Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3066/18.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
CLÁUSULA PENAL PELA VIOLAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA
NULIDADE
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 9º E 13º DO DEC. LEI Nº 178/86, DE 03/07 (LCA).
Sumário: 1. É nula por contrariar o direito à liberdade económica, em que se compreendem as liberdades de trabalho e de iniciativa a que se reportam os art.ºs 47º, nº 1, 58º, nº 1 e 61º, nº 1 da CRP, a estipulação do contrato de agência que impõe ao agente uma cláusula penal pela violação da obrigação de não concorrência por ele assumida após a cessação do contrato.

2. A obrigação de não concorrência do agente é válida desde que tenha respeitado os requisitos do art.º 9º da LCA (Dec. Lei nº 178/86, de 03/07), isto é, conste de documento escrito, não ultrapasse o período de dois anos e se circunscreva à zona ou círculo de clientes confiado ao agente.

3. Pelo facto de se vincular à obrigação de não concorrência após a cessação do contrato o agente adquire necessariamente a posição de credor da contraparte que daquela beneficia: nunca de seu devedor.

4. O montante ou valor da compensação, que em tal caso é sempre devida ao agente nos termos do art.º 13º, nº 1, al.ª g) da mesma lei, tem de se encontrar fixado ou acordado no momento da cessação do contrato, sob pena da obrigação de não concorrência lhe não poder ser imposta.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

D..., LDA e S..., LDA, instauraram no Juízo Central Cível de Leiria, Comarca de Leiria, uma acção sob a forma de processo comum contra J... pedindo que o R. seja condenado:

a) A pagar à 1ª A. a quantia de €2.500,00, a título de indemnização pela denúncia antecipada do contrato, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento;

b) A pagar à 2ª A. a quantia de €52.500,00, também a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Alegam para tanto, e em suma, que juntamente com a sociedade P..., LDA, como sua agente, e ainda com E..., celebraram com o R. J..., em 12/5/2017 e 30/5/2017, dois contratos de subagência, por força dos quais o mesmo foi investido como subagente das 1ªs AA., tendo por objecto as actividades ali identificadas; tendo sido convencionado, além do mais, que o R. poderia denunciar tais contratos através de comunicação escrita enviada às AA. D..., LDA. e S..., LDA. e à agente P... com uma antecedência não inferior a 60 dias em relação ao termo inicial ou da renovação em curso; constituindo-se o R. na obrigação de indemnizar cada uma das AA. pelo valor correspondente a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), caso incumprisse o assim estipulado; foi ainda fixada ao R. a obrigação de exclusividade e não concorrência nos seguintes moldes:

- Proibição de assinar, em nome próprio ou em representação das AA. qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros para o exercício das actividades objecto daquele mesmo contrato e discriminadas nas cláusulas primeira e segunda do contrato, independentemente de aquelas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com as AA., não podendo o R. negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos dois anos imediatamente seguintes à sua cessação;

- Proibição do exercício, em todo o território nacional, directa ou indirectamente, enquanto sócio, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhador ou prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, de actividade concorrente com a das AA. D..., LDA, e S..., LDA, durante o período de vigência do contrato, bem como dois anos imediatamente seguintes à sua cessação;

- Proibição de celebrar quaisquer protocolos, acordos ou contratos com quaisquer Instituições de Crédito ou Financeiras ou Empresas de Seguros, independentemente destas terem ou não protocolos ou outros tipos de acordos outorgados com as AA., bem como de com tais entidades negociar qualquer tipo de contrato a outorgar pelos clientes, devendo, se e quando contactado por tais entidades, encaminhar imediatamente o assunto para as AA.;

