Púbico incluídos, que no caso concreto até é possível entender que as mesmas firam a sensibilidade e brio profissional do ou dos visados.

Como já se disse, não pretendemos fazer da literatura ou estilo de escrita processual, o objecto do presente recurso. Mas como navegamos neste barco, nomeadamente o da tramitação processual, há já algumas décadas, tendo proferindo já tantos e tantos despachos, sentenças e acórdãos, não deixaremos de aqui deixar a nossa “versão” sobre uma das afirmações do recorrente:

“Com efeito, da análise de fls. 1558, verifica-se, desde logo, no respetivo cabeçalho, a abertura de “CONCLUSÃO 26-05-2014.” e, após referência à “sorte” — é o termo! — de dois outros inquéritos, a fs. 1561 ss a “Acusação Pública.” que se prolonga — com raríssima sagacidade e coerência (!!!), estas é que são as (duras) verdades ... — até fs. 1571 e surge, nesta última, datada de “Alvaiázere, 26-05.14”, sendo certo que da veracidade da abertura da “conclusão” e data em que isso aconteceu nada se sabe, bem como a respeito da data aposta na parte final do libelo.

MAS LÁ QUE É ESTRANHO UMA ACUSAÇÃO QUE SE PROLONGA POR DEZ PÁGINAS, referente a duas fatualidades criminosas (uma delas um (pseudo) homicídio na (pseudo) forma tentada, para cuja investigação se tornaram necessários tantos tantos que meses de “investigação’ às mãos da conhecidamente hipercompetente p. 1.. TER SIDO FEITA NO MESMO DIA EM QUE OS AUTOS FORAM PARA DESPACHO DO AUTOR DO LIBELO ACUSATÓRIO, LÁ ISSO, É!

Ditosa pátria que tão lestos filhos tem!”.

 3.1. Ou seja, insurge-se o recorrente, através da caneta do seu ilustre defensor, contra o facto de o Sr. Magistrado do Ministério Público ter proferido um despacho contendo a acusação contra o mesmo (arguido), na mesma data em que o processo lhe foi apresentado pelo funcionário legalmente competente para o efeito!

Como se este facto não fosse actualmente uma normalidade, sem considerar sequer os autores de tais despachos ou acusações, génios ou deuses, com um dom sobrenatural, que conseguem num só dia, deduzir o dito libelo, com várias páginas, contra um arguido.

Da experiência que o ilustre defensor tem dos tribunais, com certeza que qualquer Magistrado que tem a seu cargo ou responsabilidade um processo de arguido detido ou sujeito a uma medida de coação de permanência na habitação, tem um especial dever e cuidado de controlar todos os prazos processuais, para que o arguido não seja, por esse facto, prejudicado, nos seus direitos fundamentais. Independentemente da maior ou menor capacidade de trabalho e de resistência de Magistrado para Magistrado (do MºPº), para deduzir uma determinada acusação em determinado período de tempo, é perfeitamente normal, aceitável, legal e segue a normalidade de muitas situações, que o Magistrado incumbido de exercer tais funções, vá estudando o processo, tome as suas notas, que as registe como actualmente é possível no PC ou em qualquer suporte informático… enfim, tome determinadas medidas de modo a que, quando se aproximar o termo do prazo, o estudo e trabalho que lhe compete, para deduzir a acusação, esteja bastante adiantado ou parcialmente feito! Qual é o mal? Qual é o impedimento? Apenas revela responsabilidade e brio profissional!

Pelo que em nosso entender é perfeitamente descabida a insinuação feita pelo ilustre defensor a este respeito.

O recorrente também não releva a data que se mostra registada no sistema “habilus” para aferir da genuidade da data em que foi deduzida a acusação[2]. Mas com certeza já releva a data para aferir da entrada de um articulado por si remetido ao tribunal ou por fax ou por via electrónica! Duas posições antagónicas sobre os meios electrónicos em uso no tribunal?

