Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1785/12.7TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
REVITALIZAÇÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
RECUSA
PRAZO
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 5 DO ARTIGO 17.º-F E 214.º A 216.º DO CIRE
Sumário: 1. Enquanto no processo de insolvência, a sentença de homologação ou recusa do plano de insolvência, não pode ser proferida sem que tenham decorrido, pelo menos, 10 dias sobre a data da aprovação, no caso do processo especial de revitalização, a sentença de homologação ou recusa do plano apresentado, tem de ser proferida nos 10 dias seguintes à recepção da documentação que comprova a aprovação do plano e respectivos votos.

2. O credor que pretenda requerer a recusa de homologação do plano de recuperação, tem de o fazer logo de seguida à respectiva aprovação, dado que o juiz proferirá decisão logo que recebida a documentação relacionada com o processo de votação, sem necessitar de aguardar pelo decurso de qualquer prazo mínimo.

3. Constitui pressuposto de atendibilidade daquele pedido que a oposição deduzida à aprovação do plano tenha sido manifestada anteriormente à aprovação do plano, mediante alegação dos pressupostos que a fundamentam, não bastando, para tanto, o simples acto de votar contra o plano.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            “A..., SA”, já identificada nos autos, veio efectuar a comunicação de que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, al.s a) e b), do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/4, pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação através do procedimento especial de revitalização, alegando juntar os documentos para tal pertinentes e sugerindo a pessoa que poderia desempenhar o cargo de Administrador Provisório e requerendo a imediata suspensão de todas as acções que contra ela correm.

            Depois de despacho a determinar a junção da declaração escrita a que se refere o artigo 17.º - n.º 1, do referido DL e de alguns documentos, cf. despacho de fl.s 132 e 133, proferido em 28 de Dezembro de 2012, foi declarado como validamente iniciado o processo especial de revitalização da requerente e nomeado administrador judicial provisório, como resulta do despacho de fl.s 140 e 141, proferido em 11 de Janeiro de 2013.

            Ordenou-se, ainda, a notificação da requerente, nos termos do disposto no referido artigo 17.º-C, n.º 4.

            Determinou-se, também, a publicação de tal despacho no portal Citius e a comunicação à conservatória de registo civil, para registo e a inscrição no registo informático de execuções e na página informática do tribunal, cf. artigos 37.º e 38.º do CIRE.

            Posteriormente, cf. fl.s 232 e 233, em 19 de Fevereiro de 2013, o Administrador Provisório apresentou a Lista Provisória de Créditos, a que se refere o artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, indicando os credores nela identificados.

            Relativamente a esta lista foram apresentadas várias reclamações, pela própria requerente (fl.s 236 a 238), pelo MP (fl.s 255 e 256 e 257 a 260) e por trabalhadores da requerente (fl.s 271 a 273, 280 a 282, 287 a 289 e 295).

            Conforme despacho de fl.s 299 e 300, ordenou-se a notificação do Administrador para se pronunciar acerca das reclamações apresentadas e logo se indeferindo a deduzida pelo credor Fernando Giraldo.

            O Sr. Administrador pronunciou-se quanto às aludidas reclamações, como consta de fl.s 317 e 318.

            E a 14 de Março de 2013, cf. fl.s 355 a 367, veio apresentar nova Relação de Créditos Reconhecidos e Não Reconhecidos.

            Na mesma data, juntou, ainda, uma relação dos bens imóveis da requerente.

            Conforme despacho de fl.s 384 a 385 v.º, foi indeferida a reclamação apresentada pelo MP e “B..., L.da” e em que se decidiu converter a lista provisória em definitiva, relativamente às credoras C... , D... e E... (trabalhadoras da requerente).

            Como resulta de fl.s 401 e 402, em 06 de Maio de 2013, foi requerida a prorrogação por 30 dias, para a conclusão das negociações.

            O que foi deferido, conforme despacho de fl.s 403, proferido em 13 de Maio de 2013.