- Proibição de prestar os seus serviços a outras pessoas, singulares ou colectivas, que exerçam actividade concorrente com qualquer das AA. ou da agente (terceira outorgante), e de, por qualquer forma, transmitir a terceiros, concorrentes ou não daquelas, os conhecimentos e procedimentos por aquelas adoptados no exercício das respectivas actividades; os contraentes acordaram ainda na fixação de uma cláusula penal no caso de violação pelo R. do aludido pacto de exclusividade e/ou não concorrência, cláusula através da qual este se obrigou a indemnizar as AA. em montante não inferior a €50.000,00, ou em montante superior se o valor dos prejuízos efectivamente causados excedesse esse valor; as AA. deram ao R. cabal conhecimento dos mencionados contratos e do seu clausulado após o que o R. aceitou a sua vinculação; sucede que, por comunicação datada de 27/11/2017, mas que só chegou ao conhecimento das AA. em 27/12/2017, o R. tomou a iniciativa de fazer cessar unilateralmente o contrato de subagência celebrado com as AA. em 30/05/2017, conforme intenção que até já manifestara anteriormente; as AA. aceitaram a cessação do contrato, com efeitos imediatos, não reclamando do R. a indemnização consagrada na cláusula penal plasmada no referido contrato de subagência; e apesar de na altura terem tolerado o incumprimento do prazo de pré-aviso para a cessação do contrato, fizeram notar ao R. por carta datada de 08/01/2018 que durante os 24 meses seguintes impendia sobre ele a obrigação de não concorrência vertida no mencionado contrato, de cujo cumprimento não prescindiriam; entretanto, vieram a saber que o R. tinha vários negócios em curso que tinham sido angariados enquanto colaborador da agência de Leiria, dos quais guardou os respectivos documentos, não os inserindo no programa de gestão; em meados de Janeiro de 2018 vieram a apurar que a cessação do aludido contrato de subagência se deveu ao ingresso do R. numa empresa concorrente directa da 2ª A. no ramo da mediação imobiliária, a “C...”, que em Leiria era explorada pela sociedade  “B..., Lda”, para a qual desviou o R. negócios que tinha angariado para as AA. enquanto ainda vigorava o contrato com estas; ali passando a desenvolver, a título profissional e em permanência, as funções de consultor imobiliário em actividade concorrente à da A. D..., LDA; continuando o R. presentemente a exercer funções de consultor imobiliário, agora junto da empresa “I...”.

Contestou o R. por excepção e impugnação, deduzindo também reconvenção. Adversou a excepção dilatória de ilegitimidade por preterição do litisconsórcio activo, alegando que os contratos de subagência objecto da presente acção envolviam como outorgantes três entidades, intervindo a terceira outorgante na qualidade de agente das duas primeiras e o Réu simultaneamente como agente da terceira e subagente das duas primeiras, pelo que seria necessária a intervenção de todos na acção para que a decisão a proferir produzisse o seu efeito útil normal; alegou também que ao iniciar as suas funções no inicio de Maio de 2017 logo se apercebeu que as AA. tinham apenas uma colaboradora e não quatro como lhe fora dito; que não havia quaisquer negócios em curso; e que nem uma simples impressora estava disponível; a gerente da agente P...não tinha qualquer formação na área imobiliária, seguros e construção, ou seja, as áreas para que tinha sido constituído o negócio no âmbito do qual fora apresentada a proposta ao Réu e que estava plasmado no programa de gestão da agência; que não tinha acesso às passwords das companhias de seguros, como não conseguia ter acesso a quaisquer propostas de negócio; na manhã do dia 12 de Maio, logo que chegou ao local de trabalho, foi confrontado com os dois contratos referidos a petição sem que previamente as AA. tivessem negociado consigo o que quer que fosse, contratos que “assinou de cruz”, por estar de boa-fé e necessitar das palavras-passe para poder trabalhar; nunca perante as AA. ou a P.... deu o seu acordo a qualquer obrigação de não concorrência após a cessação dos contratos; em todo o caso, que a cláusula de não concorrência que neles foi inserta é nula porquanto só poderia ser convencionada por um período máximo de 2 anos na zona ou círculo de clientes confiado ao agente e sempre mediante compensação, o que não se verificou; em reunião havida em Leiria a 27 de Novembro com a gerente da agente P... comunicou-lhe a sua impossibilidade de manter o vínculo contratual, tendo dela obtido concordância e a aceitação da cessação do contrato com efeitos imediatos e sem quaisquer reservas ou condições, vindo a posteriormente formalizar por escrito a sua desvinculação conforme lhe fora pedido.