Não nos repugna a eventual formalidade adiantada pelo recorrente de a acusação deduzida Pelo Ministério Público ter o controlo de “passagem pela secretaria judicial para dela ficar a constar o carimbo certificador” – com certeza da respectiva data - v. fls. 75 da sua resposta ao parecer do Sr. PGA.

Mas, por um lado, tal exigência legal não existe.

Por outro, seria regredir em termos tecnológicos de “certificação”, pois se esta pode ser feita em termos técnicos mais rigorosos e científicos, porque exigir apenas um carimbo manual?

2ª Questão : a nulidade da acusação por o Ministério Público não ter procedido a interrogatório do arguido finda a investigação e antes de proferida aquela.

1. O arguido insurge-se também contra o facto de o Ministério Público não ter dado cumprimento ao disposto no art. 272°-1-2 do CPP, o qual, bem interpretado, impõe um interrogatório ao arguido na fase final da investigação e uma vez recolhidas as provas com base nas quais o titular da pretensão punitiva do Estado tomou a decisão de acusar, dando ao arguido conhecimento, ainda que não se exija que o mesmo seja esgotante, dos factos que vão ser vertidos na acusação.

Para apoio da sua posição, cita o arguido, PAULO DE SOUSA MENDES Lições de Direito Processual Penal, Almedina 2013, 128 e ss:

 “…em que momento do inquérito deve realizar-se este interrogatório? Ou seja, deve ser realizado imediatamente ou fica ao critério da autoridade instrutora do momento contanto que seja anterior ao fim do inquérito?

Dado que o interrogatório do arguido não é um simples meio de obtenção da prova, muito menos se considerarmos que lhe está indissociavelmente a constituição de arguido com todo o seu cortejo de direitos (e.g. direito ao silêncio) mas é sobremaneira um meio de defesa pessoal do arguido (e.g. uma concretização do seu direito de audiência e defesa) o interrogatório só deve ser realizado quando estiverem reunidos os meios de prova suficientes para a dedução da acusação, pois é diante disso que o arguido se pode defender, contrapondo a sua própria versão dos factos”.

Mais diz o arguido que o art° 272° do CPP foi violado, por nem sequer o MP ter intentado o respetivo cumprimento — o que é gravíssimo — nos termos do já referido acórdão para fixação de jurisprudência 1/2006, o qual determinou que a falta de interrogatório como arguido, no inquérito de pessoa determinada contra qual o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no art.° 120°-2 do CPP. Na verdade, a este propósito conf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, obra citada, 4° edição atualizada, UC editora, 2011, o qual na respetiva nota de margem n.° 4 da dita edição (conf. pág. 733) refere tratar-se de nulidade sanável.

Finalmente manifesta-se o arguido contra a posição da decisão recorrida, dizendo:

E nem se argumente contra esta forma de ver as coisas, como o fez a m.ma Juíza — o que parece dar nota de algum vezo persecutório, na sequência da estrita jurisprudência dominante acerca do crime de homicídio, na forma tentada.
Com efeito e como claro reflexo do que vem de escrever-se, mostrando a respetiva antipatia pelos arguidos em geral — o que constitui, salvo o devido respeito, uma “má-formação” jurídica ou, mais especificamente, jurídico- constitucional —, a referida Senhora
[3] refere, ao que parece em reforço do seu entendimento, que ao recorrente haviam sido, anteriormente, concedidas diversas oportunidades de audição, como arguido, todas elas recusadas.

Este entendimento é inaceitável e por diversas razões.

Primeiro porque valoriza negativamente, o que faz afronta à lei, quer supra-legal, quer legislada, o inalienável direito do arguido ao silêncio. Do uso que o mesmo fizer desse direito, em qualquer fase do processo, é ilegítimo retirar ilações.

Porquê?
É simples: porque o
faz no legítimo exercício de um direito.