            Como consta do requerimento de fl.s 423, subscrito pelo Administrador e Legal Representante da requerente, entrado em juízo em 26 de Junho de 2013, estes informaram da “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor.

            A conclusão do processo que agora se apresenta teve por base o Plano que se discrimina no Anexo 2 e o resumo da votação que consta do quadro do Anexo I.”.    

            Cotejando o Anexo 1, junto a fl.s 424 e 425, constata-se que o quórum de votantes ascende a 96,22% dos créditos reclamados, sendo os votos favoráveis à aprovação do plano de 82,08% e contra de 17,92%.

            Um dos votos contrários foi o do F..., SA, cujo crédito ascende a 1.191.758,73 €.

            O plano de recuperação encontra-se junto de fl.s 426 a 446, datado de 11 de Junho de 2013 e no qual se consagra a reestruturação do passivo e plano de pagamentos, conforme se trate de créditos privilegiados, comuns e da banca (garantidos e comuns).

            Concretamente, quanto ao crédito do F..., consigna-se o seguinte (fl.s 443):

            “III – Créditos Banca (Garantidos e Comuns)

            (…)

            2 – O Financiamento do F... será resolvido mediante entrega do imóvel, sob contrato de leasing n.º 2040611, sem aplicação de quaisquer penalizações e/ou indemnizações nos termos constantes do contrato. Os valores em atraso resultantes de rendas vencidas e que se vençam até ao efectivo momento da retoma do imóvel, serão amortizados conforme ponto III.3 do presente plano de revitalização. O imóvel será entregue livre de ónus, encargos, bens e pessoas;

            3 – As rendas (capital e juros) em atraso nos financiamentos dos leasings ( F... e G...) serão liquidados em 12 anos em prestações mensais crescentes à taxa de juro Euribor 3 M + Spread 3%, com 12 meses de carência de capital;

            4 – Capitalização dos encargos vencidos à data da homologação do PER.”.

            Como consta de fl.s 453 a 458, O F..., através da sua Ex.ma Mandatária, informou o Administrador, por mail, em 15 de Junho de 2013, que votava contra o plano apresentado, para o que enviou, por correio registado, em 14 de Junho de 2013, o respectivo voto contra aquele plano, como consta de fl.s 454.

            Conclusos os autos ao M.mo Juiz, em 17 de Julho de 2013, este, na mesma data, decidiu o seguinte (fl.s 517 e 518):

“Em conformidade, e pelo exposto, decide-se homologar o plano de recuperação que foi proposto nos presentes autos pela requerente A.... Tal plano será vinculativo em relação a todos os credores da requerente A..., com excepção do credor Autoridade Tributária.

Em relação à credora Autoridade Tributária tal plano será ineficaz, não a vinculando.

*

Deste modo, declara-se o encerramento do presente processo de revitalização.

*

Fixa-se o valor final da remuneração final a atribuir ao sr. administrador provisório na quantia de 1.250 euros, nos termos do artigo 32º, nº3, do CIRE, aplicado por remissão do artigo 17º-C, nº3, alínea a), do mesmo diploma.

Deverá proceder ao pagamento ao sr. administrador da sua remuneração, após abater o valor da provisão que já lhe foi entregue.

*

Custas do presente processo pela requerente A..., nos termos do artigo 17º-F, nº7, do CIRE.

Notifique nos termos do artigo 37º, aplicado por remissão do artigo 17º-F, nº6, ambos do CIRE, designadamente à requerente A..., ao sr. administrador provisório, ao Ministério Público, em representação do credor Autoridade Tributária e aos cinco maiores credores da requerente constantes da lista definitiva aprovada nos autos.

Proceda às publicações da presente decisão, nos termos do artigo 38º, do CIRE”.       

            O F..., foi notificado desta decisão através de carta registada em 18 de Julho de 2013, enviada para a sua Ex.ma Mandatária, cf. fl.s 521.

            E a mesma foi publicada no Citius, nesta mesma data (cf. fl.s 536).