Em sede de reconvenção e a título subsidiário, isto é, para o caso de se entender que a referida cláusula de não concorrência é válida, tem direito a ser compensado num valor que computa em €48.000,00 (equivalente a 2.000,00/mês), e ainda numa indemnização no montante de €18.000,00 correspondente ao prejuízo causado pelo incumprimento daquilo a que as AA. se obrigaram, quantias em cujo pagamento pede a respectiva condenação sem prejuízo dos juros legais desde a citação.

*

Replicaram as AA. à matéria excepcional e reconvencional, concluindo pela sua improcedência e reiterando o pedido deduzido inicialmente.

*

No despacho sanaeador foi julgada improcedente a invocada excepção de ilegitimidade activa.

A final a acção e a reconvenção foram julgadas improcedentes por não provadas e R. e AA. absolvidas dos respectivos pedidos.

Inconformada deste veredicto recorreu a Autora D..., LDA, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A apelação.

Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação a A. ora apelante levanta as seguintes questões:

Reapreciação da matéria de facto;

Validade substantiva das cláusulas 10ª e 17ª dos contratos atinentes à obrigação de “exclusividade e não concorrência” e das “cláusulas penais” impostas ao R. ora apelado.

Intervenção do regime das Cláusulas Contratuais Gerais.

Contra-alegou o R., batendo-se pela confirmação do sentenciado.

Apreciando.

A impugnação da decisão de facto.

...

De sorte que, na total procedência da impugnação deduzida, são os seguintes os factos que se têm agora por definitivamente provados, destacando-se a negrito os dois factos agora introduzidos:

...

A validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do clausulado nos contratos celebrados entre as AA. e o R.

Embora a apelante aluda às cláusulas 17ª e 10ª dos contratos importa antes do mais notar que o pedido diz exclusivamente respeito à condenação do R. a pagar à 2ª A.. D..., Lda, a indemnização constituída pela cláusula penal que foi estabelecida entre as partes para a violação da obrigação de não concorrência, violação decorrente a actividade (concorrente com aquela A.) que por ele teria sido desenvolvida após a cessação do contrato denominado “Contrato de subagência – Director Comercial de Agência” de 30 de Maio de 2017 , junto de fls. 29v a 33 v– cfr. os nºs 30, 61, 75 e 76 da p.i. e a alínea b) do petitório. Trata-se, portanto, apenas de aferir da licitude/legalidade da cláusula 10ª do mencionado contrato, tendo em especial atenção o conteúdo dos respectivos nºs 2, 3, 4 e 5, nos quais se prevê a indemnização da “Primeira ou Segunda Contraente, consoante o caso” em montante não inferior a € 50.000,00.

Dado que se provou que a partir de Dezembro de 2017 o R. passou a frequentar formações na empresa “C...” difundindo nas redes sociais a sua identificação como consultor imobiliário desta empresa, integrando a respectiva equipa de Leiria, em que começou a exercer as aludidas funções, promovendo e angariando contratos de mediação imobiliária para essa agência e depois também para outra empresa do ramo da mediação imobiliária denominada “I...” – cfr. os factos provados de 28 a 39, inclusive – não temos o menor rebuço em concluir que o Réu desrespeitou efectivamente a obrigação de não concorrência a que se vinculara perante as AA., designadamente – para o que ora interessa – no segmento específico da mediação imobiliária que integrava o objecto social da 2ª A.

Ponto é saber se tal desrespeito é ou não isento de consequências, particularmente no que toca ao funcionamento da cláusula penal que as partes convencionaram para um tal incumprimento. Funcionamento que, como é óbvio, pressuporá sempre que se tenha por válida e eficaz a obrigação concretamente assumida pelo R. perante as AA., e, mais precisamente, em face da 2ª A..