2. Resulta dos autos e o arguido não o contesta, que o mesmo foi ouvido, durante o inquérito nas seguintes datas:

i) 3 1.05.2013, pela PJ (fls. 89 a 92);

ii) 26.11.2013, pela PJ — tendo o arguido referido que não pretendia prestar declarações complementares sobre os factos em investigação nos presentes autos (fls. 483 a 485);

iii) 27.11.2013, pela Mma Juiz de Instrução, tendo o arguido referido que não pretendia prestar declarações (fls. 551 a 575).

Que o arguido foi ouvido, por três vezes, durante o inquérito, não há dúvidas. Que o mesmo foi confrontado, em tais interrogatórios, com os factos e elementos probatórios que já existiam nos autos, também não há dúvidas. Finalmente, que em duas dessas vezes usou do seu direito legítimo ao silêncio, também não se suscitam dúvidas.

A questão que se coloca, conforme pretensão do recorrente, é se o mesmo deveria ter sido ainda ouvido, pelo Ministério Público, antes de ser deduzida a acusação.

O artigo 272º, nº 1, do CPP,  – após a dita redacção da Lei 59/98, de 25.8.- passou a ter o seguinte teor:

Primeiro interrogatório e comunicações ao arguido

1 - Correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido.  Cessa a obrigatoriedade quando não for possível a notificação.            

Esta obrigatoriedade de interrogar o arguido, se em muitos processos poderia trazer algumas virtualidades para os seus direitos de defesa, em muitos casos passou a ter efeitos contraproducentes, pois por vezes o MºPº tinha que interrogar como arguido uma pessoa relativamente a quem não havia quaisquer indícios da prática de crime e vinha a arquivar o processo – v. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE in Comentário do código de Processo Penal, 2ª edição, Universidade Católica Editora, fls. 706 e 707.

Na mesma obra, nota 3, refere o mesmo autor:

“A lei 48/2007, de 29.8[4]., mantém a obrigação de interrogatório no inquérito, mas restringe essa obrigação ao caso em que haja “fundada suspeita” de a pessoa ter cometido o crime…

A ratio da lei é a mesma que orientou a modificação do artigo 58º, nº 1, al. a), isto é, evitar a constituição e o interrogatório como arguido no caso de queixa manifestamente infundada em que o Ministério Público desde logo vislumbra a possibilidade de arquivar o inquérito e vem a arquivá-lo”.

Mas nem antes nem após esta redacção da lei nº 48/2007, se refere ou impõe expressamente, o momento do inquérito em que o interrogatório possa ou sobretudo deva acontecer.

Mas com certeza é fácil concluir que esta obrigatoriedade deve funcionar e visa a defesa dos direitos do arguido, confrontá-lo com os factos e elementos probatórios que existam no processo para o mesmo ter oportunidade de sobre eles se pronunciar.

Todavia, sobre esta matéria, ainda acrescenta PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, obra cit. fls. 707, nota 2.

“A lei não consagra o dever de realização imediata do interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito. A definição do momento de realização desse interrogatório é uma questão táctica, que cabe no âmbito da discricionariedade do MºPº (também assim, Germano Marques da Silva, 2003, 1374; Dá Mesquita, 2003, 106 e António Barreiros, 2005, 164, este último em termos críticos da solução legal, preferindo a do artigo 250º, do CPP de 1929, na redacção de 1972)”.

3. Conforme resulta do processo[5], o arguido teve conhecimento, foi confrontado com os factos e elementos que constam dos autos. Teve a oportunidade de sobre eles de pronunciar e defender-se. Usou do seu legítimo direito ao silêncio. Ora, deste direito – direito ao silêncio -, afirma o recorrente que é ilegítimo retirar ilações.

Não se trata de ser ilegítimo retirar ilações. Trata-se outrossim de, não podendo o arguido ser prejudicado pelo não exercício de um direito – no caso remetendo-se ao silêncio -, também dele não poder retirar benefícios, sem mais.