            Conforme requerimento de fl.s 550 a 556, entrado em juízo no dia 25 de Julho de 2013, O F..., SA, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 216.º do CIRE, aplicável por força do seu artigo 17.º -F, n.º 5, a não homologação do plano de recuperação da A..., SA.

            Para tanto, alega que a decisão de aprovação do plano foi publicitada no Citius, em 18 de Julho de 2013, assistindo-lhe o direito de solicitar a recusa de homologação, porque votou, atempadamente, contra o plano e porque este o coloca numa situação menos favorável do que se não houvesse qualquer plano, pelos fundamentos que ali, melhor, explicita.

           

            Entretanto, inconformado com a decisão que homologou o plano de recuperação, dela foi interposto recurso pelo credor F..., SA, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 603), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

I A douta sentença recorrida enferma de nulidade na parte em que decidiu da aprovação e, simultaneamente, da homologação do plano de revitalização da devedora na medida em que, nos termos em que foi proferida, negou aos credores o direito de, querendo, requererem, querendo, ao tribunal a recusa da respectiva homologação.

II. Deve, consequentemente, ser declarada nula a douta sentença recorrida na parte em que homologou o plano e encerrou os presentes autos, ao abrigo do disposto no n. o 1artigo 201 do

CPC, aplicável ex vi artigo 17. o do CIRE, por ter sido omitida uma formalidade que a lei prescreve - dar aos credores a possibilidade de requererem a recusa de homologação do Plano - uma vez que, tal irregularidade pode influir no exame ou na decisão da causa.

III. Foi por considerar, nesta parte, nula a decisão que, no decurso do prazo que dispunha para o efeito, o ora Recorrente, em 25/0712013, efectivamente, requereu ao tribunal a recusa da homologação do plano mas que, face à nulidade acima arguida, não foi tido, como devia, em consideração pelo tribunal a quo aquando da prolação da sentença homologação do plano.

IV. Caso assim não se entenda, o que apenas por hipótese se admite, por cautela e dever de patrocínio, não pode o ora Recorrente, ainda assim, conformar-se com a douta sentença recorrida na parte em que homologou o plano de recuperação da Recorrida e, consequentemente, declarou encerrado o processo de revitalização.

V. Em primeiro lugar, em 14/0612013, o ora Recorrente votou desfavoravelmente o plano de recuperação da devedora, encontrando-se assim preenchida a condição prevista no n. °1 do artigo 216.° do CIRE, aplicável ex vi n. °5 do artigo 17.oF do mesmo diploma: Oposição manifestada nos autos.

VI. Depois, logrou o ora Recorrente demonstrar encontrar-se preenchido o requisito da alínea a) do artigo 216. ° do CIRE: a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de um plano.

VII. Com efeito, a homologação do plano de recuperação da devedora comporta, para si, um resultado manifestamente mais desfavorável daquele que resultaria da liquidação do activo da devedora; deveria, neste caso, o tribunal a quo ter-se abstido de homologar o plano nos termos em que o fez,

VIII. Se, por um lado, na página 5 prevê a manutenção do contrato de locação financeira imobiliária celebrado com o Recorrente, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 700,00 mensais, equivalente a 50% do espaço locado.

IX. Por outro lado, inversamente, na página 15 prevê que o mesmo contrato de locação financeira será resolvido mediante a entrega ao recorrente do imóvel locado, prevendo, designadamente, o prazo e a forma de pagamento das rendas vencidas e vincendas até efectiva entrega do bem.

X. Carecia pois o PER, de ser clarificado no que respeita à posição assumida pela devedora quanto ao cumprimento / incumprimento do contrato de locação financeira.

XI. Com efeito, da opção da devedora quanto ao cumprimento ou resolução do contrato de locação em apreço, dependem desde logo os rendimentos expectáveis que a devedora visa obter da rentabilização do imóvel locado com vista à sua recuperação.