Neste conspecto, a sentença recorrida, louvando-se em jurisprudência que cita[1], adoptou o entendimento de que “não havendo previsão do montante global da compensação do R. pelo pacto de não concorrência”, nem tão pouco “critérios objectivos e operacionais que permitam proceder à sua determinação” a obrigação para ele ali estatuída nas cláusulas 10ª e 17º dos contratos seria nula ex vi dos art.ºs 280º, nº 1, e 294º do C. Civil.

Ou seja: aderiu-se aí abertamente à tese de que, para serem válidas, as estipulações proibitivas para o R. de concorrência com as Autoras após o termo dos contratos, deveria encontrar-se igualmente convencionado o montante – ou, pelo menos, os critérios para a determinação do montante da compensação destinada a ressarcir o R. da limitação de rendimento daí proveniente, compensação exigida pelo art.º 13º, al.ª g) do diploma que disciplina o contrato de agência (o DL 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL 118/93, de 13 de Abril), em paralelismo com o estabelecido no art.º 136º do Código do Trabalho; de sorte que, ao não ter sido contratualmente fixado montante da aludida compensação (ou os critérios para sua fixação) ocorreria uma indeterminabilidade negocial geradora da nulidade da cláusula de não concorrência.

Insurge-se agora a apelante contra esta argumentação, pugnando, por um lado, pela inaplicabilidade ao contrato de agência do disposto no art.º 136º do Código do Trabalho, e, por outro lado, pela dispensabilidade da determinação contratual do montante da compensação do agente.

Que dizer?

Não é discutido nos autos – nem esta Relação vai divergir – da qualificação dos contratos celebrados em 12 e 30 de Maio de 2017, entre as AA., a P..., E... e o R., como dois contratos de subagência, neles intervindo a Prognóstico de Mérito na qualidade de agente das AA..

Nos termos do art.º 1º do DL 178/86, de 3 de Julho (alterado pelo DL 118/93, de 13 de Abril), diz-se contrato de agência o contrato “pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável, mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”.

Sendo o subagente um agente do agente, e regendo-se a subagência pelas regras da agência devidamente adaptadas (cfr. o art.º 5º, nº 2, do DL 178/86, de 03/07), nada impede que, dentro do princípio da liberdade contratual, o agente se vincule directamente perante o principal, assumindo perante ele uma ou mais obrigações.

Sobre a chamada à colação do disposto no art.º 136º do Código do Trabalho.

Dispõe este artigo o seguinte:

““1 - É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. 2 - É lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições: a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.”

No que respeita ao contrato de agência o art.º 9º do DL 178/86, de 03/07, contém uma norma especial sobre a obrigação de não concorrência do agente em moldes não coincidentes com estes, sobremaneira quanto à nulidade cominada no nº 1 do citado art.º 136º da lei laboral.

Aí se preceitua o seguinte:

“1 - Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, actividades que estejam em concorrência com as da outra parte. 2 - A obrigação de não concorrência só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente.”

Esta norma deve ser compaginada com a do art.º 13º, al.ª g), do mesmo diploma, onde se preceitua que o agente tem direito a uma compensação pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.

Escreveu-se na decisão recorrida que o pacto de não concorrência acordado com o R. é nulo ex vi dos art.ºs 280º, nº 1, e 294º do C. Civil, não apenas porque não foi convencionada qualquer compensação para o subagente (o Réu), mas também porque não foram fornecidos critérios ou elementos para a determinação do respectivo montante, o que conduziria  à indeterminabilidade da contraprestação devida pelas AA..

Não partilhamos deste ponto de vista.

A indeterminabilidade do objecto negocial, compreendendo, é certo, qualquer estipulação das partes destinada a conformar as prestações respectivas que não seja configurável a partir dos elementos ou critérios dos próprios termos do negócio, refere-se sempre ao plano negocial que concretamente ficou plasmado no acordo de vontades alcançado. Não há indeterminabilidade de algo que está ausente do clausulado que as partes concretamente quiseram subscrever. Destarte, se as AA. e o R. se abstiveram de incluir a mínima alusão à compensação deste último pela sua obrigação de não concorrência após os contratos – como sucede no caso concreto – é falacioso invocar-se a indeterminabilidade de tal compensação.