Com certeza que após o seu interrogatório e exercício do seu direito ao silêncio, o inquérito prosseguiu seus termos. Mas como mais uma vez cita o Exmº Sr. PGA,

“A interpretação do recorrente já, aliás, foi escrutinada pelo TC no Ac. 72/20 12, no qual, após se afirmar “desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou elemento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encerramento do inquérito que, a título de “audiência pré-fina!” (cf Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação, se concluiu no sentido de que não constitui nulidade o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida”[6].


4.
Para terminar, sempre se pode acrescentar que, mesmo após o interrogatório do arguido no qual se remeteu ao silêncio, sempre o mesmo tinha o direito de intervir no inquérito, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurassem necessárias, incluindo a sua audição – assim o entendemos -, ao abrigo dos seus direitos do artigo 61º, nº 1, alíneas b) e g), do CPP.

Mais se esclarece que, pese embora a não audição (interrogatório) do arguido, na fase final ou prévia à dedução da acusação, os seus direitos de defesa e nomeadamente de ser ouvido e contraditar os factos que lhe são imputados, está longe de se mostrar precludido, pois pode não só requerer a abertura da instrução e aqui ser ouvido (para além de alegar os factos e indicar a prova que entender), como estar presente no julgamento onde será inevitavelmente ouvido e poder contraditar todos os elementos da acusação e por fim exercer o seu direito ao recurso.

Pelo que o invocado artigo 32º, nº 1, da CRP[7] não foi preterido ou violado, tendo o mesmo um teor e uma garantia para o arguido muito mais abrangente, como se anotou, do que a pretendida por aquele, no caso concreto.           

VI

Decisão

Por todo o exposto, decide-se rejeitar o recurso do arguido A..., por se considerar manifesta a sua improcedência.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs, a que acrescem mais 3 (três) UCs, por força do disposto no artigo 420º, nº 3, do CPP.

Coimbra, 12 de Novembro de 2014

(Luís Teixeira - Relator)


[1] Tendo como presente e assente a jurisprudência pacífica no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação – v. entre outros, ac. do STJ de 24.3.99, in CJ VII-I-247 e de 20.12.2006, in www.dgsi.pt, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – ac. STJ de 19.10.1995, in DR, 1ª série-A, de 28.12.95.
[2] Por enquanto o Magistrado não tem qualquer poder de ingerência ou de alteração do sistema, que está sob a alçada e controlo do Ministério da Justiça.
[3] Com todo o respeito que nos merece toda a defesa dos direitos fundamentais de qualquer arguido – para a qual sempre contribuímos e defendemos, mesmo oficiosamente, por imperativo legal e também de consciência -, é nosso entendimento, todavia, que há limites razoáveis que cada sujeito processual deve interiorizar de que nem sempre os fins justificam todos os meios utilizados, sendo certo que para os mesmos fins existem sempre outros caminhos possíveis, o mesmo é dizer que, o respeito, a consideração, a urbanidade e o uso do recurso para defender tais posições, por enquanto ainda não pagam “imposto”.
[4] Actual redacção com o seguinte teor:

“Correndo inquérito contra determinada pessoa conta a qual haja fundada suspeita da prática de crime, é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”.


[5] V. a referência feita a este propósito no parecer do Sr. PGA:
“É que o mesmo, neste processo, teve conhecimento dos factos que lhe são imputados quando lhe foi aplicada a medida de coacção, como se vê dos recursos que interpôs da decisão que lha aplicou e que a numeração do processo e o Ac. do STJ de 14/5/2014 dão conta, não podendo assim afirmar-se a postergação, no interrogatório, do constante dos art.°s 61° e 272° do CPP, que é o que, afinal, o recorrente insiste em afirmar. Pois o mesmo teve conhecimento que contra si pendia este processo e quais os factos que lhe eram imputados, podendo defender-se, desde então, dos mesmos que é o que estes preceitos (o primeiro no n.° 1 c)) essencialmente visam”.

[6] Acórdão e posição que merece a discordância do recorrente, como afirma a fls. 81 – fls 9 da sua resposta ao parecer.
[7] Com o seguinte teor:
“O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.