XII. Não pode pois ser considerado fidedigno o plano de recuperação da devedora quando esta sustenta a sua recuperação nos valores das rendas cobradas constantes dos quadros I e 2 (este último referente ao imóvel em regime de locação financeira contratada com o F...) - partindo do princípio que serão mantidos em vigor os contratos celebrados - quando, por outro lado, e no mesmo PER, prevê resolver o contrato de locação financeira e entregar o imóvel locado ao F..., ora Recorrente.

XIII. Não pode pois a Recorrida, sob pena de estar a iludir os seus credores, fazer previsões de rentabilidade de um imóvel cujo contrato de locação financeira tenciona resolver com a consequente entrega do imóvel locado ao ora Recorrente.

XIV. O PER assenta, assim, numa contradição intrínseca e que obstaria, de per si, à sua homologação.

XV. Por outro lado, nos moldes em que se encontra formulado, o PER da recorrida priva o ora Recorrente da posse do seu imóvel - impedindo-o de o rentabilizar em proveito próprio e de dele dispor livremente - por tempo indeterminado já que a devedora foi absolutamente indiferente aos efeitos jurídicos que para si decorrem, da resolução do contrato em apreço.

XVI. Perante a opção pela resolução do contrato, não é exigível ao Recorrente que aceite e compactue com um sucessivo retardamento na entrega do imóvel por forma a permitir que a devedora resolva as situações pendentes e vá, entretanto, beneficiando, a suas expensas, das respectivas rendas para se recuperar economicamente.

XVII. Pelo que, é absolutamente claro que num cenário de insolvência e liquidação do activo da recorrida o Recorrente mais rápida e facilmente lograria obter a entrega do imóvel.

XVIII. Estando o contrato de locação financeira em curso à data da declaração de insolvência da devedora, o seu cumprimento ficaria suspenso ao abrigo do disposto no 1.o do artigo 102.o do CIRE tendo, nesse contexto, o ora Recorrente ao seu dispor a faculdade que lhe é conferida pelo n.02 do mesmo dispositivo legal.

XIX. Optando o Senhor Administrador da Insolvência, ainda nesse cenário de insolvência, pela recusa no cumprimento, ora Recorrente poderia, desde logo e forma mais imediata, exigir a restituição do respectivo imóvel, com recurso dos meios judiciais próprios e céleres ao sei dispor, no caso de não lograr obter a imediata entrega voluntária do mesmo.

XX. Contrariamente, no PER que se encontra homologado pela douta sentença recorrida, não obstante ver o contrato de locação financeira resolvido, o Recorrente fica ainda assim impedido de exigir da devedora a restituição do imóvel que nele poderá permanecer, legitimada pelo PER em vigor, pelo menos enquanto este estiver a ser cumprido.

XXI. Inexiste, por conseguinte, qualquer plus para o ora Recorrente em não se proceder à liquidação da devedora.

XXII. Em síntese: objectiva e logicamente, a posição do F... é manifestamente mais desfavorável (não apenas previsivelmente) com a aprovação e homologação do Plano do que ficaria com a Insolvência e liquidação da devedora o que desde logo, obstaria, a sua homologação por parte do tribunal.

XXIII. Entende pois o ora Recorrente que ao decidir nos termos em que o fez o tribunal a quo violou de forma absolutamente inadmissível o disposto nos artigos 213.°, 214. o, e 216. ° do CIRE aplicáveis, in casu, por força do n. °5 do artigo 17.o do mesmo diploma devendo, consequentemente, a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que homologou e declarou encerrado o presente processo de revitalização e ser substituída por outra, que após apreciação do pedido de recusa de homologação do plano apresentado pelo Recorrente e do presente recurso decida, em sentido inverso, pela não homologação do plano de revitalização da

Recorrida.