Na cláusula 10º do contrato de 30 de Maio de 2017 o R. obrigou-se a não concorrer com a 2ª A. em todo o território nacional e durante os dois anos seguintes à cessação do contrato independentemente do motivo que a tenha operado.

Não existe, portanto, qualquer vício de indeterminabilidade que fulmine de nula a cláusula contratual de não concorrência do R. estipulada para vigorar após a cessação do contrato por qualquer motivo.

A lei que regula o contrato de agência também não comina a nulidade do pacto de não concorrência “post pactum finitum” que haja sido celebrado quando no contrato as partes não hajam fixado o montante ou os critérios de determinação do montante da compensação devida ao agente. Tão pouco exige – como parece apontar a boa interpretação do citado art.º 136º da lei laboral – que essa compensação conste do próprio contrato escrito como condição da obrigação de não concorrência assumida pelo agente (ou subagente)[2].

Não nos repugna – antes se afigura como perfeitamente razoável – que, não obstante não terem fixado ou previsto no contrato o montante da compensação a pagar como contraprestação da obrigação de não concorrência do agente, as partes possam, mediante documento, vir a acordar sobre tal matéria até ao momento da cessação do contrato.

Não vemos argumentos atendíveis e ponderosos para, como alguns defendem, esse valor dever estar já definido – ou, pelo menos, apontado – ex ante, isto é, no próprio contrato.

Faltando, porém, o acordo até ao momento em que o contrato cessa, já o agente deixa de estar submetido ou adstrito ao respeito da obrigação assumida, na medida em que a limitação da sua liberdade económica a favor do principal não pode iniciar-se sem a indispensável contrapartida[3].

Tal não significa, contudo, que, por outras razões, a cláusula em apreço não tenha de se considerar nula, ficando o R. por força dessa invalidade eximido do seu pagamento à apelante.

Vejamos como.

No art.º 9º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho (LCA), são elencadas três exigências: documento escrito, não ultrapassagem do período de dois anos e circunscrição à zona ou círculo de clientes confiado ao agente.

Se o documento escrito deve ser tido como um requisito de validade, as restantes exigências parecem ser apenas limites à eficácia da convenção.

De todo o modo, considerados em si mesmos, os pactos de não concorrência não são ilícitos, nem ofendem direitos fundamentais dos respectivos vinculados.

Como a propósito do contrato de trabalho se ponderou no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/04, de 14 de Abril de 2004[4],“(…) a generalidade dos ordenamentos jurídicos tolera estas cláusulas de não concorrência, embora introduzindo‑lhe uma série considerável de restrições, que permitem afastar as dúvidas de inconstitucionalidade (…)” . Mais se observando – agora no que concerne à norma do Código do Trabalho supratranscrita – que “(…) a regulação legal dos pactos de não concorrência contida na norma questionada não pode ser considerada como restringindo de forma constitucionalmente intolerável a liberdade de trabalho. (…)”.

Também sobre esta questão da compensação do agente pelo pacto de não concorrência após a cessação do contrato de agência, sustentando a essencialidade ou indispensabilidade dessa contraprestação, se pronunciou o Acórdão do STJ de 05.05.2020, proferido no P. 13.603.2T8SNT.L1.S2, com a seguinte fundamentação: “(…) tem que haver um equilíbrio de prestações e compromissos. Não podendo quem celebre um contrato deste tipo vir depois a encontrar-se com “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, enquanto a contraparte se prevalece da sua palavra. Especificamente o contrato de agência é definido, por Mário Frota, como “acordo através do qual certa pessoa assume, com caráter permanente, a obrigação de promover, em nome e por conta de outrem, e mediante remuneração, a conclusão de contratos em certa zona (Contrato de Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 1978, p. 117). O caráter oneroso é patente. E o não cumprimento de uma remuneração como contrapartida da não concorrência após a cessação do contrato contradiz o sentido de todo o contrato.

É a própria ideia de sinalagma (que funda o contrato em geral) que obriga a um equilíbrio e ajustamento (…)”.

Em bom rigor, a compensação que o art.º 13º, al.ª g), da LCA confere ao agente corresponde apenas à justa retribuição devida pelo facto de este aceitar continuar a submeter-se à obrigação de não concorrência após o fim do contrato, submissão que tem de ser vista como uma extensão ou prolongamento do dever de zelar pelos interesses da outra parte que tipicamente é inerente à vigência do vinculo contratual (art.º 6º da LCA).

Pode inferir-se destas considerações que, não sendo em si mesma ilícita a inserção de pactos de não concorrência em clausulados de contratos como o contrato de agência, já o mesmo não se poderá dizer da cláusula que penaliza o agente ou subagente com o pagamento de uma indemnização pelo não acatamento da obrigação por ele aceite de não entrar em concorrência com o principal após o termo da relação contratual. É que uma tal penalização constitui não só um mecanismo coercitivo da liberdade de iniciativa, de empresa e de trabalho que passa a impender sobre o agente, como um inaceitável instrumento de pressão para a sua abdicação do direito à compensação que legalmente lhe é reconhecido

Sobre a ilicitude das estipulações negociais que afrontam a liberdade pessoal ou económica dos indivíduos – e que é fonte da respectiva nulidade – equiparou-as Manuel da Andrade [5] à ilicitude dos “negócios que vinculam ou prejudicam a liberdade pessoal e económica dos indivíduos em proporção maior do que a reputada admissível, ou por meios considerados excessivos ou em circunstâncias injustificáveis”, apelidando os contratos que contêm “restrições ilícitas da liberdade económica de uma das partes” de “´contratos amordaçantes’, contratos que deixam uma das partes atada de pés e mãos”.

Pensamos que é nesta categoria que entra a exigência do cumprimento de um pacto de não concorrência pelo contraente dele beneficiário sem o prévio pagamento de uma qualquer compensação destinada ao ressarcimento da inactividade por essa via imposta ao agente.

Terá sido com esse fundamento que a al.ª g) do art.º 13º da LCA estabeleceu o direito do agente a uma compensação pela assunção da obrigação de não concorrência após o contrato.

Aliás, na situação dos autos, o problema que se coloca não é de compensação do R. como subagente das AA.: o que a apelante intenta obter é antes o funcionamento a seu favor de uma cláusula penal que foi convencionada para uma violação da obrigação de não concorrência do R. subsequentemente à cessação do contrato.

Quer dizer, ao invés do cumprimento/observância do “sinalagma” a que se reporta o Acórdão do STJ acima aludido, cumprimento que posiciona a apelante como devedora do o R. ora apelado, como seu subagente, a A. aqui apelante arroga-se antes sua credora, procurando prevalecer-se da estipulação de uma cláusula penal (indemnização pré-fixada) para a violação pelo R. da mencionada obrigação de não concorrência.

Ora a estipulação de uma cláusula penal a favor da A., ora apelante, interveniente com a qualidade de principal no cessado contrato de subagência, é, ela sim, ilícita e nula, nos termos do nº 2 do art.º 280º do C. Civil, porquanto, acima de tudo, atenta contra um princípio de ordem pública constitucional que é o da liberdade económica dos indivíduos, liberdade que se traduz ,quer na chamada liberdade de iniciativa ou de empresa, quer na simples liberdade de trabalho, direitos que estão expressamente consagrados nos art.ºs 12º, nº 1, 13º, nº 1, 47º, nº 1, 58º, nº 1, e 61º, nº 1, da CRP, e ainda em convenções ou tratados que integram o direito interno  nos termos do art.º 8º, nºs 1, 2 e 4, da mesma Constituição da República.[6]