NESTES TERMOS,

Deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida na parte em que homologou e, consequentemente, encerrou o processo; ou, caso assim não se entenda, o que apenas por hipótese se admite, ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que homologou o plano de revitalização da devedora A...S.A. e consequentemente encerrou os presentes autos, apreciando como deveria ter feito, o pedido de recusa de não homologação do plano, tempestivamente, apresentado pelo ora Recorrente com os fundamentos aí invocados, com todas as consequências legais.

Só assim se decidindo, será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Através do despacho de fl.s 597 e 598, datado de 04 de Setembro de 2013, o M.mo Juiz, considerou que o pedido de não homologação do plano, por parte do F..., foi extemporaneamente deduzido, por só ser admissível até à aprovação do plano, em função do que indeferiu o requerido a fl.s 550 e seg.s.

            De fl.s 616 a 618, pronunciou-se o M.mo Juiz a quo, acerca das nulidades que a recorrente assaca à sentença recorrida, no sentido de que as mesmas não se verificam.

    

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se a sentença recorrida é nula por ter homologado o plano de recuperação proposto pela requerente, sem dar aos credores a possibilidade de requererem a recusa de homologação de tal plano;

B. Se o pedido de recusa de homologação do plano de recuperação formulado pelo ora recorrente é tempestivo e;

            C. Sendo-o, se o plano de recuperação não deve ser homologado.

            A matéria de facto a ter em conta para a apreciação e decisão destas questões é a que consta do relatório que antecede.

A. Se a sentença recorrida é nula por se ter homologado o plano de recuperação proposto pela requerente, sem dar aos credores a possibilidade de requererem a recusa de homologação de tal plano.

Como resulta do que se deixou dito no relatório que antecede e da posição assumida pelo recorrente, a questão em apreço reconduz-se em saber se a sentença de homologação do plano de recuperação não deve ser proferida antes de decorrido o prazo de 10 dias contados desde a data da aprovação daquele plano, face ao disposto no artigo 214.º do CIRE.

Efectivamente, defende o ora recorrente que se deve aplicar o disposto no artigo 214.º do CIRE, no qual se dispõe que a sentença de homologação só pode ser proferida decorridos pelo menos 10 dias sobre a data da aprovação do plano, o que, in casu, não se respeitou e, assim, impedindo os credores de requererem a recusa de homologação do plano, o que se reconduz à existência de uma nulidade, tal como decorre do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, já que o desrespeito de tal prazo, que origina a referida impossibilidade de algum dos credores requerer a recusa de homologação, tem influência no exame e decisão da causa.

Pensamos que não é despiciendo para a resolução desta questão que se faça uma breve análise do instituto do processo especial de revitalização e fins que lhe estão subjacentes.

Esta figura foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 3.º da Lei 16/2012, de 20/4, nascida já em plena vigência do designado regime excepcional de ajuda financeira externa, com todas as condicionantes que de tal situação emergem.

Como resulta do artigo 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, o procedimento ora em apreço, tem em vista permitir ao devedor que se encontre numa situação de sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (definição dada pelo seu artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

Apenas se exigindo (artigo 17.º-C) para que se inicie tal procedimento de revitalização uma manifestação de vontade, nesse sentido, por parte dos devedores e de, pelo menos, um dos seus credores.

Após o que, cf. artigos 17.º-C, n.º 3 e 17.º D, n.os 1 e 2, incumbe ao devedor comunicar ao tribunal que pretende dar início ás aludidas negociações, devendo o Juiz competente nomear, de imediato, o administrador provisório.

Logo que notificado desta decisão, o devedor tem de comunicar, de imediato, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial, que deu início a negociações com vista á sua revitalização, convidando-os a nelas participarem e prestando as demais informações aí referidas.

Acrescentando-se no n.º 2 do artigo 17.º-D, que qualquer credor tem o prazo de 20 dias contados da publicação no Citius do despacho a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º-C, para reclamar os seus créditos, devendo-as remeter ao administrador provisório, que, no prazo de 5 dias, elabora uma lista provisória de créditos.