Como se enfatiza no Ac. da Rel. do Porto de 07.12.2018, prof. no P. 2521/16.4T8STS.P1, disponível em www.dgsi.pt. os direitos ao trabalho e à liberdade de serviço e de estabelecimento estão salvaguardados ao nível constitucional e também pelas normas que compõem o edifício jurídico da União Europeia: “(…) O princípio da liberdade de trabalho, consagrado nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º da Constituição da República Portuguesa, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 15.º) bem como nos Tratados Internacionais vigentes em matérias laborais, aplicáveis na ordem jurídica interna, decorre do princípio superior da Dignidade Humana. O artigo 15.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, por força do art. 6.º, n.º 1 do Tratado da União Europeia, tem o mesmo valor jurídico deste, estabelece, no n.º 2, que todos os cidadãos da união têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro. Esta liberdade decorre, naturalmente, da livre circulação de pessoas e de trabalhadores, de estabelecimento e de livre prestação de serviços, consagrada no Tratado de Funcionamento da União Europeia, princípios fundadores e conformadores do mercado comum e da cidadania europeia. (…)”.

Quem faz uso de uma cláusula penal como aquela que consta do contrato accionado pela A. ora apelante obsta, de forma definitiva e peremptória, ao pagamento da compensação devida ao subagente após a cessação do contrato, fazendo tábua rasa do direito fundamental à liberdade económica que ao mesmo assiste.

Nem vemos aqui[7]- importa finalmente atalhar – que se justifique sequer a redução desta cláusula de acordo com a equidade, com base no que seria o seu “manifesto excesso”, de acordo com o preceituado no nº 1 do art.º 812º do CC.

Na verdade, é a própria lei – o art.º 13º, al.ª g) do DL 178/86, de 3 de Julho – a conferir ao agente ou subagente que termina o contrato o estatuto de credor de uma compensação da outra parte quando perante esta se haja vinculado a uma obrigação de não concorrência “post pactum finitum”. A condenação do agente ao pagamento da indemnização à outra parte em que redundaria a redução da cláusula penal corresponderia, na prática, à negação desse estatuto legal. Por mínima que fosse essa indemnização ela pressuporia necessariamente um determinado crédito do principal sobre o agente ou subagente.

Mesmo que possa vislumbrar uma redução do montante fixado, o agente ou subagente que aceita a inserção de uma cláusula deste tipo passa a estar psicologicamente submetido – desde a sua vinculação contratual – a uma inaceitável compressão – quiçá, mesmo, uma supressão – da sua liberdade económica.

Do que dito fica decorre que a cláusula penal contida na cláusula 10ª do Contrato de 30 de Maio de 2017, ao prever o pagamento pelo R., ora apelado, à A. ora apelante de uma quantia de €50.000,00 em caso de inobservância do “pacto de não concorrência” é nula; é-o por ser ilícita na medida em que obsta de forma inexorável ao pagamento ao agente da compensação a que alude a alínea g) do art.º 13º da LCA.

A questão da nulidade da cláusula em face do regime das cláusulas contratuais gerais.

Rebela-se também a apelante contra o segmento da sentença que, categorizando os contratos celebrados pelo R. J... em 12 e 30 de Maio de 2017 como contratos em que não existiu prévia negociação (ou seja, como contratos de adesão), teve por excluídas e nulas as cláusulas neles inseridas por não terem sido adequadamente comunicadas (art.ºs 5º, 6º e 8º do DL 446/85, de 25/10) e também por serem contrárias à boa fé (art.º 15º do mesmo diploma).

Com a confirmação da declaração de nulidade da cláusula penal que ficou associada ao pacto de não concorrência após a cessação do contrato celebrado pelo R. em 30 de Maio de 2017 fica prejudicado o interesse desta questão.

Entretanto, na sequência da procedência impugnação da decisão de facto deduzida, foi considerada provada a seguinte factualidade:

48. Antes dos aludidos escritos de 12/5 e 30/5/2017, o R. foi informado do seu teor e alcance.

49. O R. deu a sua anuência expressa a todas e cada uma das disposições clausuladas.

Com esta alteração desapareceu o suporte fáctico que conduzira a sentença recorrida à exclusão da cláusula em apreço nos termos dos art.ºs 5º, 6º e 8º da LCCG.

A questão da contrariedade à boa-fé, para a qual o art.º 15º da LCCG comina a proibição das cláusulas, mostra-se aqui necessariamente prejudicada pela apreciação e considerações que se expenderam a propósito da ilicitude da cláusula penal e da obrigação de não concorrência imposta ao apelado.

De sorte que nenhuma consequência pode agora ser daqui extraída para a improcedência da acção.

Com o que o recurso soçobra integralmente.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, e ainda que por fundamentação não coincidente, confirmam a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 18 de Fevereiro de 2021

Sumário:

1. É nula por contrariar o direito à liberdade económica, em que se compreendem as liberdades de trabalho e de iniciativa a que se reportam os art.ºs 47º, nº 1, 58º, nº 1 e 61º, nº 1 da CRP, a estipulação do contrato de agência que impõe ao agente uma cláusula penal pela violação da obrigação de não concorrência por ele assumida após a cessação do contrato.

2. A obrigação de não concorrência do agente é válida desde que tenha respeitado os requisitos do art.º 9º da LCA (Dec.-Lei nº 178/86, de 03/07), isto é, conste de documento escrito, não ultrapasse o período de dois anos e se circunscreva à zona ou círculo de clientes confiado ao agente.

3. Pelo facto de se vincular à obrigação de não concorrência após a cessação do contrato o agente adquire necessariamente a posição de credor da contraparte que daquela beneficia: nunca de seu devedor.

4. O montante ou valor da compensação, que em tal caso é sempre devida ao agente nos termos do art.º 13º, nº 1, al.ª g) da mesma lei, tem de se encontrar fixado ou acordado no momento da cessação do contrato, sob pena da obrigação de não concorrência lhe não poder ser imposta.

                                                           ***


[1] Foram chamados a terreiro, em abono desta tese, os Acórdãos da Rel. do Porto de 08/06/2017, P. nº 3526/15.8T8OAZ.P2, da Rel. de Lx.ª de 14/01/2009, P. nº 8374/2008.4, e de 10/12/2009, P. nº 376-06.6TTSNT.L1-4, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] São três os requisitos enunciados para a validade dos pactos de não concorrência no art.º 20º da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986 (cuja transposição foi feita entre nós pelas alterações que o DL 118/93 introduziu no DL 178/86), sem que deles faça parte o direito do agente a uma compensação.
[3] Sobre o problema da forma da previsão, adverte Fernando Ferreira Pinto, in “Contratos de Distribuição, Da Tutela do Distribuidor (…)” Lisboa, 2013, p. 456-457, citado pelo Ac. da Rel. de Lx.ª de 07.01.2020, disponível em www.dgsi.pt.; “«o pagamento da referida compensação (…) não carece de expressa previsão contratual, muito embora seja, evidentemente, desejável que os próprios interessados acordem nos parâmetros da sua fixação. Ou seja, e por outras palavras, o dever de compensar o agente é uma mera consequência ou um efeito legal que se associa à celebração de um acordo desse tipo e não um pressuposto da respetiva validade ou eficácia. A solução adotada pela lei portuguesa revela-se sensata e equilibrada, podendo mesmo dizer-se que ela seria, em qualquer caso, preceituada pelo princípio da proporcionalidade no estabelecimento de restrições ao exercício de direitos fundamentais. Mas salta à vista a insuficiência da disciplina que a LCA consagra à aludida compensação, pois nada se dispõe, nomeadamente, quanto ao momento em que deve ser paga e aos critérios que devem presidir ao respetivo cálculo (…)”.
[4] De resto também citado na sentença recorrida.
[5] Teoria Geral da Relação Jurídica, V. II, Coimbra, Almedina, p. 350.
[6] Ensina Mota Pinto (Teoria Geral da Relação Jurídica, p. 551) que ordem pública é a designação utilizada para se abranger o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico, princípios que representam os superiores interesses da comunidade. 
[7] Orientação diversa foi a do já referido Ac. da Relação de Lx.ª de 07.01.2020, no P. 1294/17.8T8AMD.L1-7.