Lista, esta, que, conforme n,º 3 do artigo 17.º-D, é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

Não sendo a mesma impugnada, a referida lista provisória converte-se de imediato em definitiva – cf. n.º 4 do artigo 17.º-D.

Referindo-se, por último, no seu n.º 5, que findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

De igual forma e, no caso de conclusão da negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do credor, rege o disposto no artigo 17.º-F, em termos de celeridade no processamento de tal pretensão, designadamente quanto ao prazo em que o Juiz o deve apreciar, a fim de o homologar ou recusar.

Efectivamente, nos termos do n.º 5 deste preceito, impõe-se ao Juiz que o aprecie nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, o que constitui um desvio ao estatuído no artigo 214.º do CIRE, como melhor, adiante explicitaremos.

Ou seja, das normas a que ora nos referimos resultam, desde logo, duas ideias base que enformam e conformam a figura em causa, e a primeira é a de que as negociações a estabelecer com os credores estão subjacentes aos procedimentos e condições nelas descritos.

E, em segundo lugar, trata-se de procedimento sujeito a prazos muito curtos, atenta a sua natureza de processo com carácter urgente, como resulta do disposto no artigo 17.º-A, n.º 3, o que tem consequências directas no seu não cumprimento, designadamente, a nível da sua conclusão com ou sem aprovação do plano, como resulta dos artigos 17.º-F e 17.º-G.

Esta diferente finalidade e natureza do processo de revitalização (é esta a epígrafe do artigo 17.º-A) justifica, a nosso ver, alguns desvios ao regime regra do processo de insolvência (ele, também, já, classificado de urgente), no sentido de o tornar ainda mais célere, pelo que alguns dos procedimentos regra do processo de insolvência aqui não têm aplicação, atenta a especial e diferente tramitação prevista quanto ao PER.

E uma das dissemelhanças a assinalar radica nas diferenças quanto aos prazos previstos para ser proferida a sentença de homologação/recusa do plano de insolvência.

No que concerne ao processo especial de revitalização, dispõe-se no artigo 17.º-F, n.º 5, o seguinte:

“O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”.

Ora, um dos preceitos inseridos no título IX do CIRE é o artigo 214.º, de acordo com o qual:

“A sentença de homologação do plano de insolvência só pode ser proferida decorridos pelo menos 10 dias sobre a data da respectiva homologação, ou, tendo o plano sido objecto de alterações na própria assembleia, sobre a data da publicação da deliberação.”.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, Vol. II (Reimpressão), Quid Júris, 2006, a pág.s 115 e 116, neste preceito consagra-se o direito de reacção à deliberação dos credores, por parte de qualquer interessado, ali se referindo, expressamente, que:

“Do que se trata é, pois, de aguardar as eventuais reacções para que o tribunal possa ao decidir, fazê-lo na ponderação de todos os dados e elementos que deve apreciar e valorar.

Sobre este ponto, cabe lembrar que, não estando especificamente estabelecido um prazo para os interessados poderem exercer a faculdade que lhes é concedida pelo citado art.º 216.º, aplica-se a regra fixada no n.º 1 do art.º 153.º do C.P.Civ. – ex vi do art.º 17.º do CIRE – que é, precisamente, de 10 dias e que por isso, se articula com o prazo mínimo que deve transcorrer entre a aprovação de um plano de insolvência pelos credores e a decisão judicial relativa à respectiva homologação.

Este prazo, diferentemente do que é comum no processo de insolvência, é, pois, fixado pelo mínimo, como, aliás, resulta inequivocamente do seu texto.

Mas há uma outra razão para ser assim, que se prende com a eventualidade de haver actos que, em conformidade com o disposto no artigo 201.º, devem preceder a homologação do plano pelo tribunal.

Ora, quando é assim, a decisão do juiz apenas deve ser proferida após a prática dos actos prévios, segundo o seu regime próprio, o que, frequentemente, importará o decurso de um prazo superior a dez dias.”.

Como resulta do cotejo entre estes dois preceitos há uma assinalável diferença quanto ao prazo em que deve ser proferida a sentença de homologação ou de recusa do plano, numa e noutra das situações.

Enquanto, como vimos, no processo de insolvência, a sentença não pode ser proferida sem que decorridos, pelo menos, 10 dias sobre a data da aprovação, prazo que, nos assinalados termos, até pode vir a ser maior, no caso de processo especial de revitalização, em conformidade com o que se acha disposto no n.º 5 do artigo 17.º-F, a sentença de homologação ou recusa do plano apresentado, deve ser proferida nos 10 dias seguintes à recepção da documentação que comprova a aprovação do plano e respectivos votos, nos termos ali previstos.

Ou seja, no caso de processo especial de revitalização, não obstante na parte final do n.º 5 do artigo 17.º-F se mandar ter em atenção o disposto no título IX do CIRE (em que se inclui o citado artigo 214.º) e em especial o disposto nos artigos 215.º e 216, a regra estabelecida naquele artigo 214.º é expressamente afastada pelo disposto no artigo 17.º-F, n.º 5.

No caso de PER, não há que respeitar o prazo mínimo de 10 dias contados sobre a data da aprovação do plano, tendo a sentença que ser proferida nos 10 dias seguintes à recepção da já mencionada documentação.

Conjugando esta regra com o que se dispõe no artigo 216.º, n.º1, do CIRE, de acordo com o qual a recusa de homologação deve ser requerida anteriormente à aprovação do plano de insolvência, importa concluir que, pretendendo algum credor solicitar ao juiz a recusa de homologação do plano, o tem de fazer logo de seguida à respectiva aprovação, dado que logo que remetida a documentação relacionada com o processo de votação ao juiz, este, tem, no prazo apontado, de proferir decisão, sem necessitar de, contrariamente, ao estabelecido no artigo 214.º do CIRE de aguardar pelo decurso de qualquer prazo.

Consequentemente, não se impunha ao M.mo Juiz a quo que aguardasse 10 dias decorridos sobre a data de aprovação do plano de insolvência, pelo que não se verifica a apontada nulidade.

De resto, cumpre salientar que, como consta de fl.s 423, foi dada a informação nos autos, em 26 de Junho de 2013, que se haviam concluído as negociações com a aprovação de plano de recuperação do devedor e como resulta de fl.s 453 a 458, o F... votou contra o plano apresentado, através de carta registada e enviada em 14 de Junho, dali resultando que o plano foi apresentado em 12 de Junho de 2013.

Por outro lado, a sentença de homologação só veio a ser proferida em 17 de Julho de 2013 (fl.s 518) e só em 25 de Julho de 2013 (fl.s 556) é que o F... veio requerer a recusa de homologação.

De onde resulta que o F... poderia ter usado de tal direito, logo após a aprovação do plano, contra o qual votou e antes de ser proferida a decisão, com que devia contar, viesse a ser proferida no prazo, curto, previsto no artigo 17.º-F, n.º 5 do CIRE.

Pelo que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Se o pedido de recusa de homologação do plano de recuperação formulado pelo ora recorrente é tempestivo.

O recorrente entende que o pedido de recusa do referido plano foi tempestivamente deduzido, com o fundamento em que a decisão que aprovou o plano de recuperação da requerente foi publicitado no Citius em 18 de Julho de 2013 e formulou o pedido de recusa no dia 25 de Julho do corrente ano.

Como já referimos aquando da análise da anterior questão, nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, a decisão de homologação ou recusa do plano de recuperação deve ser proferida nos 10 dias seguintes à recepção da documentação ali referida.

Foi na sequência da junção desta documentação que foi proferida a decisão recorrida, datada de 17 de Julho de 2013 e que foi publicitada no Citius no dia seguinte e notificada, na mesma data, às partes, nos termos legais, como consta de fl.s 519 e seg.s.

O recorrente veio requerer a não homologação do plano em 25 de Julho de 2013, cf. resulta de fl.s 556.

Entende, o recorrente que a tempestividade de tal pedido decorre do facto de dispor do prazo de 10 dias contados desde a publicitação de tal decisão (18 de Julho), que por si foi respeitado e porque votou desfavoravelmente contra o plano, tem de entender-se que existe da sua parte oposição manifestada nos autos, anteriormente manifestada.

Reiterando, como já decidimos aquando da análise da anterior questão, o prazo para ser proferida a decisão de homologação da aprovação do plano, como ali exposto, não é o do artigo 214.º, do CIRE.

Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE, aplicável ex vi do seu artigo 17.º-F, n.º 5, qualquer credor que pretenda requerer a recusa de homologação do plano de recuperação, deve fazê-lo, com base num dos fundamentos enumerados nas sua alíneas a) e b), anteriormente à aprovação do plano.

Como referem os autores acima citados, in loc. cit, a pág. 123, constitui pressuposto de atendibilidade do pedido que a oposição deduzida à aprovação do plano, seja manifestada anteriormente à aprovação do plano.

Ali acrescentando que, quanto aos credores “embora a formulação do texto deixe margem para algumas dúvidas, parece-nos suficiente o voto em contrário na deliberação de aprovação para se considerar preenchida a oposição manifestada no autos.”.

Com todo o respeito que nos merecem os autores citados, não podemos concordar com esta conclusão.

Efectivamente “voto contra” e oposição à aprovação do plano de recuperação do requerente, pelo menos, na perspectiva de fundamentar o pedido feito ao juiz do processo para que recuse a homologação do plano, são realidades completamente distintas.

Como resulta do disposto no artigo 216.º, n.º 1 do CIRE, para se formular o pedido de recusa de homologação do plano tem de se alegar e demonstrar, “em termos plausíveis”, qualquer dos fundamentos expressos nas alíneas a) e b), de tal preceito.

Ora, o simples “voto contra”, não pode corporizar, nestes termos, a realidade que é exigida neste preceito a fim de se poder formular o pedido de recusa de homologação do plano de recuperação.

O que a lei exige é que o impetrante, anteriormente à aprovação do plano, alegue os pressupostos em que fundamenta o seu pedido, o que, cremos, não se pode bastar com o simples acto de votar contra o plano.

Não, a lei impõe-lhe que alegue os fundamentos para tal, em “termos plausíveis”, como se expressa o legislador.

De resto, nos termos do artigo 158.º do CPC então em vigor (regra que se mantém no actual – artigo 154.º), aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE, todas as decisões judiciais que versem sobre pedido controvertido, como é o caso, são sempre fundamentadas.

E a fundamentação só pode versar sobre os argumentos, fácticos e de direito, invocados pelo impetrante, o que não se pode reduzir tão só a um voto contra o plano apresentado e que, por isso, o impetrante já conhece, em todos os seus termos e condições.

Dito de outra maneira, se anteriormente à aprovação do plano não for formulado um pedido de recusa de homologação do mesmo, na forma exigida pelo artigo 216.º, n.º 1, não estão verificados os pressupostos para que o juiz se debruce sobre qualquer pedido nesse sentido.

O juiz só pode decidir fundamentadamente sobre pedidos que lhe forem formulados, se for expresso tal pedido e respectivos fundamentos.

Em suma, não se pode, pois, concluir que o recorrente tenha formulado o seu pedido de recusa de homologação do plano de recuperação da requerente, anteriormente à sua aprovação, o que é exigido no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE, o que acarreta a intempestividade do pedido que formulou, para tal, em 25 de Julho de 2013, uma vez que a decisão que o homologa foi proferida no dia 17 de Julho de 2013, pelo que, assim, é de manter a decisão recorrida.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

A improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida, a qual tem por consequência se considere o pedido formulado como intempestivo, torna inútil a apreciação da questão acima elencada em C.

            Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

            Coimbra, 26 de Novembro de 2013.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco Santos

Catarina Gonçalves